Uma Discussão sobre um Tema Atual

Transcrevo, abaixo, uma discussão, até o momento (31/7/2019, 9h45), sobre assunto quente da realidade. Embora a discussão tenha sido pública, na minha Timeline no Facebook, fiz um esforço para não revelar os nomes dos que participaram na discussão (exceto, naturalmente, o meu e o de pessoas que foram mencionadas, mas não participaram da discussão. No parágrafo seguinte, o post inicial. Em seguida, a discussão (omitindo o nome de quem disse o quê, mas distinguindo os comentaristas uns dos outros através de números).

July 29 at 7:34 PM, Eduardo Chaves: O presidente da OAB deveria ter aprendido quando criança que quem diz o que quer, ouve o que não quer.

  • xxx-01: O pai dele (pai do atual presidente da OAB), comunista, deve ter sido justiçado pelos companheiros por traição.
    • xxx-02 – Ao que eu soube, tudo indica.
    • xxx-01 – A Aeronáutica nega!
    • xxx-02 – Que se virem. O que o cara fazia no Rio?
    • xxx-03 – A OAB perdeu toda a credibilidade, por defender os piores criminosos e confundir direitos com libertinagem.
    • xxx-01 – A versão do outro lado é de que visitava parentes no Rio de Janeiro.
    • xxx-04 – A versão verdadeira depende do que você QUER acreditar.
  • xxx-05 – Infelizmente estamos vivendo o patrulhamento do politicamente correto. A verdade é a última preocupação dos hipócritas que em nome da Democracia (falsos democratas por suas atitudes sobejamente notórias e conhecidas). É um Direito de todos escolher a ideologia a seguir, seja lá qual for. Porém dificultar, se aliar a correntes que defendem corruptos, que afrontam nossas Instituições (no caso a Justiça, o MP, a magistratura, a PF, o STF), não é o que se espera de quem precisa representar entidades e seus membros.
    Lamentável o aparelhamento e interesses nada republicanos. A fala do Presidente, na sua essência, quis mostrar aos Brasileiros a falta de isenção. Inúmeros posts, fotos, reuniões , infelizmente já nos mostravam tal comportamento. Qual é a verdade afinal!!! Todos sabemos!!!
  • xxx-06: Pera, é sério isso? 🤔Vocês estão defendendo a atitude absurda do Bolsonaro?
    • xxx-07: Parece que ser de direita ou odiar o PT virou sinônimo de defender Bolsonaro. Realmente triste.
  • Eduardo Chaves: É só no Brasil mesmo que as pessoas visitam a casa dos outros e se acham no direito de repreender o dono por tê-la pintado da cor que julgou melhor para ela. E vendo na casa alguns amigos do dono, repreendem-nos também por estarem naquela casa, digamos, verde-amarela… Queriam que a casa fosse cor-de-rosinha, ou direto vermelho, sei lá. Eu, quando não gosto da cor de uma casa, simplesmente não apareço lá.
    • xxx-06: Eduardo Chaves, quando a gente acha que ainda tem algum valor na casa, seja ela de que cor for, a gente insiste em ficar um pouco mais. Simples assim. E quem abre a casa para os outros, em geral, o faz de coração aberto. Deixa as pessoas à vontade para dizerem que talvez se incomodem com essa ou aquela mancha.
    • xxx-08: A minha casa pintei de verde e amarelo o ano passado… E foi apelidada de Casa do Bolsonaro… Depois que optei por votar e fazer sua campanha a casa já estava do jeito. E tá até agora.
    • xxx-06: Realmente espero que como sociedade superemos essa fase em que as cores da parede da casa importam. Que como sociedade a gente consiga enxergar as coisas como realmente são, criticar quando não fizerem sentido ou forem absurdas, exigir revisões e mudanças pelo bem de todos. Não ganhamos nada, em minha visão, com a polarização das cores.
    • Eduardo Chaves: Cara xxx-06. Obrigado por ter respondido o meu comentário e por tê-lo feito de forma cortês e sensata. Você disse algo que me pareceu muito correto e muito bem dito, que eu gostaria de comentar, a saber: “Quem abre a casa para os outros, em geral, o faz de coração aberto. Deixa as pessoas à vontade para dizerem que talvez se incomodem com essa ou aquela mancha”. É verdade. Eu sou um liberal à moda antiga, laissez-penser, laissez-parler, laissez-aller, laisser-faire n’importe quoi. Não me move o intuito proselitista de fazer os outros pensarem e agirem como eu. Mas gosto de discutir crítica e racionalmente ideias, crenças, atitudes, valores, ações, etc. venham de onde venham, e por mais estapafúrdias que sejam. Sou tolerante — só não tolero a intolerância, porque ela acaba por matar a tolerância. E acho que a discussão crítica deve ser mantida num clima de cortesia e respeito. Achei que seu comentário “Pera, é sério isso? 🤔Vocês estão defendendo a atitude absurda do Bolsonaro?” merecia uma resposta, levemente irônica, porque foi feito num post que eu escrevi, na minha timeline, com o qual alguns amigos haviam demonstrado concordância, o que indica que, tanto eu, como eles, achávamos que a resposta do Bolsonaro, dada a quem foi dada (e isso deve ser levado em conta), foi de bom tamanho. Em vez de discutir a tese que eu levantei (quem diz o que quer ouve o que não quer) você ficou escandalizada que alguém pudesse manifestar concordância com uma observação que você taxou de absurda. Se você acha absurda, tem que mostrar por que, não é, e não simplesmente pressupor que as pessoas que discordam de você não são sérias. Mas sinta-se à vontade aqui na minha timeline. Você é sempre bem-vinda. Nas casas do velho Norte do Paraná onde eu cresci, em que as ruas não eram calçadas, em geral havia um limpa-botas e uma plaquinha na porta de entrada das casas que dizia: “Seja bem-vindo, mas limpe os pés”… Aqui, desejo que todos sejam bem-vindos, mas que se desarmem antes de entrar. As pessoas que frequentam esta timeline são sérias, inteligentes, interessadas em que o Brasil vá pra frente, muitas são liberais, como eu, outras são conservadoras, várias votaram para o Bolsonaro e continuam a apoiá-lo, porque votaram nele porque ele, apesar de seu jeito não muito refinado, era o único candidato capaz de mudar o país de fato. E está fazendo isso (por mais que a grande mídia tente esconder suas realizações, dando a impressão de que não está fazendo nada. Como diz a música do Paul Anka cantada pelo Frank Sinatra, ele está mudando o Brasil, aos poucos, e do seu jeito, “his way“, da mesma forma que eu, aqui, faço as coisas “my way“, e, de vez em quando dou uma cutucada gentil, mesmo em gente linda e delicada como você (como, aliás, já fiz antes, sem, contudo, vir a malquerê-la – pelo contrário). Um abraço.
    • xxx-06: Eduardo Chaves, obrigada pela resposta. Peço desculpas se meu comentário soou agressivo de alguma forma. Foi resultado de um coração que não consegue entender como aceitar certos comportamentos incompatíveis com o momento atual de nossa sociedade – é inaceitável pra mim o desrespeito que permeia os comentários da maior autoridade do país. “His way” pra mim está além dos limites toleráveis, pois acredito veementemente que minha liberdade de acaba quando começa a do outro. Minha sensação é que ele está constantemente se enfiando nos espaços que são de outros com palavras agressivas e não pensadas que ferem a existência de outros seres tão humanos quanto eu, além de ferirem também o ambiente que ocupamos de forma irresponsável e desestruturada. O comentário foi fruto de meses de indignação e incompreensão (com muito pesar no coração) em ver cristãos dando suporte integral para uma série de ações e atitudes em nada fundamentadas em Cristo e sua essência. Posso ter combinado as palavras de forma não ideal, mas é meu coração de certa forma desapontado se deixando conhecer. Abraços a você e a Paloma!
    • Eduardo Chaves: Obrigado, xxx-06: já transmiti à Paloma o seu abraço.
    • Eduardo Chaves: Aproveito, xxx-06, para recomendar-lhe a leitura de um artiguinho meu, chamado “My Way“, em meu blog Liberal Space (https://liberal.space/2015/03/05/my-way/). É uma resposta minha a um radialista que me perguntou qual minha canção favorita, e quando eu respondi “My Way“, me perguntou por quê. Minha resposta salientou: Em primeiro lugar, porque que a canção é sobre “My Way” – não “The Way”, que alguns acreditam existir. Em segundo lugar, porque a canção reconhece que somos responsáveis pela escolha não só do conteúdo de nossas vidas (o que ser, o que fazer, com quem nos relacionar), mas também da nossa maneira de ser, de nossa maneira de fazer as coisas, de nossa maneira de nos relacionar com os outros – enfim, de nosso estilo. Cada um, afinal, tem “seu jeito” – e esse jeito é, ou pode ser, objeto de nossa escolha.Em terceiro lugar, porque a canção reconhece o fato de que, não importa quanto planejamento a gente faça (“chart our course”, “carefully plan each step”), às vezes as coisas não acontecem como as planejamos. Em quarto lugar, porque a canção reconhece que na vida há imponderáveis, há sorte e azar, há coisas como aquelas que Woody Allen traz à tona em seu lindo filme (com a não menos linda Scarlett Johansson) “Match Point”… Em quinto lugar, porque a canção reconhece que a vida é feita de amores, de alegrias, de risos – mas também de perdas, de tristezas, de lágrimas… Mas quando esses maus momentos chegam, devemos procurar ficar de pé (“stand tall”) e enfrentá-los (“take the blows”) – e fazer isso do nosso jeito. Finalmente, em sexto lugar, por causa da mensagem final: o homem não tem nada, se não for dono de si mesmo. Quem se ajoelha, entrega o controle de sua vida a terceiros. É isso. Abração. My Way
    • Eduardo Chaves, obrigada 🙂
  • xxx-09: Eduardo Chaves, bom comentário.
  • xxx-09: xxx-06, O que seria “cristãos dar suporte”? Moramos em um país com liberdade religiosa, mas somos submissos às autoridades nele constituídas. Eles estão lá pela vontade do povo, nos resta crer que não são eles a nossa salvação, pode apenas ser instrumentos de Deus para a correção dos desobediente. Romanos 13: 4 e 5.
  • xxx-10: Início de um macartismo.
  • xxx-11: Parabéns pelo comentário.
  • Eduardo Chaves: Que o dito cujo foi justiçado pelos movimentos de esquerda parece mesmo provável, a julgar pelas reações da esquerda e do próprio filho do desaparecido… Revelar que alguém foi morto pelos militares durante a Ditadura é, para a esquerda, e, em particular, para os filhos esquerdistas, motivo de orgulho, não algo desumano que causa a vergonha e humilhação deles… e que justificaria até um processo no STF! A reação da esquerda à fala do Bolsonaro foi: “HUMMM, ele falou!!!” Parece que, para a esquerda, falar dos justiçamentos é pior do que os próprios justiçamentos!!! E que a esquerda combatente promoveu justiçamentos de traidores ou supostos traidores está mais do que comprovado. Até o Elio Gaspari reconhece o fato em sua pentalogia sobre o Governo Militar.
  • xxx-14: O mais engraçado pra mim é que o presidente parece estar num reality show sem a menor privacidade. Os repórteres parecem urubus em cima o tempo todo. Engraçado que os filhos do Lula nunca apareceram pra defender o pai….também, depois da fortuna adquirida pra mexer!!!! A Globo então faz de conta que nunca souberam de nada. Minha única crítica a Bolsonaro é que ele não deveria se expor tanto…….
  • xxx-15: Não devia ser relevante o que o Presidente evocou! Um tipico caso de trazer de volta assunto superado. Não importa mais se o pai do Presidente da OAB foi morto nos porões da ditadura, como a aliás uma instituição do Estado já definiu que sim, ou que ele foi justiçado, como sem base alguma afirmam. O incidente decorre do fato que a OAB, não na pessoa do Presidente, seja esquerdista, bicha, fascista, machista, liberal, filho de terrorista morto ou vivo, ou o raio que o parta, evocou o dispositivo legal do § 3º do art. 2º da Lei 8906/94: a inviolabilidade do Advogado no exercício de sua profissão. É da Lei! O Bolsonaro age com loucura e/ou com fé. E ele prometeu cumprir, fazer o cumprir, as leis e não questioná-las. Ainda mais com “requintes” de má-postura e burrice. As instituições brasileiras tem que fazer alguma coisa a respeito desse maluco!
    • Eduardo Chaves: Há outro ditado relevante, caro xxx-15: “Quem tem telhado de vidro não atira pedra”. A instituição do estado que definiu que o pai do dito cujo foi assassinado pelos militares era um estado presidido por uma ex-guerrilheira e recheado de ex-guerrilheiros, usando uma Comissão da “Verdade” que estava interessada em acusar os militares, obter indenizações e, se possível, revogar a Lei da Anistia, mas não em descobrir os fatos, razão pela qual se recusou a investigar os ex-terroristas — a maior parte dos quais deixou as armas de fogo de lado mas não deixou de lado suas convicções de terrorista.
      Vide Liberal Space: “A História Acontecida e a História Narrada” A História Acontecida e a História Narrada
    • Eduardo Chaves: Os ex-terroristas, em vez de deixar as coisas quietas, quiseram oficializar a sua narrativa. Em parte conseguiram, mas cumprindo apenas metade do seu mandato [vide o livro de Eliezer Rizzo, que pode não concordar com o que eu estou dizendo aqui, mas eu concordo com o livro dele sobre a Comissão da Verdade (“Verdade”, Meia-Verdade, Sei-lá-que-é-da-verdade-if-any)]. Agora, quem sabe, chegou a vez do outro lado oficializar a sua.
      Vide Liberal Space: “O ‘Aquém’ e o ‘Além’ da Comissão da Verdade O “Aquém” e o “Além” da Comissão da Verdade: A Propósito do Livro de Eliézer Rizzo de Oliveira
    • Eduardo Chaves: O assunto não está fechado. E o Bolsonaro é qualquer coisa menos burro e maluco. O mais cedo que você perceber isso, melhor para você, que mora aí perto dele. Todo mundo que subestimou um dia está hoje nas mãos dele – desde o Exército Brasileiro.

Em São Paulo, 31 de Julho de 2019

Novas Gerações Mimadas e “Estragadas”

Um livro interessante, de autoria conjunta de Jonathan Haidt e Greg Lukianoff, discute um problema sério que existe nos Estados Unidos hoje: a sensibilidade das duas últimas gerações (por aí) está se tornando por demais exacerbada, porque essas gerações foram mimadas demais – e o excesso de mimo as “estragou” (da mesma forma que o excesso de atenção, cuidado e liberalidade pelos avós “estraga” os nossos filhos).

O americano mais antigo, que livros e filmes costumavam chamar de “The Ugly American” (O Americano Feio), tipificado por Marlon Brando, no filme de 1954 On the Waterfront (Sindicato de Ladrões, no Brasil, Há Lodo no Cais, em Portugal), era um sujeito de “casca dura”, que aguentava bastante bem um bate-boca pesado, e, no mais das vezes, se saía vencedor dele. O americano das novas gerações, ao contrário, é o que os autores chamam de “The Coddled American” (O Americano Mimado), um sujeito de “casca fina”, extremamente delicada, supersensível, protegido ao extremo, tratado com excesso de indulgência, que foi “estragado” por excesso de mimo… Qualquer coisa o magoa ou ofende – e sua reação não é revidar, partir para o bate-boca pesado, de gente grande… Sua reação é buscar a proteção da autoridade – em última instância, do governo (que, por sinal, tem atendido a maior parte de suas demandas – o que torna a situação ainda pior, porque mostra que, de certa forma, dá certo e vale a pena se passar por vítima). Os Estados Unidos viraram uma nação de vítimas.

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Haidt e Lukianoff deram ao seu livro o título de The Coddling of the American Mind: How Good Intentions and Bad Ideas are Setting Up a Generation for Failure. O verbo “coddle” quer dizer mimar, superproteger, “estragar” uma criança por excesso de atenção e cuidado (como em geral o fazem, do ponto de vista dos pais, os avós, como mencionado atrás). A tradução (admitidamente difícil) do título poderia ser Excesso de Indulgência para com a Mente do Americano: Como Boas Intenções e Ideias Ruins Estão Preparando uma Geração para o Fracasso. O livro foi publicado neste ano de 2018 pela Penguin Press (New York). Ambos os autores têm livros importantes que, de certo modo, prepararam o caminho para este. Jonathan Haidt é autor de The Righteous Mind: Why Good People Are Divided by Politics and Religion (A Mente Justa: Por que Pessoas Boas São Divididas pela Política e pela Religião) e Greg Lukianoff de Unlearning Liberty: Campus Censorship and the End of American Debate (Desaprendendo a Liberdade: Censura no Campus e o Fim do Debate nos Estados Unidos).

