Israel e Jerusalém

Conteúdo

    1. Introdução. 2 
    2. Israel, o Judaísmo e o Cristianismo. 2
    3. A História dos Judeus: Dois Primeiros Milênios 4
    4. A História dos Judeus: Os Dois Milênios mais Recentes. 5
    5. Destaque para os Últimos 120 Anos. 7
    6. 1897-1917: O Sionismo e a Palestina sob Controle Otomano. 7
    7. 1917-1937: A Palestina sob Controle Britânico. 8
    8. 1937-1947: A Palestina Dividida. 9
    9. 1947-1967: A ONU, o Estado de Israel e o Estado da Palestina. 10
    10. A Criação do Novo Estado de Israel: 1948. 10
    11. A Proclamação e a Guerra de Independência de Israel: 1948-1949. 12
    12. Jerusalém Declarada a Capital de Israel: 13/1/1949. 13
    13. A Guerra dos Seis Dias: Junho de 1967. 13
    14. Jerusalém é Reunificada e a Sequência da Guerra. 14
    15. 1967-1987: Israel Basicamente Toma Controle da Palestina 14
    16. A Guerra de Yom Kippur: 6 a 24/10/1973. 15
    17. O Acordo de Camp David: 18/9/1978. 15
    18. 1987-2017: A Era do Terrorismo e dos Levantes (Intifadas) 15
    19. A Invasão do Líbano e as Intifadas: 1982-presente. 15
    20. Conclusão desta Subseção. 15
    21. Conclusão. 15
    22. PS: O Reconhecimento de Jerusalém como a Capital 16
    23. Estados Unidos 16
    24. Guatemala. 16
    25. Brasil (Prometido) 16
    26. Bibliografia 18

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1. Introdução

Uma primeira versão deste artigo foi publicada como post no Facebook, em 7 de Dezembro de 2017. Revisado, e, portanto, em uma segunda versão, o que era um post se tornou, no dia seguinte, 8 de Dezembro de 2017, um artigo no meu blog História da Igreja (basta clicar no título do blog para aceder a essa versão). Essa segunda versão teve o título de “Israel e Jerusalém, sua Capital (em tempos modernos, desde 1949)”.

Tanto a primeira como a segunda versão do artigo foram bastante bem recebidas. Por isso, resolvi deixa-las como estavam e escrever uma terceira versão do artigo, com um título diferente (apenas “Israel e Jerusalém”), bem mais material, e uma tentativa de ordenar melhor a disposição e a apresentação do material – que, nas duas primeiras versões do artigo, não foi dividido em seções e subseções, ficando como um único bloco de texto, só ordenado por parágrafos. Incluí, na terceira versão, uma seção inicial, preambular, para justificar a inclusão do artigo em um blog de História da Igreja, que é onde ele continuou a ser publicado, menos de duas semanas depois, em 20 de Dezembro de 2017.

Esta quarta versão, que aqui apresento, quase um ano depois, não será mais publicada no blog de História da Igreja, mas, sim, no blog que eu hoje dedico primariamente a questões políticas: Liberal Space. Isto porque acrescento uma seção ao final, na forma de adendo, em que discuto basicamente a mesma questão levantada no final da terceira versão: a decisão de Donald Trump de mudar a sede da Embaixada Americana em Israel de Telavive para Jerusalém – algo que cumpriu ao longo deste ano. Nesta quarta versão, é a decisão anunciada pelo presidente-eleito do Brasil, Jair Bolsonaro, de fazer a mesma coisa com a Embaixada Brasileira, que é discutida. Até agora, além dos Estados Unidos, apenas a Guatemala teve coragem de fazer a mudança da Embaixada. Se Bolsonaro cumprir com presteza, depois de empossado, o que prometeu, o Brasil será o terceiro país a colocar a Embaixada em Jerusalém.

Mantenho a Nota Preambular da versão anterior, com título diferente, agora como Seção 2, a seguir, para preservar a natureza mais abrangente do artigo.

2. Israel, o Judaísmo e o Cristianismo

Por que Israel e sua capital afetam tanto os países predominantemente cristãos, como é o caso dos Estados Unidos, da Guatemala e do Brasil, os três no Continente Americano, um em cada uma das Américas, levando seus primeiros mandatários a tomar medidas que são do interesse de Israel, o país, e do Cristianismo, a religião (pelo menos em alguns de seus ramos), mesmo às custas de muitas críticas e ameaças, estas dos países árabes, aquelas da esquerda política?

É isso que se discutirá nesta seção, realçando os fatos a seguir descritos.

Primeiro, o fato de que o Cristianismo começou como uma seita judaica. Jesus de Nazaré, que posteriormente veio a ser chamado de Jesus Cristo pelos cristãos, nasceu em território judaico na Palestina (na época controlada pelo Império Romano). Alguns historiadores consideram que Jesus nasceu em Nazaré, não em Belém, como afirma o Novo Testamento cristão, mas que a tradição, posteriormente, floreou a história para fazer constar que ele havia nascido em Belém, cidade considerada como mais importante, por ser conhecida como a Cidade de Davi, o segundo e mais famoso rei de Israel. Maria e José, pais de Jesus, também eram judeus. O relato do nascimento de Jesus no Novo Testamento se esforça, em algumas manipulações genealógicas, para fazer com que Maria, a mãe de Jesus, seja de Belém. A genealogia dos judeus era, em regra, elaborada pela linhagem masculina da pessoa. No caso de Jesus, porém, Mateus elabora a genealogia de Jesus pela linhagem materna, por causa da crença de que ele foi concebido em Maria pelo Espírito Santo de Deus, sem a participação de José (muito embora em outros lugares os autores do Novo Testamento não hesitem nem um pouco em se referir a José como seu pai, aparentemente desconhecendo ou deliberadamente deixando de lado a história do nascimento virginal de Jesus. No mais, Jesus cresceu e foi educado como judeu (embora haja pouca coisa sobre sua infância e juventude no Novo Testamento, exceto pelo relato, aparentemente visto como miraculoso, de que ele, quando adolescente, aos doze anos, já discutiu com os doutores da Lei, com grande conhecimento de causa, a Lei Judaica (chamada de Torah), quando de sua primeira visita ao Templo de Jerusalém. Quando resolveu a se tornar um mestre e pregador itinerante, Jesus, ainda segundo o relato do Novo Testamento, se fez batizar por João Batista, no Rio Jordão, que fica no território que então pertencia, e hoje de novo pertence, a Israel. Jesus escolheu para si doze discípulos que eram, todos eles, sem exceção, judeus. Em seu ministério, frequentou o Templo de Jerusalém (de onde expulsou os mercadores) e ensinou nas sinagogas. Sua mensagem e sua atitude foram malvistas pelas lideranças religiosas judaicas e, segundo tudo indica, estas acabaram se tornando responsáveis pela sua morte, por crucificação. Consta do Novo Testamento que, na cruz em que Jesus foi pregado, havia uma inscrição que, com ironia ou não, o designava como Jesus Nazareno Rei dos Judeus (frase cujas iniciais em Latim formam o acrônimo INRI – Iesvs Nazarenvs Rex Ivdæorvm. A gênese do Cristianismo se situa, portanto, claramente dentro do Judaísmo e a geografia de Israel está inextricavelmente ligada aos eventos fundantes do Cristianismo. Por isso, Israel, chamada de Terra Santa, é o lugar preferido de peregrinação ou turismo religioso dos cristãos. As Cruzadas, na Idade Média, foram empreendidas com o objetivo declarado de reconquistar para os cristãos a Palestina, que havia caído em mãos islâmicas.

Segundo, depois da morte de Jesus os onze discípulos (doze menos Judas, que foi quem o traiu, segundo o Novo Testamento, começaram a pregar, inicialmente apenas para os judeus, a mensagem de que ele havia ressuscitado, ascendido aos céus, e que voltaria, para julgar os vivos e os mortos. A experiência do Pentecostes, em que Pedro discursou, foi, segundo o relato do livro de Atos, totalmente dirigida aos judeus, que, não contentes com haverem conseguido obter das autoridades romanas (Pilatos, no caso) a sentença de morte para Jesus, continuaram a perseguir os seus seguidores. O livro de atos relata, em seus capítulos iniciais, que um desses seguidores, Estêvão, foi apedrejado por um grupo de judeus que tinha Saulo de Tarso, judeu proeminente, à frente – o mesmo que, depois, se converteu no caminho de Damasco, onde ia perseguir mais cristãos. Na ocasião de sua conversão, Saulo teve seu nome alterado para Paulo. Vários historiadores do Cristianismo, entre eles o maior de todos, Adolf von Harnack, consideram Paulo o verdadeiro fundador da religião cristã entre aqueles que não eram judeus — os chamados gentios.

