Ainda o Casamento Gay (agora a propósito de decisão da Suprema Corte americana)

Comento abaixo um artigo escrito por John MacArthur (que eu não conheço), com o título “Uma carta aberta aos pastores sobre o casamento gay nos EUA”. Encontrei o artigo postado no Facebook via José André (meu amigo de longa data, presbítero da Igreja Presbiteriana de Santo André, na qual cresci), que o retirou (já traduzido por uma instituição chamada “Olhai e Vivei”) do Blog “Bereianos – Apologética Cristã Reformada” disponível no seguinte endereço: http://bereianos.blogspot.com/2015/06/uma-carta-aberta-aos-pastores-sobre-o.html#.VZKiXGDIie4. O blog aparentemente o retirou da Revista Monergista. O local original de publicação em Inglês foi uma fonte chamada “The Master’s Seminary”. Não conferi nada disso: as informações estão contidas no blog.

Como digo abaixo, não concordo com quase nada que diz o artigo, que passo a transcrever, para a seguir colocar meus comentários (que também coloquei no blog e no Facebook).

[Início do artigo original traduzido]

A Suprema Corte neste país [EUA] promulgou seu julgamento. As manchetes informam que um pouco mais da metade dos juízes da Suprema Corte consideram a liberdade de orientação sexual, um direito para todos os americanos. Esta troca de valores não aparece como uma surpresa para nós. Já sabemos que o deus deste século cega as mentes daqueles que não acreditam (2 Cor. 4:4). O dia 26 de junho de 2015 fica como um marco americano de demonstração desta antiga realidade.

Nos próximos dias, irão esperar de você, como um pastor, que forneça comentários sensatos e conforto para o seu rebanho. Este é um momento crítico para os pastores, e surge como um lembrete de que uma formação adequada é crucial para um pastor. Estou escrevendo esta mensagem curta como de um pastor para outro. Os meios de comunicação estão cheios de atualizações, e eu não preciso juntar a minha voz nessa briga. Em vez disso, eu quero ajudá-lo a pastorear sua igreja nesse momento confuso. Além dos artigos úteis no blog Preaching and Preachers, eu também quero transmitir os pensamentos abaixo que, creio eu, vão ajudar a enquadrar a questão de uma maneira bíblica.

1 – Nenhum tribunal humano tem a autoridade de redefinir o casamento, e o veredicto de ontem não muda a realidade do casamento que foi ordenado por Deus. Deus não foi derrotado nesta decisão, e todos os casamentos serão julgados de acordo com fundamentos bíblicos no Ultimo Dia. Nada irá prevalecer contra Ele (Provérbios 21:30) e nada vai impedir o avanço de Seu Reino (Dan 4:35).

2 – A Palavra de Deus pronunciou seu julgamento sobre toda nação que redefiniu o mal como o bem, a escuridão como a luz, e o amargo como o doce (Isaías 5:20). Como uma nação, os EUA continuam a colocar-se na mira do julgamento. Como proclamador da verdade, você é responsável por nunca comprometer estas questões. De todas as maneiras, você deve se manter firme.

3 – Esta decisão prova que estamos claramente em minoria, e que somos um povo separado (1 Pedro 2: 9-11; Tito 2:14). Como escrevi no livro “Why Government Can’t Save You”, as normas que moldaram a cultura ocidental e a sociedade americana deram lugar ao ateísmo prático e ao relativismo moral. Esta decisão simplesmente acelerou a taxa de declínio dos mesmos. A moralidade de um país nunca vai ser mais alta que a moralidade de seus cidadãos, e sabemos que a maioria dos americanos não têm uma cosmovisão bíblica.

4 – A liberdade religiosa não é prometida na Bíblia. Na América, a Igreja de Jesus Cristo tem desfrutado de uma liberdade sem precedentes. Isso está mudando, e a nova norma pode, na verdade, incluir a perseguição (o que será algo novo para nós). Nunca houve um momento mais importante para homens talentosos ajudarem a liderar a igreja ao lidar, de forma competente, com a espada do Espírito (Efésios 6:17).

5 – O casamento não é o campo de batalha final, e os nossos inimigos não são os homens e mulheres que procuram destruí-lo (2 Coríntios 10:4). O campo de batalha é o Evangelho. Tenha cuidado para não substituir a paciência, o amor e a oração por amargura, ódio, e política. A medida que você guiar cuidadosamente seu rebanho afastando-o das armadilhas perigosas que aparecem à frente, lembre-os do imenso poder do perdão por meio da cruz de Cristo.

6 – Romanos 1 identifica claramente a evidência da ira de Deus sobre uma nação: a imoralidade sexual seguida da imoralidade homossexual culminando em uma disposição mental reprovável. Esta etapa mais recente nos lembra que a ira de Deus veio na íntegra. Vemos agora mentes reprováveis em todos os níveis de liderança – no Supremo Tribunal Federal, na Presidência, nos gabinetes, na legislatura, na imprensa e cultura. Se o diagnóstico da nossa sociedade está de acordo com Romanos 1, então, também devemos seguir a receita encontrada em Romanos 1 – não devemos nos envergonhar do evangelho, pois é o poder de Deus para salvação! Neste dia, é nosso dever divino fortalecer a igreja, as famílias, e testemunhar o evangelho ao tirar os absurdos pragmáticos que distraem a igreja de sua missão ordenada por Deus. Homossexuais (como todos os outros pecadores) necessitam ser avisados do juízo eterno iminente e precisam ter o perdão, a graça e a nova vida, amorosamente oferecidos através do arrependimento e da fé no Senhor Jesus Cristo.

Em última análise, a maior contribuição ao seu povo será a de mostrar paciência e uma confiança inabalável na soberania de Deus, no Senhorio de Jesus Cristo, e na autoridade das Escrituras. Mire seus olhos no Salvador, e lembre-os de que quando Ele voltar, tudo será corrigido.

Estamos orando para que você proclame firmemente a verdade, e que se posicione de maneira inabalável em Cristo.

[Final do artigo original transcrito]

Com todo o respeito, discordo de basicamente tudo. Os Estados Unidos da América, enquanto entidade política, não são um país religioso, muito menos cristão. São um país em que a religião é separada do estado, que, assim, só pode ser entendido como laico ou não religioso.

O que acabou de acontecer na Suprema Corte americana foi uma decisão jurídica que afirmou a validade, em todo o território nacional, de contratos de união civil (normalmente chamados de “casamentos civis”) entre duas pessoas não casadas de qualquer sexo (ou gênero, se preferem) — e, acrescente-se, raça, cor, nacionalidade, religião, preferência política, etc. No momento, era apenas o primeiro desses quesitos que estava em jogo — sexo ou gênero. Mas já houve época em que casamento civil interracial era banido. Provavelmente, num futuro não muito distante, o estado vai liberar casamento entre mais de duas pessoas (a chamada união poliafetiva ou poliamorosa, antigamente chamada de poligamia).