A tese dos autores (um, Haidt, é psicólogo na linha da Psicologia Positiva de Martin Seligman, o outro, Lukianoff, é advogado que concentra sua atenção na defesa do direito de pensar livremente e expressar com igual liberdade o pensamento através da linguagem) é relativamente simples. Essa sensibilidade exacerbada prejudica as pessoas e enfraquece a nação.

Haidt e Lukianoff começam o seu livro discutindo “Três Grandes Inverdades” – algo que poderia ser mais bem descrito como “Três Grandes Tendências Prejudiciais aos Indivíduos e à Sociedade”.

A primeira dessas tendências pode ser introduzida, pela via negativa, por um ditado que existe, em variante, aqui no Brasil. Aqui o ditado é “O que não mata, engorda”. Nos Estados Unidos é “O que não mata, fortalece” (versão, na minha opinião, bem mais adequada). Esse ditado expressa uma grande verdade (não uma inverdade). A ideia do ditado, em sua versão americana, evidentemente é que debate, a discussão, o bate-boca, ainda que acirrado e pesado (desde que não chegue às vias de fato, em que um debatedor silencia o outro na porrada e, em casos extremos, matando-o), só torna as pessoas mais fortes. Os autores lamentam o fato de que o ditado acabou se tornando diferente, na realidade o seu oposto, na vida acadêmica americana, onde vigora hoje o seguinte princípio: “Mesmo que não mate, a linguagem que usamos pode machucar e, assim, enfraquecer as pessoas com quem dialogamos, ou a quem nos dirigimos, ou a quem nos referimos”. Essa a primeira tendência, que os autores chamam de primeira grande inverdade.

A coisa começou na universidade, que, com (talvez) a boa intenção de não permitir que pessoas de raça, sexo e orientação sexual diferente fossem ofendidas pelas demais (de raça “majoritária”, de sexo “forte”, de orientação sexual “dominante”), criaram Speech Codes (Códigos de Fala), proibindo determinados tipos de palavras e expressões em debate, em discussão ou mesmo em conversa informal e corriqueira no campus. Da universidade a coisa se expandiu para a mídia e de lá para a sociedade em geral. Determinados termos, determinadas expressões, e mesmo determinados conteúdos (ainda que expressos em linguagem inatacável) se tornaram tabus. Com isso surgiu o que poderia ser chamada de uma polícia linguística (que, na realidade, é uma “polícia do pensamento”, que se incumbiu (e em muitos casos foi oficialmente incumbida) de punir linguagem “politicamente incorreta”. O politicamente correto acabou por ir além de temas como raça, sexo e orientação sexual.

O fenômeno já chegou ao Brasil. Talvez o exemplo mais chocante tenha sido o do crítico de cinema Rubens Ewald Filho, na transmissão do Oscar de 2018 pela TNT. A apresentação da canção “Mystery of Love“, trilha sonora do filme que em Português se chama “Me Chame Pelo Seu Nome”, foi feita por uma pessoa chilena que é “transgender” e que é conhecida pelo nome de Daniela Vega. Ela, que foi a protagonista do filme  “Uma Mulher Fantástica” (título em Português), premiado como o melhor filme estrangeiro, em que representa uma pessoa “transgender”, estava linda, maquiada como mulher e vestida de mulher. Com o intuito de informar os telespectadores – era para isso que ele ali estava, não é verdade? – Rubens Ewald Filho disse no ar algo como: “Apesar da aparência e do nome, ela é um rapaz”. Foi crucificado. Houve abaixo-assinados para que ele fosse imediatamente demitido de sua função de crítico do Oscar pela TNT – que não o demitiu mas o censurou publicamente, levando-o a pedir desculpas também publicamente, não se sabe muito bem a quem: provavelmente aos que se ofenderam com sua insensibilidade. Foi execrado como sexista e transfóbico. Esse tratamento em geral é chamado de “public shaming” (envergonhamento publico, execração pública). (Vide https://entretenimento.uol.com.br/noticias/redacao/2018/03/05/tnt-reprova-comentarios-de-rubens-ewald-filho-no-oscar-critico-se-desculpa.htm).

A segunda dessas tendências (ou inverdades) é que as pessoas se dividem, naturalmente, em dois grupos: as pessoas do bem (que aceitam sem problema a nova sensibilidade) e as pessoas do mal (que se recusam a aceita-la): em geral, “nós”, a gente do bem, e “eles”, a gente do mal.

Os do mal, nos Estados Unidos, são facilmente identificados por seu uso de linguagem politicamente incorreta – ainda que esse uso seja não-intencional, como frequentemente acontece com pessoas para quem o Inglês é uma segunda ou terceira língua. Apesar de aparências e mesmo afirmações ao contrário, o Inglês é complicado. O artigo “the” pode significar “o”, “a”, “os” e “as” – e certas palavras, como “professor”, “teacher”, “doctor”, etc. podem se referir tanto a alguém do sexo masculino como do sexo feminino. Tradicionalmente, era normal e aceitável (parte da norma culta) dizer “I asked a doctor and he told me that…”, usando o pronome em concordância com o gênero masculino, independentemente do sexo da pessoa. Isso não mais se admite na universidade. É necessário usar uma linguagem que, a muitos, em especial aos estrangeiros, parece canhestra: “I asked a doctor and he/she told me that…” ou “I asked a doctor and s/he told me that…” ou, hoje mais comum, “I asked a doctor and they told me that…”. No último caso, tornou-se uma praxe do politicamente correto usar o pronome no plural (em que they significa tanto eles como elas). Alguns autores preferem alternar, usando ora “he / his”, ora “she / her / hers”, quando não se revela o sexo do referente. Usar a forma tradicional de concordar uma referência a alguém de sexo não definido com o pronome masculino é incorrer no grande pecado de “sexismo”.

Algo parecido se dá com o uso de termos que passaram a ser considerados tabus.

A forma de se referir a alguém de outra raça (ou mesmo etnia) também se complicou. Tradicionalmente se referia a alguém da raça negra como “a negro”. (Nunca “a nigger”, que sempre demonstrou preconceito, exceto quando usado por um negro / uma negra (!) para se referir a si próprio / própria (!). Depois que os próprios / as próprias (!) começaram a se referir a si próprios / próprias (!) como “blacks”, esse termo se tornou mais ou menos padrão, embora haja quem prefira usar “people of color” como uma expressão supostamente mais neutra, que inclui negros, vermelhos (índios ou aborígenes – os tradicionais “peles vermelhas”, expressão hoje condenada), marrons (hispânicos – que em regra incluem os portugueses e brasileiros), amarelos (orientais, em geral), etc. A expressão tradicional “colored people” para se referir aos negros /negras / pretos / pretas (!) foi anatematizada, porque coloridos / coloridas somos todos / todas  (embora a expressão “people of color” exclua os brancos / as brancas (!), que, supostamente, são “sem cor”…). Não ser sensível a essas nuances de linguagem pode fazer com que alguém seja acusado de usar linguagem racista – talvez um pecado mais grave do que ser chamado de sexista. (No Brasil, ser racista dá cadeia. Ser sexista, ainda não.) Reflita-se se é possível compor um texto estilisticamente decente com todas essas precauções. Jorge Amado que o diga.

A forma de se referir a alguém que é homossexual também se complicou. O termo “gay” se tornou razoavelmente padrão (embora haja dúvida se ele se aplica a todos os homossexuais, independentemente de seu sexo, ou se o termo “lesbian” deve ser preferido para homossexuais do sexo feminino). As variações de comportamento sexual mais recentemente admitidas, como “bisexual” (em Inglês com um “s” só) e “transsexual” (este com dois “s” em Inglês) acabou por levar à sigla LGBT (Lesbian, Gay, Bisexual, Transsexual), hoje amplamente usada, inclusive no Brasil, onde algumas letrinhas são acrescentadas, que só os ultra-especializados conseguem explicar (embora, no caso do último termo, hoje se prefira “Transgender” a “Transsexual”).

A preocupação de Haidt e Lukianoff não é com os detalhes da linguagem politicamente correta, mas com o fato de que a sua adoção é usada como critério para demarcar “a turma do bem” da “turma do mal”, entre “nós” e “eles”.

Isso já se dá também no Brasil.

Se alguém inicia uma palestra dizendo “Boa noite a todos e todas”, em vez do convencional “Boa noite a todos” (que inclui todas as pessoas e todos os pessoos (!), independentemente de seu sexo), ele ou ela (!) está dizendo que faz parte da turma do bem… (Se quem está falando for mulher, é de rigueur que diga “Boa noite a todas e todos” – pondo o pronome feminino antes. Quem não segue essa praxe é considerado insensível à questão do gênero (expressão aqui preferível à expressão “questão do sexo” ou “questão sexual”, porque é de palavras, vale dizer, de linguagem que se trata, não de biologia).

Aqui no Brasil já se começa ver, na televisão, negros se referirem a si mesmos como pretos. (Alguns negros / pretos sempre usaram os termos “crioulo / crioula” para se referirem a si próprios, mesmo depois desses termos serem considerados pejorativos se usados por um branco / uma branca (!) para se referir a alguém da outra raça. (Mesmo falar em “raça” se tornou problemático, havendo “cientistas” que afirmam que raças não existem). Quando eu era adolescente havia um jogador de futebol do Fluminense cujo apelido era “Escurinho”. Esse apelido era considerado tão normal quanto apelidos como Japonês / Japa, Português / Portuga, Alemão, Gringo (para Americano), etc. Houve época em que, em formulários, ao preencher ao campo “Cor”, alguns, hoje denominados pardos, informavam: “Escurinho / Escurinha” (ou, então, “Moreno  / Morena”). Hoje, não mais.

Como é que se designa alguém nascido / nascida (!) nos Estados Unidos ou que é cidadão / cidadã (!) daquele país. Tradicionalmente se dizia “americano / americana” (!). O nome oficial do país é “United States of America”, ou, na prática, simplesmente “America”. Nosso país, quando se tornou independente, e por muito tempo, se denominou “Estados Unidos do Brazil” (assim com “z” na grafia antiga). Embora a gente também vivesse numa das Américas, a gente se designava simplesmente “brasileiro / brasileira” (!).

Hoje a gente encontra no Brasil toda forma de absurdos: “norte-americano / norte-americana” (como se os canadenses e mexicanos / mexicanas (!) não o fossem; “estadunidense”, embora ninguém nascido / nascida (!) no Brazil / Brasil de antigamente se denominasse “estadunidense”, em vez de brasileiro / brasileira (!), etc.

A terceira das três tendências (ou inverdades) é que essas questões de sensibilidade / insensibilidade nada têm que ver com a razão, mas, sim, com o sentimento (identificado pela intuição e não pela razão). Assim se elimina toda uma área, a importante área da linguagem, da fala, da escrita, do discurso, do âmbito da análise racional, deixando-a à mercê dos sentimentos e da intuição – que é algo que, supõe-se, não se discute ou debate, simplesmente se reconhece.

Como já observado, muitas dessas questões se aplicam ao Brasil de hoje, dividido entre dois grupos: a esquerda e a direita, os petistas e os antipetistas. É forçoso reconhecer que há antipetistas que se reconhecem como de esquerda, e que, entre os restantes, há muitos que não se reconhecem como de direita, preferindo se identificar como liberais. Eu, por exemplo, sou antipetista radical, mas sou a favor do aborto, em várias situações, não sou contra o reconhecimento legal de uma sociedade conjugal entre pessoas do mesmo sexo, defendo uma educação libertária, não tradicional, e desescolarizada (vista a escola como ela é hoje), isto é, sem currículo, sem ensino, sem professor, sem avaliação, etc.

Para que algumas dessas questões se resolvam, concordo com os autores que, antes de mais nada, a nossa sensibilidade deve se tornar menos exacerbada. Devemos reconhecer, entre outras coisas, que a linguagem, excetuados os casos claros de calúnia, difamação e real injúria objetiva (não a injúria subjetiva frequentemente alegada hoje), não fere ou machuca, embora, dependendo de quem venha, possa irritar e e até mesmo magoar. Reconheço que as linhas demarcatórias entre um xingamento e uma calúnia, entre uma ofensa absorvível e uma difamação, entre um abuso (chamar alguém de vagabundo, estrupício, canalha, mau caráter, etc.) e uma real injúria, que cause danos e prejuízos à pessoa, são difíceis de definir – mas é preciso tentar, desde que o Judiciário tenha bom senso e saiba analisar os fatos e as normas com neutralidade e isenção.

Nos séculos 16 e 17 houve várias guerras motivadas por questões religiosas. Hoje o clima de opinião e sentimento é tão aguçado, em especial nos Estados Unidos e no Brasil, que não é difícil imaginar que possa haver guerras por questões políticas. Brigas e assassinatos por causa de futebol já são comuns. Neste contexto, recomendo a leitura deste livro e do livro anterior de Haidt, mencionado atrás.

Em São Paulo, 20 de Outubro de 2018.

Jair Messias Bolsonaro

Só decidi apoiar Jair Bolsonaro para a presidência do Brasil no dia em que ele foi apunhalado, 06.09.2018. Como eu não vou votar no dia do primeiro turno, 07.10.2018, porque estarei no exterior, não achava que precisava me definir até lá.

Mesmo assim, minha maior simpatia ficava com João Amoêdo, um liberal, como eu, embora eu seja mais radical do que ele, um cara articulado, bem falante, sereno, tranquilo, simpático – gente fina e culta.

Isso não quer dizer que eu não tivesse simpatia pelo Jair Bolsonaro também – e há muito tempo. Na verdade, desde que tomei consciência de sua existência na Câmara dos Deputados. Sempre o achei pessoa íntegra, honesta, honrada, com ideias no lugar certo, e inacreditável coragem. Achava-o um homem simples, do povo – característica que de modo algum o desabonava, na minha maneira de ver. Em alguns aspectos, ele era oposto do João Amoêdo. Falava rápido demais, atropelava-se a si próprio, não era sereno e tranquilo. Às vezes, quando estava irado (a maior parte das vezes, com toda a justificação), não era simpático, nem muito menos fino e culto. Seu riso era meio exagerado e, de vez em quando, dependendo do contexto, soltava um palavrão (mas de forma sempre apta). É isso, em parte, que leva muita gente fina e culta a considera-lo meio chucro, tosco, mal acabado, com verniz barato, daquele que cobre os móveis baratos das lojas populares.

Para mim, uma vez mais, esses fatos não o desabonavam, de forma alguma, porque eu gostava de vê-lo desancar o PT e a esquerda, dizendo as verdades que ninguém mais tinha coragem de externar. Sempre convivi bem com gente como o Bolsonaro, inclusive em minha própria família. Sinto-me extremamente bem como sitiante. Tenho sítio mesmo, não chácara de fim de semana. O sítio tem vaca, cavalo, cabrito, porco, galinha, pato; plantação de berinjela, pimentão, feijão, aveia, milho; fedor de adubo no ar em alguns momentos, e fedor do chiqueiro de porcos, quando o vento vem do lado do chiqueiro  para a direção da casa… Apesar de ter concluído meu doutorado em meados de 1972, dias antes de completar 28 anos, e de ter passado, na sequência, 35 anos como professor universitário, aposentando-me no final de 2006, prefiro os ambientes mais rústicos e as companhias mais simples às companhias mais cultas e aos ambientes mais refinados, embora consiga me virar nesses contextos e com esses relacionamentos também. Assim, sempre tive simpatia pelo Jair Bolsonaro – e sempre achei o FHC, por exemplo, um fresco vaidoso e cheio de si (um “bochecha nadegosa”, para usar a expressão de um colega meu da UNICAMP, de Piracicaba, também simples como eu, para traduzir “cara de bunda” para linguagem mais fina e culta… Um cara de bunda beiçola, como o Gilmar Mendes, que ajudou a colocar em órbita).

Enfim… estava deixando a coisa correr para decidir o que fazer no segundo turno (quando já estarei de volta no Brasil), apenas quando fosse estritamente necessário. Pensava até em não votar nem mesmo no segundo turno, usando da permissão que a lei me dá em decorrência de minha idade.

Isso, até o dia do atentado contra a vida de Jair Bolsonaro por um ex (?) militante do PSOL. Naquele dia, e no momento que eu soube, lá em Buenos Aires, decidi apoiar o Bolsonaro, na certeza de que não conseguiremos sobreviver mais quatro anos com alguém da esquerda (Lul’Haddad, Canga’Ciro, Marina) na presidência da nação. Como sabemos, o PT tem envolvimento com várias mortes (Celso Daniel, Toninho de Campinas, mais sete envolvidos na investigação do primeiro assassinato — no mínimo). Concluí ali que nem o Alckmin é duro o suficiente para com a esquerda para fazer a limpeza que precisa ser feita no cenário político do nosso país. O Alckmin é soft and mellow demais. Muito Opus Dei… E concluí, também, que, se o Bolsonaro não ganhar no primeiro turno, há um sério risco de ele não ganhar, porque os demais vão se juntar contra ele, em um eventual segundo turno. Por isso, precisamos fazer de tudo, especialmente agora que ele está hospitalizado, e não pode fazer campanha nas ruas, para tentar coloca-lo no Planalto já em 7 de Outubro, sem segundo turno – especialmente usando a Internet e, nesta, as Redes Sociais. Comecei a trabalhar no mesmo dia – para choque de algumas pessoas que não me conhecem direito, para surpresa de outras, e para a satisfação de muitas outras que me conhecem um pouco melhor.

