O blog da Petrobrás – uma grande inovação

Confesso, aqui no início, que nunca gostei  e continuo a não gostar da Petrobrás. Tenho ogeriza por empresas estatais, especialmente por monopólios estatais. E não tenho dúvida de que a Petrobrás tem sido usada politicamente pelo governo que a controla – este e os anteriores.

Mas no aspecto que foi descrever, a Petrobrás está de parabéns.

Está causando furor nos meios de comunicação e entre associações de jornalistas uma grande inovação da Petrobrás. Curiosamente, a inovação nada tem que ver com petróleo ou gás natural.

A inovação é a seguinte.

Toda vez que um jornalista contata a empresa para pedir informações ou para ouvir a sua reação a fatos, reais ou alegados, acerca da empresa, esta, antes que a matéria saia no jornal ou revista do jornalista, inevitavelmente editada e, às vezes, editorializada, publica em um blog especial o texto, verbatim, daquilo que o jornalista perguntou e a resposta da empresa. Como empresa mais do que acostumada ao trato com jornalistas, tenho certeza que a Petrobrás, quando contatada por telefone, grava a conversa.

Os meios de comunicação e as associações de jornalistas estão indignados – acusando a Petrobrás de tentar intimidá-los  e de não observar o princípio da confidencialidade das fontes.

Eis a nota da Associação Nacional de Jornais (ANJ), publicada na Folha de hoje (9 de junho de 2009):

Empresa tenta intimidar jornais, diz nota da ANJ

‘A Associação Nacional de Jornais (ANJ) manifesta seu repúdio pela atitude antiética e esquiva com que a Petrobras vem tratando os questionamentos que lhe são dirigidos pelos jornais brasileiros, em particular por O Globo, Folha de S.Paulo e O Estado de S. Paulo, que nas últimas semanas publicaram reportagens sobre evidências de irregularidades e de favorecimento político em contratos assinados pela estatal e suas controladas.

Numa canhestra tentativa de intimidar jornais e jornalistas, a empresa criou um blog no qual divulga as perguntas enviadas à sua assessoria de imprensa pelos jornalistas antes mesmo de publicadas as matérias às quais se referem, numa inaceitável quebra da confidencialidade que deve orientar a relação entre jornalistas e suas fontes. Como se não bastasse essa prática contrária aos princípios universais de liberdade de imprensa, os e-mails de resposta da assessoria incluem ameaças de processo no caso de suas informações não receberem um ‘tratamento adequado’. Tal advertência intimidatória, mais que um desrespeito aos profissionais de imprensa, configura uma violação do direito da sociedade a ser livremente informada, pois evidencia uma política de comunicação que visa a tutelar a opinião pública, negando-se ao democrático escrutínio de seus atos.’

Júlio César Mesquita, vice-presidente da ANJ”

A nota da ANJ é uma graça. Além de exibir um Português sofrível (vide “uma violação do direito da sociedade a ser livremente informada”) demonstra como os meios de comunicação, em especial a imprensa,, se consideram prima donnas intocáveis.

Os argumentos da ANJ são risíveis.

É risível a alegação de que o procedimento da Petrobrás é uma tentativa de intimidar a imprensa – ela, sim, não raro adepta do uso de táticas intimidatórias. A Petrobrás está apenas se protegendo contra o mau uso das informações que presta. O poder da mídia hoje em dia é tal que ela pode construir e destruir reputações em um dia. É preciso que encontremos formas de nos proteger desse (assim chamado quarto) poder.

Mas é especialmente risível a alegação de que a Petrobrás está promovendo uma “inaceitável quebra da confidencialidade que deve orientar a relação entre jornalistas e suas fontes”. Ora, o princípio da confidencialidade das fontes visa a proteger as fontes, não o jornalista que faz uso delas. É o jornalista que tem o dever de proteger a identidade de suas fontes. Estas, na ausência de contra-indicações, podem e devem ser reveladas.

Todos os que já lidaram com os meios de comunicação, e já viram suas cartas à redação serem simplesmente ignoradas, ou suas entrevistas e declarações serem recortadas de modo a se tornaram irreconhecíveis, ou, pior ainda, suas entrevistas e declarações serem interpretadas fora de contexto de modo a dizer quase o oposto do que se quis dizer, isso feito por incompetência ou má fé, todos esses, repito, se sentem vindicados pela decisão da Petrobrás de dizer ao público, através de seu blog na Internet: “Fomos contatados por fulano de tal, do jornal tal, que nos perguntou isso – a que respondemos dizendo isso e apresentando os seguintes fatos e evidências que corroboram nossa resposta”. Ponto final.

Registre-se, do lado positivo, que o presidente da ABI (Associação Brasileira de Imprensa), Maurício Azedo, defendeu o blog da Petrobras.

A Petrobrás emitiu uma nota, em resposta às críticas da ANJ, em que diz (segundo a Folha de hoje):

“A propósito da nota da Associação Nacional dos Jornais sobre o blog Fatos e Dados, emitida pela entidade em 8/ 6/2009, a Petrobras declara:

O blog foi lançado com o objetivo de apresentar fatos e dados recentes da Petrobras, o posicionamento da empresa sobre as questões relativas à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) e garantir a total divulgação dos esclarecimentos solicitados pela imprensa e as respectivas respostas enviadas aos jornalistas. A Petrobras respeita os princípios universais de liberdade de imprensa, tanto que, em nenhum momento, se esquivou de responder às perguntas enviadas, de forma direta e clara. Tampouco, usou de qualquer meio para evitar a publicação de reportagens e notas, mesmo quando a empresa está sendo atacada.