Terceiro, parece provável, com base no relato do Novo Testamento, que, se Paulo, uma vez convertido, não tivesse decidido levar aos gentios (não-judeus) a mensagem acerca do significado da morte e da ressurreição de Jesus, o Cristianismo teria continuado uma seita judaica, podendo ou não ter desaparecido ao longo do primeiro ou do segundo século de nossa era. Embora especulativa, essa hipótese contrafatual não é de todo desprovida de fundamento e sentido.

Quarto, mesmo depois de o Cristianismo haver basicamente se separado do Judaísmo, assumindo identidade própria e relativamente autônoma, algo que aparentemente se deu, em definitivo, por ocasião da Guerra Judaico-Romana de 70-74 AD, em que os judeus foram expulsos da Palestina e o seu Templo (o segundo e último) foi destruído, os cristãos, agora identificados como membros de um movimento religioso que, embora tivesse raízes judaicas, havia se tornado independente, os cristãos aceitaram como suas, e as absorveram, as Escrituras Judaicas, que foram renomeadas de Velho Testamento, quando os cristãos reconheceram um certo número de escritos próprios como também sagrados e os nomearam de Novo Testamento, insistindo no fato que várias profecias do Velho Testamento haviam tido cumprimento em Jesus de Nazaré e que a Igreja Cristã era a herdeira da eleição que, no Velho Testamento, tinha como objeto o povo judeu.

Quinto, dados esses desenvolvimentos, as duas religiões, a judaica e a cristã, embora concorrentes e rivais, acabaram por ficar inevitável e definitivamente entrelaçadas, havendo, até hoje, cristãos, em regra conservadores, que consideram que várias das profecias do Velho Testamento e do livro de Apocalipse no Novo Testamento estão, por assim dizer, ainda em aberto (i.e., não foram ainda cumpridas), devendo elas ser cumpridas no “final dos tempos”, que não chegará sem que antes os judeus voltem para a Palestina, e lá reconstituam, de forma plena, sua nação, com capital em Jerusalém, que, para tanto, precisaria ou pelo menos deveria (segundo se afirma hoje) ser una, indivisível e não compartilhada.

Essas cinco considerações justificam, plenamente, a meu ver, a inclusão deste artigo em um blog de História da Igreja Cristã, como aconteceu com sua terceira versão.

3. A História dos Judeus: Dois Primeiros Milênios

A história do povo judeu é longa e cheia de percalços. Uma boa parte dela é narrada nas Escrituras Judaicas (ou o Velho Testamento da Bíblia Cristã), sem, naturalmente, a pretensa e pretendida objetividade da historiografia moderna. A história do povo judeu registrada no Velho Testamento é narrada para mostrar que o povo judeu é o povo eleito de Deus, isto é, o povo escolhido por Deus (chamado de YHWH, no Velho Testamento) para executar, aqui na Terra, e na História, a vontade divina. Em decorrência dessa escolha, Deus teria dado aos judeus um território (Canaã, a Terra Prometida, hoje basicamente a Palestina) e uma missão, cuja natureza é muito discutida. O povo que veio a ocupar a Terra Prometida, se organizou em províncias (chamadas de tribos), cada uma delas como o nome de um dos doze filhos de Jacó, neto de Abrahão (o fundador da religião judaica). Jacó teve seu nome mudado de para Israel, depois de ter enfrentado um anjo de Deus e com ele até mesmo lutado. No devido tempo essas doze tribos se organizaram em nação que veio a se chamar Israel, em homenagem ao neto de Abrahão. Tempos depois a nação se dividiu em duas, ficando a chamada Israel ao Norte, com capital em Samaria, e a chamada Judá, ao Sul (compreendendo o território onde se localizava a cidade sagrada de Jerusalém, que, a partir da divisão, se tornou a capital apenas de Judá).

É muito difícil fazer sentido e compatibilizar as várias genealogias e os dados históricos contidos no Velho Testamento. Em regra, estima-se que, de Abrahão até a formação do reino (então unido, um só) de Israel, sob Saul, o primeiro rei de Israel, tenhamos um período de mais ou menos mil anos – o primeiro milênio da história do povo que eventualmente veio a ser chamado judeu.

Assim, e parcialmente repetindo, depois de ser governado por Juízes, esse povo se constituiu em reino por volta de 1050 AC (estimativa), sob Saul, depois Davi, e depois Salomão, filho de Davi, cada um deles com reino de mais ou menos quarenta anos, segundo o Velho Testamento. (A data estimada para o reinado de Salomão é 970-931). Outros reis menos conhecidos vieram depois de Salomão e o Reino de Israel se dividiu em dois, como já assinalado: o do Reino do Norte (Israel) e o Reino do Sul (Judá), este com a capital em Jerusalém, onde Salomão havia constituído um magnífico Templo (conhecido como o Primeiro Templo) – a data do término da construção é por volta de 940 AC).

Cada um dos dois reinos veio a ser dominado, em diferentes momentos, por potências estrangeiras: o Reino do Norte, pela Assíria (por volta de 740 AC), o Reino do Sul, pela Babilônia (por volta de 587 AC). Nesses momentos de dominação, boa parte da população de Israel e Judá foi deslocada para os países que conquistaram os territórios que eram seus, ou para outros lugares.

A maior parte das tribos do Reino do Norte que foram levadas em cativeiro acabou nunca voltando, tendo se misturado com outros povos, e sendo chamadas de  “As Dez Tribos Perdidas de Israel”. O Cativeiro Assírio representa, portanto, o fim do Reino de Israel (Reino do Norte).

Muitos dos habitantes do Reino do Sul, Judá, levados cativos a partir de 587 BC, ocasião em que o Primeiro Templo foi destruído, acabaram voltando para a Palestina menos de cinquenta anos depois, por volta de 540 BC, reconstituindo lá o Reino de Judá, reconstruindo em Jerusalém o Templo que havia sido construído por Salomão. Embora frequente se fale em reconstrução, na realidade o que houve foi a construção de um novo Templo, concluída por volta de 530 BC, que veio a ser chamado de Segundo Templo. Esse é o Templo que foi destruído pelos romanos no ano 70 AD, na Guerra Judaico-Romana de 70-74 AD, restando dele apenas ruínas, das quais a principal é o Muro das Lamentações.

Depois da volta do cativeiro babilônico, o Reino de Judá, o remanescente do antigo povo de Israel, então esparramado por outras terras do Oriente Médio, continuou a ter sua capital em Jerusalém – muito perto da qual se encontra a cidade de Belém, em que o rei Davi teria nascido, e, segundo a tradição considerada lenda por muitos, Jesus também nasceu. Jerusalém assim se firmou como a capital do que restou do antigo Reino de Israel — o Reino de Judá. É por ter o Reino de Judá ficado como remanescente do Reino de Israel que os judeus são hoje chamados de judeus, e não israelitas. (Israelis são os cidadãos da nova nação criada em 1948 para o povo judeu, e que recebeu o nome antigo: Israel, como se verá adiante.

Em algum momento, mais para o final do primeiro milênio antes de Cristo, a Palestina veio a ser ocupada pelos Romanos, que usavam, em regra, testas de ferro judeus para governar a província (como era o caso do tristemente conhecido Herodes, que era um judeu a serviço dos romanos).

Na já mais de uma vez mencionada Guerra Judaico-Romana de 70-74, agora já na Era Cristã (AD), os judeus foram derrotados e expulsos da Palestina. Com a expulsão dos Judeus da Palestina, começou o período chamado da chamada Nova (Segunda ou Terceira) Diáspora, termo que pode ser traduzido como Espalhamento. Os judeus que habitavam a Palestina se espalharam pelo mundo inteiro (como os cidadãos do Reino do Norte acabaram fazendo, na Primeira Diáspora, quando foram conquistados e removidos da Palestina pelos Assírios. (Uso a expressão “Primeira Diáspora” para me referir a essa diáspora, ocorrida ao redor de 740 AC, “Segunda Diáspora” para me referir à diáspora decorrente do Cativeiro Babilônico do Reino do Sul, a partir de 587 AC, e “Terceira Diáspora” para me referir à diáspora causada pela expulsão dos judeus da Palestina em 74 AD.). Em princípio, os judeus só começaram a voltar para a Palestina no final do século 19, como o movimento Sionista (vide adiante).

Depois da expulsão dos judeus da Palestina no ano 74 AD, a Palestina foi ocupada por vários povos que são os ancestrais dos palestinos que hoje disputam com Israel o direito de ocupar a terra que um dia foi dos Israelitas, depois dos Judeus, e a partir do século primeiro de nossa era, por uma série de povos.

Assim, de Abrahão (quando teria começado a história do povo judeu) até sua Diáspora, em 70-74 AD, temos um período de mais ou menos dois mil anos, por aí (talvez um pouco mais).

