O Papel dos Sonhos e da Invenção: Uma Discussão da Realidade e da Ficção, da Verdade e da Mentira

Manoel de Barros morreu esta semana (13/11/14), aos 97 anos. Pipocaram na imprensa diversas frases lindas e inspiradoras dele, embora à primeira vista meio enigmáticas, das quais pinço duas:

“Só 10% do que falo é mentira, o resto eu invento.”

“Há histórias tão verdadeiras que às vezes parece que são inventadas.”

A primeira frase me faz lembrar de uma frase do grande Voltaire:

“Nunca contei nenhuma mentira. Mas já inventei muitas verdades”.

A segunda me faz lembrar de uma frase da grande Ayn Rand:

“Há na natureza coisas tão lindas que parecem ser artificiais”.

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Frases como essas são tão geniais que parece impossível analisa-las sem que elas percam sua beleza e a análise pareça trivial e sem sentido. Mas, sendo filósofo, não consigo resistir. E vou me guiar, em parte, pelo mestre Mario Vargas Llosa, em seu livro La Verdad de las Mentiras (primeira edição: 1990; edição expandida: 2002). Ele, por sua vez, foi, como eu também, parcialmente inspirado pela obra Ayn Rand (passim).

Mas tenho tido experiências que me mostraram, ao longo dos últimos quase 50 anos, que é preciso procurar a verdade nas mentiras.

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Nos meses de Março e Abril de 1966 escrevi, quanto tinha meros 22 anos, uma série de artigos provocada por um sermão sobre o livro de Jonas do Velho Testamento, que acabou provocando uma crise no seminário que eu então frequentava e a expulsão de cinco professores (inclusive o Reitor) e 39 alunos.

O sermão foi um sermão de prova pregado por meu colega Floramonte Gonçalves. Ele interpretou o livro de Jonas como se fosse, não literatura, mas história. . . Para ele, o protagonista era de fato Jonas, um profeta israelita, que nasceu, fez (entre outras coisas) aquilo que o livro descreve, e morreu. Uma pessoa real, em outras palavras. E as ações e acontecimentos que o livro de Jonas descreve devem ser interpretados literalmente, sem tirar nem pôr, nos menores detalhes. Jonas recebeu uma ordem de Deus, tentou não executa-la fugindo para um lugar diferente daquele para o qual Deus o havia enviado, o navio em que estava naufragou, Jonas foi engolido inteiro por uma baleia (ou um peixe grande, não faz grande diferença), passou três dias na barriga do peixe, e, ao final do terceiro dia, foi vomitado na praia de Nínive, local para onde havia sido enviado por Deus.

Quando o livro de Jonas é interpretado literalmente, como história, não como literatura, o que sobressaem são os milagres, em especial os alegados fatos de que ele foi engolido inteiro por um peixe, passou três dias vivos na barriga do peixe, e foi vomitado pelo peixe exatamente na praia da localidade para a qual deveria ter ido mas da qual tentara (em vão fugir).

Interpretado livro literalmente, a lição teológica que sobressai é que não adianta tentar fugir de Deus e tentar não cumprir as suas ordens. Essas tentativas humanas de enfrentar a Deus são todas vãs e Deus, com sua vontade soberana, sempre prevalece.

Minhas tese, nos meus artigos, era de que o livro deveria ser interpretado como literatura, como poema — na verdade, como uma parábola. Eis o que disse no primeiro artigo, de 17/3/1966, em O CAOS em Revista:

“O livro de Jonas é um poema didático, podemos mesmo dizer que um poema parabólico, escrito para mostrar que Deus se compadece mesmo dos ímpios quando eles se arrependem (3:10; 4:10). Este poema foi escrito com uma moral dirigida contra a intolerância dos Judeus e sua arrogância para com as nações pagãs, resultantes da doutrina da eleição mal interpretada em um sentido particularista.”