Revoltou-me, em especial, a reação de muitos, da esquerda, e mesmo de alguns, não tão à esquerda, ao apunhalamento de Bolsonaro. Eles tentaram pôr a culpa na vítima, algo que eles em geral repudiam, quando, por exemplo, gente sem noção culpa as mulheres pelo estupro… Revoltou-me em especial aqueles (para minha surpresa, na maioria aquelas) que lastimavam que o tal militante do PSOL fosse incompetente e não houvesse concluído o seu trabalho a contento. A primeira coisa que publiquei no Facebook foi curta — uma nota dizendo: “Pelo jeito, já começaram a culpar a vítima” (6/9/2018, 19h11). Quebrei o gelo.

Na sequência, publiquei várias análises mostrando porque Jair Bolsonaro precisava ganhar no primeiro turno. Como já mencionei, se não ganhar no primeiro turno, mas passar para o segundo, o que parece quase certo, há muito risco de, mesmo passando ele com a maior votação para o segundo turno, ele não levar, dado o esprit de corps da esquerda. Nisso a esquerda conta com o apoio da gente de bem mais à direita, que se sente envergonhada, quando não enojada, de votar em Jair Bolsonaro, preferindo votar, digamos, no Haddad, que, afinal de contas, se parece com o pessoal modernoso, progressista – exceto por ser capacho e limpa-pés do Lula, que, sempre que ele tenta levantar um pouquinho a cabeça, o humilha… Em 2010 Haddad, hoje sendo chamado de Dilma-2, certamente era um melhor poste do que Dilma (Dilma-1). Ambos eram ministros do Lula. Mas este fez questão de passa-lo para trás, embora mais bem preparado, daquela que se tornou uma piada nacional, quiçá internacional.

Não vou repetir essas análises aqui. Elas estão disponíveis na minha Linha do Tempo no Facebook.

O que quero fazer aqui é retomar algo que também já fiz no Facebook. Lá eu escrevi o seguinte, dirigindo-me a uma audiência específica, na qual se encontram vários amigos meus:

“Se você pensava votar no Amoedo, ou no Dias, ou no Alckmin, e é liberal, pense bem: é preciso resolver essa batalha contra a esquerda no primeiro turno. No segundo, será arriscado. Mude o seu voto, como muitos já estão fazendo…”

Como disse alguém no Facebook ou elegemos JAIR no primeiro turno, ou JAERA.

Uma dessas pessoas de bem, profissional conceituado, e meu bom amigo, depois de ler a passagem citada, me perguntou o seguinte:

“Esclarecendo… Essa mensagem é para pessoas como eu que jamais votariam no Bolsonaro?”

Eu respondi, no dia 8 de Setembro, às 20h49:

“Caro amigo:

Você pergunta: [. . .] “Essa mensagem é para pessoas como eu que jamais votariam no Bolsonaro?”

Eu responderia da seguinte forma, que é mais precisa e, acredito, correta:

 “Não. [. . .] Essa mensagem é para a aqueles que NÃO QUEREM ter como presidente, mais uma vez, um pau mandado de um criminoso demente”.

Se você QUER, ou NÃO SE IMPORTA, a mensagem não é para você: vá em frente e vote em quem você já escolheu… Mas ore bastante para não vir a ser culpado de eleger, uma vez mais, um pau mandado de you know who. Vai ser necessário um milagre.”

Dirigi meus principais argumentos apresentados aos eleitores que não são da esquerda (e que, portanto, não vão votar no Haddad, no Ciro e na Marina), e, talvez, a alguns eleitores do Alckmin que estão céticos acerca de suas chances de vitória. Esses argumentos, outras coisas que elas leram, suas reflexões, baseadas em seus valores, levaram várias pessoas a mudar seus votos para o Bolsonaro ou a admitir que o fariam, ainda que com certa relutância.

Duas pessoas, em especial, a quem eu respeito muito e quero muito bem, disseram que votariam nele com um “voto útil mas envergonhado”, relutantes como quem precisa tomar um “remédio amargo” – e, ainda assim, apenas “se fosse necessário”, para impedir o PT de voltar ao poder.

Respondi a elas desta forma (hoje, 13/9/2018, às 20h54):

Acho que será necessário, sim. Diferentemente de vocês, já me senti representado pelo Jair Messias Bolsonaro muitas vezes, quando ele desancava o PT no Congresso. Ele pode até não ter apresentado muitos projetos de lei [na verdade, apresentou mais de 600], mas ele não deu sossego ao PT e à esquerda. Por isso, não o considero um “remédio amargo”. Acho que ele é um remédio necessário. E o meu voto também é útil, mas não envergonhado. Vim acompanhando esse processo eleitoral criticando a esquerda e apoiando o Amoêdo, que, de certo modo, é o candidato ideal para os liberais, como eu (embora, como já disse, eu seja bem mais radical do que ele – eu beiro o libertarianismo). Mas o Amoêdo não vai ganhar de jeito nenhum. Eu achei, por um tempo, que o segundo turno seria entre o Bolsonaro e o Alckmin — algo que para mim até estaria ok, por deixar o Haddad, o Ciro e a Marina de fora. Como vocês vêem, o meu voto é útil. Não acho, de modo algum, o Bolsonaro a besta fera que muitos insistem em afirmar que ele é. Ele é, isto sim, uma pessoa séria, honesta, honrada, com ideias no lugar certo (como se pode ver no vídeo da entrevista dele na GloboNews onde ele declinou o Brasil que ele quer ter no futuro). E é uma pessoa simples, do povo: bom marido, bom pai, bom amigo, patriota e religioso (cristão). Se ainda não viram o trecho essencial do vídeo, em que ele diz isso, vejam na minha timeline. Por isso, o meu não é um voto envergonhado, nem é um remédio que, para mim, tenha gosto amargo. E acredito que o de vocês também não será totalmente envergonhado, no frigir dos ovos. Aquilo de que a gente tem vergonha a gente normalmente não faz em público. O fato de vocês haverem feito aqui, de público, sem coação, as declarações que fizeram, deixa claro que o voto de vocês pelo menos não será escondido. O vídeo do Bolsonaro na GloboNews está em:

https://www.facebook.com/joseeduardo.sallum.94/videos/288141028455870/.

Resumo aqui o que Jair Bolsonaro disse a Miriam Leitão em resposta à pergunta: “Qual é o Brasil que o senhor quer para o futuro?” Eis a resposta dele:

“Eu quero um Brasil onde tenhamos um só povo, um país sem divisões, de brancos e negros, héteros e homos, ricos e pobres, nordestinos e sulistas…

Eu quero um Brasil onde se respeite a família, acima de tudo, que é a base da sociedade…

Eu quero um Brasil onde a criança seja respeitada em sala de aula

Eu quero um Brasil menos violento e com mais empregos.

Eu quero um Brasil negociando com o mundo todo sem o viés ideológico.

Eu quero um Brasil que invista em pesquisa e em desenvolvimento para explorar a nossa biodiversidade, e agregue valor aos outros recursos minerais que temos aqui.

Eu quero um Brasil sorridente, que se abra para o turismo, dadas as condições de segurança e infraestrutura.

Nós temos tudo, mas tudo, mesmo, para ser uma grande nação.

O que precisamos para chegar lá?

Precisamos, sim, de um homem — ou de uma mulher — que seja honesto, que seja patriota, e tenha Deus no coração.

É este o Brasil que eu quero, para todos nós.

Se esta for a vontade de Deus, eu tenho certeza que cumprirei esta missão ao lado do povo brasileiro.”

É isso.

São Paulo, em 14.09.2018

[ADENDO 1, acrescentado em 29/10/2018, depois da vitória de Bolsonaro, no segundo turno.]

Como é sabido de todos, Bolsonaro foi para o Segundo Turno com Haddad e ganhou o Segundo Turno com mais de 10% de diferença (55,13% a 44,87%), tendo recebido 57.797.815 votos, contra 47.040.902 de Haddad (diferença de mais de 10 milhões de votos).

A diferença que acabou sendo de 10% esteve sempre, antes do Segundo Turno, até cinco dias finais da última semana, entre 16% e 20%. Considero que três razões explicam a redução da diferença.

a. A publicação de um vídeo de um filho de Bolsonaro dizendo, seis meses atrás, em um cursinho no Paraná, que para fechar o STF basta um cabo e um soldado;

b. Palavras fortes de Bolsonaro em uma mensagem aos que manifestavam a favor dele no domingo anterior, 21/10, na Av. Paulista;

c. Acusações até aqui totalmente infundadas feitas pela Folha de S. Paulo, e exploradas com alarde e exagero por Haddad, de que Bolsonaro havia sido financiado por empresários que pagam empresas para impulsionar “FakeNews” acerca de Haddad, no que seria, acusava-se um Caixa 2 de Bolsonaro, o crítico dos Caixa 2.

Outras razões podem sem dúvida aparecer.

Em relação a essas razões tenho a observar o seguinte:

a. O filho de Bolsonaro não propôs o fechamento do STF, só usando uma observação (provavelmente copiado de algo que o Jânio disse acerca do fechamento do Congresso), em um ambiente fechado de sala de aula, sobre como seria fácil fechar o STF, se o STF se comportasse de forma ilegal ou irresponsável. O ex-deputado federal Damous, mão-direita do Lula, e o próprio Lula, já disseram coisas muito piores sobre o STF, propondo, eles sim, o seu fechamento, sem que ninguém fizesse um escândalo sobre o que disseram.

b. No dia seguinte à fala de Bolsonaro, Haddad disse, diante das câmaras, que Bolsonaro não era um ser humano e que merecia ser varrido da face da Terra — algo mais forte do que aquilo que Bolsonaro havia dito, ficando tudo por isso mesmo.

c. Além de não haver nenhuma evidência de que aquilo que a Folha disse e Haddad repetiu ad nauseam fosse verdadeiro, pesquisas feitas mostraram que os dois lados usaram as Redes Sociais na mesma proporção e usando os mesmos métodos, havendo um percentual de Fake News por parte dos dois lados — e que o efeito dessas Fake News sobre a decisão de voto dos eleitores foi mínimo.

São Paulo, em 29.10.2018

[ADDENDO 2, acrescentado em 14.09.2019, exatamente um ano depois do texto original, como o caput de um post que compartilhava novamente o texto original:

“Faz um ano que publiquei o artigo abaixo. A decisão de votar em Bolsonaro, em vez de em Amoedo, foi tomada instantaneamente, em Buenos Aires, no dia 06.09.2018, quando tomei conhecimento de que havia acontecido uma tentativa de assassinato contra ele. Naquele momento, ao saber que o quase-assassino era do PSOL, concluí que, ou a gente cortava as asas da esquerda, bem rente, ou este país ia direto para o buraco — mesmo que ganhasse, digamos, o candidato do PSDB. Endosso o texto hoje, um ano depois, sem ressalvas.”

É isso.

São Paulo, em 14.09.2019

Quem será o nosso Eisenhower?

Sempre fui um generalista que se recusou a se especializar. Fiquei extremamente satisfeito quando, nos anos 80 ou 90, li uma citação de Karl Popper em que ele dizia (cito de cabeça) que a especialização pode até ser desculpável no cientista, mas, no filósofo, é um pecado mortal.

Por isso, tenho me dividido, neste ano de 2018, entre Filosofia da Educação, História e Sociologia da Inovação, História da Igreja Cristã (no período Antigo e na época Pré-Moderna, que inclui as Reformas Religiosas situadas por volta do século 16), com foco na questão de como a igreja, tanto em sua versão original, católica, como em sua versão revisada, corrigida e atualizada, protestante, tem lidado com a divergência de pensamento (“heresia”) e a liberdade de consciência (“tolerância”). Não consegui, porém, deixar de me envolver nas discussões políticas, tanto aqui, no Brasil, como nos Estados Unidos, que são a pátria de uma filha e duas netas minhas e que considero, desde criança, minha segunda pátria (onde estudei e morei, ininterruptamente, durante sete anos, de 1967 a 1974).

Lendo um livro sobre os Anos 50 nos Estados Unidos (The Fifties, de David Halberstam), que foram uma década de excepcional progresso material e tranquilidade (a despeito da perseguição aos comunistas e simpatizantes promovida pelo senador Joe McCarthy [senador pelo Estado de Wisconsin de Jan 3, 1947 – Mai 2, 1957, quando morreu], internamente, e da luta contra os comunistas na Guerra da Coreia [Jun 25, 1950 – Jul 27, 1953], externamente), ocorreu-me um série de paralelos entre a situação dos EUA em 1945-1952, mais ou menos, e a do Brasil, nesse interregno Michel Temer de 2016-2018 (se é que vai chegar até o fim, em 2018).

Antes de 1933 os Estados Unidos haviam sido governados por presidentes que, em geral, foram liberais (no sentido clássico, “laissez faire“) na economia e na política, mas que eram conservadores do ponto de vista social, cultural (inclusive religioso), e político. De 1869 em diante, na sequência da Guerra Civil, até 1933, houve quinze mandatários oriundos do Partido Republicano (Grant, Hayes, Garfield, Arthur, Harrison, McKinley, Theodore Roosevelt, Taft, Harding, Coolidge e Hoover – alguns desses indivíduos exerceram mais de um mandato), contra apenas quatro mandatários oriundos do Partido Democrata (Cleveland, duas vezes, não em sequência, e Wilson, duas vezes, em sequência) na Presidência dos EUA.

Essa (o período que vai do fim da Guerra Civil até o início da Primeira Guerra Mundial) foi uma época de grande desenvolvimento industrial, enorme prosperidade e de transformação dos Estados Unidos de um país agrário e não muito importante no cenário mundial em país predominantemente urbano e uma reconhecida potência econômica (se bem que ainda isolacionista em sua forma de encarar o mundo.

Daí veio, na Europa, a Primeira Guerra Mundial. Por um bom tempo os Estados Unidos, dada sua postura isolacionista, se recusaram a participar diretamente do conflito europeu, embora, comercialmente, tenha direcionado sua produção industrial para os aliados. Finalmente, já no penúltimo ano da guerra, em 6 de Abril de 1917, sucumbiu às pressões principalmente da Inglaterra, e levando em conta decisões e ações alemãs (como a de retomar uma guerra submarina irrestrita no Atlântico do Norte e no Mar Mediterrâneo, e a de tentar envolver o México na guerra como seu aliado) e entrou na guerra, apesar da oposição de boa parte da opinião pública americana, que continuava a defender o isolacionismo. O presidente que envolveu os Estados Unidos na Guerra, e teve papel preponderante nas negociações pós-guerra, foi Woodrow Wilson, oriundo do Partido Democrata, que governou o país de 4/3/1913 a 4/3/1921. A população insatisfeita com o impacto da guerra na economia e na sociedade americana debitou o prejuizo na conta dos democratas e voltou a eleger republicanos em 1920: Harding, Coolidge e Hoover.

No final da década de vinte, em decorrência de várias causas internas e externas, sobreveio uma crise na economia americana que resultou no Crash da Bolsa (1929), que, de certo modo, marca o início da Depressão dos Anos 30. Essa crise a população que mais sofreu o seu impacto debitou na conta dos republicanos. Quando, nas eleições de 1932, surgiu a fulgurante figura de Franklin Roosevelt como o candidato do Partido Democrata, o eleitorado o elegeu para a Presidência. Ele ressuscitou o Partido Democrata, sendo eleito Presidente em quatro eleições sucessivas (1932, 1936, 1940, 1944). O último mandato, porém, Roosevelt nem chegou a exercer, pois tomou posse em 4/3/1945 e morreu em 12/4/1945, um mês e uma semana depois, já no finalzinho da Segunda Guerra Mundial (na qual os Estados Unidos novamente relutaram em ingressar, só vindo a se envolver na Guerra no Pacífico quando foram atacados pelos japoneses em Pearl Harbor, no Havaí, em 7/12/1941, levando Franklin Roosevelt a declarar Guerra ao Japão no dia seguinte — o que provocou uma declaração de guerra da Alemanha aos Estados Unidos em 11/12/1941. A partir daí os Estados Unidos se viram forçados a se envolver na guerra em duas frentes, no cenário pacífico e no cenário europeu).

Com sua morte, em 12/4/1945, Franklin Roosevelt foi substituído na Presidência por seu vice, Harry Truman, que completou o seu mandato até o fim, em 20/1/1949. Em 1948 Truman resolveu, contra a sugestão de seus assessores e das lideranças de seu partido, se recandidatar nas eleições do final daquele ano, que venceu, contra todas as previsões. Assim, Truman ficou na Presidência até 20/1/1953, quando, finalmente, cedeu o posto a um republicano, o general Dwight Eisenhower.