4. A História dos Judeus: Os Dois Milênios mais Recentes

De 74 AD até hoje, temos outro período de mais ou menos dois mil anos (talvez um pouco menos). Ao todo, a História dos Judeus parece cobrir quatro milênios. Convenhamos que não é pouco. É basicamente o dobro da História dos Cristãos.

Por dois mil anos, depois da queda de Jerusalém, os judeus ficaram espalhados (“diasporados”) pelo mundo. Foram perseguidos em quase todo lugar em que decidiram se estabelecer. Isso se deu, em parte, porque, apesar de todas as suas desgraças, os judeus continuaram a se considerar o Povo Escolhido de Deus, ou seja, um contingente humano especial, destinado a um grande destino, infinitamente superior ao das demais nações (que constituíam os “gentios” – termo que quer dizer simplesmente “não judeu”). Só que agora, os judeus tinham a concorrência dos cristãos, que acreditavam que a eleição dos judeus tinha sido transferida para eles…

É mais fácil contar a História dos Judeus nos primeiros dois mil anos, porque, de certo modo, apesar de, no início, esse povo ser nômade, e não sedentário, e a despeito dos dois cativeiros (sem contar o cativeiro preliminar, supostamente de 40 anos, no Egito, que resultou no Êxodo, sob o comando de Moisés), havia um povo israelita / judeu bem identificado e mais ou menos concentrado em um território relativamente bem delimitado.

É bem mais difícil contar a história dos dois milênios seguintes, porque neles o povo judeu está espalhado pelo mundo inteiro, não estando agrupado em um só território. Durante esse período, embora tenha continuado a existir um povo judeu (o termo israelita não foi mais usado), esse povo não estava constituído em nação, muito menos sendo identificado com um só território – até 1948. O povo judeu, ao longo da maior parte desses dois mil anos mais recentes, era composto de “judeus errantes”, judeus que viviam em nações de terceiros, por assim dizer. (Quem não conhece, pode consultar qual é a lenda do Judeu Errante [Wandering Jew] na Wikipedia.)

Certo ou errado, os cristãos, porém, viera a se considerar os verdadeiros herdeiros da História dos Judeus, alegando (principalmente com base em argumentos de Paulo, o apóstolo tardio) que Deus abandonou os judeus, por causa de sua infidelidade a ele, e transferiu sua escolha ou eleição para o povo cristão, composto predominantemente de gentios (não-judeus).

Criou-se, assim, uma rivalidade entre os cristãos, que começaram como uma seita judaica, e os judeus, que originalmente hospedaram essa seita. Os dois movimentos sobreviveram, mas os cristãos se deram melhor, em especial porque vieram a ser escolhidos como a religião preferencial do Império Romano, em 313 AD, pelo Imperador Constantino I, e, depois, a única religião lícita do Império Romano, em 381 AD, por decreto do Imperador Teodósio I. Até o ano 381, o Judaísmo também era religião lícita no Império Romano, como eram todas as religiões não-exclusivistas, porque acreditava-se que o Judaísmo, embora exclusivista (“só nós somos os eleitos”), era basicamente uma religião étnica, e, por conseguinte, não inclinada à atividade missionária e ao proselitismo. Mas com o decreto de Teodósio I, em 381, declarando o Cristianismo a única religião lícita do Império, ato que, na prática, fez do Cristianismo a religião oficial do Império, o Judaísmo se tornou, automaticamente, uma religião ilícita (junto de todas as demais, o Cristianismo sendo a única exceção).

A partir desse momento, fim do século 4, os cristãos começaram a perseguir os judeus, algo que continuou durante toda a história do Cristianismo. Ou seja: de religião perseguida, o Cristianismo se tornou uma religião que passou a perseguir o Judaísmo e as religiões pagãs.

A acusação principal dos cristãos em relação aos judeus era que estes haviam sido os principais responsáveis pela morte de Jesus de Nazaré, que, na fé cristã, veio, oportunamente, a ser considerado o Cristo (termo grego que quer dizer Messias, Ungido, etc.) e, a partir dos Concílios de Nicéia, em 325, e Calcedônia, em 451, uma das pessoas da Trindade – isto é, o próprio Deus. A julgar pelo texto dos livros que vieram a constituir o Novo Testamento da Bíblia Cristã, a acusação procede. Resta saber se o Novo Testamento é confiável como fonte de informação histórica – mas essa é uma outra questão.

Durante a chamada Reforma Protestante, os judeus sofreram bastante, em especial nas mãos de Lutero, que escreveu tratados detestáveis contra eles, sendo, por essa razão, considerado por alguns como o pai do antissemitismo moderno, que frutificou no Nazismo, que floresceu na Alemanha, a terra de Lutero. Outros colocam a origem do antissemitismo moderno mais tarde, no Iluminismo. Em pleno século das Luzes, os judeus também foram difamados e perseguidos. Voltaire foi um dos grandes difamadores dos judeus nesse período. Mas ele disse coisas semelhantes sobre a Igreja Católica, segundo ele a infame, que deveria ser esmagada… (“Écrasez l’infâme”, foi o seu brado). (Vide, a propósito, Arthur Hertzberg, The French Enlightenment and the Jews: The Origins of Modern Antisemitism; vide também meu artigo de 1972, “Was Voltaire an Anti-Semite?”, a ser publicado em meus blogs proximamente, embora escrito há quase 50 anos, quando eu fazia o doutorado na University of Pittsburgh. Eu defendo Voltaire da acusação. Recentemente, ao estudar a fundo a Reforma Luterana de 1517, a propósito de seus 500 Anos, concluí que não há como defender a postura de Lutero, vendo nele as raízes do antissemitismo que frutificou em Hitler, até porque Lutero é um dos maiores heróis alemães. (Vide, a esse respeito, Scott H. Hendrix, Martin Luther: Visionary Reformer, o Prefácio, e meu artigo “Percepção da Importância de Lutero (Scott H. Hendrix), em meu blog Reformation Space, https://reformation.space/2017/05/29/percepcao-da-importancia-lutero-scott-h-hendrix/.)

Nessas idas e vindas, chegamos ao limiar do século 20.

5. Destaque para os Últimos 120 Anos

Embora os últimos 120 anos da História do povo judeu façam parte dos milênios cobertos na seção anterior, eles receberão destaque aqui. Esses 120 anos serão divididos em seis blocos, seguindo de perto a sugestão de Martin Bunton, em seu livro The Palestinian – Israeli Conflict: A Very Short Introduction, que divide o período basicamente dessa forma:

  1. 1897-1917: A Palestina sob Controle Otomano (Turco)
  2. 1917-1937: A Palestina sob Controle Britânico
  3. 1937-1947: A Palestina Dividida
  4. 1947-1967: A ONU, o Estado de Israel e a Palestina
  5. 1967-1987: Israel Basicamente Toma Controle da Palestina
  6. 1987-2017: A Era do Terrorismo e dos Levantes (Intifadas)

Como se vê, há quatro períodos de 20 anos, um de 10 e um, final, de 30. (No livro de Bunton, publicado em 2013, o último período só tem 20 anos, terminando em 2007, fato que faz com que o período inteiro tenha 110 e não 120 anos).

A. 1897-1917: O Sionismo e a Palestina sob Controle Otomano

Há cerca de 120 anos, em 1897, foi criada, na cidade de Basileia, na Suíça, a Organização Sionista Mundial (World Zionist Organization). O movimento que essa organização começou a patrocinar foi chamado de Sionismo. Seu objetivo era envidar esforços para reunir o povo judeu, na forma de uma nação, na Palestina – ou, como se formulou na época, “criar um lar nacional (“a national home”) para os judeus na Palestina”.

O líder do movimento Sionista foi Theodor Hertzl (1860-1904), um jornalista de nacionalidade húngara. A Hungria pertencia, na época, ao Império Austro-Húngaro, que foi governado, durante toda a vida de Hertzl, por Francisco José (Franz Joseph), que foi imperador desse império de 1848 até sua morte, em 1916, durante a Primeira Guerra. (Franz Joseph foi casado com a Imperatriz Elizabeth, a “Sissi”, representada por Romy Schneider na série de três filmes que ficaram famosos nos anos 50. A Imperatriz foi assassinada em Genebra por um anarquista italiano em 1898. O Império durou até o final da Primeira Guerra.)

Hertzl se convenceu, enquanto trabalhava na França, que a melhor forma de proteger os judeus do sentimento antissemita que já existia em boa parte dos países europeus (haja visto o affaire Dreiffus na França!) era criando-lhes uma pátria que pudessem chamar de sua. O evento que criou a Organização Sionista Mundial contou com mais de duzentos delegados, a maior parte deles judeus oriundos do Leste Europeu.