Interpretado o livro de Jonas como literatura, não sobressaem nele nem os milagres nem a doutrina de que a vontade soberana de Deus inevitavelmente se impõe à nossa vontade, de modo que, quer queiramos, quer não, é a vontade de Deus que é feita, tanto na Terra como nos Céus. Se fosse assim, nem precisaríamos orar, no “Pai Nosso”, “seja feita a tua vontade, assim na Terra como nos Céus”. Ela seria sempre feita, quer orássemos, quer não… Interpretado o livro como literatura, sobressaem, de um lado, o amor, a misericórdia, o compadecimento de Deus, mesmo para com os supostamente não-escolhidos, e, de outro lado, a condenação divina à estreiteza da visão dos judeus que, considerando-se nação eleita, desprezavam os gentios e a eles dirigiam sua intolerância. . .

Interpretado literalmente (i.e., como história), o livro de Jonas pende para o calvinismo mais radical; interpretado literariamente (i.e., como parábola), o livro de Jonas pende para o tipo de arminianismo que enfatiza o caráter de Deus como amor inclusivo. . .

Em suma (e aqui revelo algumas preferencias hermenêuticas e teológicas minhas): interpretado como parábola, isto é, como ficção, como invenção, como “mentira”, o livro contém mais verdades, e verdades mais importantes, do que quando interpretado como verdade histórica literal. . .

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A realidade raramente é exatamente como a desejamos.

Nossa vida, como ela de fato é, por melhor que seja, raramente é a vida que, no nosso mais profundo, gostaríamos de ter. Sempre falta — ou sobra — alguma coisa. Falta dinheiro, falta tempo, sobram obrigações, sobram doenças. . . Por isso, o ser humano recria a realidade no plano virtual, no plano da ficção, para que a realidade, agora inventada, incorpore seus sonhos, seus desejos, seus quereres, seus valores, seus ideais. . . Na realidade, nossos planos muitas vezes não são executados, nossos amores são frustrados e não dão certo, não convivemos bem com alguns membros de nossa família, no todo o mal parece prevalecer sobre o bem, os injustos sobre os justos. Na ficção podemos recriar a realidade de acordo com nossos sonhos, desejos, quereres, valores e ideais. Nela os planos ao final são executados como havia sido planejado, os amores, mesmo que tenham um momento inicial difícil, dão certo e os amantes vivem seus amores para sempre, nem a morte tendo o poder de totalmente os separar. . . Nela, se a morte sobrevier a um dos amantes, o espírito dele sobrevive e se comunica com o que sobreviveu. Haja vista Ghost. Como diz Mario Vargas Llosa (Jorge Mario Pedro Vargas Llosa):

“Los hombres no están contentos con su suerte, y casi todos — ricos o pobres, geniales o mediocres, célebres u oscuros – quisieran una vida distinta de la que viven. Para aplacar – tramposamente – ese apetite nacieron las ficciones. Ellas se escriben y se leen para que los seres humanos tengan las vidas que no se resignan a no tener. En el embrión de toda novela bulle una inconformidad, late un deseo insatisfecho.” [p. 16; ênfase acrescentada]

“A ficção existe para que os seres humanos tenham as vidas que não se resignam a não ter.” Frase fantástica.

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A arte existe porque a vida não basta“, complementou e generalizou nosso grande poeta Ferreira Gullar (José Ribamar Ferreira), ao completar seus 80 anos.

(Vide a entrevista: http://g1.globo.com/pop-arte/flip/noticia/2010/08/arte-existe-porque-vida-nao-basta-diz-ferreira-gullar.html; ênfase acrescentada.)

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Eis o que Ayn Rand (Alyssa Zinovievna Rosenbaum) disse e que influenciou Vargas Llosa:

“The most important principle of the esthetics of literature was formulated by Aristotle, who said that fiction is of greater philosophical importance than history, because ‘history represents things as they are, while fiction represents them as they might be and ought to be.’

This applies to all forms of literature and most particularly to a form that did not come into existence until twenty-three centuries later: the novel.

A novel is a long, fictional story about human beings and the events of their lives. The four essential attributes of a novel are: Theme—Plot—Characterization—Style.

These are attributes, not separable parts. They can be isolated conceptually for purposes of study, but one must always remember that they are interrelated and that a novel is their sum. (If it is a good novel, it is an indivisible sum.)