Eisenhower, o substituto de Wilson, que encerrou uma série de quatro mandatos presidenciais democratas, era uma figura atípica no cenário político americano.

Primeiro, não era, nem nunca havia sido, político. Assim, claramente não era um republicano típico. Na verdade, havia exercido importantes cargos no governo americano (mas não na área propriamente política) durante a gestão do democrata Truman.

Segundo, embora não fosse acadêmico, Eisenhower vinha de exercer uma importante função acadêmica, como Presidente da renomada a Universidade de Columbia, de New York, de 1948 até sua posse como presidente em 20/1/1953.

Terceiro, embora viesse de família religiosa, que foi Menonita, Testemunha de Jeová, e de outras denominações ou seitas menos conhecidas, e embora ele próprio se considerasse extremamente religioso, Eisenhower era o que poderíamos chamar de “protestante genérico” do tipo “desigrejado” (não afiliado a nenhuma denominação ou igreja local específica), nunca tendo, nem mesmo, sido batizado. Ele só veio a se batizar e a se afiliar à Igreja Presbiteriana depois de ter sido eleito presidente — na realidade, um mês depois de tomar posse na Presidência. Aparentemente ele concluir que era de bom alvitre fazê-lo, não ficando bem que um presidente dos EUA fosse “protestante avulso”.

Quarto, era militar de alto coturno, por assim dizer. Como General do Exército americano, comandou forças americanas e aliadas em contextos estratégicos na Segunda Guerra, o que lhe granjeou enorme popularidade diante da população. Finda a guerra, o próprio presidente Wilson, democrata, houve por bem nomeá-lo para importantes funções relacionadas à área militar, mas que o mantinham em visibilidade: Governador Geral da Zona Americana na Alemanha Ocupada, em 1945; Chefe do Estado Maior das Forças Armadas do final de 1945 até o começo de 1948; e Primeiro Comandante Supremo das Forças Aliadas na Europa em 1951 e 1952 (função que apenas deixou para se candidatar à Presidência, pelo Partido Republicano!).

Com essas características, não foi difícil para Eisenhower eleger-se em 1952. Ele foi presidente, por dois mandatos, de 20/1/1953 até 20/1/1961, tendo tido, em ambos os mandatos, Richard Nixon como vice (que a esquerda americana sempre execrou, talvez mais do que Bush e Trump). Eisenhower foi substituído pelo democrata Kennedy, porém, que derrotou Nixon nas eleições de 1960 porque teve excelente desempenho nos debates entre os candidatos à Presidência, pela primeira vez televisados nas eleições daquele ano. A propósito, Kennedy foi o primeiro presidente católico dos Estados Unidos.

Por que esses detalhes todos?

Nos doze anos em que esteve no poder (início de 1933-início de 1945), Franklin Roosevelt (FDR) transformou os Estados Unidos de um país liberal-democrata e conservador em um país socialdemocrata e progressista. Ou seja: esquerdizou a cultura e a vida do país com o chamado New Deal, que representou um enorme crescimento dos poderes e do tamanho do governo federal, bem como uma centralização sem precedentes dos poderes políticos no Executivo Federal e uma inacreditável intervenção do estado americano, como um todo, na economia e na vida privada dos americanos, intervenção comandada pelo Executivo Federal e apoiada pelo Congresso Nacional e pela Corte Suprema Americana (que ele encheu de esquerdistas – lá chamados de liberais).

Tudo isso foi feito com a desculpa de que era preciso que o governo conduzisse a economia, através de programas e políticas públicas, que criassem empregos e até mesmo fizessem transferências em cash para os desempregados e trouxessem outros benefícios para os mais necessitados. Pela primeira vez na históriaos Estados Unidos passaram a ter um governo assistencialista e paternalista, um governo voltado para o Bem Estar Social, um governo que hoje chamamos de Social-Democrata, que visava combater a pobreza, reduzir a desigualdade social e melhorar as condições de vida da população através de ações próprias — características hoje identificadas como socializantes e de esquerda.

A tese keynesiana defendida por Roosevelt era, primeiro, de que a promoção do bem estar sócio-econômico do povo era responsabilidade do governo — talvez sua atribuição mais importante. Segundo, acreditava-se que esse bem estar melhora quando a economia cresce, e que esta cresce quando o governo é ativo na promoção do crescimento econômico, não deixando esse crescimento ao “laissez faire” proposto pelos economistas liberais clássicos. Terceiro, acreditava-se que os frutos desse crescimento econômico não deveriam beneficiar a todos de forma igualitária, mas, sim, deveriam ser direcionados preferencialmente para o atendimento dos mais necessitados, através de políticas públicas e programas assistencialistas. Em outras palavras: a famigerada “redistribuição de renda” (como se o estado fosse o “dono da renda” para poder distribuí-la). Assim, FDR aparelhou a máquina pública-estatal com esquerdistas e comunistas, para criar e gerenciar essas políticas políticas e esses  programas de distribuição de renda. Para eles, era fácil fazer isso: aumentar impostos sobre os mais ricos e proliferar cortesias com o chapéu alheio para os mais pobres (cortesias que a esquerda chama, erroneamente, de “atendimento de direitos” — mas sente algum pejo em chamar assim as gentilezas, razão pela qual viu-se constrangida a inovar e dizer que esses são “direitos sociais”). Populismo é um nome bom para essa estratégia. Isso foi feito  em  especial durante o período em que a União Soviética foi “aliada dos aliados” (usando esse fato como argumento de que os comunistas estavam do lado dos americanos na guerra, eram aliados, argumento esse que veio a causar a enorme reação anticomunista mccarthysta dos anos 50, quando se percebeu que a União Soviética se apossou da metade oriental da Europa — e teria se apossado de toda a Europa se os Estados Unidos não tivessem, até 1949, o monopólio da bomba atômica como “argumento” (aquilo que os de fala inglesa chamam de “deterrent“).

Não se pode de forma alguma esquecer do fato que esse “ativismo” do Executivo federal americano ia contra a algumas tendências fundamentais da cultura americana, que era individualista, que acreditava que cada um deve ser responsável pelo seu próprio bem-estar e de sua família, que se opunha a que o Estado fosse além de suas funções tradicionais de manter a ordem interna e a segurança externa, criar normas básicas para fazer isso, sempre respeitando os direitos individuais previstos na Carta de Direitos (“Bill of Rights“) da Constituição Americana, e, finalmente, resolver conflitos oriundos da aplicação da lei.

O que permitiu que Roosevelt conseguisse ir contra essas tendências, conseguindo o apoio da população mais pobre dos Estados Unidos, foi o fato de que FDR era carismático, um grande comunicador, e fez excelente uso da principal tecnologia disponível na época: o rádio. Seus “Batepapos ao Lado da Lareira” (“Fireside Chats”) talvez tenham sido o maior sucesso radiofônico dessa época da história americana. FDR falava no rádio de forma tão intimista que todo mundo tinha a impressão de que não só conhecia o Presidente, mas era seu amigo pessoal, e que ele estava ali com eles na sala de estar de sua casa… Isso, apesar do fato de que, pessoalmente, FDR era de moral longe da tradicional: mulherengo, teve várias amantes, etc., mas a mídia americana da época respeitou e protegeu a privacidade dele e nunca noticiou o fato – como também não noticiava, nem mostrava, com fotografias, o fato de que ele era paralítico, vítima que havia sido da paralisa infantil. Embora conseguisse ficar de pé, quando assim colocado, era frequentemente carregado para trás dos púlpitos para fazer seus discursos e para os automóveis, para se locomover.

Considero que há um paralelo marcante, ressalvadas as devidas proporções (sinto um pouco de vergonha de compara-los), entre FDR, nos EUA, e Lula, aqui no Brasil. Mas não vou me dar ao trabalho de detalhar os paralelos. Basta menciona-los: crescimento da máquina pública, criação de políticas públicas e programas assistencialistas, como seguro desemprego generoso, transferência de cash para os mais pobres (as onipresentes “bolsas” disso e daquilo), aumento do salário mínimo acima da inflação, mudança na composição do Supremo Tribunal Federal, aparelhamento de todos os órgãos federais com esquerdistas e comunistas, etc. Aqui no Brasil, a “reabilitação” dos comunistas e terroristas que pegaram em armas durante a Ditadura foi total. Receberam até mesmo polpudas indenizações em dinheiro. Como todos sabemos, uma delas veio a suceder a Lula na Presidência, apesar de totalmente incompetente, e com os resultados mais nefastos, que ainda hoje nos afligem.

Os aspectos em que quero concentrar o meu argumento são os seguintes.

PRIMEIRO: De 1945 a 1948, governou os Estados Unidos Harry Truman, um presidente por acaso (em decorrência da morte de FDR basicamente depois de um mês de assumir seu quarto mandato), um matuto do interior que era objeto de desprezo e gozação de muitos americanos, especial da intelectualidade e do “beautiful people” de esquerda (a intelligentsia). Era um interiorano típico, de estilo de vida frugal, consistentemente honesto, homem de palavra, confiável, e fiel a seus amigos enquanto estes se mostravam dignos de sua confiança. Foi o último presidente americano a governar o país sem ter curso superior, mas era um autodidata extremamente bem-informado e um leitor voraz e rápido, com extrema facilidade para entender as questões essenciais em meio a um emaranhado de dados e argumentos. Era também um cristão sincero e adotava uma moralidade pessoal e pública sem casuísmos e exceções. Mas foi ele, que além de tudo era um democrata, que autorizou o lançamento das bombas atômicas sobre Hiroshima e Nagasaki em nos dias 6 e 9 de Agosto de 1945 — medida em que recebeu o apoio da maioria da população americana, porque encerrou a guerra também no Pacífico. Nas eleições de 1948, os republicanos, acreditando (erroneamente) que o país inteiro tinha virado esquerdista (eles só olharam para as duas costas, leste e oeste, controladas pela Grande Mídia) lançaram um candidato, Dewey (não o educador!), republicano aliado com a intelectualidade de esquerda do leste, achando que ele era mais liberal (no sentido americano, i.e., esquerdista) do que Truman, o democrata matuto do interior que se recandidatava. Todo mundo achava que Dewey já estava eleito. Até mesmo os democratas (em especial os intelectuais de esquerda, que apoiaram o candidato republicano). O jornal Chicago Tribute, na noite da eleição, publicou e distribuiu a edição do jornal com data do dia seguinte anunciando em grande manchete a vitória de Dewey. Alistar Cooke, jornalista inglês de esquerda (e, portanto, favorável aos democratas) já tinha encaminhado para a revista Manchester Guardian um artigo com o título “Harry S. Truman: Um Estudo em Fracasso” (“Harry S. Truman: A Study in Failure”) – ou seja, descrevendo o candidato democrata como um fracasso. Bem, Truman ganhou e Dewey perdeu. Os republicanos escolheram um republicano intelectual, meio de esquerda, para concorrer, pensando que o país havia se tornado esquerdista. Erraram. Os democratas, achando que os republicanos estavam certos, lançaram, sem convicção, um matuto que eles achavam que ia perder, ou que, se ganhasse, eles seriam capazes de controlar, mas que acabou dando certo (para o desgosto de vários deles, que preferiam o candidato republicano), ganhando e não se deixando controlar. Política tem dessas coisas.

SEGUNDO: No final de 1951 e durante 1952 os republicanos decidiram escolher um candidato que tivesse as seguintes características: não fosse político, fosse famoso e popular, tivesse uma reputação de gestor competente, e fosse inatacável do ponto de vista cultural e moral do americano comum — não da intelectualidade nem do chamado “beautiful people” (atores, etc.). Ninguém melhor do que Eisenhower. Custaram a convencê-lo, mas ele se candidatou e levou relativamente fácil a eleição de 1952 (e, depois, a de 1956). No seu governo, iniciado em 10/1/1953, encerrou a Guerra da Coreia, com um compromisso: a divisão da Coréia no Paralelo 38 e o apoio incondicional à Coréia do Sul, anti-comunista. Os republicanos conservadores voltavam ao poder que haviam basicamente controlado de 1869 até 1932. Não conseguiram desmontar todas as chamadas “conquistas  democráticas” de Roosevelt, mas reduziram um pouco o seu impacto.

Que lições podemos tirar nós, os brasileiros, dessa história?

Primeiro, reitero que há um paralelo digno de nota entre Roosevelt e Lula.

Segundo, sugiro que há um paralelo, embora menos intenso e significativo, entre Truman e Temer. Para começar, ambos herdaram um governo para o qual não foram diretamente eleitos, tendo se tornado “presidentes por acaso”.

Terceiro, se isso faz sentido, estamos na posição dos republicanos em relação ao sucessor de Truman: quem escolher para as eleições de 2018 (posse em 2019)? Alguns dos princípios escolhidos pelos republicanos americanos se aplicam também à nossa situação: um candidato não identificado com a classe política, com reputação de competente, inatacável do ponto de vista moral, culturalmente conservador (até mesmo sinceramente religioso, algo importante para garantir seu compromisso moral (e não alguém apenas pragmaticamente religioso, simplesmente desejoso de ganhar o voto dos evangélicos e dos católicos conservadores), e, importante, politicamente liberal, que se disponha a reverter a socialização (ou bolivarização, como preferem alguns) do país e o avanço da chamada moral progressista, bem como a reduzir consideravelmente o tamanho do estado e, assim, o nível opressor de impostos que impera no país e impede a população de decidir como gastar quase 50% de seus rendimentos.

Onde vamos achar o nosso Eisenhower?

Certamente, apesar de ele também ser militar, não será no Bolsonaro. Este está mais para Trump do que para Eisenhower (e Reagan).

Mas os parâmetros estão dados pelo exemplo do “nosso irmão do Norte”, que deu muito mais certo do que nós, apesar de ter cem anos menos de história do que nosso infeliz Brasil.

Em Salto, 20 de Outubro de 2017; revisado e um pouco ampliado em 21 de Outubro de 2017, ainda em Salto (mas saindo para São Paulo).

As Crises Brasileiras

Hoje cedo, 7 de Agosto de 2016, dia em que minha mãe completaria 92 anos se não houvesse morrido em 2008, postei, na minha Linha do Tempo no Facebook, três matérias que, em seu conjunto, descrevem por que acho muito difícil ser otimista hoje, nem digo sobre a possibilidade de o Brasil vir a ser uma grande nação em futuro próximo, mas, simplesmente, sobre a viabilidade de o Brasil conseguir se manter como nação emergente, com um futuro razoável pela frente, ao longo do Século 21.

Vou comentar aqui, de forma sucinta, as três matérias e terminar com uma breve conclusão.

1. A Cultura da Exploração do Público em Favor do Privado

A primeira é um vídeo que minha grande amiga Ondina Berndt, que conheci em 1967, há quase 50 anos, lá em Pittsburgh, disponibilizou em sua Linha do Tempo no Facebook. Ela, por sua vez, o encontrou na Linha do Tempo de Helmut Nass Júnior, que eu nem conheço, mas que, como a Ondina, é de Florianópolis.  O vídeo está disponível no seguinte endereço:

https://www.facebook.com/helmuth.nassjunior/videos/822044757895271/

Com menos de dois minutos, o vídeo, que agora está também na minha Linha do Tempo, tem como objeto Göran Lambertz, um dos dezesseis juízes que compõem a Suprema Corte da Suécia, da qual ele faz parte desde 2009. Aqui estão dois artigos da Wikipedia que comprovam esse fato:

https://en.wikipedia.org/wiki/Supreme_Court_of_Sweden

https://en.wikipedia.org/wiki/Göran_Lambertz

Segundo o vídeo (o primeiro dos três mencionados), Lambertz recebe cerca de R$ 25.000,00 por mês – e nenhum outro benefício adicional. Ele mora em Uppsala, a cerca de uma hora de Estocolmo, em uma casa de 120m2, paga com o salário dele. Magistrados, juízes e políticos na Suécia não têm direito a apartamentos funcionais ou auxílios para moradia. Ele viaja para a capital diariamente para trabalhar usando sua bicicleta para chegar à estação do trem e tomando um trem para uma viagem de cerca de uma hora até Estocolmo. Ele (como os demais magistrados, juízes e políticos da Suécia) não tem carro oficial e, portanto, não precisa de motorista. Muito menos tem auxílio vestimenta. Na verdade, não tem nem sequer secretário pessoal na Suprema Corte: os Ministros lá compartilham um pool de secretários, outros auxiliares e assessores técnicos. Os magistrados (bem como os demais juízes e os políticos) são responsáveis por pagar seu plano de saúde, seguro de vida, e demais despesas, bem como suas viagens. Eles são proibidos de ganhar presentes e de viajar – ou morar! – às custas de empresas ou amigos. Magistrados, juízes e políticos suecos não têm imunidade nem foro privilegiado. Também não têm guarda-costas e seguranças pessoais. Lambertz é um dos líderes do movimento Tolerância Zero, que tem feito da Suécia um dos países menos corruptos do mundo. Lá não se concebe que um magistrado ou um juiz possa “vender sua sentença”, ou direciona-la de modo a favorecer parentes, amigos e outros protegidos. A carreira e a vida de um magistrado ou juiz, ou mesmo de um político, estará terminada e destruída, não só no serviço público, se ele for pego favorecendo parentes, amigos ou protegidos em seu trabalho em troca de propina em dinheiro ou outros benefícios (como ajuda a empresas dos filhos ou concessão gratuita de apartamentos para parentes e amigos – ou amantes!).