Não há nada antirreligioso nessas decisões, como não havia na decisão concernente ao divórcio — embora os católicos e os evangélicos conservadores também tenham protestado. O estado está regulando contratos de união civil entre duas (e oportunamente mais de duas) pessoas não casadas (e oportunamente já casadas — nada havendo que impeça uma pessoa de ter múltiplas uniões civis). Não se está desafiando Deus, ou a Bíblia. Não nos esqueçamos de que os Patriarcas da Fé do Velho Testamento, Abraão, Isaque e Jacó, eram todos “poliamorosos” ou polígamos — e alguns heróis do Velho Testamento chegaram até mesmo a ter conjunções carnais, como diz o pessoal do direito, incestuosas).

Cada igreja ou cada grupo social tem total liberdade de definir um casamento mais significativo ou profundo ou espiritual ou carregado de valores do que o civil da forma que quiser. Pode decidir que ele será exclusivamente hétero e entre apenas duas pessoas (necessária e comprovadamente virgens, se preferem), durará para sempre, não podendo ser desfeito (mesmo que um dos envolvidos, ou os dois, estejam sofrendo de forma desesperadora por causa desse casamento por causa de violência mental ou física, ou manipulação invasiva dos seus direitos por parte do outro cônjuge).

Num estado laico não faz sentido que evangélicos, católicos e judeus — para não falar nos maometanos — tentem impor seus valores religiosos em todo mundo. Imaginem que os judeus ortodoxos resolvam que um homem só pode casar se for circuncidado. Vocês acham justos que o estado adote esse ponto de vista religioso e obrigue todo humano masculino a se circuncidar? Não faz sentido, não é verdade? Também não faz sentido querer que duas pessoas, para se casar e viver em família, tenham de ser de sexos ou gêneros diferentes.

Por fim, já faz muito tempo que a finalidade principal do casamento civil não é a procriação, mas, sim, a parceria, o companheirismo, o apoio mútuo, etc. Erra, portanto, e fundamentalmente, demonstrando uma imperdoável pobreza de espírito, Hélio Schwartsman, na Folha de hoje (30/6/2015), quando afirma que “O casamento, vale lembrar, é um mecanismo através do qual o indivíduo pede ao Estado licença para manter relações sexuais com outra pessoa.” Nem de longe. Relações sexuais regulares fazem parte do casamento da maioria das pessoas — mas não de todas. Mas estão longe de ser a única razão para o casamento — em especial numa sociedade liberada como a nossa, em que a maior parte das pessoas começa a ter relações sexuais bem antes de se casar (sem pedir para ninguém, muito menos para o governo), em muitos casos mantém relações sexuais extraconjugais, e, findo o casamento, continua a ter uma vida sexual regular e normal (em alguns casos, até em asilos de idosos).

Em Cortland, 30 de Junho de 2015.

A Função do Escritor

Cerca de  dois anos e meio atrás (no dia 13/7/2011) escrevi um post aqui com o título de “50 Anos de Carreira” (http://liberalspace.net/2011/07/13/50-anos-de-carreira/). Indiquei que estava comemorando, naquele ano de 2011, 50 anos de minha carreira como Escritor, pois foi naquele ano, em que fazia o primeiro ano do meu Curso Secundário Clássico, que comecei a escrever – primeiro ensaios para as disciplinas de Língua Portuguesa, Literatura Portuguesa, e Literatura Brasileira. Depois, outras coisas.

Hoje (13/3/2014), enquanto lia um livro fantástico (Neil Postman, The Disappearance of Childhood), topei com uma passagem interessante. Passo a contextualiza-la, antes de cita-la.

Indica Postman, na p.21 da edição de 1994 em paperback, que antes da invenção da prensa impressora, no século 15, “o conceito de escritor, no sentido em que usamos o termo hoje, não existia”. À primeira vista essa afirmação soa estranha, porque faz certo sentido imaginar que o conceito de escritor exista desde que foi inventada a escrita – não desde que foi inventada a prensa impressora (possivelmente por Guttenberg). A tese de Postman é de que o texto (no sentido convencional, de “texto escrito” – expressão que vai sempre me soar pleonástica) certamente surgiu com a escrita, mas um texto qualquer não tinha um só dono, alguém que um dia se sentou e o escreveu (como eu estou fazendo com este texto), mas vários donos ou proprietários – e de diferentes tipos. Para ilustrar ele cita uma curiosa passagem de São Boaventura, escrita no século13. Ele descreve quatro tipos de donos ou proprietários de um texto :

“Um homem pode escrever as palavras de outros, nada acrescentando ou alterando, em cujo caso nós o chamamos de ‘escriba’.  . . .  Outro homem pode escrever também as palavras de outros, mas acrescentando-lhes palavras que não são criadas por ele, em cujo caso nós o chamamos de ‘compilador’.   . . . Ainda um terceiro homem pode escrever tanto palavras dos outros como as suas próprias, mas deixando que as palavras dos outros ocupem o lugar principal, em cujo caso nós o  denominamos ‘comentarista’.   .  . .   E, por fim, um quarto homem pode escrever tanto palavras dos outros como as suas próprias, mas atribuindo o lugar principal às suas, deixando que as palavras dos outros sirvam apenas de reforço ou confirmação. Neste último caso, reconhecemos esse quarto homem como ‘autor’  . . .” (Postman cita apud Elizabeth Eisenstein, The Printing Press as an Agent of Change, 1979).

Aquele que São Boaventura chama de autor é o que hoje chamamos de escritor (writer). Ele escreve palavras suas, que ele mesmo criou e compôs, ainda que se sirva, para fins de reforço ou comprovação, de palavras de outros, que ocupam um papel claramente secundário.

(Parêntese: alunos de Pós-Graduação em processo de escrever dissertação ou tese deveriam atentar para esse fato sublinhado por São Boaventura, oito séculos atrás por aí: o autor de uma dissertação ou tese não é um mero comentarista sobre as palavras de outros, nem, muito menos, um mero compilador de pontos de vista alheios. A maioria absoluta dos trabalhos acadêmicos que leio, mesmo em se tratando de teses de doutorado, parecem mais comentários ou mesmo compilações do que verdadeiros trabalhos de autoria. Fim do parêntese.)

Quando os textos eram manuscritos, eles em geral eram compostos, originalmente, por alguém que falava (ou mesmo ditava) e por alguém que transcrevia o que o outro dizia (o chamado escriba ou amanuense – o amanuense é, literalmente, o que empresta a mão para o outro escrever. . .). Se o texto composto era reproduzido (duplicado ou multiplicado), havia necessidade de um copista. Tanto o escriba como o copista, é forçoso reconhecer, frequentemente metiam o nariz onde não deviam e acrescentavam suas próprias palavras ao texto, ou deixavam palavras de fora, ou alteravam o que estavam transcrevendo ou copiando. Quem já trabalhou com crítica literária do Velho ou do Novo Testamento conhece bem o padrão de interpolações, omissões e alterações.