These four attributes pertain to all forms of literature, i.e., of fiction, with one exception. They pertain to novels, plays, scenarios, librettos, short stories. The single exception is poems. A poem does not have to tell a story; its basic attributes are theme and style.

A novel is the major literary form—in respect to its scope, its inexhaustible potentiality, its almost unlimited freedom (including the freedom from physical limitations of the kind that restrict a stage play) and, most importantly, in respect to the fact that a novel is a purely literary form of art which does not require the intermediary of the performing arts to achieve its ultimate effect.” (“Basic Principles of Literature”, in The Romantic Manifesto, p. 80; ênfase acrescentada).

“A história representa as coisas como elas são, enquanto a ficção as representam como elas poderiam e deveriam ser”.

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A verdade é, em geral, entendida como correspondência entre o que pensamos e a realidade. O que dizemos acerca da realidade, como a descrevemos, como explicamos a sua operação, tudo isso é verdade se a realidade for como dizemos, como a descrevemos, como a explicamos.

Os cientistas (entre eles os historiadores de hoje) descrevem e explicam a realidade, aquilo que existe e acontece.

Os criativos imaginam coisas e estados de coisas que não existem e acontecem e se perguntam: por que não? E inventam novas realidades, que não são menos realidades porque foram criadas pela mente humana e satisfazem uma necessidade imperiosa de mostrar que um outro mundo é possível.

Aquilo que é inventado não é necessariamente mentira (embora seja possível inventar mentiras — na realidade, mentiras são sempre invenções). Mas muito daquilo que se inventa é verdade – algumas vezes mais verdadeiro do que as verdades não inventadas.

Por que não?

Foi por isso que Manoel de Barros disse que 10% do que ele falava era mentira, mas que o resto não era mentira: era invenção sua — era literatura, era poesia!

Foi por isso que Voltaire, antes dele, disse que não tinha o hábito de mentir, mas tinha, isto sim, o hábito de inventar verdades (muitas vezes inconvenientes).

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As verdades contidas nas “mentiras” da ficção muitas vezes incomodam. A escola em que Mario Vargas Llosa estudou o processou por causa de um de seus romances. Sua primeira mulher tentou se vingar dele pelo que havia num de seus romances escrevendo outro romance. . .

Graham Greene, um dos maiores romancistas ingleses, chegou a ser processado quando o marido de uma mulher de uma das histórias que ele escreveu (End of the Affair) leu o livro . . .

A ficção é sempre mentira, não é nunca verdade? O inventado e o virtual estão fora realidade? Pobre de quem pensa isso.

Em São Paulo, 15 de Novembro de 2014.

Lulla, o Tullius Détritus

Nas revistas do Asterix havia um personagem chamado Tullius Détritus. Sua característica principal era semear cizânia, causar dissenção, dividir as pessoas. Para isso, mentia, usava meias verdades (que são meias mentiras), fazia insinuações maldosas, intrigava…

Lulla é um verdadeiro Tullius Détritus. Seu objetivo único na vida é provocar os outros, ainda que, para isso, tenha de mentir deslavadamente – algo que faz com a maior cara de pau, sem nenhum constrangimento.

Li num comentário de leitor nos jornais (que não consegui localizar de novo para pegar a referência) a observação de que o Lulla conseguiu separar até mesmo o P do T. De um lado, estão ele e os apparatchiks do Partido, todos eles encastelados no governo federal, apoiados por aqueles que não são trabalhadores, posto que são bolsistas do governo federal. Do outro estão os que trabalham – os verdadeiros Trabalhadores – que sustentam os bolsistas através de seus impostos.

O percentual de pessoas que vai votar no PT nas eleições deste ano vai acabar se limitando aos apparatchiks do Partido e os bolsistas. O restante, que realmente trabalha e paga impostos, e, assim, sustenta os bolsistas e os burocratas do Partido que aparelham o governo federal, está cada vez mais desiludido com Lulla, Dillma e o PT. Quer mudança. 70% dos eleitores querem mudança. Os 30% que sobram é que vão votar para o PT. Em sua maioria absoluta devem ser bolsistas ou apparatchiks.