Em entrevista, Lambertz disse que acha o salário dele justo e adequado e que é inconcebível, porque imoral, que quem trabalha no serviço público possa desfrutar de benefícios e mordomias que melhoram seu estilo de vida e seu patrimônio às custas do povo que paga impostos. Na Suécia é inimaginável que magistrados, juízes, políticos e especialmente legisladores usem os cargos que ocupam para aumentar seus salários acima do que é justo e adequado. Muito menos para conseguir benefícios (que, como já observado, eles não desfrutam).

Em meu comentário ao vídeo no Facebook eu perguntei: “Quando é que o Brasil vai chegar a esse nível de consciência cívica – se é que vai chegar lá um dia?”

Aqui no Brasil nós sabemos como a coisa funciona. É o negativo dessa foto. O artigo de Carlos Alberto Sardenberg (Seção 2), discutido adiante, deixa isso claro. O Congresso aumenta seus vencimentos, benefícios e vantagens. O Executivo e o Judiciário não protestam porque, no pacote, foram incluídos aumentos do tipo “cala boca” também para o Executivo e o Judiciário. Basta ver quanto custa a nós, pagadores de impostos, um Senador, um Deputado Federal, um Ministro de Estado, um Juiz do Supremo Tribunal Federal.

A coisa repica.

Como se verá adiante (Seção 3), no Editorial de O Globo, um bostinha de um vilarejo que não chega a ter dois mil habitantes luta para se transformar em município para poder ter Prefeito, Vice-Prefeito, não sei quantos Secretários Municipais, Procuradoria, uma Câmara Municipal, com não sei quantos Vereadores, todos eles com carro e motorista, gasolina à vontade, verba de representação e de vestimenta, auxílio moradia e auxílio viagem, telefone e correio à vontade, não sei quantos auxiliares e assessores, etc. Um vereador contrata o cônjuge, os filhos, os genros e as noras do outro para não parecer nepotismo – imitando o que fazem deputados estaduais, federais, e senadores.

Não é preciso gastar espaço com o que todo mundo conhece muito bem.

Este, me parece, é o problema número um do país. A crise brasileira não é nem financeira, nem fiscal, nem política, nem de despreparo intelectual: ela é uma crise moral. O preparo que falta é o moral, não o intelectual ou técnico. Sem que essa crise moral seja atacada, não há como resolver as demais crises.

2. A Crise Financeira e Fiscal em Todos os Níveis do Poder Público

A segunda matéria é o artigo “A Crise Fiscal e Seus Culpados”, de Carlos Alberto Sardenberg, em O Globo de 4/8/2016. Ele argumenta que o Brasil tem municípios demais sem condições de se manter e que a administração desses municípios, apesar da falta de recursos, se torna mero cabide de empregos. O artigo está neste endereço:

http://oglobo.globo.com/opiniao/a-crise-fiscal-os-culpados-19848318

O artigo de Sardenberg confirma que a máquina pública brasileira é um enorme cabide de empregos – e vai além para afirmar que os nela empregados só fazem querer ganhar mais. O “olho” do artigo afirma:

Do jeito que vai, daqui a pouco as administrações públicas terão uma única função: pagar os salários de seus funcionários” (ênfase acrescentada).

O primeiro parágrafo do artigo afirma:

‘A Voz do Brasil’ da última segunda-feira [1/8/2016], no noticiário da Câmara e do Senado, foi praticamente um programa eleitoral em defesa dos salários e vantagens dos servidores federais, estaduais e municipais. Parlamentares se repetiram na defesa de um argumento básico: os funcionários não podem ser culpados pelo rombo dos cofres públicos, causado, dizem, por maus governos, de modo que não podem pagar essa conta. Ou seja, nada de restrições a reajustes e vantagens salariais; nada de tetos de gastos com a folha; nada de corte nas novas contratações.” [Ênfase acrescentada].

Nenhum país sobrevive financeiramente desse jeito. Disse o Sardenberg e repito eu. Até a Universidade São Paulo – USP, que, sendo uma instituição de pesquisa e ensino, que deveria saber melhor do que as instituições “de políticos”, gasta, hoje, todo seu orçamento, e um pouco mais, com pessoal: só consegue pagar o pessoal que já tem usando recursos de reserva técnica destinados a emergências – porque a situação é emergencial. As demais universidades estaduais paulistas (Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP e Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – UNESP) não estão em situação muito melhor. Nem as universidades federais. Nem nenhum órgão, autarquia ou fundação pertencente ou vinculada ao poder público de qualquer nível: federal, estadual ou municipal. Toda a área pública brasileira é hoje deficitária – apesar dos escorchantes impostos que são cobrados da população. Enquanto a economia do país ia mais ou menos bem, isso era escondido, porque os déficits eram empurrados com a barriga e o Congresso (e outros Legislativos) autorizavam os demais poderes a “gastar em déficit”, na confiança de que, ao final do ano, a arrecadação de fato obtida seria suficiente para cobrir o déficit. Quando a receita que o poder público recebe, oriunda de impostos, caiu, ao longo de 2014 e 2015, especialmente, em decorrência da recessão econômica, ficou impossível esconder o problema: gasta-se acima do que se arrecada. Isso acaba em falência e bancarrota.

Diz Sardenberg:

“A questão não é saber se os funcionários são ou não culpados. Ou, dito de outro modo, é uma falácia argumentar que os funcionários não têm culpa do déficit fiscal. Não se trata aqui de responsabilidades individuais, de um crime cuja pena precise ser paga. Trata-se de um fato: a crise fiscal dos estados decorre do explosivo aumento da folha salarial, consequência de reajustes gerais e da concessão generosa de benefícios e vantagens para várias categorias.” [Ênfase acrescentada].

E, acrescente-se, do contínuo aumento no número de funcionários.

Continua Sardenberg a assinalar que “a crise fiscal da União é mais ampla”, porque inclui os programas sociais compradores de votos, os subsídios para as “organizações sociais” que, em sua maior parte, embolsam o dinheiro, os subsídios para os fundos de pensão dos funcionários públicos e dos empregados de estatais, que acabam no bolso de seus gestores, as desonerações fiscais de diversos setores privilegiados da economia, e, naturalmente, a corrupção desenfreada e espalhada por todos os ramos do governo federal, suas empresas estatais, suas fundações, etc. As pedaladas foram usadas para continuar, temporariamente, a pagar tudo isso numa situação de recessão econômica e arrecadação menor do que o previsto. Acabou em um déficit insolúvel.

Assim sendo, conclui Sardenberg, “o controle das contas públicas só será efetivo se se impuser um forte limite aos gastos com pessoal”. Como, de resto, pretende, Michel Temer. O que disse Sardenberg é verdade – mas não é toda a verdade. Em especial no nível federal é preciso reduzir drasticamente os programas sociais, tanto os diretos como os indiretos (aqueles que supostamente acontecem através de organizações sociais), bem como tudo que é subsídio e desoneração aprovados para beneficiar amigos e, supostamente, preservar empregos. (Sardenberg ressalta, apenas para ilustrar: A Voz do Brasil, que tem uma hora de duração, usa nove apresentadores ou locutores: um par de locutores para cada setor do governo (Executivo, Câmara, Senado e Judiciário), mais o TCU. O Jornal Nacional faz isso com apenas dois.)

Por que não se mexe nisso? Porque os políticos têm medo de “enfrentar a força política do funcionalismo e de suas entidades sindicais”. Nada mais do que isso. E os políticos não querem perder os seus próprios benefícios e os daqueles que eles indicam e protegem. Simplesmente isso. Temem as greves, as manifestações, os bloqueios  de ruas e rodovias, as invasões de prédios públicos, e isso porque essas coisas se tornaram comuns no Brasil e ficaram – e continuam a ficar – impunes. Greves acontecem por longos períodos no serviço público e ninguém é punido, nem mesmo com o desconto dos dias parados. O prejudicado é sempre o cidadão que não tem os serviços que deveria estar recebendo, tem sua mobilidade prejudicada e, por cima, tem, eventualmente, de pagar mais impostos para honrar as demandas adicionais. Até Henrique Meirelles vive ameaçando aumento de impostos.

Michel Temer, que garantiu que não seria candidato em 2018, teria condições de começar a mudar isso. Por enquanto nada pode fazer, porque poderia perder a batalha da permanência no cargo em decorrência de suas ações. Mas depois de ser efetivado, será que terá coragem e base política para fazer o que será preciso, sabendo que se tornará, se é que já não é, o “Inimigo Número 1 do Funcionalismo e dos Beneficiados pelo Poder Público”?

3. A Crise Fiscal e a Revisão da Federação

O Editorial de O Globo de hoje tem como título e subtítulo: “Crise fiscal leva a que se repense a Federação: A queda na arrecadação tributária agrava a situação de muitos municípios que sequer deveriam existir. Portanto, chegou a hora de resolver este problema.” [Ênfase acrescentada.]

 O texto está disponível no endereço:

http://oglobo.globo.com/opiniao/crise-fiscal-leva-que-se-repense-federacao-19869241

O Editorial começa assim:

“A severidade da crise fiscal, engendrada pelo lulopetismo, é demonstrada por números sombrios. O déficit nominal — incluindo os juros da dívida pública — é de 10% do PIB, pouco mais de três vezes o limite permitido no bloco do euro, na União Europeia, por exemplo.

Os desdobramentos da tragédia fiscal estão expressos em mais de 11 milhões de desempregados, numa inflação renitente acima do limite da meta (6,5%), na volta de milhões da “nova classe média” à pobreza, e assim por diante.”

Por que chegamos a essa situação? O diagnóstico e a terapia propostos pelo Editorial estão totalmente na direção certa – mas não tocam a questão de “Crise Moral” que mencionei na primeira seção. Diz O Globo no restante do Editorial – a citação é longa, mas importante:

“Levantamento feito pela Federação das Indústrias do Rio de Janeiro, para o Índice Firjan de Gestão Fiscal, detectou um cenário de calamidade: menos de 1% das 5.568 prefeituras, ou apenas 42 municípios, conseguiu pagar a folha dos servidores com recursos próprios em 2015.

A crise tem alguma responsabilidade pelo problema, mas há causas estruturais para esta penúria municipal. Prova disso é que, quando a Firjan começou a fazer esta pesquisa para calcular o índice, em 2006, as prefeituras nessas condições eram apenas 100. Isso no fim do primeiro mandato de Lula, quando a economia brasileira ainda crescia. Não havia crise fiscal.

A questão é que há um enorme número de municípios que não geram receita tributária para pagar as contas. Surgiram do interesse de caciques políticos locais em criar câmaras de vereadores, gabinetes de prefeitos etc. e, como consequência, uma enxurrada de empregos públicos, a serem preenchidos por essas lideranças locais, à custa, como sempre, do contribuinte.

Foi tão animada (e desastrosa) a farra da criação de municípios e estados — mais de prefeituras — com a promulgação da Constituição de 1988 — que, dali até 1996, em oito anos, surgiram 1.480 prefeituras. Cada uma com seus vereadores, assessores, chefes de gabinetes, frotas de carros oficiais, motoristas, contínuos etc.

Tamanho disparate levou o então presidente Fernando Henrique a propor lei complementar, aceita pelo Congresso, para conter a festa. As Assembleias Legislativas perderam para o Congresso o poder de aprovar a multiplicação de entes federativos. Melhorou. Porém a herança do passado é enorme e corrosiva: pouco mais de 80% das prefeituras dependem do Fundo de Participações (recursos federais e estaduais) para pagar as contas. Não recolhem impostos suficientes, mesmo na bonança. Inúmeras não se esforçam por razões demagógicas. A crise fiscal também reduziu o fundo.

É uma evidência gritante de que a própria Federação precisa ser revista, e não apenas na redefinição de responsabilidades na prestação de serviços e consequente descentralização de recursos, mas também em radicais mudanças na estrutura dos municípios.

Devem-se realizar estudos que levem à reaglutinação de municípios incapazes de obter receita tributária condizente com as despesas. Outra medida é acabar com a obrigatoriedade de todas as prefeituras terem de reproduzir quase a mesma estrutura da União, com procuradorias, tribunais, muitas secretarias. Seria uma bem-vinda medida de enxugamento da máquina estatal.” [Ênfases acrescentadas].

Quase nada precisa ser acrescentado nesse quesito.

4. Conclusão

Eu poderia aqui simplesmente repetir o que já disse no final da Seção 1: a crise financeira, a crise fiscal, a crise política, a crise da corrupção e da roubalheira generalizada, e outras crises que afetam o Brasil, como, por exemplo, as crises relacionadas ao cumprimento das leis, à manutenção da ordem e à segurança pública, não serão resolvidas se não resolvermos, primeiro, a crise moral, maior e abrangente, apontada na primeira seção – ou, pelo menos, sem que reconheçamos que essa crise moral está na raiz das outras e nos comprometamos a começar a enfrenta-la, com a firme decisão de resolvê-la.

O símbolo do Estado Brasileiro, ou, pelo menos, o símbolo da área pública no Brasil, deveria ser uma teta. Todo mundo quer mamar nela. Desde os mais altos próceres da República – o presidente, o vice-presidente, os ministros, os senadores, os deputados, os magistrados das cortes mais elevadas, até os contínuos-porteiros e serventes, passando pelos professores das escolas e universidades públicas, pelos médicos e demais profissionais dos serviços de saúde, etc., com pouquíssimas e honrosíssimas exceções – todo mundo quer mamar nessa teta.

Hoje, quem está fora do serviço público quer entrar: o conteúdo sonho de todo brasileiro começa com ser aprovado em um concurso público. Pode ser que o salário inicial não seja o melhor, mas há vantagens e benefícios, há segurança no emprego sem que seja necessário trabalhar demais, há faltas justificadas, abonadas, compensadas, faz-se “a ponte” em todo feriado que de terça ou quinta-feira, no magistério há, além das férias, os recessos, licenças para estudo e pesquisa, sabáticos, licenças prêmios, licenças para acompanhamento de tratamento médico de familiares de várias “distâncias”, etc. E assim vai. Há setores que têm bonificações, décimo-quartos e décimo-quintos salários. Que presidente vai se preocupar com a segurança da população quando sua filha, seu genro e seus netos dispõem de oito carros blindados do último tipo, e outro tanto de motoristas e seguranças para cuidar do bem estar deles?

Enquanto isso, o Juiz da Suprema Corte da Suécia vai trabalhar sozinho, sem segurança, sem carro e motorista, usando uma rede de transportes multimodais que incluem bicicleta, trem, metrô… Ele trabalha em um escritório aberto, despojado, não tem secretários, assistentes e assessores pessoais. Não tem planos de saúde e outros benefícios pagos pelo dinheiro público. Não tem imunidade nem foro privilegiado. Tudo que ele ganha e tudo que ele faz fica transparente e facilmente disponível para aqueles que são os seus empregadores: o povo, que paga seu salário com seus impostos. Serviço Público, na Suécia, é realmente serviço, não é um passaporte para privilégios e benefícios. O Estado, lá, não tem uma teta como símbolo. Nas áreas em que não se exige dedicação integral, como nas Câmaras Municipais de municípios pequenos, o serviço público é feito pro bono, gratuitamente, em tempo parcial por quem tem um outro trabalho. Nesse caso, não é emprego: é serviço, mesmo. Os bombeiros, em boa parte das cidades pequenas, é serviço voluntário.

Infelizmente, tenho dúvida de que jamais cheguemos lá.

Em São Paulo, 7 de Agosto de 2016

Um Post Scriptum sobre Socialismo Democrático (Social-Democracia) e Liberalismo Social

INTRODUÇÃO

Ao ler o meu artigo anterior “Se o Socialismo não funciona em país rico e de governo honesto, quanto mais aqui…” (https://liberal.space/2016/04/28/se-o-socialismo-nao-funciona-em-pais-rico-e-de-governo-honesto-quanto-mais-aqui/), publicado hoje de madrugada aqui, uma amiga minha no Facebook (o nome dela é Renata Abdelnur-Schäfer), que mora na Alemanha, fez seguinte comentário, que achei bastante instigante — razão pela qual optei por responder a ele aqui, em outro artigo. Disse ela:

Eduardo, gostei muito do seu texto, mas uma coisa me intrigou. Você afirma que o Estado de Bem Estar Social é socialismo. Eu sempre pensei que fosse capitalismo voltado ao social, que veio substituir o socialismo marxista como é no caso da Alemanha. Aqui na Alemanha funciona muito bem. Será que estou confundindo alguma coisa???

