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O Brasil é um país bizarro. Acabei de ler um post no Facebook de alguém (que é sensato e meu amigo) dizendo que aqueles que recorreram ao uso de VPN (Virtual Private Networks) para usar o Whatsapp durante as horas em que o aplicativo estava fora do ar por determinação judicial estavam desobedecendo a uma ordem judicial e, por isso, praticando desobediência civil. Dizia ainda o autor que essas pessoas perdiam a autoridade moral para criticar os corruptos no governo porque estariam praticando algo equivalente numa escala menor.
Acredito que haja um total mal-entendido nessa observação.
A ordem judicial, certa ou errada, para tirar o Whatapp do ar foi dada às operadoras de telefonia brasileiras como forma de punição (absurda) ao Whatsapp que teria desobedecido a uma determinação judicial.
As operadoras, objeto da ordem judicial, a obedeceram integralmente, tanto que eu saiba. Ponto final. Ordem dada, ordem cumprida pelos destinatários da ordem – até que a ordem foi suspensa por autoridade superior.
O povo brasileiro não recebeu ordem nenhuma judicial proibindo-o de usar o Whatsapp se, por exemplo, tivesse acesso a um endereço IP fora do Brasil. Eu sempre tive esse acesso (meus domínios são hospedados todos fora do Brasil, tenho VPN [embutido no meu antivírus}, etc.) e a ordem não me disse respeito — até porque não fiz absolutamente nada de errado, não soneguei informações para nenhum processo que corre em segredo, etc. Por que devo farisaicamente ir além do que a ordem judicial determinou e me privar do Whatsapp?
Vamos botar a cabeça no lugar, gente! Se algum usuário do Metrô (mal comparando) fizer alguma coisa errada e, em consequência, algum juiz doido o proibir de circular por dois dias, serei eu obrigado a ficar em casa por causa disso, impedido de usar outros meios para me locomover? A ordem judicial terá sido para o Metrô, não para a população.
A coisa é tão óbvia e evidente que tenho até vergonha de assinalar o fato. Não se trata de desobediência civil num caso assim. Desobediência civil é você receber uma ordem e intencional e conscientemente descumpri-la com base no que você considera um dever moral ou um imperativo de consciência. Há leis e há ordens judiciais que são imorais, apesar de perfeitamente legais. E, nesse caso, se justifica a desobediência civil. Defendo esse direito, que tem uma nobilíssima tradição, desde Thoreau, pelo menos, no caso de ordens que violam minha consciência. E me disponho a sofrer as consequências. Gandhi fez isso. Esse é um debate centenário. Mas aqui, no caso do Whatsapp, não é disso que se trata.
A bizarrice do país é que há corruptos e há aqueles que pretendem ser mais santos do que os santos. O que falta é bom senso.
Em São Paulo, 18 de Dezembro de 2015.