Os amantes da liberdade comemoraram, recentemente, mais um aniversário, o vigésimo, da queda do Muro de Berlin, que separava a Berlin Ocidental, democrática, da Berlin Oriental, sob a ditadura comunista, dando um passo decisivo, não só para a reunificação da Alemanha, mas para a liberalização do mundo.
Algumas pessoas não gostaram muito das comemorações… Entre elas, creio, está o meu amigo Carlos Tabosa Saragga Seabra (que tive o prazer de reencontrar ontem no IV Forum do Instituto Claro), que comentou no Twitter e no Facebook:
“Nos 20 anos sem Muro de Berlim, recordemos os muros de Israel e do Novo México. São menos vergonhosos?”
Sobre essa tentativa de relativizar a odiosidade (ou vergonhosidade) do Muro de Berlin (pelo menos foi assim que a percebi), retorqui:
“Vamos diferenciar os muros? O de Berlin era para impedir que os cidadãos da Alemanha Oriental fugissem daquele (então) país… Muros para impedir que cidadãos de outros países entrem ilegalmente num determinado país são apenas a expressão, digamos, arquitetônica de um direito que ninguém — a não ser os liberais radicais como eu — questiona quando exercido por qualquer outro país que não os Estados Unidos e Israel. Pelo que consta, nem o Brasil tem fronteira livre que qualquer estrangeiro pode atravessar para entrar e ficar no país.”
Ou seja: embora eu considere os muros dos Estados Unidos e de Israel também vergonhosos, considero-os, sim, menos vergonhosos do que o Muro de Berlin.
Carlos Seabra saiu meio pela tangente (em minha opinião), com um twit “d’après Drummond”:
“Havia um muro no meio do caminho, no meio do caminho havia um muro…”
Respondi:
“Sempre há… Muros físicos, legais e burocráticos, sociais, mentais, ideológicos, religiosos… Para guardar você dentro ou para manter você fora.”
Outra pessoa (Verônica Couto) comentou, ressaltando os muros sociais e físicos existentes no Brasil:
“Sem esquecer os que estão sendo erguidos nas favelas do Rio… nos condomínios de todo o país…”
Resolvi retomar o assunto aqui no meu space, porque sou verboso… Raramente me contento com os 140 caracteres que o Twitter me concede ou mesmo com os 420 que os limites mais generosos do Facebook me impõem. Aqui no blog do Live Space não tenho limites – ou, se os tenho, eles são tão amplos e generosos que não os sinto. (Quando a rédea é solta, o cavalo domesticado, acostumado aos seus caminhos, se imagina livre, porque os limites não o fazem sentir-se preso, por não restringirem o que ele está condicionado a fazer). Quero deixar clara minha posição.
Como disse atrás, sou um liberal radical. Defendo a liberdade do indivíduo contra as tentativas do estado e da sociedade de restringi-la. Minha unidade de análise é sempre primariamente o indivíduo – não o grupo social, muito menos a nação e o estado. Só admito as restrições mínimas ao comportamento do indivíduo que são absolutamente essenciais para a convivência social pacífica. Defendo uma interpretação ampla e permissiva da liberdade e dos direitos individuais: o direito à livre expressão do pensamento, o direito à liberdade de reunião e organização, o direito à liberdade de ir e vir, o direito à liberdade de ação, na busca da felicidade, quando ela não causa danos diretos a terceiros…
Isso quer dizer que, por mim, não haveria limites a impedir o livre trânsito das pessoas entre uma nação e outra – da mesma forma que não há entre um estado ou outro de uma nação como o Brasil.
Estou convicto de que, na inexistência de limites, o mercado controlará o trânsito das pessoas entre as nações. Se muitas pessoas querem adentrar um país, como, por exemplo, os Estados Unidos, esse país possivelmente vá ficar, no devido tempo, superlotado, com a conseqüente queda da qualidade média de vida dos seus cidadãos e dos que lá habitam. Isso fará com que muitos decidam sair de lá, ou não ir para lá, para ir para outros países menos superlotados, como, por exemplo, o Canadá ou a Austrália, e o equilíbrio se restabelece. Isso até certo ponto já está acontecendo, mesmo com os controles severos à imigração impostos pelo governo americano.
Muros físicos que procuram impedir o livre trânsito de pessoas de uma nação para a outra são odiosos e vergonhosos. Por isso, sou contra o muro que está sendo construído em parte da fronteira entre os Estados Unidos e o México para impedir a imigração, para os Estados Unidos, de latino-americanos. Sou igualmente contra o muro dos israelenses que visa a impedir a entrada em Israel de palestinos.