Na minha opinião, Renata, você está confundindo algumas coisas, sim. Mas vou tentar esclarecê-las.

Vou  desenvolver meu argumento em dois blocos. O primeiro discute questões de natureza mais teórica. O segundo, algumas questões de natureza mais prática.

1. A QUESTÃO DO ORDENAMENTO DE SISTEMAS DE ECONOMIA POLÍTICA 

É um princípio geral básico da Teoria Política, na verdade um princípio duplo, que, ao definir deveres e direitos do estado e do indivíduo, em ambiente governado pela lei:

  • Ao estado e ao indivíduo é obrigatório (a) fazer tudo o que a lei explicitamente os obrigue a fazer e (b) deixar de fazer tudo o que a lei explicitamente os proíba de fazer (DEVERES);
  • Ao estado é facultado fazer apenas o que a lei explicitamente o autoriza a fazer, sendo-lhe vedado fazer tudo o mais, e ao  indivíduo é facultado fazer tudo o que a lei explicitamente não o proíba de fazer, tudo o mais lhe sendo permitido (DIREITOS).

Façamos um espectro horizontal, com seis posições, que indique, de um lado (o esquerdo), aquilo que cabe ao estado (ou seja, aquilo que o estado tem dever ou direito de fazer), e, de outro lado, aquilo que cabe ao indivíduo (ou seja, aquilo que o indivíduo tem direito ou dever de fazer), na visão de cada sistema de economia política. Teremos algo mais ou menos assim: 

1————2————3——X——4————5————6

a) Nos extremos (nas Posições 1 e 6), o Socialismo Marxista (vulgarmente chamado também de Socialismo Comunista ou só de Comunismo), à esquerda, na Posição 1, em que o estado é tudo (tem todos os direitos) e o indivíduo é nihil (não tem nenhum direito), e o Libertarianismo Anárquico (também chamado de Anarquismo Libertário), à direita, na Posição 6, em que o indivíduo é tudo (tem todos os direitos) e o estado nihil (não tem nenhum direito, porque, na verdade, nem sequer deve existir – como prescrevem os diversos anarquismos). 

b) No meio, da esquerda para a direita, o Socialismo Não-Marxista (Posição 2), a Social Democracia (Posição 3), às vezes chamada de Estado do Bem-Estar Social, o Liberalismo Social (Posição 4), às vezes chamado de Liberalismo com uma Cara Humana, e o Liberalismo Clássico (Posição 5), às vezes chamado de Liberalismo Laissez-Faire

c) O centro do espectro, representado pelo Posição X, seria o que normalmente separaria a Esquerda (Posições 1, 2, e 3) e a Direita (Posições 4, 5, e 6). Quem se diz pertencer ao “Centrão” muitas vezes está meio perdido aí nesse espaço medianeiro, sem saber se se inclina para a Esquerda ou para a Direita. O Centrão é uma posição bastante popular no círculo daqueles que não querem se deixar rotular nem de Esquerda nem de Direita, preferindo posar como Moderados. (A Bíblia tem, em seu último livro, umas palavras muito duras para com aqueles que não querem ser nem frios nem quentes, e optam por parecer mornos).

Na minha forma de entender, Renata, sua dificuldade está em diferenciar entre as Posições 3 e 4 — a Social-Democracia (do lado esquerdo) e o Liberalismo Social (do lado direito). Você acha que a Social-Democracia, ou o Estado do Bem-Estar Social, faz parte do Liberalismo, ou Capitalismo (como você prefere), não do Socialismo. Eu discordo. Para mim, a Social-Democracia indubitavelmente faz parte do Socialismo, não do Liberalismo, ou Capitalismo.

Vou explicar-lhe como eu entendo a questão.

Para mim, como acabei de dizer, a Social-Democracia é uma forma de Socialismo. Ela é herdeira e sucedânea do Socialismo Marxista, com mediação do Socialismo Não-Marxista.

A. Os Socialismos

a. O Socialismo Marxista

O Socialismo Marxista, o mais radical dos Socialismos, defende a exigência ou suposta necessidade de SOCIALIZAÇÃO (ESTATIZAÇÃO) DE TODOS OS MEIOS DE PRODUÇÃO, sem exceção: do sitiozinho que atende às necessidades de subsistência de seu proprietário e sua família até a quitanda do japonês e a padaria do português da esquina.

b. O Socialismo Não Marxista

O Socialismo Não-Marxista, mais soft do que o Socialismo Marxista, abandonou a exigência ou suposta necessidade de socializar todos os meios de produção, mas deseja uma presença marcante do estado em áreas que considera economicamente estratégicas, como, por exemplo, mineração, energia, transporte, comunicações, saneamento básico, etc. Em suma, o Socialismo Não-Marxista quer um estado grande e forte e defende, portanto, a SOCIALIZAÇÃO (ESTATIZAÇÃO) DOS MEIOS DE PRODUÇÃO CONSIDERADOS ESTRATÉGICOS (podendo haver alguma discussão do que é estratégico e do que não é: a laminação do aço, ou a siderurgia, é ou não?). Os demais meios de produção (agricultura e pecuária, indústria não-estratégica, comércio, serviços em geral, etc.) podem ficar nas mãos da iniciativa privada, vale dizer, dos indivíduos, não do estado, o estado só intervindo quando não houver interesse ou possibilidade de a iniciativa privada ocupar esse espaço.

c. A Social Democracia

A Social-Democracia abandona a necessidade de intervenção do estado na maior parte das áreas estratégicas que não são sociais, privilegiando o controle estatal (direto ou mediante regulação) da área social: saúde, educação, e seguridade (aposentadoria, pensão, seguro, etc. – a chamada “rede de proteção social” ou “social safety net“). A Social-Democracia defende, portanto, a SOCIALIZAÇÃO (ESTATIZAÇÃO) DAS ATIVIDADES DA CHAMADA “REDE DE PROTEÇÃO SOCIAL”. Às vezes a área de comunicação social e interpessoal (os chamados meios de comunicação social, como jornais, rádio, televisão e, hoje em dia, a Internet, etc., bem como meios de comunicação interpessoal, como o correio, a telefonia, etc.) é incluída aí. Também a área de transportes, por envolver a locomoção humana, é muitas vezes incluída aí (transporte terrestre, incluindo rodoviário, ferroviário, marítimo e hidroviário, e transporte aéreo).

Para que possamos distinguir a Social-Democracia do Liberalismo Social, é preciso esclarecer o que a esquerda social-democrata normalmente pretende realizar quando propõe a socialização (estatização) de uma “Rede de Proteção Social”.

  1. Pretende, em regra, como primeira opção, que as áreas da saúde, educação,  seguridade, comunicação social e interpessoal, transportes, etc. sejam literalmente estatizadas, ficando sob total controle (propriedade, planejamento, organização, regulação, execução e avaliação) diretamente do estado, cada uma delas em um “Sistema Único”, estatizado, deixando de haver prestação de serviços privados nessas áreas;
  2. Pretende, como alternativa aceitável, caso a primeira opção se mostre inviável (por razões financeiras, políticas, culturais ou outras), que o estado detenha controle parcial (semi-total) dessas áreas, mantendo a propriedade, o planejamento, a organização, a regulação e a avaliação do sistema criado em cada área, mas deixando que a execução fique parcialmente aberta, em regime de concessão, também à iniciativa privada, sem prejuízo da atuação estatal direta na área;
  3. Admite, como alternativa menos aceitável, como aconteceu em parte no Brasil, durante a discussão e aprovação da Constituição Federal de 1988, que áreas como saúde e educação sejam abertas (não como concessão) à iniciativa privada, mas preservando o chamado “controle social” (no caso estatal) do que é feito pela iniciativa privada, que, na maior parte dos casos, depende de autorização estatal, é regulada e avaliada pelo estado, etc.;
  4. Defende o envolvimento do estado em qualquer área, mesmo não social, quando não houver interesse ou possibilidade de a iniciativa privada ocupar esse espaço.

B. Os Liberalismos

Passemos para o lado direito do espectro, agora, começando com o extremo e indo para o centro.

a. O Libertarianismo Anárquico

O Libertarianismo Anárquico (ou Anarquismo Libertário) é um sistema anárquico. Ele dispensa a existência do estado e defende a tese de que os indivíduos são plenamente capazes de conviver com suas diferenças e resolver suas eventuais divergências de comum acordo (por arbitramentos vários, se necessário), sem que haja necessidade de criar um estado e atribuir-lhe funções e recursos que, inevitavelmente, são retirados dos direitos e dos recursos dos indivíduos. Não há, portanto, estado aqui. A fortiori, não há controle de meios de produção ou de rede de proteção social pelo estado. Tudo fica a cargo da iníciativa (necessariamente privada) dos indivíduos.

b. O Liberalismo Clássico

O Liberalismo Clássico (Liberalismo Laissez-Faire), o mais famoso dos Liberalismos, tem uma visão menos otimista da natureza humana. (Para quem conhece um pouco da história do pensamento cristão, ele é mais agostiniano do que pelagiano). Para ele, o ser humano é naturalmente egoísta e, portanto, se não houver um estado que reconheça uma lei natural OU defina um conjunto de direitos e deveres a serem respeitados igualmente por todos, os mais fortes ou mais espertos se imporão aos mais fracos, menos vivos, ou simplesmente mais acomodados. No entanto, o estado será necessariamente governado, não por santos, mas por seres humanos, que não deixarão de ser egoístas quando vierem a ocupar funções no estado. Por isso, o estado deve, para o Liberalismo Clássico, ser mínimo, suas funções devem ser clara e precisamente definidas, ele deve ser organizado em ramos ou divisões funcionais, cada ramo tendo a responsabilidade de vigiar e fiscalizar os outros (checks and balances), e o povo deve se conscientizar do fato de que o preço da sua liberdade é sua eterna vigilância, tendo, assim, o direito e mesmo o dever de agir contra o estado quando se convencer de que o estado está atuando contra seus direitos e interesses.

O Liberalismo Clássico acabou com o poder absoluto dos reis, justificou o direito à revolução e mesmo ao tiranicídio, e colocou o indivíduo como peça fundamental da sociedade, o estado existindo exclusivamente para proteger a liberdade do indivíduo e garantir que seus direitos sejam respeitados por outros indivíduos e pelo próprio estado. As únicas funções que o Liberalismo Clássico permitiu que fossem atribuídas ao estado foram: a legislativa (definição de leis com direitos e obrigações, de preferência dentro de um quadro constitucional); a policial e militar (garantia de que as leis do país serão respeitadas, pelos que moram no país e pelos que moram fora, inclusive por outras nações); e a judicial (aplicação das leis e punição dos que as descumprirem). Nada além disso. Saneamento, infraestrutura, saúde, educação, securidade, comunicação, transportes, etc., tudo isso fica a cargo da iniciativa privada: ao estado cabe apenas “laissez faire“, sair da frente e deixar que os indivíduos resolvam seus problemas nessas áreas, sem interferir e sem mesmo tentar regular.

Até algum tempo atrás fui um Liberal Clássico convicto. De lá para cá tenho sofrido uma tentação quase irresistível na direção do Libertarianismo Anárquico.

c. O Liberalismo Social

Por fim, o Liberalismo Social. O Liberalismo Social está do lado direito, e, portanto, sempre do lado do indivíduo, da sua liberdade e dos seus direitos civis e pessoais. Não é, como é o caso com a Social-Democracia, o mínimo de socialismo a que um socialista pode chegar… É, isto sim, o máximo de socialismo que um liberal pode se permitir

Note-se que o “máximo de socialismo” do Liberalismo Social é menos do que o “mínimo de socialismo” da Social-Democracia.

Isso pode parecer apenas uma questão meramente semântica, ou de onde é que a gente faz a marcação na régua, ou, ainda, de ênfase. Mas, na realidade, não é, como procurarei mostrar.

O Liberalismo Social está comprometido com o Liberalismo, com a liberdade (não com a igualdade ou equalidade). Ele admite que pode haver problemas, além dos admitidos pelo Liberalismo Clássico (Legislação, Segurança Interna e Externa, Justiça), que podem se mostrar de difícil solução em bases predominantemente privativistas. A Educação é um desses problemas. Uma população não educada, ou educada inadequadamente, pode não conhecer os seus direitos e os dos demais cidadãos, pode não entender por que deve respeita-los, pode imaginar que o estado, em vez de proteger sua liberdade e fazer respeitar seus direitos, deve promover seu bem-estar, ajuda-la a viver bem, contribuir para a sua felicidade — e ficar frustrado quando isso não acontece. E por não ser educada, ou não ser educada adequadamente, por escolher mal os seus representantes e os seus governantes.

O Liberalismo Social reconhece que a melhor educação é aquela proporcionada no lar, na comunidade, ou mesmo em escolas criadas, mantidas e administradas pelos cidadãos, sem a interferência do estado. Mas reconhece, também, que em determinadas instâncias o desafio pode ser tal que a iniciativa privada não tem os recursos ou a motivação necessários para cumprir essa tarefa bem. Além disso, há quase sempre populações tão pobres que não podem pagar serviços prestados pela iniciativa privada, que pode agir filantropicamente, mas sempre tem o direito de, assim o desejando, cobrar por seus serviços. Nessas circunstâncias, excepcionalmente, e em caráter supletivo, o Estado pode atuar na oferta de serviços dentro da área educacional (recolhendo taxas e impostos da população beneficiada direta ou indiretamente, não apenas dos usuários ou dos beneficiários diretos) – mas deve estar sempre disposto a remover-se dali tão logo haja interesse e condições de a iniciativa privada assumir esses serviços. O mesmo se aplica, mutatis mutandis, na área da saúde, da seguridade, das comunicações, dos transportes, etc.

A Social-Democracia, por sua vez, está comprometida com o Socialismo e seu ideal de igualdade ou equalidade. Ela se dispõe a sacrificar a liberdade dos indivíduos pagadores de importos no altar desse ideal. Diante de qualquer problema ou necessidade, sua primeira opção é sempre aumentar impostos. Os que se enxergam como social-democratas não se vêem primariamente como pagadores de impostos ou provedores de recursos (que é como os Liberais Sociais e demais liberais se vêem): vêem-se, isto sim, como criadores de programas sociais, e, portanto, como distribuidores de recursos. Enxergam-se, na realidade, como “ongueiros” com o dinheiro dos outros. É fácil e agradável ser um filantropo quando o dinheiro não sai de seu bolso e estando na folha de pagamento do estado.

II. QUESTÕES DE NATUREZA PRÁTICA 

Caminhando para a conclusão…

As telecomunicações e os transportes ferroviários surgiram no Brasil como iniciativas privadas. Havia, para cobrir telégrafos e telefonia, a Companhia Telefônica Brasileira (CTB), que, de brasileira, inicialmente só tinha o nome. No transporte ferroviário, havia companhias que, o mais das vezes, nem o nome brasileiro tinham: Sao Paulo Railway, por exemplo, que depois virou a Companhia Paulista de Estradas de Ferro.

Durante a Ditadura Militar (que, em regra, ninguém considera socialista, mas cuja economia era profundamente socializante), tudo isso foi estatizado, ou seja, o estado autoritário e ditatorial tomou para si o controle tanto das telecomunicações como do transporte ferroviário.

Na área de telecomunicações, criou-se, em 1972, o Sistema Brasileiro de Telecomunicações, conhecido como TELEBRÁS, dividido em sub-sistemas para cada um dos Estados (TELESP, TELERJ, TELEMIG, etc.), que controlou nossa telefonia (e outros componentes das telecomunicações, como a comunicação de dados, através da EMBRATEL) por tanto tempo.

Na área de transporte ferroviário, os militares se aproveitaram da criação da Rede Ferroviária Federal, em 1957, e aperfeiçoaram a estatização de todas as companhias de transporte ferroviário, criando sub-sistemas para cada estado (a FEPASA, por exemplo, no Estado de São Paulo).

O que presenciamos, de 1995 para cá no Brasil (início da gestão FHC, um socialista que virou social-democrata, ou neo-socialista (para contrastar com os chamados neo-liberais), e antes disso, lá fora, foi uma tentativa consciente de privatizar serviços que eram prestados pelo estado na área não-social num passado recente (ainda que num passado mais remoto já houvessem sido privados). Privatizar, no caso, queria dizer transferir os serviços para a iniciativa privada (total ou, mais frequentemente, parcialmente).