Criou-se, na ocasião, o slogan “Uma terra sem povo para um povo sem terra” (A land without a people for a people without a land).

Não teríamos os conflitos que temos hoje na região, e que começaram a existir, de forma mais ou menos  sistemática, desde 1897, se a Palestina fosse realmente uma terra sem um povo. Não era. Como já foi mencionado, ela era habitada principalmente por populações árabes, a maior parte delas professando a religião muçulmana, que vieram a ser conhecidas como “o povo palestino” e que para ali pouco a pouco se dirigiram depois da expulsão dos judeus da Palestina em 74 AD – isto é, um pouco mais de mil e oitocentos anos. O que não havia, na Palestina, na ocasião, era uma nação ou um estado.

A Palestina era, naquela época, um dos domínios que fazia parte do Império Otomano, controlado pelos Turcos – os mesmos turcos que, em 1453, passaram a controlar Constantinopla e boa parte do Oriente Próximo e Médio. Como os Turcos eram, majoritariamente, muçulmanos, da mesma forma que a maior parte da população palestina, era de esperar que o Império Otomano, e os muçulmanos, em geral, não vissem com bons olhos a proposta do movimento sionista. Em especial a sutil alusão de que aquela seria uma terra sem donos, esperando para ser tomada e controlada novamente pelos judeus.

Embora alguns judeus começassem a imigrar para a Palestina a partir dos países em que moravam, em especial na Europa (com concentração no Leste Europeu e na parte não europeia da Rússia), o movimento sionista não deslanchou durante os primeiros vinte anos de sua existência, desde sua criação em 1897 até o final da Primeira Guerra Mundial.

Estima-se que antes do início do movimento Sionista havia cerca de 15.000 mil judeus na Palestina, para cerca de 400.000 árabes, em sua maioria muçulmanos – ou seja, quase vinte e sete árabes para cada um judeu. Quando a Primeira Guerra Mundial começou, com a Palestina ainda sob controle dos otomanos, o número de judeus era 60.000 e o de árabes 700.000 – quase doze árabes para cada um judeu. Algo fantástico ocorreu ao longo da Primeira Guerra, porque logo depois do final da guerra, em 1918, quando o controle da região já havia passado para os britânicos, com a derrota dos otomanos e o desmembramento de seu império, o número de judeus na palestina havia crescido cerca de 1000% (desde o início da Primeira Guerra) para 600.000 e o número de árabes não havia sequer dobrado (isto é, não havia crescido nem mesmo 100%), tendo chegado a 1.300.000. (Esses dados populacionais foram retirados do livro publicado por Charles Rivers Editors, com o título de The Partition of the British Mandate of Palestine: The History and Legacy of the United Nations Partition Plan and of the Creation of the State of Israel, dos três primeiros capítulos logo depois da Introdução.).

O crescimento do número de judeus na região era mais do que suficiente para deixar altamente preocupadas as lideranças da população árabe que ali vivia. Mas o controle da região, desde 1917, havia mudado de mãos.

B. 1917-1937: A Palestina sob Controle Britânico

A partir do final da Primeira Guerra Mundial os aliados derrotaram os turcos otomanos e a Grã-Bretanha, um dos países vitoriosos na guerra, recebeu o mandato de controlar a Palestina, o chamado Mandato Britânico, que passou a integrar o Império Britânico (do qual se dizia, em virtude de sua extensão, que o Sol nunca deixava de iluminar uma parte dele, em qualquer ponto das 24 horas de um dia).

Já no final de 1917, no dia 2 de Novembro, quando a Revolução Russa estava acontecendo, e com o final da Primeira Guerra Mundial já claramente em vista, inclusive com a divisão dos espólios, os britânicos aprovaram um comunicado, chamado de Declaração de Balfour, no qual se comprometem a criar, na Palestina, um “Lar Nacional” (National Home”) para os judeus. Essa declaração veio ao encontro das pretensões do Movimento Sionista. Foi considerada muito bem-vinda. O comunicado britânico foi divulgado pela imprensa uma semana depois.

Afirmaram, porém, os britânicos que isso seria feito sem prejuízo dos direitos civis e religiosos dos demais povos que habitavam a Palestina – quase todos eles árabes e muçulmanos; uns poucos cristãos. Como isso seria feito não foi esclarecido.

Eis a parte relevante do texto da Declaração de Balfour:

 “O governo de Sua Majestade vê de forma positiva o estabelecimento, na Palestina, de um lar nacional para o povo judeu, e envidará seus melhores esforços para facilitar a realização desse objetivo, ficando claro, porém, que nada será feito que possa prejudicar os direitos civis e religiosos de comunidades não judaicas existentes na Palestina, bem como os direitos e a condição política desfrutada pelos judeus em qualquer outro país”. [https://en.wikipedia.org/wiki/Balfour_Declaration]

Registre-se que quando essa declaração foi feita a Primeira Guerra Mundial não havia sequer terminado ainda, e, portanto, a Inglaterra não havia ainda recebido o seu mandato em relação à Palestina. Mas a Inglaterra estava em guerra com o Império Otomano desde Novembro de 1914, quando a Primeira Guerra Mundial teve início.

Terminada a guerra, em 1918, os britânicos atribuíram direitos iguais aos judeus que já habitavam a Palestina, tendo se mudado para lá principalmente a partir da criação do Movimento Sionista e muitos deles durante a guerra – provavelmente fugindo dela. Mas não tocaram na criação de um ou dois estados ali.

De 1917 até 1937, isto é, do fim da Primeira Guerra até quando a Segunda Guerra Mundial estava às portas, houve um período de relativa tranquilidade na Palestina – relativa tranquilidade diante do que estava por vir depois do final da Segunda Guerra Mundial.

Mesmo assim, os primeiros conflitos violentos entre judeus e árabes, que haviam começado em 1921, se intensificaram a partir de 1936, e principalmente no período de 1936 a 1939 (que já pega o período a ser analisado na subseção seguinte.

C. 1937-1947: A Palestina Dividida

Este período vai de dois antes do início da Segunda Guerra Mundial até dois anos depois do seu término. Tecnicamente, durante esse período, a Palestina ainda estava sob controle do Mandato Britânico, mas a Grã-Bretanha, a partir de 1939, com a invasão da Polônia por Hitler, e a subsequente declaração de guerra da Grã-Bretanha à Alemanha, tinha problemas maiores em suas mãos do que os problemas da Palestina.

Antes disso, porém, a Grã-Bretanha havia feito uma proposta de criação de dois estados na Palestina, um judeu e um árabe. Essa proposta teria dado aos judeus cerca de 25% do território da Palestina e, para os povos árabes que ali habitavam (os chamados palestinos), 75%, ou seja, 3/4 do território. Os judeus, que anteriormente não tinham território algum, aceitaram a proposta, apesar de ela representar bem menos do que eles pretendiam. Jerusalém, por exemplo, que sempre foi considerada a Cidade Santa dos judeus, ficaria em território que seria atribuído aos árabes. Mas estes, em um gesto que se tornou típico, recusaram a proposta: nada lhes era aceitável exceto o controle total da Palestina e a expulsão de lá dos judeus que habitavam a região. Nunca o reconhecimento de um Estado de Israel, que implicaria a admissão de que Israel tinha um direito de existir como nação, e, o que é pior, existir ali na Palestina.

Depois da ascensão de Hitler ao poder na Alemanha, primeiro como Chanceler, em 1933, e, depois, como Führer, em 1934, e em especial durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), quando ficou evidente que Hitler buscava a chamada “Final Solution”, o extermínio total dos Judeus na Alemanha e nos territórios já ocupados pelos nazistas, a situação dos judeus que viviam na Alemanha, na Áustria anexada (em 1934), na Polônia e demais territórios anexados, ficou crítica.

Mesmo em países não ocupados pelos nazistas, como a Rússia e outros países da União Soviética, havia forte antissemitismo, que se expressava em discriminação, perseguições de diversos tipos, é até mesmo em matanças generalizadas (pogroms). Na Rússia e em países vizinhos e satélites no Leste Europeu esses ataques em larga escala ocorriam muito antes da chegada de Hitler ao poder na Alemanha e do início da Segunda Guerra. Desde por volta de 1880 eles haviam se tornado comuns e frequentes, tornando-se um dos grandes motivos para Hertlz criar o movimento sionista no final do século. Também esses judeus procuravam um lugar para o qual pudessem emigrar.

