A Importância de Viver Desentribado: Uma Defesa do Liberalismo

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Mario Vargas Llosa
[Credit: Christopher Anderson/Magnum, for The New York Times]

Acabei de ler o capítulo inicial do mais recente livro de Mario Vargas Llosa, Prêmio Nobel de Literatura de 2010, e um dos meus escritores favoritos. O nome completo dele é Jorge Mario Pedro Vargas Llosa. O livro, que ganhei de presente de minha mulher pelo meu aniversário de 75 anos (que será no dia Sete de Setembro, mas a semana inteira é de comemoração), tem o título sugestivo de La llamada de la tribuA chamada da tribo, The call of the tribe. Poderia bem se chamar, alternativamente, A atração do entribamento, embora a palavra “entribamento” soe meio feio. Se a palavra “entribamento” não existe (e parece que não existe), acabo de cria-la, com o verbo correspondente, com o sentido de “ato de entribar (-se)”, “condição de pertencimento a uma tribo”. “Entribar”, ou, talbez melhor, “entribar-se”, teria o sentido, naturalmente, de “tornar-se membro de uma tribo”, ou mesmo de “pertencer a uma tribo”.

Mário Vargas Llosa sabe do que fala. Pertenceu à tribo vermelha dos comunistas, em sua juventude, à tribo rosa escuro dos socialistas, logo depois, e à tribo rosa claro dos sociais democratas, ainda um pouco mais tarde. Depois, desiludido com as tribos da esquerda, desentribou-se (esse verbo também fica criado).

Engana-se quem pensa que, tendo se desentribado das tribos da esquerda, Vargas Llosa simplesmente mudou de tribo, passando a pertencer à tribo liberal clássica (com alguns ajustes aqui e ali). Ele se desentribou de vez, “überhaupt”. Decidiu não mais pertencer a nenhuma tribo. Tornou-se o que os americanos chamam de “rugged individualist”, um individualista vigoroso e resistente. O livro, que é, em grande medida, uma autobiografia, procura mostrar por que o entribamento é um perigo para a liberdade, para a autonomia, para o ser dono do próprio nariz, para o viver “my way”, “à mi manera”, “de ma façon”, “auf meine Weise”, do meu jeito, à minha moda, sem precisar dar satisfações a quem seja… (exceto no caso daqueles deveres que o afeto e respeito impõe).

Como disse, li apenas o primeiro capítulo, até agora. O livro tem oito. Os outros sete discutem sete influências liberais sobre a vida do autor (os nomes estando ordenados pela data do nascimento): Adam Smith (1723-1790), José Ortega y Gasset (1883-1955), Friedrich August von Hayek (1899-1992), Sir Karl Popper (1902-1994), Raymond Aaron (1905-1983), Sir Isaiah Berlin (1909-1997), Jean-François Revel (1924-2006). Todos estes estão entre meus autores favoritos. Deles, Ortega y Gasset é o que menos li. Dos demais, tenho e já li de dez livros para cima, de cada um.

Confesso que sinto falta de alguns nomes, em especial dos de (ordenando pelo mesmo critério) Ludwig von Mises (1881-1973), Ayn Rand (1905-1982), e de Milton Friedman (1912-2006) nessa lista. Eu completaria a lista com esses três nomes, deixando-a com dez – com, além do próprio Vargas Llosa, dois Prêmios Nobel de Economia, von Hayek (1974) e Friedman (1976), e dois Sirs, Karl Popper e Isaiah Berlin. Nada mal.

Voltemos, porém, ao primeiro capítulo do livro. Ali Vargas Llosa esclarece, com precisão e rara felicidade, a diferença entre o Liberalismo (estilo clássico) e o Conservadorismo, o Liberalismo e o Libertarianismo, o Liberalismo e o Anarquismo, etc. Discute ainda por que o Liberalismo (desse matiz) não é uma Ideologia. E defende, com cuidado, no final do capítulo, a importância da Educação para o Liberalismo – para que, na corrida da vida, todos possam ter uma linha de largada mais ou menos comparável, e se possível equivalente – certamente não intolerantemente desigual. A busca por uma linha de largada exata e impecável, igualíssima para todos, é uma utopia não liberal.

Recomendo. É uma excelente análise do Liberalismo Clássico — e é uma defesa, também. No processo, é uma interessante autobiografia intelectual. E, por fim, é uma discussão, importante e pertinente, da questão da atração, em alguns casos quase que irresistível, que tem sobre nós o entribamento.  Muitos anseiam por uma tribo que, fazendo-os sentir aceitos e devidamente entribados e enturmados, os dispense de buscar / construir sua identidade pessoal individual, própria e única e de pensar por si próprios. Passam a se ver apenas como membros de uma tribo, daquela tribo, que pensa por eles. Esta é a essência do “group think“. Os entribados precisam esperar que o pajé da tribo revele o que ele pensa para saber o que eles próprios pensam.

Não creio que o livro já esteja em Português. Saiu no primeiro semestre deste ano.

Em 5 de Setembro de 2018.

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