Foi apenas com a invenção da prensa impressora que foram criados mecanismos de composição, impressão e reprodução de textos que submetiam os textos a certo tipo de controle. Foi só aí que foi criada a figura do escritor como o autor, dono ou proprietário do texto impresso, titular, até mesmo, de “direitos autorais” e “direitos de cópia” (copyright).

Em 2011, quando minha “Fan Page” Eduardo Chaves foi criada no Facebook  (por minha mulher, é bom que fique permanentemente registrado), eu, já aposentado da UNICAMP, coloquei minha função ou profissão principal como sendo escritor. Devo mais essa a Gutenberg.

A propósito, minha “Fan Page” se encontra no endereço:

http://www.facebook.com/educhv/

Agradeço a visita e, se for do seu agrado, a “curtição” (like). Este texto está indo para lá, via meu blog Liberal Space, que se encontra no endereço:

http://liberalspace.net/

Em São Paulo, 13 de Março de 2014

O que Será do meu FaceBook Quando eu Morrer?

Meu amigo Jarbas Novelino chamou minha atenção, hoje cedo, através do Facebook, para um artigo que anuncia a criação, em Israel, de algo, não virtual, infelizmente, que parece um Facebook dos Mortos. Ele fotografa lápides e cria um site onde, um perfil para cada lápide, elas são exibidas e os parentes podem deixar suas memórias e curtições para o finado.

Acho desnecessário — e meio mórbido — fotografar lápides físicas para criar os perfis em um site. Deveria ser possível, mediante a apresentação da certidão de óbido, já criar o perfil do recém-falecido (ou do falecido há tempo), com fotos e demais memorabílias.

Certamente fica mais barato. Talvez, não tão bonito: veja a foto.

Cemetery in Israel

Cemetery in Israel

Um acordo com o Mark Zuckerberg poderia até permitir que o perfil e timeline do aposentado da vida fosse transferido para o site — que poderia se tornar, por assim dizer, e com perdão do trocadilho de mau gosto, um arquivo morto do Facebook. Este teria a vantangem de poder dar uma depurada no seu sistema, eliminando os que já passaram desta para aquela. Afinal de contas, os estatísticos já preveem que em 2065 o Facebook terá mais perfis de mortos do que de vivos, dadas as curvas atuais (curvas de novos membros e de falecentes).

Sempre acho essas coisas fascinantes.

Uma rápida busca em meu blog identificou três ocasiões: duas muito perto uma da outra, em Agosto de 2006, outra no fim de 2011.

“O que Será dos meus Hard Disks?” (de 21/8/2006)

http://liberalspace.net/2006/08/21/o-que-sera-dos-meus-hard-disks/

Literatura, Cinema… Alienação? (25/8/2006)

http://liberalspace.net/2006/08/25/literatura-cinema-alienacao/

Que Será de Nossos Pertences Digitais quando Morrermos? (17/11/2011, 28/12/2011)

http://liberalspace.net/2011/12/28/que-ser-de-nossos-pertences-digitais-quando-morrermos/

Quem estiver a fim de enfrentar uma discussão meio mórbida, vá em frente.

Acho que aos poucos estamos encontrando a chave para uma vida após a morte. Ela será uma vida “apenasmente” virtual, mas é melhor do que nada. Não vai exigir ressurreição, arrebatamento, nada. Uma mera transferência dos arquivos de um site para o outro.

Em São Paulo, 19 de Novembro de 2013

Now There is a Facebook for Dead People

By Christopher Mims @mims November 18, 2013

An Israeli entrepreneur has spent “hundreds of thousands of shekels” (tens of thousands of US dollars) to photograph and log 120,000 gravestones, in an effort to create a sort of Facebook/Wikipedia for the dead. It sounds ghoulish, but the project, Neshama, is intended to be the opposite: each page is to be a memorial to a particular deceased person, where family members can leave remembrances.

So far the site encompasses just five cemeteries, but the idea for the site seems eminently exportable. It’s unclear whether Shelly Furman Asa, the site’s founder, sought permission to take the photographs. But at least in the US, there is little to protect gravestones from being photographed, and similar sites like Find A Grave and BillionGraves already serve amateur genealogists in the US.

Facebook allows relatives to “memorialize” the profile of a deceased person, and cartoonists have calculated that Facebook could have more dead people than living by as early as 2065. Neshama’s differentiator is that Facebook has only existed since 2004, but people have been marking the site of their dead relatives for millennia.

Asa says digitization of more cemeteries is ongoing, and that eventually the site will make money by charging relatives to upload images and other tokens to their relatives’ pages.

http://qz.com/148560/now-theres-a-facebook-for-dead-people/

O que é “ser de direita” no Brasil de hoje?

Há, hoje, uma confusão generalizada sobre o que é “ser de direita” no Brasil. A mídia, que deveria esclarecer a população, ajuda a confundir. Embora a confusão envolva, também, o conceito de “ser de esquerda” (que é a “contrapartida”), ela é mais visível no conceito de “ser de direita”.

A Folha de S. Paulo está numa campanha para mostrar que a posição ideológica do eleitor, isto é, se ele é de esquerda ou de direita, não afeta significativamente sua intenção de voto e, oportunamente, o seu voto.

Mas na análise do que é “ser de direita”, há uma confusão generalizada. O que o jornal entende por “ser de direita” tem muito mais que ver com “ser conservador” do que com “ser liberal” (no sentido clássico do termo – não no sentido americano do termo). Isso ficou evidente num infográfico intitulado “Valores Ideológicos”, criado pelo Datafolha, que eu transcrevo aqui.

Infografico Esquerda Direita

Não vou analisar esse infográfico na íntegra, mas o restante deste artigo é relevante para sua análise.

Minha tese é que a Folha (Datafolha) confunde (ou mistura, ou não distingue) conservadores e liberais ao caracterizar o que é “ser de direita” no Brasil de hoje.

Uma pessoa conservadora é uma pessoa que procura conservar as tradições culturais e as instituições, preservar as coisas como elas “sempre foram”, em vez de propor mudanças. Essa pessoa tende a ser, por exemplo, conservadora também na religião, que é uma manifestação cultural – e na moral, que em geral é afetada pela visão religiosa.

Assim, uma pessoa conservadora tende a ser contra o aborto, a eutanásia, o divórcio, a liberdade sexual (em especial o sexo sem casamento ou pré-marital), o casamento homossexual, a liberação das drogas, etc.

Uma pessoa liberal (no sentido clássico, não no americano, em que o social-democrata, à la Kenedy e FHC é chamado de liberal) é uma pessoa que procura aumentar ao máximo o espaço de liberdade de indivíduo vis-à-vis a interferência da sociedade e, especialmente, do estado (governo).

Assim, numa sociedade conservadora, com um estado (governo) conservador, que promove a agenda conservadora, o liberal é, em geral, um revolucionário.