A noção de confidencialidade e sigilo, como a própria nota da ANJ registra, é um princípio que norteia a relação dos jornalistas com suas fontes (pessoas ou empresas, consultorias). O objetivo principal é preservar aqueles que passam informações aos jornalistas e que, por qualquer motivo, precisam ou querem se manter no anonimato. Mas não há compromisso semelhante de confidencialidade e sigilo da fonte para o jornalista, pois isso limitaria o próprio caráter público e aberto da informação.

Quanto à suposta ameaça citada na nota da ANJ, em seus parágrafos três e quatro, esclarecemos que a Petrobras respeita a imprensa e jamais faria ou fez qualquer ameaça a jornalistas ou jornais. A nota se refere, na verdade, a uma mensagem de segurança padrão e automática, sem qualquer vínculo com o relacionamento com a imprensa e veiculada há anos na correspondência eletrônica emitida a partir do correio eletrônico da Petrobras, por todos os funcionários da empresa. Essa é uma proteção amplamente adotada por provedores confiáveis, e mensagens semelhantes acompanham e-mails enviados por jornalistas de diferentes veículos. No caso da Petrobras, a mensagem é destinada,
principalmente, aos empregados da empresa. Isso pode ser facilmente constatado pela própria leitura da íntegra da mensagem (O emitente desta mensagem é responsável por seu conteúdo e endereçamento. Cabe ao destinatário cuidar quanto o tratamento adequado. Sem a devida autorização, a divulgação, a reprodução, a distribuição ou qualquer outra ação em desconformidade com as normas internas do Sistema Petrobras são proibidas e passíveis de sanção disciplinar, cível e criminal). O foco interno fica bem claro na citação às normas internas do Sistema Petrobras e na menção a sanções disciplinares, o que só é possível adotar em relação a funcionários.

A Petrobras reafirma que, assim como os veículos de comunicação, defende a livre e ampla circulação de ideias, informações e conhecimento. Como companhia de capital aberto e maior empresa do Brasil, com negócios em diversos países, consideramos que é nosso dever garantir que clientes, acionistas, parceiros e toda a sociedade tenham pleno acesso aos esclarecimentos prestados por nós. Este é o nosso único objetivo."

Difícil fazer qualquer reparo que seja a essa resposta.

O único aspecto em que os meios de comunicação e as associações de jornalistas têm certa razão é que o blog da Petrobrás pode “furar” eventuais furos de reportagem, chamando a atenção de outros meios para o que um deles está investigando. Mas não creio que exista um direito ao ineditismo.

[Acrescentado quase um mês depois, em 7 de Julho de 2009:

No dia 9/6 meu amigo Wilson Azevedo comentou essa matéria em minha lista de discussão LivreMente. O comentário dele é pertinente e acrescenta elementos à discussão. Ei-lo:

“Eu ia comentar este caso. E encontrei um excelente artigo seu a respeito. Parabens!

Pois e’: a Internet esta’ acabando com os atravessadores…

Nos anos 80 culpavam os atravessadores pela inflacao, lembra? Eram a parte da cadeia de distribuicao que ficava entre o produtor e o grande varejo ou o ponto de atacado mais proximo do varejo. Culpavam estes por se aproveitarem e praticarem margens exageradas de lucro.

Pois a Internet, no campo da cultura, da educacao e da informacao, esta’ detonando os atravessadores.

Na industria fonografica e do entretenimento isto esta’ ficando cada vez mais claro. Nunca na historia deste planeta vimos tantos medalhoes da musica saindo em turnes mundiais ou nacionais como agora. E’ que a fonte foi secando e agora dinheiro mesmo so’ levantando as nadegas da poltrona e trabalhando. A venda de CDs nao para de despencar, enquanto o download, legal ou nao, de musica nao para de aumentar. A ridicula reacao da industria a principio foi de correr atras de adolescentes e mamaes. Mas sao milhoes e milhoes baixando musica de graca sem dar mais nem um centavo para a industria fonografica. Acabou o atravessador. Agora e’ o artista e seu publico. No meio, a Internet, nao mais a gravadora…

Na educacao cresce o fenomeno dos professores independentes. Eu sou um deles. Faz uns 10 anos que nao dependo de instituicao de ensino para dar meus cursos. Quando me convem e me interessa, quando vejo possibilidades de obter maior divulgacao ou maior apoio em termos de certificacao, me associo a uma instituicao de ensino. Mas nao dependo de uma para lecionar. Tudo o que uma instituicao de ensino oferece num curso online eu como professor posso oferecer. Estamos na Internet nivelados, em pe’ de igualdade. Acabou o atravessador na educacao: agora e’ o professor e seus alunos, no meio a Internet, nao mais a instituicao de ensino.

Agora no campo do oligopolio da informacao a coisa esta’ ficando cada vez mais aberta. O atravessador da informacao era o jornal, o telejornal, a revista. Ficava no meio, entre o leitor/espectador e a informacao, claramente filtrando e publicando apenas o que lhe interessava. Pois agora acabou o atravessador: entre a fonte e o leitor tem agora a Internet, nao mais a imprensa. Mais ainda: entre o jornalista e o leitor cada vez mais agora tem a Internet e cada vez menos tem jornal. E’ outro fenomeno destes tempos recentes: blogs de jornalistas independentes, que nao mais escrevem em jornais ou revistas, e que sao tao ou mesmo mais lidos que os proprios veiculos na Internet.

Atravessadores, tremei: e’ chegada a sua hora… 🙂

Wilson

Em São Paulo, 9 de Junho de 2009

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