Respeitar a liberdade alheia não é fácil

Evangélicos, especialmente os mais conservadores, liderados por Silas Malafaia, têm procurado impedir a aprovação do chamado PLC 122/2006 (Projeto de Lei Complementar).

A Wikipedia descreve assim esse PLC:

“O projeto de lei tem por objetivo criminalizar a homofobia no país e encontra-se na Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal do Brasil, sob relatoria da Senadora Marta Suplicy (PT -SP). É considerado por importantes juristas, entre eles dois ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), como constitucional. A aprovação imediata de alguma legislação específica para a criminalização da homofobia é apontada como “urgentemente” necessária no país por alguns especialistas. Para algumas entidades cristãs (católicas e protestantes), o projeto fere a liberdade religiosa e de expressão, por prever cadeia (até 5 anos) para quem criticar publicamente a homossexualidade, seja qual for a razão.”

Como esclarece a Wikipedia, o PLC, ao criminalizar, prima facie, a “homofobia”, corre o risco de (na falta de uma definição precisa e estreita de homofobia) criminalizar comportamentos que são críticos da “orientação sexual homossexual”, sem serem realmente “fóbicos” em relação a ela. O pastor que, do púlpito, manifesta seu ponto de vista de que o homossexualismo é condenado pela Bíblia como pecado, ou o psicoterapeuta que considera o homossexualismo uma doença que pode ser curada, ou simplesmente aqueles, leigos na teologia e na psicologia, que consideram o homossexualismo um comportamento moralmente errado (talvez porque “antinatural” – outro termo de definição complicada – ou por qualquer outro critério), todos esses poderiam vir a ser indiciados e mesmo condenados pelo crime de homofobia, em algumas versões da projetada lei.

Como liberal da velha guarda e mesmo anarquista libertário que sou, defensor da liberdade de opinião, e opositor radical de qualquer medida que possa resultar em algo classificável como “delito de opinião”, quero deixar claro que não concordo com nenhuma proposta que possa criminalizar as condutas descritas no parágrafo (do pastor, do psicólogo, ou do leigo). Nesse aspecto, estou do lado dos “religiosos” que se opõem ao  PLC em questão.

Qual não foi minha surpresa, entretanto, ao ver evangélicos que se opõem a esse PLC, pelas razões indicadas, denunciar à Polícia Federal, como violação do Art. 209 do Código Penal, um vídeo de Natal do Grupo Porta dos Fundos (http://www.youtube.com/watch?v=2VEI_tn090c).

Eis o que diz um post irado no Facebook:

“Para os cristãos que estão apoiando a dessacralização da pessoa de Jesus Cristo no último vídeo de Natal do Grupo humorístico Porta dos Fundos, leiam alguns trechos dessa cloaca:

‘O cara é Deus. Se ele quisesse ele te engravidava’ [personagem que representa o anjo Gabriel falando com o personagem que representa José] (02:11)

‘Querido, relaxa, que o pessoal acredita em qualquer coisa… vai por mim’ [personagem que representa Deus falando com o personagem que representa José] (02:34)

No contexto da crucifixão, o soldado que vai crucificar Cristo diz:

‘Olha só Jesus, eu tô perdendo a minha paciência com você. Tá aqui me dando o maior trabalho. Cê acha que eu sô o quê, suas nêga?’

Amados, chamar isso de humor e não se indignar, eu puxo a descarga!!!”

O primeiro comentário ao post disse:

“Absurdo total! Temos que denunciar esse vídeo!!!”

O autor do post comentou:

“Denunciei à Polícia Federal por violar o Artigo 208 do Código Penal”.

Alguém mais conciliador comentou:

“Creio que todo cristão verdadeiro se indigna com tamanho ultraje. O ponto de divergência é quanto aos meios de exteriorizar essa indignação — se recorrendo aos tribunais ou se deixando apenas ao juízo de Deus.”

Mais ou menos a essa altura eu entrei na discussão, argumentando (o texto aqui acrescenta uma coisinha ou outra em relação ao que publiquei no Facebook):

“Se [o vídeo] é humor ou não, xxx, não vem ao caso. E não nego que cristãos tenham o direito de, em assistindo ao vídeo, se indignar — ou, melhor ainda, o direito de, sabendo do que se trata, nem assistir, ignorar.

Mas o que você pretende denunciando o vídeo à Polícia Federal? Que a Polícia Federal vá lá, prenda os caras e feche o ganha-pão deles? E que a Justiça os condene a um ano de prisão (conforme prevê o  art. 208 do CP) “pelo delito de opinião”?

Por favor, meu amigo…

Parece-me que você, que tanto critica o gayzismo (que, na forma, mesmo que não na substância, é uma forma de religião que quer criminalizar quem critica os gays), está agindo da mesma forma: querendo criminalizar manifestações de opinião de gente que não concorda com suas crenças e conm suas sensibilidades.

Você acha crime fazer piada ou brincadeira com Jesus Cristo? Então você nunca colocou os pés dentro de um seminário teológico. . .

Não veja os videos dos caras. Ignore-os. Critique-os. Mas denuncia-los à Polícia Federal por violação do Art 208 do CP é abusar de uma lei burra.

Impedir a realização de culto religioso não tenho dúvida que é crime. Mas fazer brincadeira, humor ou gozação com crenças religiosas próprias ou dos outros é algo até comum — e, em grande medida, inofensivo. Tentar criminalizar esse comportamento é ir longe demais. Vou começar uma campanha pela modificação do artigo 208 do Código Penal — termos como ‘escarnecer,’ ‘vilependiar’ não comportam definição precisa. Ao ler o referido artigo do CP parece que estou lendo São Paulo nos seus piores momentos.

É esta a minha contribuição ao diálogo às 4h da manhã.”

Exigir que respeitem a nossa liberdade de opinião, a nossa sensibilidade, os nossos valores, é fácil.

Duro é respeitar igual liberdade dos outros, que discordam de nós, que tem diferente sensibilidade, que tem valores diferentes.

Em Salto, 28 de Dezembro de 2013

Uma resposta

  1. Gostei de seu artigo. Concordo com suas palavras em 100%. Vi o vídeo, não gostei e simplesmente não vou ver mais.
    Processar é exagero e intolerância.
    Parabéns!

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