Pode uma decisão judicial mudar o passado?

A Folha de S. Paulo de hoje (25/2/2011) publicada a íntegra de uma sentença judicial. Em reportagem de 2003 a Folha disse algo que um cidadão achou injurioso e ele processou a Folha por calúnia e difamação. A Folha ganhou em primeira instância, o autor recorreu e ganhou o caso em segunda instância. A Folha acabou condenada.

Além de multa e de publicação da sentença na íntegra, a Folha foi condenada a “por óbvio, . . . retirar da Internet cópia da reportagem que deu origem à discussão.”

Abaixo a íntegra da sentença.

Assunto análogo já foi discutido aqui neste blog, em pelo menos três vezes, a primeira delas em relação ao mesmo jornal, que se recusou, a pedido da interessada, a remover da Internet uma reportagem antiga que uma leitora considerava danosa a si própria. A Redação da Folha baseou sua negativa no argumento (plausível) de que remover da versão eletrônica do jornal aquilo que apareceu na versão impressa é reescrever e, por conseguinte, falsificar a história. 

Veja-se

O Memorioso e o Pensoso…
http://ec.spaces.live.com/blog/cns!511A711AD3EE09AA!3311.entry

O assunto teve prosseguimento em dois outros posts.

Ainda sobre o Memorioso…
http://ec.spaces.live.com/blog/cns!511A711AD3EE09AA!3317.entry

Sobre o direito de que se esqueça o que dissemos e fizemos

http://liberalspace.net/2010/04/05/sobre-o-direito-de-que-se-esqueca-o-que-dissemos-e-fizemos/ 

Naquele caso, não havia uma decisão judicial: apenas um pedido, dirigido à Redação do jornal, pela parte interessada. Ela não argumentava que a notícia era falsa. Admitia, na verdade, ter dito aquilo que a reportagem relatava. O que argumentava era que a matéria havia sido, mesmo quando aconteceu, de interesse restrito, quiçá pessoal, e que agora, anos depois, não tinha o menor mérito jornalístico ou histórico, embora a prejudicasse terrivelmente no plano pessoal. A Folha recusou-se a atender ao pedido.

Agora temos uma sentença judicial que manda a Folha remover da versão eletrônica, na Internet, a reportagem que suscitou a ação ora julgada em segunda instância.

Mesmo admitindo a diferença entre as duas matérias, não resta dúvida de que o jornal impresso publicou a matéria injuriosa e que a versão eletrônica, espera-se, é uma réplica fiel da versão impressa. O juiz não tem como mandar remover da versão impressa a matéria. Mas manda a Folha removê-la, “por óbvio”, da versão eletrônica.

Por óbvio??? Onde está a obviedade? Tem o judiciário o poder de reescrever a história?

Leia-se a íntegra da decisão judicial, publicada no site da Folha em dois lugares diferentes.

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http://www1.folha.uol.com.br/ciencia/880856-folha-publica-decisao-em-cumprimento-a-ordem-judicial.shtml 

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe2502201101.htm

APELAÇÃO CÍVEL N. 508.742-5, DA 6ª VARA CÍVEL DO FORO CENTRAL DA REGIÃO METRPOLITANA DE CURITIBA
APELANTE: JOÃO LUÍS VIEIRA TEIXEIRA
APELADOS: EMPRESA FOLHA DA MANHÃ S/A E OUTRA
RELATOR ORIGINÁRIO: DESEMBARGADOR MACEDO PACHECO
RELATORA CONVOCADA: JUÍZA SUBSTITUTA EM SEGUNDO GRAU DENISE KRÜGER PEREIRA
APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS -PUBLICAÇÃO DE REPORTAGEM ACUSATÓRIA EM JORNAL DE CIRCULAÇÃO NACIONAL -ATRIBUIÇÃO AO AUTOR DE PARTICIPAÇÃO EM ATIVIDADES ILEGAIS -JORNALISTA QUE NÃO LEVA EM CONSIDERAÇÃO AS INFORMAÇÕES A QUE TEVE ACESSO QUANDO DA ELABORAÇÃO DA REPORTAGEM – ABUSO DO DIREITO DE INFORMAR -DANOS MORAIS DEVIDOS -PUBLICAÇÃO DA DECISÃO NOS MESMOS MEIOS EM QUE EXPOSTAS AS ACUSAÇÕES -CABIMENTO – RECURSO PROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 508.742-5, da 6ª Vara Cível do Foro Central da Região Metropolitana de Curitiba, em que é apelante JOÃO LUÍS VIEIRA TEIXEIRA e apelados EMPRESA FOLHA DA MANHÃ S/A E OUTRA.