Em Salto, 21 de Junho de 2014

Hermenêutica — Ou a Ciência e a Arte de Traduzir, Interpretar e Clarear o Sentido

Hoje tenho aula no Centro Universitário Salesiano, em Americana, num seminário sobre Metodologia da Pesquisa que é de responsabilidade de meu amigo (e ex-orientando de Doutorado), Renato Soffner.

O tema que o Renato me deu foi Hermenêutica. Esse é um assunto que sempre me fascinou. O Renato sabe disso, por isso me atribuiu o tema…

“Hermenêutica” é um termo criado a partir do nome de Hermes, um deus grego especializado (os deuses gregos tinham especialidades) em descobrir, esclarecer, interpretar, ou mesmo traduzir o sentido de alguma coisa que não era autoevidente ou aparente.

A coisa, cujo sentido se buscava, podia ser qualquer coisa: um quadro com uma pintura (como Menina com Brinco de Pérola, de Johannes Vermeer), um incidente (como uma interação humana que começa como uma discussão entre duas pessoas e chega aos que se chama de ‘vias de fato’, culminando com a morte de uma das partes), um sonho, ou (mais comum) um enunciado (na forma de algo falado, um dito, como o oráculo de um deus, ou de algo escrito, um texto, como o artigo de uma lei ou uma passagem bíblica).

O processo pode parecer simples. Algumas imaginam que as coisas têm ou não têm sentido, e, quando têm, seu sentido é aparente, autoevidente, dispensando maiores elocubrações. Mas não é assim. Nem sempre o que parece ser é do jeito que parece. Até mesmo a linguagem, criada (supõe-se) para facilitar a comunicação e esclarecer o sentido das coisas, muitas vezes dificulta a comunicação e obscurece o sentido.

Hoje traduzimos (às vezes muito mal) a fala dos filmes (dublando ou colocando legendas), mas não traduzimos o filme. Mas podemos tentar interpreta-lo, descobrir o seu sentido, a sua mensagem… Da mesma forma, não traduzimos uma pintura ou uma escultura, mas podemos tentar interpreta-la. Podemos interpretar a linguagem corporal, mas não efetivamente traduzi-la.

A Hermenêutica que mais me interessa é a aplicada à linguagem — oral e escrita. Por deformação profissional, meu interesse tem se concentrado mais na linguagem escrita: nos textos bíblicos, nos tratados dos filósofos, nos diplomas legais, nos ensaios científicos ou acadêmicos, nas matérias jornalísticas, e, naturalmente, nas obras literárias.

Quando escrevemos — aqui, por exemplo — não podemos nos esquecer de que o texto que produzimos requer interpretação, esclarecimento. Para quem o escreve o texto frequentemente parece tão límpido e evidente que dispensa interpretação, clareamento. . . Mas isso não é verdade. Até um simples “não” pode, em circunstâncias especiais, significar um “sim”. . .

Uma questão que reputo fascinante é se o texto, uma vez produzido, se autocontém, por assim dizer, isto é, se pode ser entendido plenamente contextualização e outras referências externas.

Quando fiz o doutorado, na Universidade de Pittsburgh, fiz um seminário de dois semestres com meu grande mestre Ford Lewis Battle (que também foi meu professor de História da Igreja na Idade Média, no Seminário Presbiteriano de Pittsburgh). O tema era “Crítica de Fontes Escritas”. Ele era professor de história, como mencionei (indiretamente). Um semestre foi dedicado à crítica interna e outro à crítica externa. No primeiro, só se discutia um texto (às vezes mais de um, relacionado), sem sair dele, sem procurar saber quem era o autor, onde vivia, que interesses tinha, que agendas defendia. . . No segundo, o texto era colocado em seu “Sitz im Leben”, em seu contexto social e histórico.

Em sentido não técnico, Sitz im Lebem é o lugar, na vida de uma pessoa, que, quando conhecido, permite que outros entendam melhor algo que ela está dizendo (ou fazendo).

