O que é “ser de direita” no Brasil de hoje?

Há, hoje, uma confusão generalizada sobre o que é “ser de direita” no Brasil. A mídia, que deveria esclarecer a população, ajuda a confundir. Embora a confusão envolva, também, o conceito de “ser de esquerda” (que é a “contrapartida”), ela é mais visível no conceito de “ser de direita”.

A Folha de S. Paulo está numa campanha para mostrar que a posição ideológica do eleitor, isto é, se ele é de esquerda ou de direita, não afeta significativamente sua intenção de voto e, oportunamente, o seu voto.

Mas na análise do que é “ser de direita”, há uma confusão generalizada. O que o jornal entende por “ser de direita” tem muito mais que ver com “ser conservador” do que com “ser liberal” (no sentido clássico do termo – não no sentido americano do termo). Isso ficou evidente num infográfico intitulado “Valores Ideológicos”, criado pelo Datafolha, que eu transcrevo aqui.

Infografico Esquerda Direita

Não vou analisar esse infográfico na íntegra, mas o restante deste artigo é relevante para sua análise.

Minha tese é que a Folha (Datafolha) confunde (ou mistura, ou não distingue) conservadores e liberais ao caracterizar o que é “ser de direita” no Brasil de hoje.

Uma pessoa conservadora é uma pessoa que procura conservar as tradições culturais e as instituições, preservar as coisas como elas “sempre foram”, em vez de propor mudanças. Essa pessoa tende a ser, por exemplo, conservadora também na religião, que é uma manifestação cultural – e na moral, que em geral é afetada pela visão religiosa.

Assim, uma pessoa conservadora tende a ser contra o aborto, a eutanásia, o divórcio, a liberdade sexual (em especial o sexo sem casamento ou pré-marital), o casamento homossexual, a liberação das drogas, etc.

Uma pessoa liberal (no sentido clássico, não no americano, em que o social-democrata, à la Kenedy e FHC é chamado de liberal) é uma pessoa que procura aumentar ao máximo o espaço de liberdade de indivíduo vis-à-vis a interferência da sociedade e, especialmente, do estado (governo).

Assim, numa sociedade conservadora, com um estado (governo) conservador, que promove a agenda conservadora, o liberal é, em geral, um revolucionário.

Pois tomemos as questões ético-religiosas contra as quais o conservador se manifesta, e que acabei de listar: o liberal é, em regra, favorável a todas elas: aborto, eutanásia, liberdade sexual (em especial o sexo sem casamento ou pré-marital), o casamento homossexual, a liberação das drogas – e por uma razão simples: elas envolvem o uso da liberdade das pessoas, que devem ter o direito de decidir essas coisas por sí próprias, sem pressão social e, especialmente, do estado (governo). (Pessoas, no caso, seria desnecessário ressaltar, capazes de escolher, decidir e assumir a responsabilidade pela escolha e pela decisão. Crianças e incapazes não qualificam).

Para o liberal, o espaço de liberdade do indivíduo deve ser aumentado ao máximo, e, por conseguinte, o espaço de coação da sociedade e do estado (governo) deve ser reduzido ao mínimo.

O que significa “ser de direita”, nesse contexto?

Nos Estados Unidos, onde essa confusão teve início, e de onde foi importada para o Brasil, houve, quando da eleição do Presidente Reagan, uma coalisão de conservadores e liberais para colocar na presidência uma pessoa que era, do ponto de vista cultural e religioso, conservador, mas do ponto de vista político e econômico, liberal.

A campanha de Reagan foi centrada na ideia de que o estado (governo) é parte do problema, não da solução, e que esta se encontra, portanto, em menos governo. Coerentemente, Reagan defendeu a tese de que o estado (governo) deve legislar menos, deve arrecadar menos impostos (de indivíduos e de empresas), deve reduzir seus programas sociais (que obrigam, pela via da taxação, os mais ricos a financiar a desocupação e a preguiça, que facilitam (pelo apoio econômico às mães solteiras, em grande número adolescentes) o desregramento sexual (o sexo entre quem não doutra forma não teria condições de lidar com as possíveis consequências de seus atos), etc. E Reagan era religioso, temente a Deus, e anticomunista. Ganhou fácil, com o apoio dos liberais e dos conservadores (inclusive dos conservadores ultra-religiosos, vale dizer, lá, cristãos).

Ainda sobre questões específicas.

Nos Estados Unidos, o porte de armas é defendido por conservadores e por liberais. Por conservadores, porque na sociedade americana sempre cada um pode ter e carregar sua arma para se defender. Por liberais, porque ter e portar uma arma são comportamentos que fazem parte dos direitos do indivíduo viver como lhe aprouver (caçando no fim de semana, por exemplo, como o faz meu genro), e, inclusive, de defender-se. Esta é mais uma questão em que conservadorismo e liberalismo concordam, nos Estados Unidos.