Nesse quadro, muitos judeus europeus procuraram fugir do extermínio representado pelo Nazismo, ou das perseguições, e da violência dos pogroms dos outros países do Europa Oriental, mudando-se para outros países, distantes da Europa Continental. Vários foram para a Inglaterra, mas só como passagem, porque a Inglaterra estava em guerra. De lá geralmente iam para Austrália ou a Nova Zelândia. Muitos foram para os Estados Unidos e seus protetorados. Ainda outros vieram para a Argentina e para o Brasil (onde havia uma razoável população de origem alemã, oriunda da forte imigração do final do século 19, dentro da qual muitos eram judeus. O Brasil, em relação à Segunda Guerra, depois de alguma hesitação, ficou do lado dos Aliados.

E muitos dos judeus que queriam emigrar de seus países queriam imigrar para a Palestina, a terra original dos judeus.

Com o final da Segunda Guerra, e a descoberta e libertação pelos Aliados dos Campos de Concentração, principalmente na Alemanha, Polônia e Bélgica,  o movimento sionista insistia que o número de judeus na Palestina (havia quotas meio secretas) teria de aumentar para que fossem ali abrigados aqueles que estavam sendo liberados dos Campos de Concentração após o fim da guerra.

Isto deixava as lideranças da população árabe extremamente preocupadas. Mas também a Grã-Bretanha ficou preocupada. Não imaginava, ao aceitar o mandato de controlar a Palestina ao final da Primeira Guerra que teria um problema dessas  proporções em mãos. Impôs agora quotas declaradas para a migração de judeus europeus para a Palestina. Ouviu protestos humanitários de quase o mundo inteiro, e, naturalmente, do movimento sionista. Cedeu um pouco, admitindo mais flexibilidade na migração para a Palestina, mas isso irritou os árabes. Diante dessa situação, a Grã-Bretanha, que tinha enormes desafios na reconstrução de seus próprios territórios, severamente danificados por bombardeios nazistas, entregou os pontos.

A antiga Liga das Nações, criada depois da Primeira Guerra, foi substituída pela Organização das Nações Unidas (ONU), criada em 1947, pelos vencedores da Segunda Guerra. A Grã-Bretanha entregou a ela o mandato que lhe havia sido dado, com o argumento de o problema era grande e complexo demais para ser resolvido por ela. Mas apesar da “entrega”, o mandato continuou em vigência até que viesse a ser substituído por algum outro arranjo.

Na Palestina, nesse ponto, o número de judeus começava a chegar perto do número de árabes e ameaçava ultrapassá-lo em pouco tempo.

D. 1947-1967: A ONU, o Estado de Israel e o Estado da Palestina

a. A Criação do Novo Estado de Israel: 1948

Como mencionado no fim da subseção anterior, depois do final da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), a Organização das Nações Unidas (ONU) foi criada para substituir a Liga das Nações, que havia sido criada depois da Primeira Guerra.

Recebendo o problema judaico-palestino como seu primeiro grande desafio, a ONU criou uma comissão para estuda-lo e propor soluções. Essa comissão recomendou dividir a Palestina em dois estados: um Estado de Israel e um Estado dos Árabes na Palestina, separando o território de modo a deixar com cada estado o maior percentual de sua própria população que fosse possível, sem necessidade de deslocamentos.

A Grã-Bretanha, que havia passado o “abacaxi” para a ONU, foi contra a recomendação da Comissão, optando por sugerir a criação de um estado só, com as duas principais populações, árabe e judia. Como elas iriam conviver pacificamente, ambas crescendo, e o território sendo limitado em tamanho, e contendo uma boa parcela de desertos e pouca água e terra árida, a Grã-Bretanha não indicou.

Os Estados Unidos se opuseram ao seu principal aliado de guerra e ficaram a favor da proposta da Comissão da ONU, alertando que um território maior para os judeus seria desejável, para resolver os problemas causados pela tentativa de extermínio dos judeus pelos nazistas e pela perseguição dos judeus fora do âmbito nazista, em especial no Leste Europeu.

Assim, em um de seus primeiros atos, a ONU decidiu criar, agora não mais apenas um Lar Nacional, mas, sim, um estado judeu na Palestina – ao lado de um estado árabe. Parece uma “decisão salomônica”, que agradaria os dois lados. Mas no fundo, não agradou nenhum dos dois lados.

No entanto, mesmo sem que a proposta lhes agradasse, os judeus concluíram que era estrategicamente conveniente que eles a aceitassem e, assim, resolveram aceitar a proposta, em princípio, deixando pendente o tamanho e os limites do território.

Os árabes, no entanto, rejeitaram total e liminarmente. Eles queriam um estado só, um estado sob o seu controle. Aceitar dois estados era aceitar a tese de que Israel tinha o direito de existir, que passava a ser uma nação entre as nações. Além do mais, a proposta reconhecia que Israel tinha direito de existir na Palestina. Assim, os árabes não quiseram nem discutir e o tamanho e os limites do território que a ONU imaginava poder entregar-lhes. Para eles, a terra da Palestina era deles já há quase dois mil anos e eles não queriam compartilhá-la e muito menos dividi-la . O fato de que a mesma terra havia pertencido aos judeus por cerca de dois mil anos, antes de lhes ser tirada à força, para que pudesse ser ocupada, a partir de um determinado momento, por seus antepassados, simplesmente não interessava aos árabes.

No entanto, os grandes vencedores da Segunda Guerra, Estados Unidos, Inglaterra e União Soviética acabaram conseguindo criar esse estado no final de 1947 (em 29 de Novembro). Isso significava que haveria, na região, um Estado Judeu e um Estado Árabe na Palestina.

A divisão proposta era complicada, porque, além de criar os dois estados, criava zonas desmilitarizadas, estradas neutras separando os dois estados, etc. Além disso, a proposta esforçou-se por honrar o princípio de que cada estado deveria conter maioria de habitantes de sua própria gente (em termos de etnia / religião). Assim, as linhas limítrofes entre os dois estados ficaram meio estranhas por causa dessas exigências demográficas / religiosas.

Entretanto, dezenas de povoações judias iriam ficar dentro do estado árabe e centenas de povoações árabes ficariam dentro do estado judeu. A área reservada ao estado judeu foi um pouco maior do que a reservada para o estado árabe, por causa da expectativa de que, uma vez criado o estado de Israel, a imigração para ele iria aumentar rápida e sensivelmente. Apesar de ter, no momento da divisão, cerca de 32% da população, o estado judeu teria 56% do território.

Nos seus 56% de território, os judeus teriam cerca de 499.000 judeus e 438.000 árabes, num total de 937.000 habitantes. Mas seu território compreenderia o Deserto de Negev, ao Sul. Os árabes teriam 42% do território, com uma população de 818.000 árabes e 10.000 judeus, num total de 828.000 habitantes.  A população total dos dois estados seria de 1.765.000 habitantes: 1.256.000 árabes e 509.000 judeus.

Jerusalém e Belém ficariam fora dos dois estados e seriam administrados pela própria ONU.

Muitos sionistas protestaram apontando o seguinte fato. Dos territórios incluídos em seu mandato, a Grã-Bretanha havia dado autonomia à Jordânia, em 1946, que representava 75% do território controlado pelos britânicos, e a Jordânia era árabe. Assim de todo o território do Mandato, ficaram com os árabes os 75% da Jordânia e, dos 25% restantes, mais 10,5% do restante (os 42% de 25% correspondentes ao Estado Árabe), enquanto os judeus ficaram com apenas 14% (56% de 25% correspondentes ao Estado Judeu. Mesmo assim, os judeus aceitaram a divisão, e os árabes a rejeitaram incondicionalmente.

(Dados de território e população retirados de Charles Rivers Editors, The Partition of the British Mandate of Palestine: The History and Legacy of the United Nations Partition Plan and of the Creation of the State of Israel, capítulo “The United Nations Partition Plan”.)

O curioso é que tecnicamente a Palestina ainda estava sob o Mandato Britânico. Por isso, a Grã-Bretanha, desejosa de ser ver livre da “encrenca”, comunicou unilateralmente à ONU e ao mundo, em Fevereiro de 1947, que declararia encerrado o seu Mandato sobre os territórios da Palestina em 14 de Maio de 1948.

b. A Proclamação e a Guerra de Independência de Israel: 1948-1949

Como os árabes haviam rejeitado incondicionalmente a proposta de partilha e, diante dessa rejeição, a ONU não havia tomado nenhuma outra decisão relativa à Palestina, os judeus foram proativos e tomaram a decisão: no dia 14 de Maio de 1948, horas antes de expirar o Mandato da Grã-Bretanha sobre a região, David Ben-Gurion, chefe da Agência Judaica, que representava os judeus da Palestina, leu o documento da Proclamação da Independência do Estado de Israel (na realidade, o documento da criação formal do novo Estado de Israel).

Sabiamente, os Estados Unidos, no mesmo dia, reconheceram de facto o novo estado. A União Soviética foi além e o reconheceu de jure em 17 de Maio.