Em 29.01.2003, JOÃO LUÍS VIEIRA TEIXEIRA ajuizou ação de reparação de danos extrapatrimoniais (f. 02/28) em face de EMPRESA FOLHA DA MANHÃ S/A e CRISTINA AMORIM, oportunidade em que alegou, em síntese:

(a) que em 25.01.2003, em matéria publicada pelo jornal Folha de São Paulo, assinada pela segunda requerida, foi alvo de gravíssima reportagem acusatória;

(b) que na citada reportagem, intitulada “Advogado vende fóssil ilegal pela internet”, é acusado de ser contrabandista, estelionatário e criminoso ambiental, a ser investigado pela Polícia Federal e Interpol;

(c) que o conteúdo na reportagem não é verdadeiro;

(d) que tem como hobby colecionar peças exóticas;

(e) que comprou o fóssil de um revendedor americano pela internet, a pedido do Museu Georges Cuvier, situado em Cascavel;

(f) que constatada a veracidade do primeiro fóssil, resolveu importar outras três, das quais posteriormente anunciou à venda duas;

(g) que ganhou notoriedade depois do programa Fantástico preparar reportagem a respeito;

(h) que após aparecer em rede nacional, a repórter, segunda requerida, procurou-o para fazer uma reportagem sobre o assunto;

(i) que a matéria publicada não levou em consideração fatos que demonstram a legalidade de suas operações, de modo a se tornar inverídica e lhe causar diversos danos.

Em sede de contestação (f. 196/ 213), os requeridos se defenderam dos fatos alegados na petição inicial, alegando, em suma:

(i) preliminarmente, o desentranhamento dos documentos juntados em língua estrangeira e que a apreciação do feito deverá se pautar pelos dispositivos da Lei de Imprensa; e,

(ii) no mérito,

(a) a decadência do direito pleiteado;

(b) que os fatos narrados na reportagem são verídicos, nada havendo de calunioso, limitando-se a narrar que o requerente comercializa relíquias arqueológicas, principalmente ovos de dinossauros fossilizados de origem chinesa e que, conforme declarou a secretária da cultura da Embaixada da China no Brasil, este comércio seria ilegal;

(c) que para a elaboração do texto jornalístico foram ouvidos o Requerente, o Sr. Douglas Mesquita do Museu Georges Cuvier, a Secretária da Cultura da Embaixada da China, a Delegada da Polícia Federal Regiane Martinelli e o Sr. Stelleo Tolda, diretor da empresa responsável pelo site em que o autor vende seus produtos;

(d) que todas essas declarações foram reproduzidas na publicação;

(e) que a intenção da requerida foi exclusivamente de noticiar os fatos ocorridos, movida pelo animus narrandi;

(f) que acaso haja condenação, seu valor deve respeitar o limite disposto na Lei de Imprensa e

(g) que a sentença deve ser de improcedência.

Após a prática dos atos processuais necessários, o juízo singular proferiu sentença (f. 397/ 403), julgando improcedentes os pedidos deduzidos na petição inicial. Após, em vista do princípio da sucumbência, condenou o autor ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, fixados em R$ 2.000,00.