A chamada idade penal também une conservadores e liberais, tanto nos Estados Unidos como aqui no Brasil. Do ponto de vista do conservador e do liberal, quem comete um crime, e é consciente do que está fazendo, deve ser punido – e a consciência de que é moralmente errado e legalmente criminoso roubar, atentar contra a segurança, integridade e a vida da pessoa surge muito cedo na sociedade de hoje. (Um conservador e um liberal acham um absurdo chamar de “criança” um criminoso frio de 17 anos e meio que assassina para roubar).

Passemos para o Brasil.

A esquerda (que inclui comunistas, socialistas, “progressistas” em geral) anda a promover a ideia de que “a direita” está crescendo no Brasil – e que isso é um problema sério. Também acho que esteja crescendo – mas, como liberal clássico, quase anarquista-libertário, e, portanto, anti-esquerdista, acho isso benéfico.

Apóia-se a esquerda, ao dizer isso, no crescimento, entre outras coisas, dos chamados “evangélicos”, que são cristãos não-católicos de viés conservador, fundamentalista mesmo. (Distingo-os dos protestantes históricos: luteranos, presbiterianos, etc.). Esses evangélicos são, em geral, contra o aborto, a eutanásia, a liberação sexual (“eu decidi esperar” é um mantra), o divórcio, a sanção às uniões homossexuais que é (segundo eles) expressa pela permissão de que se casem, o uso e a liberação das drogas (por vezes até do cigarro e do álcool), etc.

Em questões como a pobreza, os evangélicos tendem a atribuir suas causas aos valores, às atitudes e às condutas dos indivíduos, não a fatores sociais, sendo, por isso, hesitantes em apoiar tanto gasto estatal (governamental) na implementação de programas sociais (as “bolsas”) que, segundo eles, reforça valores, atitudes e condutas que impedem o indivíduo de buscar a mudança e a melhoria de sua vida. Concordo com eles, nessa questão.

Um dos grandes malefícios advindos da ditadura militar instaurada com o golpe de 1964 no Brasil foi fazer boa parte da população brasileira ver o governo militar como “de direita”, porque anticomunista e porque a “esquerda”o combateu, até mesmo recorrendo ao terrorismo.

Conservadores em geral apoiaram o governo militar, porque queriam salvar a “tradição, família e propriedade” – tendência que gerou a famigerada TFP (pela qual não tenho a menor simpatia, apesar de ser favorável ao direito de propriedade, de nada ter contra a família (casei três vezes!), e de sr favorável a umas poucas tradições (e contrário a muitas outras). Acreditavam os conservadores  estar defendendo, entre outras coisas, a religião cristã ao apoiar os militares contra o perigo do comunismo ateu.

Liberais, por seu turno, certamente também não viam o comunismo com bons olhos – embora não por ele propor o ateísmo. Liberais eram (e são) anticomunistas porque o comunismo socializava tudo, acabava com a iniciativa privada na área econômica, cerceava a liberdade individual, advocava a “reeducação” (doutrinação até com lavagem cerebral) das pessoas, etc. Nenhum amante da liberdade vê essas coisas com bons olhos. Como era evidente, para eles (e para quem estivesse disposto a ver e ouvir), durante o governo de João Goulart, que o Brasil caminhava nessa direção, os liberais, em regra, apoiaram o golpe militar, como um remédio drástico contra a comunistização do Brasil. (Liberais clássicos sempre defenderam direito de a população remover da chefia da nação um líder tirano, que estivesse desrespeitando os direitos das pessoas – e o direito de fazer isso até mesmo pela violência, o chamado “tiranicídio”).

Quando o governo instituído pelo golpe militar de 1964 se revelou uma ditadura, violenta e estatizante (nunca se criou tanta “brás” no Brasil quanto durante o governo militar), que torturava e matava, e censurava os meios de comunicação, fechando ou domesticando o Congresso para se perpetuar no poder, perdeu o apoio dos liberais. Uns perceberam o que acontecia mais cedo, outros mais tarde, mas oportunamente todos perceberam.

A esquerda, porém, conseguiu convencer as pessoas, e a mídia, de que conservadores e liberais eram todos a mesma coisa, “a direita”, e que esta havia apoiado a ditadura e, depois de finda esta, “tinham saudade da ditadura”.

Assim, mais um resultado nefasto do regime militar foi o fato de que boa parte das pessoas passou a ver a esquerda, que nunca foi contra ditaduras, em si, até porque desejava a implantação aqui de uma ditadura à la Cuba (que lá se perpetua até hoje), mas era contra a ditadura anticomunista dos militares, como o “lado do bem”, e a direita como o “lado do mal”.