Mas no dia seguinte ao da proclamação da Independência de Israel, ou seja, em 15 de Maio de 1948, uma coalisão composta por Egito, Síria, Líbano, Jordânia, e Iraque atacou Israel, naquela que veio a ser chamada de Guerra Árabe-Israeli, ou, simplesmente, de Guerra da Independência de Israel. Essa guerra durou até Março de 1949. O objetivo dos árabes palestinos e seus aliados era varrer do mapa o estado dos judeus — agora oficialmente proclamado independente e nomeado Israel.

Segundo Paul Johnson (A History of the Jews) a Liga Árabe declarou literalmente: “Esta será uma guerra de exterminação e um massacre sem precedentes na história”.

Quem apoio a liga dos árabes nessa guerra apoiou uma tentativa deliberada e consciente de extermínio de mais de 500.000 judeus. Os judeus, exatamente três anos depois de terminada a Segunda Guerra, que representou uma tentativa deliberada e consciente de extermínio de milhões de judeus, tentativa bem sucedida no caso de cerca de seis milhões deles, sofreram agora uma segunda tentativa de extermínio, agora de meio milhão deles que haviam fixado residência na Palestina, a maioria absoluta deles no Estado de Israel, que a ONU havia aprovado para os judeus.

Embora o estado dos judeus estivesse ainda em sua primeira infância, tendo apenas um dia de existência de existência formal, não estando ainda nem mesmo totalmente organizado, tendo uma força militar relativamente pequena, e com armamentos inferiores aos dos palestinos e seus aliados, Israel se organizou rapidamente e venceu a guerra, com o apoio de alguns aliados. Israel poderia, na realidade, ter literalmente varrido da face da terra 1.256.000 de árabes, que estavam, parcialmente em no território do Estado de Israel e, majoritariamente, no território que a ONU ofereceu aos árabes para que ali constituíssem o seu estado – mas eles incondicionalmente rejeitaram. Mas Israel não fez isso.

A Guerra da Independência foi terminando aos poucos. Vários armistícios foram assinados ao longo de 1949. O Iraque não assinou armistício nenhum: simplesmente removeu suas forças e equipamentos e abandonou a guerra.

Finda a guerra, o resultado líquido dessa chamada Guerra da Independência foi que Israel aumentou consideravelmente o território sob seu controle. A divisão que, em 1937, havia sido sugerida como 25% para os judeus e 75% para os árabes, e que, em 1947, na proposta da ONU, foi de 56% para os judeus e 42% para os árabes, acabou ficando agora, depois da guerra, cerca de 77% território judeu e cerca de 23% território árabe. Esses 23% ficaram nas mãos da Jordânia e do Egito. A primeira ficou com a maior parte: toda a margem ocidental do Jordão (conhecida em Inglês como o “West Bank” e em Português como Cisjordânia) e a maior parte de Jerusalém, a parte Oriental, que correspondia a cerca de quase 80% da cidade). O Egito ficou com a Faixa de Gaza, uma faixa de terra junto ao Mediterrâneo no Oeste da Palestina, adjacente à cidade de Gaza.

Em resumo, com a Guerra de Independência (que eles não iniciaram), os judeus ganharam e anexaram cerca de 50% dos territórios que haviam sido oferecidos aos árabes, mas eles recusaram, e os árabes controlavam apenas 23% do território inicialmente dividido (mais, naturalmente, a Jordânia, que representava, originalmente, 75% do território do Mandato Britânico original.)

É compreensível que os árabes chamem essa guerra de “A Catástrofe”.

Finda a guerra, houve perseguição aos judeus que viviam em outros países árabes e eles se mudaram, em grande medida, para o Estado de Israel.

Quanto aos territórios conquistados, houve várias negociações, no período posterior ao fim da guerra, em que Israel esteve disposto a devolver alguns territórios conquistados na Guerra da Independência, mas os Palestinos queriam tudo de volta e se negavam a reconhecer a existência de jure do estado de Israel e reivindicam controle total da Palestina, assim fazendo com que até mesmo a existência de facto de Israel também fosse reduzida a nada.

Nessas condições, prevaleceram os armistícios assinados ao longo de 1949.

c. Jerusalém Declarada a Capital de Israel: 13/1/1949

Em 13 de Janeiro de 1949 Jerusalém é declarada a capital do Estado de Israel. O controle de Jerusalém está dividido entre Israel (parte ocidental da cidade) e a Jordânia (parte oriental da cidade).

d. A Guerra dos Seis Dias: Junho de 1967

Os árabes juraram vingança e começaram a se preparar para uma nova guerra, que eles alardeavam que seria a definitiva. Eles tinham agora a liderança da Gamar Abdel Nasser, presidente do Egito, que advogava a formação de uma Liga Pan-Árabe, e que tinha o apoio da União Soviética. O presidente egípcio aparentemente tinha uma confiança exagerada nos armamentos e no apoio logístico fornecido pelos soviéticos. Em Maio de 1967 ele ordenou mobilização total de suas forças armadas e colocou 100.000 homens na Península do Sinai, expulsando dali uma força internacional da ONU, que monitorava o local. Além disso, fechou o Estreito de Tiran, importante passagem, que é mais um sinal de guerra iminente. No início de Junho as forças armadas israelenses capturaram mensagens oriundas da Jordânia, que indicavam que uma invasão do território israelense era iminente.

Israel, por seu lado, também havia se preparado para a guerra, e contava com o apoio dos Estados Unidos. Não esperou o Egito invadir, fazendo um arrasador ataque preemptivo às forças egípcias no dia 5 de Junho de 1967, que destruiu basicamente toda a força aérea egípcia antes que ela conseguisse sair do chão. As forças terrestres egípcias, sem o apoio de sua força aérea, recuaram, e as forças israelenses avançaram, capturando facilmente toda a península do Sinai, incluindo a Faixa de Gaza, que havia ficado sob controle egípcio ao final da guerra anterior.

Os aliados árabes do Egito procuraram revidar de outros lados, mas as forças israelenses os rechaçaram e avançaram, capturando o Planalto de Golan (chamado de “Golan Heights”), um plateau que separava Israel da Síria, capturando toda a margem ociental do Jordão (o Wast Bank, chamado de Cisjordânia), que estava sob controle da Jordânia, e conquistando a zona oriental de Jerusalém e a cidade de Belém, que também estavam sob o controle da Jordânia, assim reunificando a cidade que era sua capital desde 1949.

Em seis dias a guerra que era para ser a vitória definitiva dos árabes estava encerrada com vitória total de Israel – razão pela qual foi chamada de a Guerra dos Seis Dias (5 a 10 de Junho) A derrota árabe foi absoluta e a vitória israelense ampliou consideravelmente os seus territórios. Se o resultado da guerra anterior foi uma catástrofe, o desta foi uma catástrofe e meia.

A vitória acachapante de Israel, além dos ganhos territoriais, e do impacto que criou na opinião pública mundial a quantidade e qualidade de seus armamentos e de suas forças armadas, e a competência com que foram utilizados para destruir os inimigos árabes que vinham se preparando há muito tempo para essa guerra, lhe trouxe alguns problemas. Israel agora se viu de posse territórios muito além daqueles originalmente previstos na divisão de 1947, e que eram o lar de mais de um milhão de árabes. Dos territórios conquistados, Israel oficialmente anexou a zona leste de Jerusalém e as “Golan Heights”. Deixou os habitantes da margem esquerda do Jordão, o “West Bank” (Cirjordânia), da Península do Sinai e da Faixa de Gaza em um limbo. Não anexando essas terras, não deu cidadania aos seus habitantes. Mas não abriu mão do controle sobre a região, deixando o status da população mais ou menos em um limbo.

A recusa de Israel de sair de abrir mão de controle dos territórios conquistados e voltar aos limites territórios de 4 de Junho de 1967, que, de repente, pareceram altamente aceitáveis aos árabes, fez, também, com que Israel começasse a perder a batalha pela opinião pública mundial.

e. Jerusalém é Reunificada e a Sequência da Guerra

Como já assinalado, tendo derrotado a Jordânia, que controlava a parte oriental de Jerusalém, Israel reunificou toda a cidade, mantendo-a sob seu comando. Isso se deu em 7 de junho de 1967, mas a reunificação da cidade foi comunicada oficialmente ao mundo apenas em 28 de Junho de 1967.

Diz Paul Johnson, op.cit. (ênfase acrescentada), sobre o resultado da Guerra dos Seis Dias:

“Ao final da Guerra dos Seis Dias, Israel havia unificado Jerusalém e ocupado a margem esquerda inteira do Jordão. Ocupou também o Planalto de Golan na Síria e chegou a 30 milhas de Damasco. Na frente ocidental, ocupou toda a planície do Sinai. O resultado líquido da operação foi que, pela primeira vez, Israel conquistou fronteiras defensáveis, bem como uma capital unificada, e a maior parte dos seus famosos territórios históricos”.

