Acho um absurdo a posição de Clóvis Rossi (e, mais ainda, a do governo brasileiro) acerca da indicação de Dani Dayan para ser embaixador de Israel no Brasil.
Rossi comenta a notícia que teria se espalhado pela mídia israelense de que Israel teria resolvido retirar a indicação, feita em Agosto do ano passado, porque o Brasil não a acolheu e não a recusou: simplesmente não se manifestou sobre ela: engavetou-a, por assim dizer.
Acho, em primeiro lugar, uma total deselegância a atitude da diplomacia brasileira, liderada por essa incompetente chamada Dilma Rousseff, de fingir-se de morta, nem aceitando nem recusando a indicação — supostamente porque o nome do indicado não teria sido submetido ao governo brasileiro antes de Israel torna-lo público. A razão, o fato é sabido, não é essa. Ela está no fato de que Dayan não é favorável à posição brasileira em relação ao conflito Israel – Palestina.
Como se pode constatar no artigo transcrito abaixo, Clóvis Rossi, além de manifestar concordância com a grosseira posição brasileira, aduz outras supostas razões para a recusa de Dayan, a saber:
a) Dayan teria ocupado a presidência do chamado Conselho Yesha, responsável pelos assentamentos israelenses na Cisjordânia de 2007 a 2013, assentamentos que, segundo Rossi, são “considerados ilegais pela comunidade internacional”;
b) Não só isso, Dayan vive em um desses assentamentos;
c) Embora Israel possa contestar a ilegalidade desses assentamentos [na verdade, não só pode, como o faz], “O Brasil é, felizmente, obrigado a seguir as regras estabelecidas pelas Nações Unidas”;
d) Dayan é problemático até para o próprio Estado de Israel, porque é contrário à criação de dois Estados (Israel e Palestina), “outra determinação das Nações Unidas” – e que seria, segundo Rossi, “a posição oficialmente adotada por Israel”.
Ora, Clóvis Rossi tergiversa.
No item “a” ele afirma que os assentamentos são considerados ilegais “pela comunidade internacional”; no item “c” ele diz que o Brasil “é … obrigado a seguir as regras estabelecidas pelas Nações Unidas”, dando a entender que a ilegalidade na opinião da “comunidade internacional” teria também sido inequivocamente aprovada, como tal e na forma de regra, mandatória para todos os países membros, pelas Nações Unidas.
Ora, ainda que fosse assim, ao aceitar Dayan como embaixador de Israel, o Brasil não estaria violando nenhum tratado internacional ou nenhuma regra da ONU. Quando muito Israel poderia estar – e Israel, evidentemente, nega que esteja. O embaixador de um país no outro precisa representar as normas e as posições do país que o indicou, não as do país em que vai exercer seu posto. Imaginaram se o resto do mundo civilizado e democrático resolver se recusar a aceitar indicação de embaixadores brasileiros porque eles são petistas e o PT apoia ditaduras descaradas mundo afora, a começar com a cubana?
Se Israel oficialmente adota a posição dos “dois Estados”, mas convive bem com um embaixador seu que defende só um Estado, o problema é de Israel, não do Brasil, muito menos do Clóvis Rossi, que, a despeito de toda sua experiência, de vez em quando derrapa feio na defesa (ainda que indireta) de uma ideologia da qual comunga.
Espero que Israel não deixe barato e não retire a indicação de Dayan. O Brasil tem muito mais a perder do que Israel se faltar um embaixador israelense aqui no Brasil. Espero mais: que Israel chame o embaixador do Brasil em Israel para que explique a posição brasileira, e, se não concordar com ela, que expulse o embaixador brasileiro de Tel Aviv. Olho por olho, dente por dente. É a lei do Velho Testamento.
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Folha de S. Paulo
10 de Janeiro de 2016
Um Embaixador Inconveniente
Clóvis Rossi
Sábia decisão a do governo de Israel de retirar a indicação de Dani Dayan para ser o novo embaixador no Brasil, conforme noticia a mídia local.
Não é, em todo o caso, uma decisão determinada pela convicção de que Dayan não era o nome ideal. Foi consequência da recusa do governo brasileiro de dar o sinal verde (“agrément”, no jargão diplomático) ao indicado.
Até o fim do mês passado, Israel ainda confiava na aprovação de Dayan, apesar do silêncio mantido pelo Itamaraty pelos longos quatro meses decorridos desde a indicação, em agosto.
O governo brasileiro não recusou a indicação, porque seria grosseiro demais. Simplesmente silenciou, e manteria o silêncio por tempo indeterminado.
Israel lançou mão de intermediários para avaliar a situação e de um deles recebeu como resposta a frase “o sinal está dado”. Ou seja, o silêncio por tão longo tempo indicava claramente que Dayan não seria aprovado.
O Itamaraty nunca deu informação oficial sobre o andamento do caso, mas uma carta divulgada na quinta-feira (7) por 40 embaixadores aposentados, todos eles pesos-pesados quando na ativa e ainda influentes na casa, explicitava os argumentos que estão na base da rejeição pelo Brasil do nome de Dayan, conforme a Folha já mostrou: primeiro, o fato de Israel “ter anunciado publicamente o nome de quem pretendia indicar como novo embaixador de seu país no Brasil antes de submetê-lo, como é norma, a nosso governo”.
A esse problema de forma soma-se o de conteúdo, representado pelo fato de que Dayan “ocupou entre 2007 e 2013 a presidência do Conselho Yesha, responsável pelos assentamentos na Cisjordânia considerados ilegais pela comunidade internacional”.
Dayan, na prática, é uma ilegalidade ambulante: não apenas foi representante dos assentamentos que a comunidade internacional considera ilegais como vive em um deles.
Israel pode contestar a ilegalidade de suas colônias em território palestino, mas o Brasil é, felizmente, obrigado a seguir as regras estabelecidas pelas Nações Unidas.
Ou é a legalidade internacional ou é a lei do mais forte. Os judeus já sofreram demais com a imposição dos fortes de uma dada época para agora aceitarem –ou, pior, adotarem sobre os palestinos– idêntico procedimento.
Dayan, na verdade, é problemático até para o próprio Estado de Israel: ele é contrário à criação de dois Estados (Israel e Palestina), outra determinação das Nações Unidas.
Quer que as duas comunidades convivam, lado a lado, no mesmo território, sem barreiras e sem discriminação. A tese é absolutamente impraticável, por uma pilha de motivos que não caberiam neste espaço.
Mas esse nem é o principal argumento contra Dayan: a tese dos dois Estados é a posição oficialmente adotada por Israel.
Como um embaixador pode ser eficiente na defesa dos interesses de seu país, o que é o cerne de sua missão, se discorda de um ponto-chave da posição oficial?
A retirada do nome de Dayan, se e quando confirmada, elimina um ruído desnecessário na relação bilateral.
http://www1/folha.uol.com.br/colunas/clovisrossi/2016/01/1727867-um-embaixador-inconveniente.shtml
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Em Salto, 10 de Janeiro de 2016.