A expressão alemã quer dizer, quando literalmente traduzida, “Lugar na Vida”. Em terminologia mais simples e conhecida, Sitz im Lebem é o contexto. Consta que a expressão foi usada pela primeira vez em sentido mais técnico pelo teólogo alemão Hermann Gunkel, em seu trabalho sobre as diversas narrativas da criação no livro de Gênesis na Bíblia. [Vide Hermann Gunkel, The Legends of Genesis: The Biblical Saga & History (Schocken Books, 1964; reimpressão de uma tradução do Alemão feita em 1901]. Nas três primeiras décadas do Século 20, a expressão se tornou comum no contexto da exegese e interpretação do texto bíblico, tanto do Velho como do Novo Testamento. [Vide o verbete na WikiPedia: http://en.wikipedia.org/wiki/Sitz_im_Leben%5D.

Os estudiosos alemães estavam interessados, naquela época, em entender o contexto em que surgiram e em que foram considerados dignos de preservação os diferentes mini blocos de informação que compõem, hoje, o texto bíblico. A metodologia se estendeu e se tornou popular em relação ao texto dos Evangelhos no Novo Testamento (em especial dos três primeiros, os chamados Sinóticos). Acreditava-se, então, e até hoje ainda se acredita, que o texto final de cada um dos Evangelhos foi apenas uma tentativa de “alinhavar” e “amarrar” vários desses mini blocos (na verdade, mais de uma): genealogias, descrições de fatos isolados, narrativas mais bem sequenciadas, histórias inventadas (as parábolas, por exemplo), conjuntos de ditos isolados (as Bem-Aventuranças, por exemplo), comentários editoriais de quem estava compilando o material, etc. Assim, o sentido mais técnico da expressão Sitz im Lebem se refere, no caso dos Evangelhos, ao lugar (o contexto) na vida de Jesus em que um determinado mini bloco de informação pode ter surgido (a parábola do Filho Pródigo, por exemplo), ou, então, o lugar (o contexto) na vida da comunidade cristã primitiva que explica por que aquele mini bloco de informação veio a ser considerado suficientemente importante para ser preservado para a posteridade. [Vide Rudolf Bultmann e Karl Kundsin, Form Criticism: Two Essays on New Testament Research (Harper & Brothers, 1962, reimpressão de uma tradução do Alemão de 1934].

Além da teologia e da filosofia, sempre gostei de literatura. De cinema, também, mas a literatura sempre me pareceu mais básica. Sem ela, teríamos um número muito menor de grandes filmes. Embora haja bons filmes baseados em roteiro original, a maior parte dos grandes filmes se baseia em obras literárias de sucesso.

Quando era mais moço, ficava intrigado com a criatividade dos autores de ficção. Eu olhava para a minha limitadíssima criatividade – sempre tive enorme dificuldade até para inventar as mentiras mais simples – e ficava abestalhado com a capacidade que os grandes escritores pareciam ter de inventar e depois contar histórias tão complexas, com tantos detalhes envolventes.

Meu gosto pela literatura acabou por me levar a me interessar pela biografia, como gênero literário. No caso da biografia, imagina-se, o autor está delimitado pelos fatos relativos à vida do seu biografado. Mas mesmo assim, fiel aos fatos, ele constrói, criativamente, uma narrativa. (Biografias encomendadas são, naturalmente, um caso à parte).

As biografias mais fascinantes que li (inclusas aqui algumas autobiografias, admitidas ou disfarçadas) foram de pessoas que escreveram ficção (entre outras coisas): Ayn Rand, Graham Greene, Simone de Beauvoir, Arthur Koestler, Gabriel Garcia Márquez, Mario Vargas Llosa, Isabel Allende. . .

Ao ler essas biografias e autobiografias percebi que a criatividade que eu admirava tanto nos autores de ficção não estava necessariamente na invenção de histórias, ex nihilo, como se isso fosse possível, mas, sim, na narração, feita de forma interessante, não raro camuflada, e muitas vezes embelezada, de experiências vividas ou observadas por eles mesmos. Sua criatividade era, a maior parte do tempo, adaptativa em vez de inventiva.