A fundamentação da sentença foi, de modo resumido, a seguinte:

(a) que não se infere no texto da reportagem a prática de ato ilícito -abuso do direito de narrar;

(b) que a notícia evidencia o comércio por parte dos Requerente de ovos fossilizados de dinossauro, o que é verídico;

(c) que no tocante à legalidade do negócio, a reportagem retratou informações da Embaixada da China no Brasil, assim como a Polícia Federal;

(d) que não se demonstram elementos suficientes para configurar ofensa à honra da Requerente, mas sim simples narrativa dos fatos, visando informar ao público.

Irresignado, o autor interpôs recurso de apelação (f. 399/ 407), oportunidade em que repete as linhas gerais da inicial, alegando, em resumo:

(a) que o periódico de circulação nacional imputou ao recorrente a prática de negócios ilegais, o desenvolvimento de comércio ilegal e a possibilidade de detenção por estelionato, contrabando e crime ambiental;

(b) que a própria Polícia Federal concluiu pela não ocorrência de crime, já que a compra se deu com o conhecimento e taxação da Receita Federal;

(c) que, como se demonstra pela degravação das fitas, o autor esclareceu à repórter que todos os produtos vendidos pelo autor são certificados e que são comprados em países em que é lícita a venda dessas peças;

(d) que a jornalista alterou a verdade dos fatos dolosamente ao redigir a reportagem;

(e) que ao contrário do esposado na sentença, o ocorrido não se trata de liberdade de imprensa, pois a matéria falseia a realidade, altera o conteúdo da entrevista e atribui ao autor fatos ilícitos.

À f. 451/461 a apelada apresentou resposta, na qual refuta os argumentos da apelação, pugnando pela manutenção da sentença, já que a reportagem publicada está dentro dos limites da atividade de imprensa, não sendo, de forma alguma, inexata ou inverídica.

Por fim, os autos vieram conclusos para apreciação e julgamento do mérito recursal.

É o relatório.

Passo ao voto e sua fundamentação.

Os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade recursal estão presentes, de modo que o apelo deve ser conhecido.

a) Dos danos morais.

Cinge-se a controvérsia recursal quanto aos limites outorgados à imprensa no que tange à sua liberdade de veicular informações e à maneira como o faz.

Em publicação de 25.01.2003, o Jornal Folha de São Paulo, na sessão Folha Ciência, em matéria intitulada “Advogado vende fóssil ilegal pela Internet -Paranaense negocia em site brasileiros ovos de dinossauro contrabandeados da China; PF investigará o caso”, verifica-se que o autor, JOÃO LUÍS TEIXEIRA, é imputado como negociante ilegal de fósseis de dinossauros.

Aponta a reportagem que o Apelante teria comprado os fósseis de um revendedor chinês, e que, uma vez no Brasil, os fósseis seriam revendidos pela internet.

Em seguida, são expostas informações obtidas pela Embaixada da China no Brasil sobre a ilegalidade da exportação de fósseis naquele país, bem como da Polícia Federal, sobre os crimes que o autor poderia vir a estar incorrendo.

Argumenta o Apelante que tal publicação jornalística ofende a sua honra, posto que atribui a ele a prática de atividade ilegal no país, advertindo os leitores sobre a possibilidade de sua detenção por estelionato, contrabando e crime ambiental.

De início, necessário se destacar que o direito de informação é um dos pilares do Estado Democrático de Direito; é garantia constitucionalmente prevista que possibilita a liberdade de manifestação do pensamento.

No entanto, sobre o tema, sabiamente pondera José Afonso da Silva:

“A liberdade de informação não é simplesmente a liberdade do dono da empresa jornalística ou do jornalista. A liberdade destes é reflexa no sentido de que ela só existe e se justifica na medida do direito dos indivíduos a uma informação correta e imparcial. A liberdade dominante é de ser informado, a de ter acesso às fontes de informação, a de obtê-la. O dono da empresa e o jornalista têm um direito fundamental de exercer sua atividade, sua missão, mas especial têm um dever. Reconhece-se-lhe o direito de informar ao público os acontecimentos e idéias, mas sobre ele incide o dever de informar à coletividade tais acontecimentos e idéias, objetivamente, sem alterar-lhes a verdade ou esvaziar-lhes o sentido original: do contrário, se terá não informação, mas deformação” (Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 250). Grifos nossos.