Acho mais odioso e vergonhoso ainda, porém, o Muro de Berlin. O Muro de Berlin foi construído pela então Alemanha Oriental comunista, controlada por uma violenta ditadura, para impedir, não que cidadãos de outros países entrassem ali, mas, sim, para impedir que os próprios cidadãos da Alemanha Oriental saíssem livremente do “paraíso comunista” para ir viver no “inferno capitalista” ali do lado…
Mas, como disse atrás, há muros legais e burocráticos que são tão eficazes quanto os muros físicos. Cuba, um dos dois únicos países comunistas que restam no mundo (o outro é a Coréia do Norte), é uma ilha. Por isso não precisa erigir muros para impedir a saída dos cidadãos cubanos daquele “paraíso comunista” no Caribe: o mar, em parte, exerce essa função. Mas mesmo assim o estado cubano não bobeia… Se alguém resolve arriscar sua vida numa balsa, para chegar a Miami, a cerca de 90 km de distância, as barcas e os helicópteros da polícia do governo cubano atiram neles, para matar… Atletas que fazem parte de delegações esportivas que vão participar de competições internacionais se arriscam a “desertar”: fogem e pedem asilo no país em que estão. Dois pugilistas cubanos fizeram isso aqui no Brasil, e nossa administração petista, representada no caso por esse atentado à liberdade e ao bom senso que é o Ministro da Justiça, os entregou de volta ao governo cubano para serem punidos. (Eles já fugiram de lá de novo). Numa de suas muitas incongruências, esse mesmo ministro concedeu asilo político a um criminoso italiano, culpado de vários assassinatos… O Supremo estava julgando o ato do ministro hoje. A sessão terminou com um empate de 4×4 – e o caso será decidido pelo Voto de Minerva do presidente do Supremo na próxima quarta-feira…
O muro legal-burocrático cubano é, como o de Berlin, um muro que impede a saída dos cidadãos do país – ele não impede a entrada de estrangeiros em Cuba… Cuba necessita dos dólares dos turistas de outros países… Por isso, acho-o mais odioso e vergonhoso do que os muros físicos dos Estados Unidos e de Israel – e tão odioso e vergonhoso quanto o muro físico de Berlin, que também visava a impedir os cidadãos do país de saírem do país.
Mas há uma situação em muitos aspectos ainda pior…
Quando cerceados por muros físicos ou por muros le
gais e burocráticos as pessoas, muitas vezes, são capazes de preservar sua liberdade mental (interior), fato que lhes permite escolher, por vezes, arriscar a própria vida em vez continuar a viver em tirania.
Muros mentais, porém, sejam eles ideológicos ou religiosos, são aqueles que, através de controles mentais e outros mecanismos de manipulação, fazem com que as pessoas cativas se convençam de que estão em liberdade… Dizem que os pássaros nascidos em cativeiro ignoram o fato de que não são livres porque, condicionando-se a viver em cativeiro, entendem a sua liberdade em termos daquilo que sua gaiola lhes permite fazer. Os muros mentais constroem como se fosse uma gaiola que mantém as pessoas presas mas ignorando o fato de que são cativas…
Rubem Alves um dia desses escreveu na Folha (11/11/2009):
"Quero é viver de novo intensamente o passado que vivi, sem os sentimentos de culpa que a minha religião botou na minha cabeça. Toda noite peço perdão a Deus pelos pecados que não cometi…"
A culpa é um dos muros que a religião usa para não fazermos aquilo que ela define como pecado… Quando fazemos algo que a religião considera pecado, nos consideramos culpados… E carregamos a culpa conosco, muitas vezes para o resto da vida… Já escrevi sobre isso aqui. Surpreende descobrir que o herege Rubem Alves ainda pede toda noite perdão a Deus por pecados que não cometeu… não cometeu, não porque não tenha feito as ações proibidas, mas porque elas não eram pecados… Mas a culpa ainda o faz – a ele, um indivíduo psicanalisado e psicanalista – pedir perdão.
Outros, como eu, para não incorrer na culpa, se privaram, na juventude e depois, de comportamentos perfeitamente inócuos e inofensivos, mas considerados pecados pela religião – e hoje, em sentido diferente do do Rubem, se arrependem dos pecados não cometidos (como a gente se arrepende dos beijos de amor que não deu…) Quando a gente consegue se livrar dos muros mentais que a religião constrói em nossas mentes, a gente se sente, muitas vezes tarde demais, arrependido pelos pecados que não cometeu… (O termo “pecado” deveria, talvez, vir entre aspas porque essas condutas só são pecados dentro das gaiolas em que os muros mentais da religião nos prendem).
Esses muros impõem toda sorte de restrição às pessoas, proibindo-lhes comportamentos que doutra forma seriam perfeitamente admissíveis, inócuos e inofensivos que são, mas, ao mesmo tempo, por controle e manipulação mental, fazem com que as pessoas aceitem as restrições como corretas, até mesmo benéficas, incorporando-as à sua própria estrutura mental, levando-as a acreditar que, dentro de sua gaiola, são mais livres do que se não estivessem sujeitas a essas restrições…
A política faz a mesma coisa…
Abaixo os muros – principalmente os mentais, que a criação, a educação, os mecanismos de pressão e manipulação social constroem. Principalmente nas crianças e nas mentes jovens.
Em São Paulo, 12 de Novembro de 2009
Prezado Eduardo,Apenas corrigindo: o comentário "Nos 20 anos sem Muro de Berlim, recordemos os muros de Israel e do Novo México. São menos vergonhosos?" não foi meu mas sim do Gabriel Priolli. Eu apenas o "retuitei" (com o devido crédito, aliás: RT @gabrielpriolli).Mas gostaria de aproveitar, já que você achou que eu saí meio pela tangente (talvez tenha frustrado sua expectativa, isso sim, de alimentar uma polêmica, o que não era realmente meu interesse), para aduzir um outro aspecto – muito importante – que você não comentou e que é outra diferença entre esses muros:Enquanto que as muralhas de Jericó e o muro de Berlim são parte do passado, estes outros muros, no EUA e na Palestina, estão lá hoje. São parte do nosso presente. Se a pedra no meio do caminho que Drummond mencionou poderia implicar em algum tropeço em sua andança ou passeio, um muro implica na obstrução completa de qualquer caminho. E o que é a vida senão o direito de caminhar, de seguir seus caminhos?Um mundo onde a circulação de informações, de finanças, de mercadorias é mais livre que a circulação de pessoas, este é um mundo estranho, onde os muros construídos na consciência das pessoas as impedem de perceber essa estranha perversão da vida.Um abraço,Carlos
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