Pois tomemos as questões ético-religiosas contra as quais o conservador se manifesta, e que acabei de listar: o liberal é, em regra, favorável a todas elas: aborto, eutanásia, liberdade sexual (em especial o sexo sem casamento ou pré-marital), o casamento homossexual, a liberação das drogas – e por uma razão simples: elas envolvem o uso da liberdade das pessoas, que devem ter o direito de decidir essas coisas por sí próprias, sem pressão social e, especialmente, do estado (governo). (Pessoas, no caso, seria desnecessário ressaltar, capazes de escolher, decidir e assumir a responsabilidade pela escolha e pela decisão. Crianças e incapazes não qualificam).

Para o liberal, o espaço de liberdade do indivíduo deve ser aumentado ao máximo, e, por conseguinte, o espaço de coação da sociedade e do estado (governo) deve ser reduzido ao mínimo.

O que significa “ser de direita”, nesse contexto?

Nos Estados Unidos, onde essa confusão teve início, e de onde foi importada para o Brasil, houve, quando da eleição do Presidente Reagan, uma coalisão de conservadores e liberais para colocar na presidência uma pessoa que era, do ponto de vista cultural e religioso, conservador, mas do ponto de vista político e econômico, liberal.

A campanha de Reagan foi centrada na ideia de que o estado (governo) é parte do problema, não da solução, e que esta se encontra, portanto, em menos governo. Coerentemente, Reagan defendeu a tese de que o estado (governo) deve legislar menos, deve arrecadar menos impostos (de indivíduos e de empresas), deve reduzir seus programas sociais (que obrigam, pela via da taxação, os mais ricos a financiar a desocupação e a preguiça, que facilitam (pelo apoio econômico às mães solteiras, em grande número adolescentes) o desregramento sexual (o sexo entre quem não doutra forma não teria condições de lidar com as possíveis consequências de seus atos), etc. E Reagan era religioso, temente a Deus, e anticomunista. Ganhou fácil, com o apoio dos liberais e dos conservadores (inclusive dos conservadores ultra-religiosos, vale dizer, lá, cristãos).

Ainda sobre questões específicas.

Nos Estados Unidos, o porte de armas é defendido por conservadores e por liberais. Por conservadores, porque na sociedade americana sempre cada um pode ter e carregar sua arma para se defender. Por liberais, porque ter e portar uma arma são comportamentos que fazem parte dos direitos do indivíduo viver como lhe aprouver (caçando no fim de semana, por exemplo, como o faz meu genro), e, inclusive, de defender-se. Esta é mais uma questão em que conservadorismo e liberalismo concordam, nos Estados Unidos.

A chamada idade penal também une conservadores e liberais, tanto nos Estados Unidos como aqui no Brasil. Do ponto de vista do conservador e do liberal, quem comete um crime, e é consciente do que está fazendo, deve ser punido – e a consciência de que é moralmente errado e legalmente criminoso roubar, atentar contra a segurança, integridade e a vida da pessoa surge muito cedo na sociedade de hoje. (Um conservador e um liberal acham um absurdo chamar de “criança” um criminoso frio de 17 anos e meio que assassina para roubar).

Passemos para o Brasil.

A esquerda (que inclui comunistas, socialistas, “progressistas” em geral) anda a promover a ideia de que “a direita” está crescendo no Brasil – e que isso é um problema sério. Também acho que esteja crescendo – mas, como liberal clássico, quase anarquista-libertário, e, portanto, anti-esquerdista, acho isso benéfico.

Apóia-se a esquerda, ao dizer isso, no crescimento, entre outras coisas, dos chamados “evangélicos”, que são cristãos não-católicos de viés conservador, fundamentalista mesmo. (Distingo-os dos protestantes históricos: luteranos, presbiterianos, etc.). Esses evangélicos são, em geral, contra o aborto, a eutanásia, a liberação sexual (“eu decidi esperar” é um mantra), o divórcio, a sanção às uniões homossexuais que é (segundo eles) expressa pela permissão de que se casem, o uso e a liberação das drogas (por vezes até do cigarro e do álcool), etc.

Em questões como a pobreza, os evangélicos tendem a atribuir suas causas aos valores, às atitudes e às condutas dos indivíduos, não a fatores sociais, sendo, por isso, hesitantes em apoiar tanto gasto estatal (governamental) na implementação de programas sociais (as “bolsas”) que, segundo eles, reforça valores, atitudes e condutas que impedem o indivíduo de buscar a mudança e a melhoria de sua vida. Concordo com eles, nessa questão.

Um dos grandes malefícios advindos da ditadura militar instaurada com o golpe de 1964 no Brasil foi fazer boa parte da população brasileira ver o governo militar como “de direita”, porque anticomunista e porque a “esquerda”o combateu, até mesmo recorrendo ao terrorismo.

Conservadores em geral apoiaram o governo militar, porque queriam salvar a “tradição, família e propriedade” – tendência que gerou a famigerada TFP (pela qual não tenho a menor simpatia, apesar de ser favorável ao direito de propriedade, de nada ter contra a família (casei três vezes!), e de sr favorável a umas poucas tradições (e contrário a muitas outras). Acreditavam os conservadores  estar defendendo, entre outras coisas, a religião cristã ao apoiar os militares contra o perigo do comunismo ateu.

Liberais, por seu turno, certamente também não viam o comunismo com bons olhos – embora não por ele propor o ateísmo. Liberais eram (e são) anticomunistas porque o comunismo socializava tudo, acabava com a iniciativa privada na área econômica, cerceava a liberdade individual, advocava a “reeducação” (doutrinação até com lavagem cerebral) das pessoas, etc. Nenhum amante da liberdade vê essas coisas com bons olhos. Como era evidente, para eles (e para quem estivesse disposto a ver e ouvir), durante o governo de João Goulart, que o Brasil caminhava nessa direção, os liberais, em regra, apoiaram o golpe militar, como um remédio drástico contra a comunistização do Brasil. (Liberais clássicos sempre defenderam direito de a população remover da chefia da nação um líder tirano, que estivesse desrespeitando os direitos das pessoas – e o direito de fazer isso até mesmo pela violência, o chamado “tiranicídio”).

Quando o governo instituído pelo golpe militar de 1964 se revelou uma ditadura, violenta e estatizante (nunca se criou tanta “brás” no Brasil quanto durante o governo militar), que torturava e matava, e censurava os meios de comunicação, fechando ou domesticando o Congresso para se perpetuar no poder, perdeu o apoio dos liberais. Uns perceberam o que acontecia mais cedo, outros mais tarde, mas oportunamente todos perceberam.

A esquerda, porém, conseguiu convencer as pessoas, e a mídia, de que conservadores e liberais eram todos a mesma coisa, “a direita”, e que esta havia apoiado a ditadura e, depois de finda esta, “tinham saudade da ditadura”.