Em 12 de junho de 1967 Israel declarou, formalmente, que não voltaria a reconhecer as linhas limítrofes firmadas no Armistício de 1949 — a menos que isso se desse como resultado de um processo de negociação amplo e formal, que reconhecesse a existência de Israel e lhe garantisse fronteiras permanentes. Israel agora faz exigências a partir de uma posição de força, pois controlava basicamente a totalidade dos territórios da Palestina (talvez um pouco mais do que seus territórios de antigamente.

Em 1 de Setembro de 1967, os líderes dos países árabes se reúnem em Kartum, no Sudão, e dão sua resposta a Israel, aprovando uma declaração curta e grossa chamado de “The Three No’s”: “No recognition of Israel. No negotiations with Israel. No peace with Israel.”

Note-se bem: esta foi a posição oficial dos países árabes.

Apesar disso, houve novas negociações, correção de algumas linhas divisórias, um breve período de paz.

E. 1967-1987: Israel Basicamente Toma Controle da Palestina

A próxima guerra foi a de Yom Kippur, em 1973.

a. A Guerra de Yom Kippur: 6 a 24/10/1973

Durante o feriado religioso judaico de Yom Kippur de 1973, houve nova guerra, a terceira, Nesta Israel foi apanhado de surpresa, mas reagiu e venceu a guerra, consolidando seu controle dos territórios já conquistados. Essa foi a chamada Guerra de Yom Kippur, que durou de 6 a 24 de Outubro de 1973 e foi liderada pelo Egito e pela Síria, com o apoio de Força Expedicionária dos outros países árabes. O acordo de desengajamento militar com o Egito só foi assinado em 18 de Janeiro de 1974.

b. O Acordo de Camp David: 18/9/1978

Depois dessa guerra houve uma tentativa séria de negociação entre o Egito e Israel, em 1978, liderada pelo presidente americano Jimmy Carter, negociação que resultou no chamado de Acordo de Camp David, firmado em 18 de Setembro de 1978. Do acordo resultou a retirada de Israel da Península do Sinai e sua devolução ao Egito, basicamente encerrando as hostilidades entre os dois países. Os demais árabes, convidados,  não quiseram participar das negociações que levaram ao acordo. Nessa ocasião lhes foi proposta uma solução dos conflitos que envolvia (como proposto pela Grã-Bretanha já em 1917, na famosa Balfour Declaration), a existência de dois estados independentes, Israel e um estado árabe. Mas os palestinos insistiam numa “solução” que envolvesse a dissolução do Estado de Israel e a devolução dos territórios que deveriam ter sido ocupados pelos árabes, mas que foram conquistados por Israel em guerras planejadas, iniciadas e perdidas pelos árabes. Hoje, os árabes da Palestina lutam por isso, que lhes foi proposto pela ONU, em 1947, mas eles então recusaram.

F. 1987-2017: A Era do Terrorismo e dos Levantes (Intifadas)

a. A Invasão do Líbano e as Intifadas: 1982-presente

De lá para cá, têm havido várias operações militares entre Israel e seus vizinhos. Entre Junho e Dezembro de 1982, por exemplo, Israel invadiu o Sul do Líbano para combater as forças da Organização para a Libertação da Palestina. Na verdade, só em 24 de Maio de 2000 Israel veio a retirar totalmente suas forças do Sul do Líbano, mantendo controle do Planalto de Golan. Em 1987 os vizinhos palestinos atacaram Israel nas chamadas Intifadas. E assim teve continuidade o conturbado relacionamento de Israel com seus vizinhos árabes.

b. Conclusão desta Subseção

Em junho de 1967, em decorrência de uma guerra formalmente declarada pelos árabes e provocada por eles, Israel ganhou vários novos territórios e unificou a cidade de Jerusalém, que, logo depois da criação do Estado de Israel, em 1947/1948, foi declarada, em 13/1/1949, sua capital (embora à época Israel só controlasse a parte ocidental da cidade). Em 7/6/1967 Jerusalém é reunificada, durante a Guerra dos Seis Dias.

Várias vezes, em especial nos Acordos de Camp David, os palestinos tiveram ocasião de ter um estado palestino reconhecido junto do estado judeu (Israel). Recusaram-se a aceitar essa solução, porque ela referendava a existência de Israel, algo que eles achavam inadmissível.

6. Conclusão

Agora hoje [07/12/2017], momento em que Israel detém virtualmente a hegemonia da Palestina, os palestinos querem impor condições, fazendo de conta que Israel é intransigente por não aceitar os dois estados. A situação de fato, agora, é que Israel controla a maior parte da Palestina, detém controle unificado de Jerusalém, que é sua capital oficial desde 1949.

Que razão oferecem os palestinos hoje para que Israel aceite os dois estados e novamente divida Jerusalém, admitindo que a cidade seja também a capital do possível estado palestino? Só oferecem parar com o terrorismo — mas não têm moral nem credibilidade para oferecer isso, nem autoridade sobre suas várias facções para garantir que, fosse essa solução aceita por Israel, os palestinos, como um todo a respeitariam.

PS:O Reconhecimento de Jerusalém como a Capital

Dois países já reconheceram Jerusalém como a capital de Israel, transferindo para lá a Embaixada que tinham em Telavive. Um terceiro, o Brasil, prometeu fazê-lo através de seu presidente-eleito Jair Bolsonaro.

A. Estados Unidos

O que Donald Trump, o controvertido presidente dos EUA fez, em 6 de Dezembro de 2017, foi apenas declarar que os EUA, que já reconheciam há muito tempo que Jerusalém era a capital de Israel (algo que é fato já há quase 60 anos), iria mudar sua Embaixada de Telavive para Jerusalém.

Quando Bill Clinton foi presidente dos EUA ele propôs e o congresso americano aprovou que isso fosse feito. Mas de lá para cá aquilo que o congresso americano aprovou vinha tendo sua implementação adiada, a cada seis meses. Trump simplesmente resolveu acabar com a hipocrisia e a palhaçada.

Em 14 de Maio de 2018, o dia em que Israel comemora 70 Anos de Independência, a Embaixada Americana em Jerusalém foi inaugurada.

Quando o anúncio da mudança foi feito em 6 de Dezembro de 2017, eu escrevi, em versão anterior deste artigo: “Vai levar algum tempo para mudar a Embaixada Americana, não resta dúvida. Essa é uma operação complexa, em especial num território complicado como Israel. Mas que vai ser mudada, vai.” Eu estava parcialmente errada. Não levou tempo. Em cinco meses a nova Embaixada ficou pronta e os Estados Unidos a inauguraram.

B. Guatemala

Dois dias depois dos Estados Unidos mudarem sua Embaixada para Jerusalém, a Guatemala fez o mesmo, tornando-se o segundo país do mundo a mudar sua Embaixada junto a Israel para Jerusalém. Em 1948, os Estados Unidos foram o primeiro país a reconhecer Israel como uma nova nação independente; a Guatemala foi o segundo.

O presidente guatemalteco Jimmy Morales e o Primeiro Ministro israelense Benjamin Netanyahu participaram da inauguração, em um complexo comercial em Jerusalém Ocidental.

C. Brasil (Prometido)

Em 1º de Novembro de 2018, antes mesmo da realização do Segundo Turno das eleições presidenciais brasileiras, Jair Bolsonaro, então candidato favorito a vencer o segundo turno (como de fato venceu), confirmou que, se e quando eleito, mudará a Embaixada brasileira junto a Israel para Jerusalém. Depois de eleito, Presidente-Eleito do Brasil comunicou ao Estado de Israel sua intenção de, depois de empossado, transferir, gradualmente, a Embaixada Brasileira junto ao Estado de Israel, de onde ela agora se encontra (Telavive), para Jerusalém.

Deveria ser uma coisa simples e burocrática entre os dois países.

Muita gente está protestando.

Alguns – toda a esquerda favorável aos árabes e até alguns evangélicos que não se consideram de esquerda – estão chiando. Alguns acusaram Bolsonaro de estar servilmente seguindo Trump. Não conhecem o Bolsonaro. Sobre isso escrevi alguns posts no Facebook, cuja substância resumo aqui.

O Brasil não está simplesmente seguindo o Trump. Está seguindo o princípio de que o país com o qual temos relações diplomáticas define onde é sua capital. Israel definiu, o Brasil põe a Embaixada lá. Se um dia a capital de Israel mudar de lugar (algo que considero virtualmente impossível), o Brasil muda.