Por que se fez isso? Porque a estatização se mostrou um desastre. Na área das telecomunicações, no início da década de 90, era impossível conseguir-se linha de telefone. Cheguei a pagar, quando criei uma empresa em 1994, dez mil dólares, no mercado negro, para adquirir duas linhas telefônicas. Elas estavam em falta no mercado e só o sistema estatal poderia cria-las – a área estava vedada à iniciativa privada. Não havia recursos no estado, mesmo com o sucesso do Plano Real, para investir como se devia em Telecomunicações (e nas outras áreas carentes de investimento). Optou-se por privatizar as atividades estatais em áreas estratégicas não-sociais para concentrar os investimentos na área social. Dois dos principais ministros de FHC, seus amigos pessoais, foram Paulo Renato Costa Souza e José Serra, respectivamente ministros da Educação e da Saúde, durante oito anos (ou quase, no caso de José Serra, que deixou o ministério para se candidatar à Presidência em 2002.

Já em 1995, no segundo ano do governo FHC, começou a se privatizar a área de telecomunicações – sob o comando de seu Ministro das Telecomunicações, Sergio Motta -o trator encarregado de reduzir o tamanho do estado. Morreu tentando. Inicialmente, o Sistema Telebrás resistiu, pois queria, além de manter o que já tinha, incorporar também a Internet, recém chegada, saída dos ambientes torre-de-marfim das universidades, que seria, como já era a telefonia e a comunicação de dados, estatal. Sérgio Motta resistiu e quebrou o monopólio do Sistema Telebrás. A luta, como disse, custou-lhe a vida. Também era amigo pessoal de FHC. Talvez amigo mais querido do que os outros dois, apesar da diferença de temperamento entre ambos.

No tocante aos transportes ferroviários não houve um esforço muito intenso de privatização, mas na área de transportes rodoviários as rodovias que ficavam sob controle das Unidades da Federação foram rapidamente privatizadas, começando com São Paulo. O governo federal, neste caso, ficou para trás. Está atrás até hoje, as estradas federais continuando a ser uma calamidade anualmente denunciada pela mídia.

Não resta a menor dúvida, hoje, de que as privatizações feitas — as mencionadas e outras — foram um sucesso. Se a Petrobrás tivesse sido privatizada então não estaria, agora, em risco de quebrar, principalmente diante dos class-action suits dos investidores americanos.

O que cabe perguntar é como é que um governo anti-comunista, como foi a Ditadura Militar, foi tão estatizante, no tocante à economia, estatizando setores inteiros da economia, criando um número enorme de “Brases”, etc.

A questão aqui tem que ver com a inexistência de modelos puros. Os militares eram contra o Socialismo-Marxista (o Comunismo), em alguns sentidos, em especial seu ateísmo, seu materialismo, sua teoria da luta de classes e da ditadura do proletariado, etc. Na economia, porém, foram muito próximos do Socialismo, em sua versão Não-Marxista: estatizaram tudo o que era área que consideravam estratégica.

Na Europa e no Brasil de hoje o Estado atua na economia mais através de Agências Reguladoras. Os Liberais, de qualquer matiz, são contra essa atuação. O fato dessas Agências existirem e deterem poder mostra que os governos da Europa e do Brasil pendem muito mais para o Socialismo do que para o Liberalismo. O Liberalismo Social só admite a intervenção do estado na área social em caráter excepcional e supletivo, nunca como norma (como o faz a Social-Democracia). A despeito de Margareth Thatcher, a área da saúde da Inglaterra é basicamente socializada. Com maior dificuldade, Barack Obama tenta alcançar algo semelhante nos Estados Unidos com o que os opositores chamam de Obamacare.

Última coisa: A Ditadura Militar foi socializante em sua economia, com suas estatizações, as suas “brases”, as suas reservas de mercado pouquíssimo liberais, que afrontaram o mercado. E A Ditadura Militar não foi nada liberalizante (pelo contrário!!!) no seu trato com os indivíduos: desrespeitou a sua liberdade, violou o seu direito de pensar e de expressar o seu pensamento, o seu direito de se associar, o seu direito de ir-e-vir, o seu direito de propriedade, o seu direito de buscar a felicidade como melhor lhes aprouvesse. Enfim: A Ditadura Militar, com seu viés estatizante, como seu horror à liberdade e aos direitos pessoais e civis dos indivíduos, foi qualquer coisa menos liberal. Não honrou nenhum dos princípios que os liberais endossam e respeitam. É verdade que combateu os comunistas e socialistas, que sempre foram inimigos ferrenhos do Liberalismo. Mas o fez mal e porcamente. Tanto que eles continuam todos por aqui, encastelados no Governo Federal, infernizando a nossa vida e colocando a economia nacional em frangalhos. Desta vez nós os estamos combatendo com outras armas, mais eficazes. Espero que erradiquemos o nosso país dessa praga.

Em Salto, 28 de Abril de 2016

Se o Socialismo não funciona em país rico e de governo honesto, quanto mais aqui…

Escrevo enquanto vejo o programa “Profissão Repórter” na Rede Globo (27/4/2016, à noite, por volta das 23h30). [Fiz uma pequena revisão hoje, 28/4, de manhã]. 

Normalmente não gosto desse programa, por causa da visão de mundo do responsável por ele, o repórter Caco Barcelos, pessoa que vim a conhecer, em 1981, durante a grande crise da UNICAMP, e que, de longe, acompanho, desde então. Naquela data ele trabalhava na VEJA. Mas o programa de hoje está relativamente bem feito. O esquerdismo do Caco não transparece tanto, está bem camuflado.

O tema do programa é o desemprego – ele cobre gente que foi mandada embora do seu trabalho. Na verdade, é mais do que isso: é um programa sobre “desocupação”. Cobre não só gente desempregada, que perdeu, sem querer, o emprego, mas também autônomos, micros, pequenos e médios empresários que não deram certo e quebraram. Essa gente toda, agora, está “desocupada”, sem querer estar – porque a desocupação faz com que fiquem sem salário, sem receita, sem renda. E com um monte de contas para pagar. Contas representadas por dívidas que precisaram contrair, por causa de cheques especiais usados irresponsavelmente e por carnês intermináveis gerados em função de coisas que elas compraram a prazo, quando acreditaram que estavam ficando ricas… Gente que agora procura, desesperadamente, sem encontrar, uma nova “ocupação” que seja rentável. Um emprego, qualquer que seja. Um bico, para fazer qualquer coisa. Qualquer alternativa que produza algum salário, alguma renda, alguma receita — que ponha alguma graninha, por pequena que seja, honestamente no bolso. 

Embora o esquerdismo do Caco Barcelos não transpareça no programa, ele engana o telespectador ao não deixar claro que esse mundaréu de desempregado e de micro, pequeno e médio empresário quebrado está nessa situação por causa de uma severa crise econômica que o PT, além de não ter sabido enfrentar, ajudou a gerar. E que a crise não é causada por outros países nem pelo Capitalismo: foi gerada aqui mesmo em solo tupiniquim, por um governo socialista, pelo PT que, há treze anos e quase meio desgoverna o Brasil.

Caco Barcelos não deixou isso claro, porque deixa-lo envolveria fazer um ‘mea culpa“, o forçaria a reconhecer que o modelo econômico representado pelo Socialismo do tipo “Welfare State” (Estado do Bem-Estar Social) simplesmente não funciona. Não funciona nem em país rico, e que tem governo honesto, como é o caso da Suécia, por exemplo. Em país pobre como o Brasil (e o Brasil é um país pobre, como o é a China, que só tem um PIB alto porque tem muita gente), e, além de tudo, com governo corrupto e ladrão, esse tipo de modelo econômico leva, inevitavelmente, à ditadura ou, então, ao desastre, à falência econômica da nação, e o faz em pouco tempo. Às vezes, produz as duas coisas: ditadura com falência econômica, como chegamos perto de experimentar. 

Como funciona esse modelo de Socialismo “Welfare State”, que se pretende democrático mas acaba, inevitavelmente, em ditadura ou em colapso econômico — ou nas duas coisas? Funciona assim. A “redistribuição de renda” que “equaliza” a situação socioeconômica das pessoas, é feita de forma supostamente democrática, por taxação (aumentando os impostos de forma “progressiva”), não por confisco e desapropriação direta. Os cidadãos que trabalham e ganham mais (mesmo que apenas um pouco mais), nessa “Democracia Social”, vão sendo sufocados por impostos cada vez maiores para que o governo possa dar, “de graça”, saúde, educação, infraestrutura, seguro desemprego, bolsa de todo tipo, etc. para o resto da população, que permanece desocupada… O “bolsista” deixa de ser um desocupado que recebe uma ajuda temporária enquanto encontra uma ocupação rentável e honesta: ser “bolsista” vira a ser ocupação, e os bolsistas são removidos dos índices de desemprego, para que a situação econômica do país pareça ser melhor do que de fato é… 

Sufocada por tanto imposto, a população que ganha MUITO MAIS foge do país. A população que ganha apenas UM POUCO MAIS para de consumir os seus “supérfluos”, deixa de comprar as marcas que preferia, compra menos, para de viajar e ir ao cinema, reduz os seus gastos, e, em consequência, a indústria, o comércio e os serviços reduzem sua produção, suas vendas, sua oferta de serviços. Depois de um tempo, essas empresas despedem empregados. Mais tarde muitas fecham. E o país entra em recessão, porque todo mundo, ganhando e consumindo menos, também paga menos imposto, e, assim, a receita do governo cai e ameaça os seus queridos “programas sociais”, as suas “políticas públicas” que trazem voto. Os que perdem as “bolsas” e as “rendas grátis” começam a ficar revoltados com o governo… E este nem aumentar imposto consegue mais… O resto todos nós, hoje, conhecemos. Em pouco tempo um governo que parecia imbatível, acaba, se dissolve no ar. A única coisa que esse governo sabe fazer é cobrar mais impostos (a bendita CPMF) e roubar. Mas ninguém aguenta pagar mais imposto e ninguém aguenta mais a corrupção e a ladroagem. No Brasil, estamos neste ponto.

Os países europeus, mesmo com governos honestos, estão sentindo o problema. A Europa também está em crise.  Mas quando a crise acontece em um país como o nosso, porém, que país tem tido, durante mais de treze anos, um governo socialista corrupto e ladrão, que desvia, de suas finalidades expressas e declaradas, o dinheiro dos altos impostos pago pela população que trabalha para os cofres dos partidos no poder, para os bolsos dos líderes políticos desses partidos (porque, como se diz, ninguém é de ferro), e, em uma pequena parcela, para o bolso de gente que acreditar que ser bolsista é ocupação e não procura trabalho, quando isso acontece nós chegamos à situação em que nos encontramos hoje: no fundo do poço.

Sair do fundo do poço não vai ser fácil.

O telespectador mais simples que porventura estivesse assistindo ao programa de ontem do Caco Barcelos ficaria com a impressão de que a causa da crise é o “Monstro Capitalista” em que grandes empresários despedem funcionários e impõem condições de comércio aos micros, pequenos e médios empresários que levam estes à falência – tudo por mera e pura ganância.

A crise, no entanto, não é filha do Capitalismo, é filha do nosso Socialismo Moreno, corrupto, ladrão, mentiroso, debochado (“Sou, mas quem não é?”). A crise é filha do PT. Seu pai é o Lula, sua mãe a Dilma. Um pai debochado, desbocado, ladrão, nojento, bebum, e uma mãe que se pretende, se não bela, pelo menos honesta e recatada. O partido que afirmava ter tirado não sei quantos milhões de brasileiros da pobreza, tornando-os verdadeiros cidadãos, criando uma real classe média no país, está, aqui, confirmadamente, colocando milhões de volta na pobreza, agora quase abjeta, produzida pelo desemprego e pelo fracasso de micros, pequenos e médios empresários. Ninguém mais acha emprego nem outra ocupação. Até o tradicional bico está difícil. 

Na verdade, o que temos aqui no Brasil não é, nem nunca foi, Capitalismo: é Socialismo – Socialismo tocado por um governo corrupto e ladrão. A história tem mostrado que nem o Socialismo Honesto consegue sobreviver por muito tempo, mesmo quando o país é “per capitamente” rico. O Socialismo Corrupto em país pobre acaba em ditadura (a Dilma já pensou até em ressuscitar o Estado de Sítio, em que o que resta de nossas liberdades não-econômicas vai para a cucuia) – ou em colapso econômico. Ou, na pior das alternativas, nos dois. E quando se chega aí, sair é muito difícil. Está aí Cuba que não nos deixa mentir.

O Capitalismo não é a causa da nossa crise: é a solução para sair dela. Precisamos de mais, não de menos, Capitalismo. Precisamos de um país cuja economia cresça, em que as pessoas estejam economicamente ocupadas, ganhando sua vida honestamente, em empregos ou empreendimentos, em que as pessoas vivam de seu trabalho, não de “bolsas” e “favores” dados, de mão beijada, por um governo supostamente “amigo dos pobres”., mas que deles espera apenas a gratidão, através do voto… Estamos vendo, agora, quão amigo dos pobres o PT tem sido. O PT é amigo apenas de si próprio e de empresário corrupto. Só isso. De resto, sua atitude para com os pobres foi demonstrada pelo prefeito do Rio, Eduardo Paes, aliado do PT, tirando sarro do sítio cafona do Lula. Isso é sítio de pobre, disse Eduardo Paes – sítio de gerente de Maricá, não quinta de gente de bem de Angra ou Parati…

Dá dó ver, no “Profissão Repórter”, um casal que abriu uma loja de roupas populares faz oito anos, que, nesses anos, ganhou algum dinheirinho, agora precisando liquidar tudo para pagar as dívidas… Eles tentam vender os produtos que restam num estoque que não vira por menos da metade do preço que eles pagaram por ele — tudo para pagar dívidas e, quem sabe, poder ter um dinheirinho no bolso no final… O programa os mostra vendendo o estoque, as araras, as prateleiras, os manequins… Até uma Nossa Senhora que eles guardavam na loja, supostamente para protege-los, para preservar o seu negócio, para salvar o seu investimento, eles acabaram dando de brinde para alguém que comprou várias coisas que restavam. Para outros de seus credores deram, para cobrir a dívida, em parte ou totalmente, as coisas que restaram na loja. Qualquer coisa. No dia de devolver o ponto levaram para casa o pouco que restou.

O programa mostrou também uma babá, dispensada pela patroa, conformadamente defendendo a patroa. Está certa ela, disse a babá. A criança de que eu cuidava está crescidinha, não precisa mais de babá, pode ficar numa creche. A coisa está feia para ela, também. Ela está mudando para um apartamento menor para economizar dinheiro. Nesse apartamento menor não tem quarto para babá… Fazer o quê?

O programa mostrou ainda algumas entrevistas de emprego de uma trabalhadora na área de limpeza que foi mandada embora do seu último serviço – não porque fosse incompetente, mas porque a empresa está mal das pernas. Ela não conseguiu obter o emprego que desejava em várias entrevistas que fez porque… porque não tinha o Curso Fundamental Completo, só tendo feito os primeiros quatro anos, o antigo Curso Primário… Pergunta:  para fazer faxina, é preciso, além de experiência, que ela tinha, ter completado o Fundamental inteiro??? Ou trata-se de desculpa, para fazer a pessoa se sentir culpada por ter abandonado a escola… A culpa fica em cima dos ombros dela, não dos irresponsáveis que quebraram o nosso país.

Que situação triste! Quando vierem as eleições, espero que esse pessoal se lembre de quem os colocou nesse buraco sem fundo em que está nossa economia. E dê um voto de confiança a quem tenta fazer do nosso país um lugar melhor, com mais oportunidade de trabalho e menos malandragem e sem-vergonhice.

Em Salto, 28 de Abril de 2016, de madrugada.

Brasil, Israel e Clóvis Rossi

Acho um absurdo a posição de Clóvis Rossi (e, mais ainda, a do governo brasileiro) acerca da indicação de Dani Dayan para ser embaixador de Israel no Brasil.

Rossi comenta a notícia que teria se espalhado pela mídia israelense de que Israel teria resolvido retirar a indicação, feita em Agosto do ano passado, porque o Brasil não a acolheu e não a recusou: simplesmente não se manifestou sobre ela: engavetou-a, por assim dizer.

Acho, em primeiro lugar, uma total deselegância a atitude da diplomacia brasileira, liderada por essa incompetente chamada Dilma Rousseff, de fingir-se de morta, nem aceitando nem recusando a indicação — supostamente porque o nome do indicado não teria sido submetido ao governo brasileiro antes de Israel torna-lo público. A razão, o fato é sabido, não é essa. Ela está no fato de que Dayan não é favorável à posição brasileira em relação ao conflito Israel – Palestina.

Como se pode constatar no artigo transcrito abaixo, Clóvis Rossi, além de manifestar concordância com a grosseira posição brasileira, aduz outras supostas razões para a recusa de Dayan, a saber:

a) Dayan teria ocupado a presidência do chamado Conselho Yesha, responsável pelos assentamentos israelenses na Cisjordânia de 2007 a 2013, assentamentos que, segundo Rossi, são “considerados ilegais pela comunidade internacional”;

b) Não só isso, Dayan vive em um desses assentamentos;

c) Embora Israel possa contestar a ilegalidade desses assentamentos [na verdade, não só pode, como o faz], “O Brasil é, felizmente, obrigado a seguir as regras estabelecidas pelas Nações Unidas”;

d) Dayan é problemático até para o próprio Estado de Israel, porque é contrário à criação de dois Estados (Israel e Palestina), “outra determinação das Nações Unidas” – e que seria, segundo Rossi, “a posição oficialmente adotada por Israel”.