Assim, mais um resultado nefasto do regime militar foi o fato de que boa parte das pessoas passou a ver a esquerda, que nunca foi contra ditaduras, em si, até porque desejava a implantação aqui de uma ditadura à la Cuba (que lá se perpetua até hoje), mas era contra a ditadura anticomunista dos militares, como o “lado do bem”, e a direita como o “lado do mal”.

Desde então, desapareceu, no Brasil, na área política, o espaço à direita do centro: até a social democracia foi rotulada “de direita”. Deixou de haver candidatos conservadores viáveis para cargos executivos (para os legislativos os evangélicos conseguiram eleger vários) e os liberais sumiram do mapa, meio amedrontados de serem rotulados “de direita”, de defensores da ditadura, de golpistas, de entreguistas, etc.

Os liberais, hoje, estão perdendo esse medo. Alguns liberais, como Olavo Carvalho, Reinaldo de Azevedo, Rodrigo Constantino, também são conservadores (cultural e religiosamente). Outros, não. Advocados de Ayn Rand e Ludwig von Mises proliferam no Brasil.

Assim, a esquerda, juntando os conservadores (entre os quais os evangélicos) e os liberais, vê “a direita” crescer. E, nesse sentido, está crescendo mesmo. E isso é bom – especialmente se conseguir acabar com o monopólio hegemônico da esquerda. (A esquerda, que é o “pensamento único” no Brasil, conseguiu convencer as pessoas que o liberalismo é o “pensamento único”. George Orwell entendia bem dessa “novilíngua (newspeak), que rebatiza as coisas com o nome oposto daquilo que são. A Alemanha Comunista era “democrática”; a Alemanha Ocidental era apenas “federal”).

Como, nas pesquisas de intenção de voto, os candidatos a presidente propostos aos eleitores brasileiros são Dilma, Marina, Eduardo Campos, Aécio Neves, José Serra, nenhum dos quais é conservador ou liberal, os eleitores acabam escolhendo um deles – e a “brilhante” Folha de S. Paulo, carregada  de colunistas de esquerda, afirma que o voto foi “desideologizado”, porque até eleitores que seriam “de direita” votam em políticos da esquerda.

(Que opção? Quando até a “Santíssima Trindade” do Maluf, do Sarney e do Collor se esquerdizaram, bandeando-se para os lados do PT e vivem abraçados com o Lulla, e, no caso do Maluf, com o Haddad…).

Em São Paulo, 15 de Outubro de 2013

Toffler’s The Third Wave

I am rereading Alvin Toffler’s The Third Wave. This fantastic book was published in 1980. My copy was bought two years later. In 1983, when I was still Dean of the School of Education at UNICAMP, I taught an undergraduate seminar on the book (against the protest of the Educational Sociology Department that claimed I couldn’t teach that, since the book was Sociology and I didn’t have a degree in So…

ciology… The real reason was that the book was subservient to Marxist ideology and showed that Soviet Russia was basically an industrial — Second Wave — country when the US was quickly moving ahead into the Third Wave). Most students thought that the book was an exercise in futurology only. Today, almost 30 years later, as I reread the book, I see that guy wrote about the future as most people write about the past: with clarity and full conviction. Most amazingly, things have turned out basically as he predicted they would. Really unbelievable.

In São Paulo, on the 18th of November of 2012

Marido e Mulher e as “Novas Conjugalidades”

Mirian Gondenberg (miriangoldenberg@uol.com.br) escreveu dois artigos interessantes na Folha recentemente (o segundo, hoje, 14 de Dezembro). Transcrevo-os abaixo.

Mas antes, a minha opinião.

Minha mulher e eu vivemos a situação parcialmente descrita por ela: vivemos juntos há dois anos e meio quase. Há, portanto, co-habitação. O divórcio dela já saiu mas o meu se enrosca em questões patrimoniais. Sempre a chamei, entretanto, desde o início, de “minha mulher”, e ela, a mim, de “meu marido”. É isso que somos um para o outro, afinal!

Quatro considerações:

1) O uso linguístico de chamar a esposa de mulher e o esposo de marido é antigo e consagrado. Os ritos matrimoniais consagram o casal como “marido e mulher”. Mulher, assim, tem como contrapartida não só homem – se se foca o sexo – mas também marido – se se foca o estado civil. A contrapartida de “mulher” não precisa, portanto, ser “homem”, se se foca o estado civil.

2) Hoje em dia não faz mais sentido reservar o termo “marido” (ou mulher) apenas para aquele(a) com quem se está casado de papel passado. Marido (ou mulher) é aquele(a) com quem se vive conjugalmente. 

3) Sempre preferi as expressões “minha mulher” e “meu marido” às expressões (que me parecem demodées e desnecessariamente pomposas!) “minha esposa” e “meu esposo”.

4) Mas não tenho nada contra a tentativa de resgatar a expressão “meu homem” para se referir ao marido. Pelo contrário.

Mas gostei muito dos artigos da Mirian.

———-

OUTRAS IDEIAS

Meu homem

MIRIAN GOLDENBERG

Sugestões recebidas: parceiro, companheiro, rolo, querido, ficante, namorido, marinado, sei lá, tanto faz

NA ÚLTIMA coluna escrevi sobre um problema que afeta muitas brasileiras: como apresentar o homem com quem elas vivem novas formas de conjugalidade? Como defini-lo, se não há vínculos legais, co-habitação, filhos?

Recebi sugestões engraçadas, criativas e inteligentes. Exemplos: marido, esposo, cônjuge, namorado, noivo, namorido, ficante, rolo, marido oficial, marido social, marido informal, parceiro, companheiro, “significant other”, consorte, com-sorte, querido, amado, amante, afeto, amigo, amigo predileto, amor da minha vida, UE (união estável), gato, caso, colega de viagem, macho, dono do meu coração, vizinho de cama, amizade colorida, compromisso enrolado, compromisso sério, o cara, sei lá, tanto faz.

Uma das mais “votadas” foi: “Este é o meu amor”.

A Sandra escreveu: “Achei muito divertido o seu texto, porque é uma situação muito atual, talvez pela falta de necessidade de se ter um relacionamento que resulte em certa dependência. As mulheres têm ficado financeiramente independentes e isso se reflete no setor afetivo”.

E essa leitora continua: “Ainda é difícil classificar de forma que todo mundo entenda esse novo tipo de relacionamento. Só sei que o meu já dura cinco anos. Me lembro como o apresentei para minha mãe: -Mãe, esse é o Jorge. Ela perguntou se era meu namorado, e eu: -Não, mãe, é o meu amor!. E ainda o apresento assim”.

Entretanto, a sugestão campeã absoluta foi: “Este é o meu homem”.

A Angélica disse: “Mirian, eu adorei seu texto. Também tenho essa dificuldade de apresentação. Para ele, meu amor, eu digo que ele é meu homem! Eu fico entre essas duas definições: esse é meu homem, esse é meu amor.

Mas, dependendo das circunstâncias, eu vou mudando: esse é meu gato, meu amado, meu namorado. Mas, lá no fundinho, eu continuo querendo uma única coisa: que ele continue sendo meu homem, meu amor, minha paixão”.