Em resposta a alguém que disse que “Na minha opinião, errou o presidente eleito. Jerusalém não é como Brasília ou Washington. Desde 1947, com a Liga das Nações, está sob disputa entre dois povos, aguardando as decisões sobre o processo de paz”, respondi o que segue:

Pelo que me consta, a Liga das Nações foi extinta em 20/4/1946. O Estatuto das Nações Unidas foi aprovado em 26/6/1945, e entrou em efeito em 24/10/1945. Em 1947 fez uma proposta de criação de dois estados na Palestina, um judeu e um árabe, com territórios mais ou menos equivalentes (o alocado a Israel era um pouco maior). Os árabes recusaram incondicionalmente a proposta.

Diante do impasse, a Grã-Bretanha anunciou que renunciava ao mandato que a antiga Liga das Nações lhe havia dado, de coordenar as relações entre árabes e judeus na Palestina, a partir de 14 de Maio de 1947.

Nesse dia, quando o mandato estava para terminar, Israel proclamou sua independência.

No dia seguinte, apelaram para a guerra, optando por tentar obter pela força 100% do território em vez de aceitar uma parte dele, pacificamente arbitrada pela recém-criada Organização das Nações Unidas. Assim, perderam todo direito de, posteriormente, reivindicar, pelo direito internacional, ou por arbitragem, o que preferiram tentar obter pela força, achando que a recém-criada nação de Israel não lhe seria páreo nessa arena. Enganaram-se e estão pagando o preço por esse engano. E enganaram-se várias outras vezes depois. Perderam também, como se verá, todo direito de reivindicar parte de Jerusalém — a parte oriental — como sua capital.

A guerra iniciada pelos árabes em 15 de Maio de 1948 durou até 20 de Julho de 1949, com sua derrota fragorosa e acachapante. Nessa guerra Israel não só manteve os seus territórios mas conquistou parte significativa do território que havia sido previsto para os árabes. Guerra é guerra, e quem perde uma guerra que ele próprio iniciou, em regra perde os territórios conquistados pelo inimigo — ponto final. Os árabes parecem não entender essa verdade simples.

Em Junho de 1967 os árabes estavam prontos para atacar Israel de novo, através do Egito, e Israel se defendeu. A guerra resultante foi chamada de Guerra dos Seis Dias e durou de 5 a 10/6/1967 (6 dias). Israel venceu de novo, de forma indiscutível, e conquistou a península do Sinai e outros territórios, inclusive Jerusalém Oriental e a Margem Ociental do Jordão (o West Bank).

Assim, Jerusalém foi unificada, sob controle de Israel.

De novo, guerra é guerra, e quem perde uma guerra que provocou, perde os territórios que não conseguiu manter pela força.

Os árabes se prepararam para atacar Israel de novo em 1973, agora de surpresa, durante o feriado religioso de Yom Kippur. Atacaram e perderam a Guerra de Yom Kippur — e, com ela, mais territórios.

Em 1980 Israel proclamou a cidade de Jerusalém, completa e não dividida, como a capital do Estado de Israel.

Israel tem sido uma nação generosa, devolvendo alguns territórios conquistados, como a Península do Sinai, para o Egito. Mas garantiu que nenhuma parte de Jerusalém, agora unificada sob controle de Israel e proclamada como capital do Estado de Israel, será devolvida aos árabes — e eu acho que está com toda razão. Quem provou que não aceitou e não respeita a decisão das Nações Unidas de 1948 foram os árabes. Fizeram três guerras contra Israel e perderam todas.

Está certo o Brasil em reconhecer, como capital de Israel, aquilo que Israel considera como sua capital. Ponto final. Alguém tinha de ter coragem de fazer isso. E o Bolsonaro prometeu fazer.

Parecendo não perceber que estamos sob nova administração, tem gente que ainda reage — e o que é pior, sem conhecer total e exatamente os fatos da situação.

Bibliografia

Arthur Hertzberg, The French Enlightenment and the Jews: The Origins of Modern Antisemitism (Columbia University Press, New York, 1968)

Charles Rivers Editors, The Partition of the British Mandate of Palestine: The History and Legacy of the United Nations Partition Plan and of the Creation of the State of Israel

Daniel Gordis, Israel: A Concise History of a Nation Reborn (Harper-Collins, New York, 2016)

David Horowitz, Why There is No Peace in the Middle East (David Horowitz Freedom Center, Sherman Oaks, 2009)

David Horowitz, Why Israel is the Victim (David Horowitz Freedom Center, Sherman Oaks, 2013)

David Meir-Levi, Stolen History: How the Palestinians and their Allies Israel’s Right to Exist by Erasing its Past (David Horowitz Freedom Center, Sherman Oaks, 2011)

Howard M. Sachar, A History of Israel: From the Rise of Zionism to Our Time (Knopf, New York, 3a edição, revisada e expandida, 2013) [Obra exageradamente completa e detalhada – 1.200 páginas]

Ian Carroll, Israel and Palestine: The Complete History (Dark River, Oakamoor, 2006, Revised 2018)

John Bright, A History of Israel (Westminster Press, 1952; 4a edição, 2000)

Mark Stanislawski, Zionism: A Very Short Introduction (Oxford University Press, New York, 2017)

Martin Bunton, The Palestinian – Israeli Conflict: A Very Short Introduction (Oxford University Press, New York, 2013)

Martin Noth, A History of Israel (Harper & Row, New York, Revised Edition, 1960)

Paul Johnson, A History of the Jews (Harper-Collins, New York, 1988, 2009)

Schlomo Send, The Invention of the Jewish People (Verso, New York, 2009)

Versões 1, 2, e 3 em São Paulo, 7, 8 e 20 de Dezembro de 2017; esta versão 4, revisa a versão 3 e lhe acrescenta a Seção 7, Adendo, é publicada também em São Paulo, em 5 de Novembro de 2018.

Uma resposta

  1. Parabéns pelo texto, extenso, mas necessário. Senti falta de um viés imparcial. Como explicar, por exemplo, a partir da sua visão. que mais de 100 países em redor do planeta já reconheceram a palestina como Estado, o Brasil incluído? Isso sem contar apoio individuais como o do ex-presidente Jimmy Carter (que reconhece a legitimidade do Hamas (!) como ator nas negociações? Do modo como o artigo está, parece que esses reconhecimentos caíram de paraquedas na História, quando não é assim.
    A questão da partilha, embora Liga das Nações estivesse extinta e a ONU tomando à frente, o consenso foi mantido (por isso a minha menção no seu post do Face). [notei a omissão do meu nome dessa vez; bem melhor, já que aqui não recebo os avisos de comentários/interações como lá rs]
    O artigo não passa pelas invertidas de posição, as inúmeras que B. Buryon deu, nas negociações, minando posições que ele mesmo havia tomado (sobre isso, sugiro “A muralha de ferro”, de Avi Schlaim. Fissus, 2004. O autor é judeu, mas…). Bem, não escreverei outro artigo sobre o seu. Um forte abraço.

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    • Nunca achei, Magno, que a verdade fosse apurada por um procedimento democrático. Sempre achei, desde que li On Liberty, de John Stuart Mill, que o principal argumento em favor da democracia liberal, que preserva direitos individuais, é um pode estar certo e todo o resto do mundo errado. A verdade se apura examinando fatos e argumentos.

      É um fato que Israel hoje controla territórios que não haviam sido destinados a Israel na divisão da ONU — que os árabes rejeitaram, assim perdendo, pela primeira vez, o direito de reclamar. Israel aceitou e agiu em cima do que a ONU havia determinado. Mas foi atacada no dia seguinte, em que o país tinha um dia de independência, por uma coalisão dos países que rejeitaram a proposta. Houve guerra, e Israel ganhou — e ganhou alguns territórios. Dezoito anos depois, outra guerra, esta anunciada como a guerra para pôr fim a todas as guerras na Palestina. Os árabes perderam de novo — e, desta vez, Israel, embora não tenha anexado os territórios conquistados (exceto no caso de Jerusalém, manteve seu controle sobre eles.

      Todos os países do mundo, a começar com o nosso Brasil, possuem territórios que um dia pertenceram a outros países. Conquistaram esses territórios em guerra — e, muitas vezes, por guerras de conquista, não de defesa. Ninguém pode negar esse fato. Por que Israel, país que foi atacado todas as vezes, não tem o direito de ficar com os territórios conquistados através de guerras de defesa, em especial diante do fato de que os árabes continuam a ameaçar Israel com destruição?

      Os países que estão do lado dos árabes estão do lado deles por interesse. O Brasil esteve até agora — não deve ficar mais. Mas quem está certo não se determina contando votos nas Nações Unidas. Os palestinos não deviam ter assento na ONU nem como observadores, porque não são uma nação, são um bando de árabes, que vivem, hoje, em território controlado por Israel — porque se recusaram, em 1947, a aceitar a proposta da própria ONU.

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