Desse modo, embora garantida a liberdade de manifestação do pensamento, não menos verdade que estabelecidos certos limites à sua divulgação, que deve estar contida na fidelidade ao fato e à fonte da informação.

E, nesse aspecto, vejo que peca a reportagem.

Como se vê no texto jornalístico publicado pelo jornal Folha de São Paulo, o autor é exposto por pelo menos três vezes como negociante ilegal de fósseis, sendo que seus produtos seriam contrabandeados da China. Por esta razão, atribui-se a ele a possibilidade de ser acusado por estelionato, contrabando ou por ferir crimes ambientais.

Ora, são essas acusações graves, que sem dúvida alguma mancham a reputação de qualquer cidadão, de modo que o cuidado sobre a veracidade e o relato fiel aos fatos descobertos é medida que se impõe, sob pena de, em assim não procedendo, estar-se violando a honra, a integridade e a moral do cidadão.

Com isso não se quer dizer que é vedada à mídia a publicação de reportagens de cunho investigativo, que levem à população em geral a informação sobre os podres que atingem a sociedade -função que, frise-se, é de maior importância à coletividade.

O que se exige, entretanto, é que tais reportagens se mostrem objetivas e representem relato fiel às informações que lhe deram origem, sem qualquer transformação de cunho manipulativo que altere a realidade.

Nos autos, verifica-se que ao redigir sua matéria, a repórter teve o cuidado de entrevistar diversas fontes: o autor, a secretária da Cultura da Embaixada da China, a delegada da Polícia Federal Regiane Martinelli, o responsável pelo endereço eletrônico em que o autor vendia suas mercadorias e o responsável pela autentificação dos fósseis.

Assim, inegável que as informações foram obtidas por meio de extensa pesquisa, em que se oportunizou, inclusive ao autor, o relato dos fatos.

Ocorre que ao se analisarem os dados aos quais a repórter teve acesso e o teor da publicação, nota-se um descompasso entre as informações recebidas e aquelas publicadas, o que, por evidente, não se admite.

Logo no começo da publicação, em seu sub-título, nota-se uma grave acusação: “Paranaense negocia em site brasileiro ovos de dinossauro contrabandeados da China”.

Em seguida, já no texto da reportagem, alega-se que o autor tem em mãos um negócio ilegal, e que segundo “Teixeira (o autor), os ovos foram comprados de um revendedor chinês chamado Michael Zheng…”

Ora, de início cumpre ressaltar que os ovos, conforme apontado reiteradamente pelo apelante e não impugnado pelos apelados, foram comprados via internet em um sítio norte-americano de um vendedor originário daquele país, não do vendedor chinês apontado.

Nesse aspecto, motivada pelo erro de aferição quanto à pessoa que vendeu ao autor seus fósseis, bem como o país em que tal transação se deu, utilizando-se de parecer da embaixada da China e da Polícia Federal, concluiu a repórter pela realização de atividade ilícita por parte do autor.

Todavia, ao assim considerar, atribuindo à atividade comercial do autor um caráter de ilegalidade, desconsiderou circunstâncias que não poderia ter deixado de lado.

De se destacar que por se tratar de produto enviado pelo correio, não se pode olvidar que a mercadoria passou pelo crivo da Receita Federal quando ingressou em Território Nacional. Inclusive, verifica-se que em certas ocasiões o autor foi tributado em suas compras, tendo recolhido os impostos, como se vê à f. 102/ 103.

E que não se argumente não ter tido a repórter acesso a tais informações ou que o apelante não tenha a informado sobre elas, posto que realizada uma entrevista entre a jornalista apelada e o autor, a qual restou devidamente gravada e foi reduzida a termo nos autos (f. 330/ 348), de modo que teve a apelada oportunidade de inquirir o autor sobre a origem e legalidade de suas mercadorias -pressupostos mínimos para uma matéria que investiga a realização de comércio ilegal de mercadorias.