Por fim, fica a proposta da Lélia, que fez uma enquete com dezenas de amigos: “Sabe Mirian, eu acho que deveríamos ter a coragem de dizer “este é o meu homem”. Vamos derrubar o preconceito. Vamos enterrar a ideia de achar que falar “meu homem” é vulgar. Se homem pode dizer “esta é a minha mulher”, nós também podemos dizer “este é o meu homem”. Ponha em prática a ideia. Seja a precursora. Vamos pôr fim a esse tabu. Lance a campanha!”.

Então, queridos leitores e leitoras, vamos aceitar o desafio da Lélia?

[MIRIAN GOLDENBERG, antropóloga e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é autora de “Intimidade”(Record)]

———-

OUTRAS IDEIAS

MIRIAM GOLDENBERG

Nem marido, nem namorado

Apesar de tantas mudanças, ainda faltam bons nomes para definir os novos formatos de relacionamento amoroso

MUITAS mulheres dizem que não sabem como definir o homem com quem estão tendo uma relação afetiva e sexual.

Algumas moram junto, mas não são casadas legalmente. Outras moram sozinhas, mas têm um compromisso estável. Outras ainda moram no mesmo apartamento, mas cada um tem seu quarto, banheiro, computador, telefone, televisão etc.

Elas dizem que não gostam de chamá-los de “marido”, porque indicaria um nível de compromisso que não assumiram. Acham a palavra “namorado” pior ainda, consideram esquisito dizer que estão namorando depois de certa idade. “Namorido” (mistura de namorado e marido) dizem, é ridículo, apesar de o termo estar na moda em alguns meios.
Uma psicóloga de 47 anos diz: “Estou com uma pessoa há mais de dez anos. Eu acho estranho dizer que é meu “marido”, porque não moramos juntos. “Namorado” é coisa para adolescente. “Companheiro” parece que sou do Partido Comunista. “Parceiro” parece que ele é meu sócio num negócio. Ele diz para todo mundo: esta é a minha mulher. Adoraria fazer como ele e dizer, apenas, ‘este é o meu homem'”.

Apesar de décadas de mudanças nas relações de gênero, nas famílias e nos casamentos, não foi inventado um bom nome para definir os homens e as mulheres que vivem novas conjugalidades.

O fato de não existir um nome indica que essas relações não são plenamente reconhecidas socialmente. Daí a necessidade de homens e mulheres usarem velhas definições, talvez como forma de tornar os novos arranjos conjugais mais legítimos, reconhecidos ou seguros.
Trata-se de um problema de classificação. Não conseguimos nomear adequadamente novas formas de compromisso amoroso sem recorrer a categorias anacrônicas, que estão muito longe de serem adequadas.

Uma antropóloga de 50 anos diz que o Facebook está mais antenado com os relacionamentos atuais. “Lá tem como opções: solteira, em um relacionamento sério, em um noivado, casada, em um relacionamento enrolado, amizade colorida, viúva, separada, divorciada. Eu me classifico como tendo um relacionamento sério. Mas na vida real como posso apresentá-lo aos meus amigos? Este é fulano, o meu relacionamento sério?”
Caros leitores e leitoras, alguma sugestão? Enviem suas ideias para o meu e-mail e, quem sabe, conseguimos descobrir uma definição mais satisfatória para as novas formas de conjugalidade.

Mas, por favor, nada de namorido!

[MIRIAN GOLDENBERG, antropóloga e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é autora de “Intimidade” (Record)]

———-

Em São Paulo, 14 de Dezembro de 2010

O café de coador

Tenho enorme receio de que o longo reinado do incomparável café de coador esteja chegando ao fim – vítima, de um lado da tecnologia, de outro lado da diversidade dos gostos e das preferências (que, hoje, chega às raias da frescura).

No passado, não havia grande diversidade. A gente chegava a um bar ou a uma padaria e pedia um cafezinho – e não havia o que discutir. Cafezinho era cafezinho, de coador, já com açúcar (em geral bastante), sem leite (naturalmente). Só se pedia uma média ou um pingado de manhã, na padaria, junto com um pãozinho com manteiga. A média vinha na xícara, o pingado no copo. A média em geral era mais clara do que o pingado – que, naturalmente, tinha mais café. Mas, fora disso, era cafezinho, ou cafezinho. Nada de frescura.

Agora, até em bares chinfrins há as benditas máquinas que fazem café expresso, com ou sem leite, com ou sem espuminha, carioquinha ou canelinha, sempre sem açúcar, que pode ser adoçado com açúcar, açúcar light, açúcar mascavo, ou os adoçantes Zero-Cal, Finn, Assugrin, Adocyl, Doce Menor, Gold, etc. Em coffeeshops (que, agora, até os McDonald’s têm) pode-se optar por um capuccino (ou frappuccino), um café bombom, um café baunilha, café caribe (tem leite condensado), ou, então, por um americano, um latte, um mocha, um machiatto, ou, ainda, por um café com licor (em cujo caso se pode optar por Amaretto, Amarula, Baileys, etc.), ou, em caso extremo, por um café gelado (tall, naturalmente). E sempre se pode tomar um café descafeinado – que sempre me deu a impressão de ser um café sem café.

Só Deus sabe onde vai parar essa diversidade.

Acho tudo isso frescura multiculturalista. Fico tentado a atribuir essa frescura multiculturalista à esquerda Pierre Cardin – a esquerda bem vestida (donde o Pierre Cardin), chique, e esnobemente culta, pleine de finesse, que tem apartamento no 16e. arrondissement em Paris… (Aquela esquerda a que o Lulla nunca vai poder aspirar).

Eu, por mim, gosto é de cafézinho de coador. Quentinho. Quando é de manhã, na padaria, um pingado, em copo grande (tipo copo de requeijão), com o café já vindo adoçado. E um pãozinho com manteiga na canoa (sem miolo – para não engordar muito) e sem ir à chapa (para não perder a crocância), ao qual eu infalivelmente acrescento sal (porque a manteiga, por mais salgada que seja, nunca é suficientemente salgada para mim).

O resto é para quem não tem o que fazer. Menu de café é, para mim, o fim da picada.

Abandonei os restaurantes Frango Assado na beira das estradas por duas razões. Primeiro, não vendem mais café de coador. Segundo, para o lanchinho do meio do dia, não vendem mais empada de frango (apesar de serem uma loja de frango). Só empada de algo que de frango passa longe misturado com palmito e com catupiry. Quem inventou isso que vá chupar prego.

Em São Paulo, 16 de Março de 2010

Morando com mamãe

Interessante a matéria do Ruy Castro na Folha de hoje (22/2/2010). Ele compara os jovens e jovens adultos de hoje com os de 42 anos atrás, em 1968.  Em 1968 eu tinha 25 anos e estava casado. Mas deixei a casa de meus pais no início de 1961, quando eu tinha 17 anos. Hoje, o pessoal se casa muito mais tarde e fica morando com mamãe até os 30 e até mesmo os 40 anos. As vezes se casa e continua morando com mamãe. Se se separa, volta para a casa de mamãe.