Desde então, desapareceu, no Brasil, na área política, o espaço à direita do centro: até a social democracia foi rotulada “de direita”. Deixou de haver candidatos conservadores viáveis para cargos executivos (para os legislativos os evangélicos conseguiram eleger vários) e os liberais sumiram do mapa, meio amedrontados de serem rotulados “de direita”, de defensores da ditadura, de golpistas, de entreguistas, etc.

Os liberais, hoje, estão perdendo esse medo. Alguns liberais, como Olavo Carvalho, Reinaldo de Azevedo, Rodrigo Constantino, também são conservadores (cultural e religiosamente). Outros, não. Advocados de Ayn Rand e Ludwig von Mises proliferam no Brasil.

Assim, a esquerda, juntando os conservadores (entre os quais os evangélicos) e os liberais, vê “a direita” crescer. E, nesse sentido, está crescendo mesmo. E isso é bom – especialmente se conseguir acabar com o monopólio hegemônico da esquerda. (A esquerda, que é o “pensamento único” no Brasil, conseguiu convencer as pessoas que o liberalismo é o “pensamento único”. George Orwell entendia bem dessa “novilíngua (newspeak), que rebatiza as coisas com o nome oposto daquilo que são. A Alemanha Comunista era “democrática”; a Alemanha Ocidental era apenas “federal”).

Como, nas pesquisas de intenção de voto, os candidatos a presidente propostos aos eleitores brasileiros são Dilma, Marina, Eduardo Campos, Aécio Neves, José Serra, nenhum dos quais é conservador ou liberal, os eleitores acabam escolhendo um deles – e a “brilhante” Folha de S. Paulo, carregada  de colunistas de esquerda, afirma que o voto foi “desideologizado”, porque até eleitores que seriam “de direita” votam em políticos da esquerda.

(Que opção? Quando até a “Santíssima Trindade” do Maluf, do Sarney e do Collor se esquerdizaram, bandeando-se para os lados do PT e vivem abraçados com o Lulla, e, no caso do Maluf, com o Haddad…).

Em São Paulo, 15 de Outubro de 2013

Uma resposta

  1. Falta hoje coragem dos politicos para se declararem de direita ou liberais, com uma minoria mas que tem voz no pais se criou um senso comum de que tudo que não está de acordo com esse governo , que mais parece uma ditadura , é de direita como se ser de direita fosse um crime, e como bem disse acima a midia que tem o dever de informar e formar se omite pois esta na sua grande maioria infiltrada pela esquerda, que defende o comunismo de modo velado e coitado daquele que pensa que com a queda do muro de berlim o comunismo acabou, não só não acabou como está cada vez mais arraigado nas consiencias das pessoas com o tal de ” politicamente correto” e a desculpa da revolução cultural que nada mais é do que a cartilha de granchi para se infiltrar e destruir as instituição desde dentro. tomara que a direita e o liberalismo ralmente cresça e tome corpo e que politicos twenham, coragem de assumir tais posições dando assim opção de voto aos brasileiros que com certeza não está satisfeito com que está ai , estão votando não no que é melhor mas no que acham menos ruim, porem esse julgamento é muito prejudicado devido a falta de informação e de debates serios na tv.

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  3. Caro Eduardo Chaves, concordo com sua tese de que a Folha(Datafolha) mais confunde e não traz luz para uma distinção entre direita, esquerda e conservadores.

    Embora a pesquisa traga elementos interessantes, ela não tem precisão alguma. Nela, não se consegue distinguir a tendência de um conjunto de indivíduos.

    Para os dois valores ideológicos, onde se verificou as maiores diferenças: as drogas e a religião, os resultados são complementares na populãção analisada e, não necessáriamente mostra que as respostas são decorrentes de grupo de esquerda e de direita.

    O Datafolha poderia investigar mais profundamente o fato social, contratando profissionais para: 1) definir uma matriz de valores ideológicos mais completa; 2) formular perguntas abrangentes sobre cada valor ; 3) avaliar as respostas de cada indivíduo; 3) plotar as respostas do conjunto dos indivíduos; 4) definir o seria direita, esquerda e conservador; 5) fazer analise de correlação entre valores entre os grupos.
    Isso dá uma tese de doutorado, que o Datafolha não está nem um pouco interessado!

    Contudo, a discussão é oportuna, pois os nossos dirigentes divergem em décadas dos valores ideológicos da sua própria população (há falta de aderência entre valores ideológicos do governo e os da população)

    Perdemos a referência de esquerda e direita no Brasil. Os comunistas derrotados vertiram-se de esquerda e estão no poder, aliados ao que há de mais há de mais retrógrado da direita coronelista brasileira. Com isso a esquerda, a neo-liberal, mais se parece com um partido de direita.

    Isso só é possível nesse País tão imenso, tão desigual, tão desinformado e tão injusto.

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