Fato é que ao não efetuar tal inquirição, ou, ainda pior, ao omitir tais informações (o que não se pode verificar no presente caso, já que a gravação da entrevista é incompleta), está a jornalista apelada a, no mínimo, desrespeitar o dever de cuidado.

Ademais, entendo que a reportagem se mostrou absolutamente desproporcional ao tamanho da suposta ofensa -que, como se verá, de acordo com a Polícia Federal, sequer existiu.

No próprio diálogo gravado entre autor e apelada (f.330/ 348), expõe o primeiro, expressamente, que as eventuais comercializações que faz não têm caráter de atividade comercial, mas mero hobby (f. 331). Isso se evidencia pela escala não comercial de suas vendas, que, de acordo com a própria reportagem, era, até o momento, de quatro ovos e mais algumas relíquias paleontológicas.

Assim, pergunta-se: será que pela venda de tão pequena quantia de mercadorias, é correto afirmar-se que o autor tem um “negócio da China” em mãos? E, pior, que poderia ele ser condenado por estelionato, contrabando e crime contra leis ambientais?

Aliás, sobre essas acusações algumas considerações merecem ser feitas.

Em relação ao estelionato, a repórter faz a ressalva de que esta somente será cabível acaso os fósseis comercializados sejam falsos. Ora, conforme consta nos autos, há às f. 37 e 38/ 46, relatório realizado pelo Museu Georges Cuvier que aponta a sua autenticidade. Inclusive, verifico à f. 341/ 348 que a repórter entrevistou a pessoa que realizou tal exame de autenticidade, de modo que plenamente ciente dessa circunstância.

De igual modo, na última acusação -crime ambiental -, verifico que a própria reportagem diz que essa hipótese somente aconteceria caso os fósseis tivessem origem brasileira. Pergunto: qual a razão de tal afirmação, quando a própria reportagem expõe que os ovos fossilizados foram retirados de uma jazida chinesa?

Pelo exposto, resta clara a manipulação de informações por parte da repórter, que desconsidera informações às quais teve acesso, para o fim de tornar ainda mais forte as acusações contra o autor.

Por derradeiro, impende destacar que no dia seguinte à publicação da matéria citada, o autor, em prova de boa-fé, compareceu espontaneamente à Polícia Federal, onde descobriu, por intermédio da Delegada Ana Zelinda Buffara, que nenhuma investigação fora aberta contra ele (ao contrário do exposado na reportagem), aproveitando a oportunidade para lhe expor toda a situação que deu origem à presente discussão (como se infere à f. 74), recebendo, meses após, relatório da mesma delegada em que declarada a legalidade do comércio de fósseis que realizava (f. 77).

Desse modo, por faltar com a completa veracidade ao teor da publicação, por violação do dever de cuidado ao informar e por clara manipulação das informações obtidas de modo a tornar a reportagem claramente sensacionalista, entendo que é devida a indenização a título de danos morais ao autor, posto que o animus narrandi, imprescindível à boa reportagem, foi claramente ultrapassado, incorrendo as apelantes em abuso ao direito de informar.

Destaca-se que tendo sido a matéria publicada pelo jornal de maior tiragem do Brasil (Folha de São Paulo), notório o vasto alcance de suas reportagens, que não se limita apenas ao estado que lhe dá nome, mas também aos demais cantos do país.

Não suficiente, ainda há a versão eletrônica do jornal, que também contém a reportagem citada, e que apresenta um alcance imensurável, posto que facilmente acessível de qualquer lugar em pequenos instantes.

Portanto, fica claro que ao ser imputado como comerciante ilegal e contrabandista de fósseis estrangeiros que pode ser condenado por estelionato, contrabando e crime ambiental, sem que devidamente comprovada qualquer das alegações, em descompasso às informações efetivamente prestadas, resta indene de dúvidas o constrangimento sofrido pelo autor perante um sem número de pessoas.

Essa situação apenas se agrava quando se verifica que o apelante é advogado (donde se depreende ainda mais a importância de seu nome para que bem execute sua profissão), pai de família e que à época da notícia havia recém se casado.