O que aconteceu com o desejo de liberdade e autonomia dos jovens??? Será que as estão trocando por um prato diário de lentilhas e roupa lavada e passada??? Difícil de crer que a liberdade e a autonomia lhes valha tão pouco…

EM TEMPO:

Cerca de meia hora depois de escrever o texto acima, li algo relacionado no livro Grown Up Digital, de Don Tapscott.

Ao discutir algumas das críticas feitas aos chamados “Nativos Digitais”, ele menciona, como quarta crítica (p.4) o seguinte:

“Porque seus pais os mimaram e paparicaram, eles acabaram ficando perdidos no mundo, receosos de escolher um caminho por si próprios. É por isso que muitos, depois de cursar a universidade [onde em regra ficam internos], tantos voltam para casa. Não sabem lidar com a própria independência. Os pais em geral adoram, mas os vizinhos ficam preocupados. Por que eles não se estabelecem por si próprios para cuidar de suas vidas? Por que precisam de pais que, como helicópteros, ficam girando em círculos por cima dos filhos enquanto estes são entrevistados em processos seletivos para ingresso na universidade ou mesmo no mercado de trabalho. Segundo William Damon, autor de Path to Purpose, ‘Os jovens têm tanto medo de assumir compromissos que muitos deles nunca se casam, estão tão incertos sobre seus propósitos na vida, que terminam nunca escolhendo uma carrreira. Dessa forma, muitos deles acabarão vivendo na casa dos pais para sempre.’”  

Interessante, não? Don Tapscott não concorda com a crítica – mas reconhece que os fatos sobre ficar na casa dos pais, postergar (ou mesmo evitar) compromissos relacionais sérios, e adiar ao máximo a definição de uma carreira são evidentes.

Eis o texto do Ruy.

—–x—–

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2202201005.htm 

RUY CASTRO
Morando com mamãe

RIO DE JANEIRO – Custei a perceber que era uma tendência: a quantidade de rapazes de 30 anos ou mais, hoje em dia, ainda vivendo com os pais e sendo sustentados por eles -abdicando da liberdade pelos confortos e conveniências da cama, comida e roupa lavada. Foi para isso que os jovens dos anos 60 fizeram duas ou três revoluções?

Nenhum garoto de 1968 trocaria a canja de galinha do Beco da Fome, em Copacabana, às 4h, pelo toddy com biscoitos servido pela mãe às 21h, depois de "O Sheik de Agadir". Ou a aventura de morar num apê tipo já-vi-tudo em Botafogo -o mobiliário consistindo de uma estante de tijolos com uma ripa de madeira por cima (roubados de alguma construção vizinha) e de uma esteira de praia à guisa de cama- pelo quarto acolhedor e quentinho que ocupava desde guri no vasto apartamento dos pais.

Quem chegasse à provecta idade de 20 anos e não tivesse endereço próprio era tido como anormal -a norma era entrar para a faculdade aos 18 ou 19, arranjar um emprego e ir à vida, como até as meninas estavam fazendo. As vantagens de morar sozinho eram poder ir ao banheiro com a porta aberta, namorar a qualquer dia e hora e promover reuniões para derrubar a ditadura ou para escutar o disco novo da Nara, o que viesse primeiro.

Hoje, há marmanjos de até 40 anos morando com a mãe, na Europa, nos EUA e no Brasil. Na Itália são chamados de "mammoni" (filhinhos da mamãe); na Espanha, de "ni-ni" ("ni estudian, ni trabajan"); na Inglaterra, de "kidults" ("kids", crianças, com adultos). Eles se defendem: formaram-se, gostariam de trabalhar, mas o mercado é cruel, não consegue assimilá-los, são desempregados crônicos e não têm como pagar aluguel, comprar um imóvel nem pensar.

E, além disso, ninguém cozinha como a mamãe.

—–x—–

Em São Paulo, 22 de Fevereiro de 2010

Pouca vergonha !!! (Parte 2)

Confesso que, dias atrás, no início do mês, à noitinha, ao ver o vídeo da oração de ação de graças de um deputado brasiliense, evangélico e recebedor de propina, junto de um colega, também deputado, também evangélico e também recebedor de propina, diante do pagador-mor das propinas no Distrito Federal, Secretário do Governo de José Roberto Arruda (DEM), do Distrito Federal, fiquei menos chocado do que quando descobri, dias antes, evidências incontestáveis de que o Corinthians (jogadores, técnico, comissão técnica, etc.) entregou o jogo ao Flamengo em Campinas, na penúltima rodada do Campeonato Brasileiro, abrindo as portas para o Flamengo ser campeão (e fechando as portas para o tetra-campeonato consecutivo do rival São Paulo Futebol Clube). 

Na verdade, não fiquei chocado com o comportamento e a oração de graças do deputado evangélico, que por sinal é Corregedor da Câmara dos Deputados de Brasília… O outro deputado, que participou da oração, é o Presidente da Câmara – aquele mesmo que foi pego com dinheiro nos bolsos, nas meias e Deus sabe mais onde…

Não fiquei chocado com o comportamento e a oração dos deputados evangélicos. Fiquei apenas triste… Triste porque meu pai foi pastor evangélico (presbiteriano) durante quase cinqüenta anos. De 1941, quando iniciou seu ministério, em Paracatu, MG, até 1991, quando morreu, em Santo André, meu pai foi pastor evangélico – e isso numa época em que ser pastor evangélico era sinônimo de ser uma pessoa eminentemente honrada, honesta e boa  (e que vivia com uma miséria). Na verdade, nessa época ser evangélico, em si, ainda que leigo, era sinônimo de ser pessoa honrada, honesta e boa. Naquele tempo os evangélicos tinham pastores, presbíteros, diáconos, anciãos, mas não apóstolos, bispos e bispas — muito menos bispo casado com bispa, apóstolo casado com bispa… (Será que vamos ter logo uma apóstola? Filho de um apóstolo com uma apóstola já nasce bispo?)

A oração de ação de graças do deputado evangélico recebedor de propina foi feita enquanto ele abraçava o outro deputado, também recebedor de propina, e o propinador-mór, o principal executivo do sistema de propinas do Governador José Roberto Arruda. O nome do propinador-mór, que agora denuncia o sistema em troca de uma pena mais branda, se e quando condenado, é Durval Barbosa, ex-secretário do Governo do Distrito Federal. A oração foi feita pelo deputado distrital de Brasília, Júnior Brunelli (PSC), que, como disse, é Corregedor da Câmara. Leonardo Prudente (DEM), que o acompanhava, é Presidente da Câmara Legislativa – foi ele que escondeu o dinheiro nas meias. Segundo o Correio Braziliense de Brasília, Leonardo Prudente é figura cativa em encontros de igrejas evangélicas, sendo muito ligado ao bispo Robson Rodovalho, deputado federal pelo Democratas e fundador da comunidade evangélica Sara Nossa Terra, cujo templo o presidente da Câmara Legislativa freqüenta em Brasília. Júnior Brunelli (PSC) é, segundo a mesma fonte, filho do fundador da Casa da Bênção e não raro adentra o plenário da Câmara Legislativa com uma Bíblia debaixo do braço.

