O JMC nos deu Educação – no sentido mais pleno do termo

O JMC não era uma simples escola, como as outras.

O JMC era uma escola de vida.

Para começar, era um internato. A maior parte de nós, alunos, morávamos lá – isso quer dizer que vivíamos a nossa vida lá. A maior parte dos professores também. Também os diretores.

As outras escolas em geral se preocupam em encher a mente de seus alunos de informações. O JMC fazia, das cianças e adolescentes que ali chegavam, literalmente gente grande. E não só gente grande do ponto de vista intelectual: gente grande também do ponto de vista emocional, interpessoal, profissional, social – humano, enfim.

Ali aprendemos a pensar com idéias próprias, a argumentar, a defender nossas idéias contra crítica, a criticar as idéias dos outros, a debater questões controvertidas (o JMC não fugia delas)…

Ali aprendemos a entender outras línguas, a nos expressar nelas e a praticá-las em clubes de línguas estrangeiras (clubes de alunos interessados em uma determinada língua, como o English Club);

Ali os professores, se você já conhecia bem o assunto da aula deles, o dispensava da aula para trabalhar com você em tutoriais individualizados (dona Elza, professora de Francês, fez isso comigo durante os três anos que passei lá);

Ali aprendemos a conviver uns com os outros, a gerenciar nossas emoções, a lutar contra impulsos primitivos, a nos conter quando um colega nos fazia uma brincadeira de mau gosto…

Ali aprendemos a amar e a encontrar formas criativas de expressar o amor, para contornar a proibição do namoro…

Ali aprendemos a tomar conta de nossa vida, de nosso quarto, de nossas roupas, de nossos objetos pessoais, de nossos livros…

Ali aprendemos a trabalhar em atividades manuais ou braçais, limpando o chão e até mesmo a privada, servindo no restaurante, lavando roupas e louças…

Ali aprendemos a viver simples e frugalmente, com pouco e, por vezes, nenhum dinheiro, e a compartilhar o pouco que tínhamos…

Ali aprendemos a administrar o nosso tempo, alocando-o conforme nossas prioridades: a vida intelectual e o estudo; a música, o esporte, e o lazer; o amor e a vida social; a contemplação e a devoção…

Ali aprendemos que, de vez em quando, ficar sem fazer nada, deitados na grama, olhando para o céu, tendo apenas nós mesmos como companhia, era algo importante…

Ali aprendemos a ter responsabilidade, a responder por nossos atos – a fazer provas sozinhos no quarto, com os livros e cadernos ao lado, sem sucumbir à tentação de abri-los…

Ali desenvolvemos nosso caráter, que é (como alguém um dia disse) aquilo que fazemos quando ninguém está olhando…

Michael Hammer, o guru da reengenharia, disse, em um de seus livros, citando alguém, que educação é aquilo que resta depois que a gente esqueceu o que nos foi ensinado.

No caso do JMC, restou muito. Somos o que somos, em grande parte, em virtude de nossa experiência no JMC.

Educação é isso: é o que resta, depois que a gente se esqueceu do que nos foi ensinado: o amor do saber, o entusiasmo pela descoberta, a fascinação pelo conhecimento, pela cultura, pelas artes, por outras manifestações tipicamente humanas, como esporte, o desejo de sempre aprender mais, o sentido de valor que nos ensina a separar o importante do urgente e a priorizar as coisas, a honestidade e a honradez, a certeza de que a vida vale a pena quando se tem um objetivo pelo qual lutar e se luta por ele sem abandonar os princípios que moldam o nosso caráter. O JMC nos legou tudo isso. O JMC nos deu educação. Talvez a melhor educação de que se tenha notícia neste país.

Por isso, a experiência, ainda que apenas de um ano, no JMC marcou todos os seus alunos.

É por isso que, quarenta anos depois de seu fechamento, seus ex-alunos ainda se apegam à memória da instituição, querem preservá-la, não conseguem se conformar que ela se perca com a morte, cada vez mais freqüente agora, dos manuelinos. É uma tristeza reconhecer que não existem mais manuelinos com menos de cinqüenta anos, por aí… e que dentro de uns trinta anos, no máximo, provavelmente não haverá mais nenhum manuelino vivo.

Por isso essa obsessão por preservar a memória, contar e registrar a história, para que filhos, netos, bisnetos saibam que um dia houve uma escola contra a qual nenhuma voz jamais se levantou e que todos os que passaram por lá amam com devoção… Há ex-alunos com mais de 90 anos, que amam o JMC com devoção até hoje). E para que saibam, também, e esse o lado negro da história, que a escola foi fechada, quarenta anos atrás, pelo medo – ou, o que é pior, por interesses escusos… E para que saibam que os que estiveram envolvidos no processo ou já morreram ou, se ainda vivos, preferem morrer a revelar o que realmente aconteceu.

Por isso o Museu Presbiteriano, com sede no Seminário Presbiteriano do Sul, em Campinas, decidiu, neste ano em que se celebram cento e cinqüenta anos do presbiterianismo no Brasil, acolher o pedido da Associação dos ex-Alunos do JMC de fazer uma mostra, no início de 2010, do que foi o JMC. Oitenta e dois anos depois de ele ter sido fundado. E quarenta anos depois de ter sido fechado.

São Paulo, em 3 de Dezembro de 2009

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