Desse modo, verifica-se evidente afronta ao nome, à integridade e, sobretudo, à honra do autor, que pelo sofrido deve ser indenizado, nos termos do art. 186 e 927 do Código Civil, bem como do art. 49 da Lei de Imprensa (Lei 5.250/ 67).

b) Do Quantum

Antes que se alegue que o valor da indenização por danos morais derivada de publicação da imprensa estaria limitada ao valor fixado pela Lei 5.250/ 67, cito a seguinte passagem, de acórdão do Superior Tribunal de Justiça: “Em relação à alegação do recorrente de que o valor da indenização estaria limitado à tarifação fixada pela Lei de Imprensa, observa-se que o entendimento pacífico desta a. Corte de uniformização jurisprudencial é de que o cálculo da indenização por dano moral previsto na Lei n. 5.250/67 não foi recepcionada pela Constituição Federal ((REsp 783.139/ ES, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, QUARTA TURMA, julgado em 11/12/ 2007, DJ 18/02/ 2008 p. 33).

Com efeito, a Súmula 281, do mesmo Tribunal, assim apregoa: “A indenização por dano moral não está sujeita à tarifação prevista na Lei de Imprensa”.

Pois bem.

Diante da ausência de critérios legais preestabelecidos, cabe ao arbítrio do julgador, levando em consideração os precedentes jurisprudenciais, atender nessa fixação, circunstâncias relativas à posição social e econômica das partes, à intensidade do dolo ou o grau de culpa do agente, à repercussão social da ofensa e ao aspecto punitivo-retributivo da medida.

Cumpre salientar que por um lado a indenização pelo dano moral deve ser expressiva, de forma a compensar a vítima, e de outro que a indenização se converta em fator de desestímulo. Assim é que a aferição pelo julgador deve atentar ao caso concreto, para que seja a mais justa possível.

Nesse sentido, frisa a jurisprudência que a responsabilização por danos morais também possui um cunho preventivo e pedagógico, a fim de desestimular o ofensor em práticas semelhantes, não buscando de forma alguma enriquecer o pobre, muito menos miserabilizar o rico.

Por essas razões, atentando-se aos precedentes, pelo poderio econômico da empresa apelada, pelo sem número de pessoas que tiveram acesso à reportagem tanto pela mídia impressa quanto pela internet durante o longo tempo em que expostas, bem como em atenção ao caráter educativo de reprimenda judiciária, fixo a indenização a título de danos morais no valor de R$ 30.000,00.

Nos termos do art. 406 do Código Civil de 2002, sobre esse valor deverão incidir juros moratórios de 1% ao mês desde a ocorrência do evento danoso, nos termos da Súmula 54 do Superior Tribunal de Justiça: “Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual”.

Por sua vez, a correção monetária, a ser fixada na média entre INPC e IGP-DI, somente incidirá a partir da data do arbitramento dos danos morais, nos termos da Súmula 363/ STJ: “A correção monetária do valor da indenização do dano moral incide desde a data do arbitramento”.

c) Da Publicação da decisão judicial

Por fim, requer o apelante a divulgação do acórdão em sua íntegra e às expensas dos apelados, nos mesmos espaços onde se deram as ofensas, com os mesmos destaques da reportagem, inclusive com chamadas de capa, todos no mesmo tamanho e tipo de fonte, no dia da semana correspondente ao que foi veiculada a primeira reportagem.

Com efeito, assim expõe o art. 75 da Lei de Imprensa:

Art. 75. A publicação da sentença cível ou criminal, transitada em julgado, na íntegra, será decretada pela autoridade competente, a pedido da parte prejudicada, em jornal, periódico ou através de órgão de radiodifusão de real circulação ou expressão, às expensas da parte vencida ou condenada.

Parágrafo único. Aplica-se a disposição contida neste artigo em relação aos termos do ato judicial que tenha homologado a retratação do ofensor, sem prejuízo do disposto no º 2º, letras a e b, do art. 26.