Ora, Clóvis Rossi tergiversa.

No item “a” ele afirma que os assentamentos são considerados ilegais “pela comunidade internacional”; no item “c” ele diz que o Brasil “é … obrigado a seguir as regras estabelecidas pelas Nações Unidas”, dando a entender que a ilegalidade na opinião da “comunidade internacional” teria também sido inequivocamente aprovada, como tal e na forma de regra, mandatória para todos os países membros, pelas Nações Unidas.

Ora, ainda que fosse assim, ao aceitar Dayan como embaixador de Israel, o Brasil não estaria violando nenhum tratado internacional ou nenhuma regra da ONU. Quando muito Israel poderia estar – e Israel, evidentemente, nega que esteja. O embaixador de um país no outro precisa representar as normas e as posições do país que o indicou, não as do país em que vai exercer seu posto. Imaginaram se o resto do mundo civilizado e democrático resolver se recusar a aceitar indicação de embaixadores brasileiros porque eles são petistas e o PT apoia ditaduras descaradas mundo afora, a começar com a cubana?

Se Israel oficialmente adota a posição dos “dois Estados”, mas convive bem com um embaixador seu que defende só um Estado, o problema é de Israel, não do Brasil, muito menos do Clóvis Rossi, que, a despeito de toda sua experiência, de vez em quando derrapa feio na defesa (ainda que indireta) de uma ideologia da qual comunga.

Espero que Israel não deixe barato e não retire a indicação de Dayan. O Brasil tem muito mais a perder do que Israel se faltar um embaixador israelense aqui no Brasil. Espero mais: que Israel chame o embaixador do Brasil em Israel para que explique a posição brasileira, e, se não concordar com ela, que expulse o embaixador brasileiro de Tel Aviv. Olho por olho, dente por dente. É a lei do Velho Testamento.

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Folha de S. Paulo
10 de Janeiro de 2016

Um Embaixador Inconveniente

Clóvis Rossi

Sábia decisão a do governo de Israel de retirar a indicação de Dani Dayan para ser o novo embaixador no Brasil, conforme noticia a mídia local.

Não é, em todo o caso, uma decisão determinada pela convicção de que Dayan não era o nome ideal. Foi consequência da recusa do governo brasileiro de dar o sinal verde (“agrément”, no jargão diplomático) ao indicado.

Até o fim do mês passado, Israel ainda confiava na aprovação de Dayan, apesar do silêncio mantido pelo Itamaraty pelos longos quatro meses decorridos desde a indicação, em agosto.

O governo brasileiro não recusou a indicação, porque seria grosseiro demais. Simplesmente silenciou, e manteria o silêncio por tempo indeterminado.

Israel lançou mão de intermediários para avaliar a situação e de um deles recebeu como resposta a frase “o sinal está dado”. Ou seja, o silêncio por tão longo tempo indicava claramente que Dayan não seria aprovado.

O Itamaraty nunca deu informação oficial sobre o andamento do caso, mas uma carta divulgada na quinta-feira (7) por 40 embaixadores aposentados, todos eles pesos-pesados quando na ativa e ainda influentes na casa, explicitava os argumentos que estão na base da rejeição pelo Brasil do nome de Dayan, conforme a Folha já mostrou: primeiro, o fato de Israel “ter anunciado publicamente o nome de quem pretendia indicar como novo embaixador de seu país no Brasil antes de submetê-lo, como é norma, a nosso governo”.

A esse problema de forma soma-se o de conteúdo, representado pelo fato de que Dayan “ocupou entre 2007 e 2013 a presidência do Conselho Yesha, responsável pelos assentamentos na Cisjordânia considerados ilegais pela comunidade internacional”.

Dayan, na prática, é uma ilegalidade ambulante: não apenas foi representante dos assentamentos que a comunidade internacional considera ilegais como vive em um deles.

Israel pode contestar a ilegalidade de suas colônias em território palestino, mas o Brasil é, felizmente, obrigado a seguir as regras estabelecidas pelas Nações Unidas.

Ou é a legalidade internacional ou é a lei do mais forte. Os judeus já sofreram demais com a imposição dos fortes de uma dada época para agora aceitarem –ou, pior, adotarem sobre os palestinos– idêntico procedimento.

Dayan, na verdade, é problemático até para o próprio Estado de Israel: ele é contrário à criação de dois Estados (Israel e Palestina), outra determinação das Nações Unidas.

Quer que as duas comunidades convivam, lado a lado, no mesmo território, sem barreiras e sem discriminação. A tese é absolutamente impraticável, por uma pilha de motivos que não caberiam neste espaço.

Mas esse nem é o principal argumento contra Dayan: a tese dos dois Estados é a posição oficialmente adotada por Israel.

Como um embaixador pode ser eficiente na defesa dos interesses de seu país, o que é o cerne de sua missão, se discorda de um ponto-chave da posição oficial?

A retirada do nome de Dayan, se e quando confirmada, elimina um ruído desnecessário na relação bilateral.

http://www1/folha.uol.com.br/colunas/clovisrossi/2016/01/1727867-um-embaixador-inconveniente.shtml

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Em Salto, 10 de Janeiro de 2016.

Mini-Proposta de Reforma Política

Com toda a discussão acerca da corrupção que grassa no país, do mar de lama (o literal e o simbólico), e do impeachment da assim chamada Presidente, a discussão da Reforma Política ficou sem espaço.

A propósito de um artigo de Washington Novaes no Estadão de hoje de 27/11/2015, com o título de “Polêmicas Não Bastam, Soluções São Urgentes” (http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,polemicas-nao-bastam–solucoes-sao-urgentes,10000003110), fiz a seguinte “Mini-Proposta” de Reforma Política para o Legislativo em dois comentários no Facebook:

I) Redução no número de Deputados Federais e Senadores a menos da metade dos atuais, não ultrapassando nunca o número total de UM Deputado Federal por cada um milhão de habitantes do país.

II) A proporção dos Deputados pelos Estados atuais seria feita da seguinte maneira:

A) Os Estados atuais seriam divididos em “distritos internos” de basicamente um milhão de habitantes;

B) Cada Estado teria uma cota proporcional de um Deputado Federal para cada umm milhão de habitantes do estado, eleito distritalmente, sem os atuais “pisos” e “tetos” (vide adiante).

C) Cada Estado teria dois Senadores.

III) Quanto à duração do mandato, ele seria de 4 anos, cada cidadão podendo exercer no máximo dois mandatos legislativos durante sua vida, sucessivos ou não, tanto no caso dos Deputados Federais como no dos Senadores.

É isso. JUSTIFICO.

Essa proposta faria com que tivéssemos, hoje, cerca de 200 DEPUTADOS FEDERAIS, em lugar dos atuais 513 – uma redução sensível, para menos da metade. Uma economia fantástica. Aumentaria um pouquinho a taxa de desemprego, mas…

Além disso, os Deputados Federais estariam distribuídos de forma muito mais justa do que a atual pelos Estados — sem os “pisos” e os “tetos” atuais que hoje limitam artificialmente o número de Deputados Federais do Estado de São Paulo (e aumentam artificialmente os do Estado de Roraima.

No tocante ao sistema de proporcionalidade atual na Câmara Federal, cito o artigo “Câmara dos Deputados do Brasil”, na Wikipedia em Português (https://pt.wikipedia.org/wiki/Câmara_dos_Deputados_do_Brasil):

“Na Câmara Federal o número de cadeiras por estado é distribuído conforme o número de habitantes por Estado, de acordo com a medição oficial feita pelo IBGE, através do Censo. Entretanto, essa proporcionalidade é limitada a um mínimo de oito deputados e a um máximo de setenta deputados por estado. Essa semi-proporcionalidade faz com que Roraima seja representado por um deputado para cada 51 mil habitantes e, no outro extremo, São Paulo, seja representado por um deputado para cada 585 mil habitantes.”

No caso do Senado, teríamos 54 Senadores, em lugar dos 81 atuais (graças à inovação de Geisel em 1977). É o Senado Federal, não a Câmara, que, segundo a tradição, deve ter participação igualitária dos Estados, irrespectivamente de sua população. São Paulo e Roraima teriam o mesmo número de Senadores. E teriam  a mesma proporção, em relação à sua população, no número de Deputados Federais.

No total: teríamos um pouco mais de 255 congressistas (número que, comparado com cerca de 600, hoje, significa uma redução sensível. Além do mais, com a tendência à redução da população do país, o número de congressistas tenderia a ser reduzido ao longo do tempo — havendo ajustes periódicos, a cada censo decenal.

Acho desnecessário justificar a redução na duração do mandato dos Senadores e a proibição de mais de uma reeleição.

Eduardo Chaves, em Salto, em 28 de Novembro de 2015

O Estado do Bem Estar Social, da Virtude e da Moralidade é uma Quimera – diz Santo Agostinho

Comecei a reler ontem à noite um livro que li pela primeira vez em 1968 e que comprei em 1973. O livro havia sido publicado dez anos antes pela Columbia University Press. Trata-se de The Political and Social Ideas de St. Augustine, de Herbert A. Deane.

Lembro-me de o livro ter-me impressionado quando o li pela primeira vez, como leitura para um Seminário sobre as Ideias Políticas, Sociais e Econômicas de Calvino, recomendada pelo meu querido mestre de História da Igreja na Idade Média e na Reforma, Ford Lewis Battles (o tradutor da edição mais conceituada das Institutas de Calvino, a publicada pela Library of Christian Classics). Na ocasião Battles observou que as ideias politicas de Calvino, em especial sua visão do papel do Estado, eram bastante realistas, muito longe do utópico ou mesmo do idealista. Disse Battles nessa ocasião que Calvino, nesse respeito, havia sido influenciado por Agostinho — e foi nesse contexto que recomendou a leitura do livro de Deane, que li em cópia encontrada na Biblioteca do Seminário. Battles salientou ainda que, talvez exagerando um pouco, Calvino, como Agostinho, via o Estado de forma negativa, como um mal necessário. Foi nessa aula que ouvi pela primeira vez a afirmação de que Agostinho via o estado como nada mais do que um bando de ladrões. Battles observou por fim que Agostinho e Calvino, em termos de visão do Estado, estavam no grupo de filósofos políticos realistas, entre os quais se encontrava também Maquiavel.

Isso tudo me ficou na cabeça e, cinco anos depois, quando trabalhava no Claremont College, em Claremont, CA, encontrei o livro de Deane numa livraria e o comprei e reli, por estar dando um curso de Filosofia Política na ocasião. Sei que o reli porque a cópia que comprei em Agosto de 1973, um mês antes de começar meu curso, está toda rabiscada e anotada por mim.

Mas voltemos ao presente, passados 42 anos da segunda leitura e 47 da primeira. Nesse ínterim aprendi bastante Filosofia Política, em especial em combate com a esquerda e em defesa do Liberalismo Clássico de feição Smithiana e Randiana. A terceira leitura de Deane me surpreendeu já na Introdução. Ali Deane faz um breve apanhado da História do Pensamento Político dos gregos até o final do Império Romano no Ocidente, em 476, para se concentrar no pensamento de Agostinho (354-430). Ressalta ele na Introdução a diferença básica que existia entre a forma positiva e otimista com que os gregos viam o Estado e seu papel na vida de uma nação e dos seus cidadãos e a forma razoavelmente blasé e indiferente com que Jesus e os cristãos primitivos o viam.

Para os gregos (clássicos) o Estado tinha, entre suas funções, a de promover a boa vida de seus cidadãos, cuidando de educa-los e treina-los (paideia), bem como de promover o seu bem-estar (eudaimonia), para que eles se tornassem pessoas virtuosas e boas e se realizassem como “pessoas enquanto cidadãos” do Estado, assim encontrando a sua felicidade. Para os gregos (antigos) o Estado era “o foco central dos interesses e das atividades do homem” e “a encarnação de seus mais elevados valores” (pp.7-8). Deane observa que, depois dos gregos, três séculos Antes de Cristo,, só os regimes totalitários do Século 20 voltaram a ter uma visão tão exaltada do Estado — que estaria, entretanto, no Século 20, sob controle do partido totalitário (p.8).

Deane contrasta com essa visão idealista-utópica do Estado a visão do Estado de Jesus e dos cristãos primitivos. Eles encaravam o Estado de forma blasé e indiferente (quando não hostil), embora não negassem que lhe deviam lealdade, exceto quando o Estado interferia com seu dever cristão. Viam as funções do Estado, porém, de forma restritiva e negativa. O Estado existia, segundo eles, para manter a ordem, punir os malfeitores, e, assim, proteger os bons cidadãos. Melhor definição do Estado Mínimo Liberal é difícil de encontrar.

Ressalte-se que Jesus e os cristãos primitivos acreditavam que o mundo iria terminar em breve — quiçá durante a vida deles. Isso explica, talvez, pelo menos em parte, o fato de o Novo Testamento não prestar muita atenção ao Estado e suas funções. Jesus enfatizou que o seu reino não era deste mundo — isto é, não era um reino terreno que pudesse vir a conflitar com o Estado Romano promovendo subversão e revolta. Ele insistiu que seus seguidores não deviam ter interesses políticos (poder) e econômicos (riqueza) — neste caso, nem mesmo do plano mais mundano do que iriam comer e vestir no dia seguinte. A ideia é que seus seguidores deviam ficar indiferentes a esses ideais que movem tanta gente em outros círculos. E Jesus deixou claro que seus seguidores não deveriam promover anarquismo e rebelião ou demonstrar hostilidade para com o Estado. Deviam pagar seus impostos, dando ao Estado o que a ele pertence (o dinheiro que ele cunhou). Jesus não questionou a autoridade pela qual Pilatos o julgou e se irritou quando Pedro cortou a orelha do soldado por ocasião de sua prisão — colando-a de volta de lugar.

A ideia por detrás dessa postura dos cristãos primitivos é que não é o Estado que cuida da vida dos seus cidadãos (além de protege-los contra violência de terceiros), não é o Estado que os educa e promove o seu bem estar moral, cultural e em outras esferas, e não é o Estado que os torna virtuosos e felizes. O Estado cuida da ordem pública e protege seus cidadãos apenas contra a violência de terceiros. Em função disso, porém, merece o respeito dos cidadãos e tem direito de cobrar impostos — exceto, naturalmente, quando extrapola seus limites. É tudo.

Essa foi a visão cristã do Estado até que, numa reviravolta inesperada, o Imperador Constantino se converteu ao Cristianismo e, dentro de setenta anos, a partir dessa data (312), todo mundo no Império Romano se tornou cristão automaticamente — sem escolha. A partir dessa data o Cristianismo começou a mudar — porque os servidores do Estado, e até mesmo sua força militar (o Exército), agora eram todos inevitavelmente cristãos.

Difícil pretender, nesse contexto, que o dever do cristão em relação ao Estado é apenas respeita-lo e pagar-lhe impostos que sejam justos. Nesse momento o dinheiro dos impostos estava sendo usado, entre outras coisas, para construir grandes igrejas e magníficas basílicas e catedrais para o Cristianismo, tornado religião estatal. Difícil ser contra imposto numa situação dessas, mesmo que o imposto chegasse aos níveis que alcança hoje no Brasil — em que o Estado, em vez de construir Igrejas, constrói estádios de futebol para manter o povo entretido e feliz. Mas voltemos ao que importa.

Agostinho desenvolveu sua filosofia política neste contexto — e, segundo Deane, tentou unir o ideal de Estado dos gregos e o ideal de Estado dos cristãos.

A solução salomônica de Agostinho foi manter os dois ideais — mas jogando o ideal do Estado dos gregos para a vida futura, para a Cidade de Deus, e mantendo o ideal do Estado dos cristãos primitivos, e radicalizando-o a ponto de passar de indiferença ao Estado para uma hostilidade indiscutível a ele, para esta vida, para a Cidade dos Homens. Aqui, nesta vida, o Estado não passa de um bando de ladrões (algo que não é nenhuma novidade para os brasileiros não-ingênuos).

A visão idealista, quiçá romântica, do Estado que faz o bem, educa, promove o bem-estar e a virtude, é, neste mundo, utópica — quimérica mesmo. É isto que nos ensina Agostinho. Quem está mais interessado nesta vida do que na outra faria bem em adotar o seu realismo político e partir para a briga para reduzir as funções do Estado ao mínimo que os cristãos primitivos consideravam indispensável — na verdade, um mal necessário.

Em São Paulo (Bela Vista, Rua Genebra, em homenagem a Calvino), 28 de Maio de 2015