O caso paradigmático que deixou isso eminentemente claro para mim foi o livro The End of the Affair (Fim de Caso), de Graham Greene. Segundo fica claro em uma de suas biografias (Norman Sherry, The Life of Graham Greene, Penguin Books: vol. 1, 1904-1939, publicado em 1989, 783p; vol. 2, 1939-1955, publicado em 1994, 562p; vol. 3, 1955-1991, publicado em 2004, 906p – ao todo, 2.251 páginas!), a narrativa é basicamente autobiográfica. Neste caso, a camuflagem foi tão tênue que Greene, na realidade, foi até processado pelo marido traído no caso que chegava ao fim.

Encontrada a pista, não foi difícil descobrir outros casos. Comecei a me especializar em identificar o Sitz im Lebem – o lugar na vida – dos autores de ficção, as experiências por eles vivenciadas, que acabaram por se tornar romances famosos. Mário Vargas Llosa e Isabel Allende, por serem tão explícitos acerca de detalhes de sua biografia, tornaram esse trabalho bem mais fácil. [Veja-se, por exemplo, La Tía Julia y el Escribidor (Tia Júlia e o Escrevinhador).]

É isso. Já estou começando a viajar… Espero que a aula seja boa. Nunca dou aula no sentido clássico, de ficar falando lá na frente. Isso faço em palestras. Minhas aulas são provocativas e discutitivas.

Em Salto, 14 de Abril de 2014; revisado em 26 de Setembro de 2019.

O Virtual

Em seu livro The Disappearance of Childhood Neil Postman observa que a invenção da prensa impressora, com a consequente popularização do livro impresso, afetou a sociedade mais profundamente, e em mais aspectos, do que normalmente imaginamos.

Uma das mudanças que ele assinala é aquela produzida pela invenção de gêneros literários individualistas, intimistas mesmo, como o relato de experiências pessoais (viagens e outros tipos de vivência), ou o relato de histórias totalmente fictivas, inventadas apenas para entreter o leitor…

O ato de escrever esse tipo de relato, de um lado, e o ato de le-lo, de outro, são, como sublinha Postman, extremamente anti-sociais. O autor em geral escreve sozinho. Para faze-lo, requer de seu ambiente social, em geral, apenas solidão e sossego. O leitor, por seu lado, também em geral lê sozinho. Dispensa, ao ler, a companhia de outras pessoas, ou, se obrigado a ler em companhia, prefere que a companhia fique, tanto quanto possível, calada… Cria-se, assim, uma espécie de conspiração entre autor e leitor, que faz com que ambos mergulhem em sua interioridade gerando ali um espaço psicológico em que a vida mental do indivíduo é tudo que interessa. Há gente que, quando imersa nesse exercício, se esquece de comer ou mesmo de dormir: literalmente não vê o tempo passar na realidade, propriamente dita.

Mesmo quando não baseada em fatos totalmente inventados (pouca ficção o é), a literatura gera uma realidade virtual, um mundo habitado pelo autor e seus leitores, que acaba se tornando tão importante quanto, quando não mais importante que, a realidade propriamente dita em que eles são obrigados a viver. Se esta realidade “real” tem aspectos desagradáveis, a literatura permite que autor e leitores mergulhem na realidade virtual, fugindo daquela… Quando bem sucedida a iniciativa, a realidade virtual criada pela literatura invade a realidade “real” e acaba por, até certo ponto, se confundir com ela. Cartas são recebidas até hoje em 21-B Baker Streeet, a residência de Sherlock Holmes em Londres. Harry Potter e Narnia são tão reais para muito adolescente quanto Justin Bieber e a Disneylândia o são para outros — e a Disneylândia, embora criada num certo lugar físico (Pasadena, CA, EUA), é habitada por réplicas de gente virtual como Mickey, Minie, Donald, seu Tio Patinhas, seus sobrinhos, etc.

Por que nos preocupar com os aspectos mais recalcitrantes da realidade propriamente dita se a gente pode mergulhar num mundo virtual mais hospitaleiro ou mesmo criar a própria realidade virtual com apenas imaginação e talento — a partir de um espaço isolado?

