Cerca de dois anos e meio atrás (no dia 13/7/2011) escrevi um post aqui com o título de “50 Anos de Carreira” (http://liberalspace.net/2011/07/13/50-anos-de-carreira/). Indiquei que estava comemorando, naquele ano de 2011, 50 anos de minha carreira como Escritor, pois foi naquele ano, em que fazia o primeiro ano do meu Curso Secundário Clássico, que comecei a escrever – primeiro ensaios para as disciplinas de Língua Portuguesa, Literatura Portuguesa, e Literatura Brasileira. Depois, outras coisas.
Hoje (13/3/2014), enquanto lia um livro fantástico (Neil Postman, The Disappearance of Childhood), topei com uma passagem interessante. Passo a contextualiza-la, antes de cita-la.
Indica Postman, na p.21 da edição de 1994 em paperback, que antes da invenção da prensa impressora, no século 15, “o conceito de escritor, no sentido em que usamos o termo hoje, não existia”. À primeira vista essa afirmação soa estranha, porque faz certo sentido imaginar que o conceito de escritor exista desde que foi inventada a escrita – não desde que foi inventada a prensa impressora (possivelmente por Guttenberg). A tese de Postman é de que o texto (no sentido convencional, de “texto escrito” – expressão que vai sempre me soar pleonástica) certamente surgiu com a escrita, mas um texto qualquer não tinha um só dono, alguém que um dia se sentou e o escreveu (como eu estou fazendo com este texto), mas vários donos ou proprietários – e de diferentes tipos. Para ilustrar ele cita uma curiosa passagem de São Boaventura, escrita no século13. Ele descreve quatro tipos de donos ou proprietários de um texto :
“Um homem pode escrever as palavras de outros, nada acrescentando ou alterando, em cujo caso nós o chamamos de ‘escriba’. . . . Outro homem pode escrever também as palavras de outros, mas acrescentando-lhes palavras que não são criadas por ele, em cujo caso nós o chamamos de ‘compilador’. . . . Ainda um terceiro homem pode escrever tanto palavras dos outros como as suas próprias, mas deixando que as palavras dos outros ocupem o lugar principal, em cujo caso nós o denominamos ‘comentarista’. . . . E, por fim, um quarto homem pode escrever tanto palavras dos outros como as suas próprias, mas atribuindo o lugar principal às suas, deixando que as palavras dos outros sirvam apenas de reforço ou confirmação. Neste último caso, reconhecemos esse quarto homem como ‘autor’ . . .” (Postman cita apud Elizabeth Eisenstein, The Printing Press as an Agent of Change, 1979).
Aquele que São Boaventura chama de autor é o que hoje chamamos de escritor (writer). Ele escreve palavras suas, que ele mesmo criou e compôs, ainda que se sirva, para fins de reforço ou comprovação, de palavras de outros, que ocupam um papel claramente secundário.
(Parêntese: alunos de Pós-Graduação em processo de escrever dissertação ou tese deveriam atentar para esse fato sublinhado por São Boaventura, oito séculos atrás por aí: o autor de uma dissertação ou tese não é um mero comentarista sobre as palavras de outros, nem, muito menos, um mero compilador de pontos de vista alheios. A maioria absoluta dos trabalhos acadêmicos que leio, mesmo em se tratando de teses de doutorado, parecem mais comentários ou mesmo compilações do que verdadeiros trabalhos de autoria. Fim do parêntese.)
Quando os textos eram manuscritos, eles em geral eram compostos, originalmente, por alguém que falava (ou mesmo ditava) e por alguém que transcrevia o que o outro dizia (o chamado escriba ou amanuense – o amanuense é, literalmente, o que empresta a mão para o outro escrever. . .). Se o texto composto era reproduzido (duplicado ou multiplicado), havia necessidade de um copista. Tanto o escriba como o copista, é forçoso reconhecer, frequentemente metiam o nariz onde não deviam e acrescentavam suas próprias palavras ao texto, ou deixavam palavras de fora, ou alteravam o que estavam transcrevendo ou copiando. Quem já trabalhou com crítica literária do Velho ou do Novo Testamento conhece bem o padrão de interpolações, omissões e alterações.
Foi apenas com a invenção da prensa impressora que foram criados mecanismos de composição, impressão e reprodução de textos que submetiam os textos a certo tipo de controle. Foi só aí que foi criada a figura do escritor como o autor, dono ou proprietário do texto impresso, titular, até mesmo, de “direitos autorais” e “direitos de cópia” (copyright).
Em 2011, quando minha “Fan Page” Eduardo Chaves foi criada no Facebook (por minha mulher, é bom que fique permanentemente registrado), eu, já aposentado da UNICAMP, coloquei minha função ou profissão principal como sendo escritor. Devo mais essa a Gutenberg.
A propósito, minha “Fan Page” se encontra no endereço:
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Agradeço a visita e, se for do seu agrado, a “curtição” (like). Este texto está indo para lá, via meu blog Liberal Space, que se encontra no endereço:
Em São Paulo, 13 de Março de 2014