Eis parte da oração, transcrita do site do Correio Braziliense:

(http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia182/2009/12/01/cidades,i=158106/VIDEOS+TEM+ATE+ORACAO+DA+PROPINA.shtml)

“Pai, eu quero te agradecer por estarmos aqui. Sabemos que nós somos falhos, somos imperfeitos. Somos gratos pela vida do Durval por ter sido instrumento de bênção para nossas vidas, para essa cidade, porque o Senhor contempla a questão no seu coração. Tantas são as investidas, Senhor, de homens malignos contra a vida dele. Nós precisamos da Tua cobertura e dessa Tua graça, da Tua sabedoria, de pessoas que tenham armas para nos ajudar nesta guerra. Todas as armas podem ser falhas, todos os planejamentos podem falhar, todas as nossas atividades, mas o Senhor nunca falha. O Senhor tem pessoas para condicionar e levar o coração para onde o Senhor quer. A sentença é o Senhor quem determina, o parecer e o despacho é o Senhor que faz acontecer. Nós precisamos de livramento na vida do Durval, dos seus filhos, familiares.”

Pois é…

Houve época – na minha infância – em que a escola pública era boa.

Houve época – também na minha infância – em que ser evangélico era sinônimo de ser pessoa honrada, honesta e boa.

Isso não é mais verdade em nenhum desses casos. E sei disso há bom tempo. Foi por isso que, no caso da oração do deputado com o colega e o principal executivo da quadrilha, ora informante da Polícia Federal, não fiquei chocado.

Eu sei… O que estou dizendo demonstra que, ainda que não seja ingênuo em relação aos evangélicos, sou bastante ingênuo no tocante ao futebol. Ingênuo, por acreditar ainda hoje, como eu acreditava quando era criança, que time de futebol, pelo menos os grandes, honrava a camisa e respeitava os torcedores.

Mas felizmente, não sou ingênuo em tudo. Pelo menos no tocante aos evangélicos, perdi a ingenuidade há um bocado de tempo – e venho perdendo um pouco mais a cada dia, como se fosse possível.

Mas isso me deixa mais triste do que feliz…

Não foi só a voracidade por dinheiro dos evangélicos que me tirou a ingenuidade em relação a eles. É verdade que ajudou. Há o bispo Edir Macedo, da Igreja Universal do Reino de Deus, instruindo os seus assessores a pressionar os fiéis a dar dinheiro, em vídeo antigo que a TV Globo divulgou há tempo. Há as denúncias atuais contra ele e os principais executivos de sua igreja-empresa. Há a prisão nos Estados Unidos do apóstolo Estêvão e da bispa Sônia, sua mulher, ambos fundadores da Igreja Renascer em Cristo (e mentores espirituais do Kaká, que é membro da igreja deles, em São Paulo, onde se casou), entrando no país com dólares não-declarados na mala. Há o pastor Silas Malafaia prometendo bênçãos materiais e riquezas incalculáveis para quem dá dinheiro para ele. (Vide http://brasilmetodista.ning.com/profiles/blogs/carta-ao-pr-silas-malafaia).

Além dessa voracidade por dinheiro, há uma série de outras coisas horríveis que líderes evangélicos perpetram contra seus seguidores, e que estão bem documentadas no livro Feridos em Nome de Deus, da jornalista evangélica, e membro da Igreja Batista da Água Branca em São Paulo, Marília de Camargo César (Vide http
://www.mundocristao.com.br/produtosdet.asp?cod_produto=10660
).

E há as coisas que os membros comuns (“rank and file”) das igrejas evangélicas perpetram e das quais eu sou testemunha… Coisas absurdas que gente que se considera crente de cepa e que certamente ora todo dia, como o fazem os deputados de Brasília; gente que também anda com a Bíblia debaixo do braço e na ponta da língua; gente que faz jejum, que ministra cursos, que canta no coral; gente que, como o pessoal de Brasília, certamente pede que Deus a ajude em seus maus desígnios – e que dá graças quando acha que Deus a atendeu… Mas que faz barbaridades, no seio de sua própria família, mostrando quão longe a religiosidade se afasta de simples sentimentos de humanidade (para não dizer de fraternidade). 

Não se fazem mais evangélicos como os de antigamente. Sei disso há tempo. Mas mesmo não ficando chocado, não deixo de achar que, como no caso do Corinthians, também aqui se trata de um bocado de pouca vergonha.

Há exceções, também sei. Honrosas. As exceções ficaram chocadas com o que viram no filme dos deputados. Ficam chocadas quando confrontadas com evidências da falta de honradez humana, da desonestidade e da maldade que existem em muitos corações evangélicos. Mas, ao final, se convencem de que o termo evangélico não é mais sinônimo de gente honrada, honesta e boa.

É uma pena. E o pior é que, neste caso, nem é possível orar dizendo “Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem”. Eles sabem muito bem o que fazem.

Em São Paulo, 14 de Dezembro de 2009

A visão petista da Segunda Guerra

Transcrevo do artigo de Élio Gaspari na Folha de hoje (13/12/2009):

———-

A visão petista da Segunda Guerra

Há uma semana, o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, ministro de Assuntos Estratégicos, defendeu a reforma do Conselho de Segurança da ONU durante uma palestra no Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais do Itamaraty. Defendeu a admissão, como membros permanentes, de Brasil, Índia, Alemanha e Japão. Ia tudo muito bem até que ele explicou a exclusão, em 1946, da Alemanha e do Japão do centro de decisões da ONU. Numa versão-companheira da Segunda Guerra Mundial, os dois países penaram "tantos anos de purgatório, de punição, por terem desafiado a liderança anglo-saxônica do mundo". (A repórter Claudia Antunes ouviu, anotou e noticiou.)

A menos que Nosso Guia indique outro caminho, a Alemanha e o Japão não desafiaram "a liderança anglo-saxônica". Eles invadiram seus vizinhos, montaram economias baseadas no trabalho escravo e máquinas de extermínio nunca antes vistas na história. Na conta da Alemanha havia cerca de 10 milhões de mortos em campos de extermínio. Na do Japão, 6 milhões de coreanos, chineses e filipinos.

E em 1945, depois da abertura dos campos de concentração da Europa e da Ásia, nem mesmo os precursores da defesa do nazismo e da Grande Esfera de Co-Prosperidade do Império Japonês falavam mais em desafio à "liderança anglo-saxônica".

Na dúvida, basta reler "Mein Kampf", de Adolf Hitler.

———-

Transcrito em São Paulo, 13 de Dezembro de 2009