Os Emoticons (Emocícones?)

Apesar de sempre ter tido interesse na história da informática e, especialmente, da microinformática, nunca imaginei que a paternidade dos emoticons (emocícones?) estivesse devidamente registrada. Pelo jeito está.

Adiante uma entrevista com Scott Fahlman, professor da Carneggie-Mellon University, de Pittsburgh, PA (onde morei durante cinco anos, de 1967 a 1972), que recebe o crédito pela invenção. Vale a pena ler. A entrevista saiu hoje na Folha Informática, seção da Folha de S. Paulo.

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Folha de S. Paulo
24 de Março de 2010

Comportamento
ENTREVISTA
SCOTT FAHLMAN

Emoticons

Basicamente, sou uma pessoa feliz

Inventor dos sinais gráficos que evidenciam emoções dos internautas critica emoticons animados

DIÓGENES MUNIZ
EDITOR DE MULTIMÍDIA DA FOLHA ONLINE

No dia 19 de setembro 1982, o cientista norte-americano Scott Fahlman, então com 34 anos, acordou tarde. Já passava das 11h em Pittsburgh, Pensilvânia, quando ele pulou da cama. Como de costume, a primeira coisa que fez foi se debruçar sobre o computador.

Exatamente às 11h44, disparou um e-mail para um fórum on-line na Universidade Carnegie Mellon. Nascia ali o primeiro emoticon da rede.

"De vários ângulos, aquela foi uma das coisas mais desinteressantes que já fiz na vida", diz Fahlman, hoje com 62 anos, em entrevista à Folha por e-mail de seu escritório na Carnegie Mellon.

Seu recado foi curto e objetivo. Teve pouco menos de 170 caracteres. Cansado de mal-entendidos surgidos na troca de mensagens entre pesquisadores e estudantes, que misturavam assuntos sérios com recados humorísticos quase nunca interpretados de forma bem-humorada, Fahlman sugeriu: quando estivessem contando piadas, colocariam :-). Caso enveredassem para temas importantes, a carta eletrônica viria com um compulsório :-(.

Seu e-mail é o mais antigo registro do uso de emoticon em uma rede -mais especificamente na Arpanet, embrião da internet. Para muitos, é a própria invenção da carinha, embora o pesquisador admita haver outras tentativas antigas de montar uma expressão facial por meio de caracteres.

Alguns meses depois da mensagem pioneira, as carinhas de Falhman tinham se espalhado por outros fóruns. Conforme seu e-mail circulava pelos EUA e em outros países, novos emoticons iam surgindo. De óculos escuros, boca aberta, com boné e até uma versão do Papai Noel.

Fahlman, um prestigiado estudioso de inteligência artificial, diz nunca ter recebido um centavo por sua criação. Mas se mostra orgulhoso da invenção ao rechaçar os emoticons animados. Ele também relativiza a ideia de que o uso desse tipo de muleta verbal torne as pessoas mais preguiçosas na hora de articular ideias.

"Nem todos têm a habilidade literária de [William] Shakespeare ou [Mark] Twain, e mesmo os gênios têm seus dias ruins", diz, em sua página na internet. Além disso, "se Shakespeare estivesse fazendo uma breve nota de reclamação sobre a falta de vagas de estacionamento, ele provavelmente ia produzir a mesma prosa desleixada que nós".

  

FOLHA – O senhor já conseguiu algum dinheiro com sua invenção?

SCOTT FAHLMAN – Eu nunca tirei dinheiro disso e nem acho que seria possível. Se as pessoas precisassem ter uma permissão ou pagar royalties para usar os símbolos 🙂 e :-(, elas simplesmente procurariam outra coisa para usar no lugar. Então, para o bem ou para o mal, esse tem sido o meu pequeno presente para o mundo. Uma ou duas mesas de palestras entraram em contato comigo, mas estou ocupado demais com as pesquisas para gastar tempo dando palestra por dinheiro. De qualquer forma, não tenho muito a dizer sobre os dez minutos da minha vida em que elaborei o 🙂 e coloquei numa mensagem. Vista sob vários ângulos, aquela foi uma das coisas mais desinteressantes que já fiz na vida.

FOLHA – Que tipo de trabalho o senhor tinha antes de sugerir o uso de emoticons em um grupo de e-mails?

FAHLMAN – Eu tinha o mesmo emprego que tenho hoje: sou professor de pesquisa na Universidade Carnegie Mellon em Pittsburgh, trabalhando com inteligência artificial -sobretudo em tentar reproduzir o conhecimento do senso comum em um computador e fazê-lo entender a linguagem natural. Estamos progredindo, mas é uma equação muito difícil.

FOLHA – O que o senhor pensa sobre os emoticons animados, usados sobretudo em programas de mensagens instantâneas?

FAHLMAN – Não gosto daqueles círculos amarelos e dos emoticons animados. São feios, meio que estragam toda a diversão. É mais desafiador tentar descobrir maneiras de expressar as emoções humanas usando só o conjunto padrão de caracteres do alfabeto romano. Suponho também que eu prefira esse tipo de emoticon porque desempenhei um papel na sua invenção.

FOLHA – Essas carinhas tornam as pessoas mais preguiçosas na hora de se expressarem?

FAHLMAN – Elas economizam esforço, se você quiser indicar explicitamente que algo é uma brincadeira. O que é preguiça para alguns é eficiência para outros.

FOLHA – Qual seu emoticon favorito?

FAHLMAN – Eu recebo crédito pelos emoticons 🙂 e :-(. Outro que as pessoas usam frequentemente e que eu gostaria de ter inventado é a carinha piscando ;-). E talvez o emoticon que grita :-O.

FOLHA – O senhor se considera uma pessoa mais 🙂 ou 😦?

FAHLMAN – Bom, há algumas coisas ruins no mundo, outras boas e há ainda as coisas neutras. Cabe a cada indivíduo focar no 😦 ou no :-). Tive dias ruins, algumas vezes sem qualquer motivo óbvio, mas, felizmente, me recuperei rapidamente. Tenho tido muita sorte na vida. Basicamente, sou uma pessoa f
eliz.

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Em São Paulo, 24 de Março de 2010