Portanto, em havendo o pedido da parte prejudicada, perfeitamente possível a divulgação dessa decisão judicial nos mesmos locais em que publicadas as reportagens que se lhe mostraram ofensivas, após o trânsito em julgado da presente decisão.

Essa publicação deverá ser realizada no mesmo dia da semana e espaço -meio impresso (primeira página da Folha Ciência) e eletrônico -em que se deram as ofensas ao autor, com chamada de capa que alerte o leitor sobre a decisão.

Pela extensão do julgado e ciente da impossibilidade da diagramação de todo seu conteúdo acaso acolhida a forma de publicação pretendida pelo apelante, entendo descabida a pretensão de que a publicação da sentença seja realizada nos mesmos moldes da reportagem que deu origem a presente discussão (mesmos destaques, tamanho e tipo de fonte), de forma a ser suficiente, pois, sua publicação da forma como anteriormente narrada.

Por óbvio, deve-se retirar da internet cópia da reportagem que deu origem à discussão.

A publicação do teor da decisão judicial deverá ser realizada no prazo de 20 (vinte) dias após o recebimento dos autos na instância de origem para execução, sob pena de multa diária que fixo em R$ 500,00 (quinhentos reais), a partir do vigésimo dia após o trânsito em julgado.

d) Dos Honorários Advocatícios

Evidentemente, inverto a condenação dos honorários advocatícios realizados pelo juízo monocrático, para o fim de atribuir aos Requeridos o pagamento das custas processuais e das verbas honorárias, que fixo na forma do artigo 20, º 3º, em atenção ao grau de zelo do profissional, a importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e pelo tempo exigido para o seu serviço (ante o farto material probatório produzido), em 20% do valor da condenação.

Posto isso, voto no sentido de dar provimento ao recurso de apelação interposto, reformando o entendimento de primeiro grau, com base na fundamentação acima.

ACORDAM os Desembargadores integrantes da Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em dar provimento ao apelo, nos termos do voto da Relatora.

Presidiu o julgamento o Desembargador Carvilio da Silveira Filho, sem voto, e dele participaram os Desembargadores Guimarães da Costa e João Domingos Kuster Puppi.

Curitiba, 07 de maio de 2009.

Denise Krüger Pereira
Juíza Substituta em 2º Grau
Relatora Convocada

———-

Em São Paulo, 25 de Fevereiro de 2011.

Uma resposta

  1. Fui o autor de referida ação.
    Fui injusta e criminosamente acusado.
    Assim, em parte, sinto-me com a alma lavada.
    Provei minha inocência contra acusações de um dos maiores jornais do país.

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    • Parabéns pela persistência e pela vitória, João Luís. Tem toda a razão de sentir-se com a alma lavada. É muito difícil, demorado e oneroso ganhar uma ação desse tipo. Mas você ganhou.

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    • Compreendo essa sensação de alma lavada. Não anula a injustiça cometida no passado, mas é bastante reconfortante.
      Pena que nem sempre a Justiça faz justiça…
      Fico feliz por você, João Luís. Parabéns!

      Curtido por 1 pessoa

      • Obrigado, Paloma!
        Mais do que tudo, essa ação foi um exemplo de cidadania e luta pela manutenção de nossos direitos. Do direito de todos, não só do meu. E do direito a uma imprensa livre e democrática, mas justa e séria.
        Abraços.

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    • Quanto à minha crítica à determinação do Tribunal de Justiça de que a reportagem inicial fosse eliminada da edição online do jornal, minha sugestão seria que a determinação judicial fosse que a reportagem continuasse lá, mas o jornal fosse obrigado a colocar no início dela uma nota, dizendo que aquela reportagem ensejou um processo, que a Folha perdeu em Segunda Instância, tendo sido condenada nos termos da sentença que a Folha foi obrigada a publicar na íntegra, e que se encontra no link http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe2502201101.htm.
      Você não acha, João Luís, que assim ficaria melhor?
      Eduardo

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      • É que, dessa forma alguém poderia apenas ler a notícia tendenciosa…
        Mas é uma boa sugestão.
        Abraços.

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