Hoje a tecnologia amplifica assustadoramente a realidade virtual.

Como usar esses mundos virtuais para que as novas gerações aprendam o que precisam saber para viver vidas bem sucedidas no século 21 — no plano virtual e não virtual? Como podem os espaços virtuais individualizados se tornar ambientes eficazes para a aprendizagem colaborativa? Como podem os espaços das redes virtuais se tornar educativos, mesmo quando os espaços da realidade “dura” em que vivemos em regra não o são?

Em São Paulo, 15 de Março de 2014.

A Função do Escritor

Cerca de  dois anos e meio atrás (no dia 13/7/2011) escrevi um post aqui com o título de “50 Anos de Carreira” (http://liberalspace.net/2011/07/13/50-anos-de-carreira/). Indiquei que estava comemorando, naquele ano de 2011, 50 anos de minha carreira como Escritor, pois foi naquele ano, em que fazia o primeiro ano do meu Curso Secundário Clássico, que comecei a escrever – primeiro ensaios para as disciplinas de Língua Portuguesa, Literatura Portuguesa, e Literatura Brasileira. Depois, outras coisas.

Hoje (13/3/2014), enquanto lia um livro fantástico (Neil Postman, The Disappearance of Childhood), topei com uma passagem interessante. Passo a contextualiza-la, antes de cita-la.

Indica Postman, na p.21 da edição de 1994 em paperback, que antes da invenção da prensa impressora, no século 15, “o conceito de escritor, no sentido em que usamos o termo hoje, não existia”. À primeira vista essa afirmação soa estranha, porque faz certo sentido imaginar que o conceito de escritor exista desde que foi inventada a escrita – não desde que foi inventada a prensa impressora (possivelmente por Guttenberg). A tese de Postman é de que o texto (no sentido convencional, de “texto escrito” – expressão que vai sempre me soar pleonástica) certamente surgiu com a escrita, mas um texto qualquer não tinha um só dono, alguém que um dia se sentou e o escreveu (como eu estou fazendo com este texto), mas vários donos ou proprietários – e de diferentes tipos. Para ilustrar ele cita uma curiosa passagem de São Boaventura, escrita no século13. Ele descreve quatro tipos de donos ou proprietários de um texto :

“Um homem pode escrever as palavras de outros, nada acrescentando ou alterando, em cujo caso nós o chamamos de ‘escriba’.  . . .  Outro homem pode escrever também as palavras de outros, mas acrescentando-lhes palavras que não são criadas por ele, em cujo caso nós o chamamos de ‘compilador’.   . . . Ainda um terceiro homem pode escrever tanto palavras dos outros como as suas próprias, mas deixando que as palavras dos outros ocupem o lugar principal, em cujo caso nós o  denominamos ‘comentarista’.   .  . .   E, por fim, um quarto homem pode escrever tanto palavras dos outros como as suas próprias, mas atribuindo o lugar principal às suas, deixando que as palavras dos outros sirvam apenas de reforço ou confirmação. Neste último caso, reconhecemos esse quarto homem como ‘autor’  . . .” (Postman cita apud Elizabeth Eisenstein, The Printing Press as an Agent of Change, 1979).

Aquele que São Boaventura chama de autor é o que hoje chamamos de escritor (writer). Ele escreve palavras suas, que ele mesmo criou e compôs, ainda que se sirva, para fins de reforço ou comprovação, de palavras de outros, que ocupam um papel claramente secundário.

(Parêntese: alunos de Pós-Graduação em processo de escrever dissertação ou tese deveriam atentar para esse fato sublinhado por São Boaventura, oito séculos atrás por aí: o autor de uma dissertação ou tese não é um mero comentarista sobre as palavras de outros, nem, muito menos, um mero compilador de pontos de vista alheios. A maioria absoluta dos trabalhos acadêmicos que leio, mesmo em se tratando de teses de doutorado, parecem mais comentários ou mesmo compilações do que verdadeiros trabalhos de autoria. Fim do parêntese.)

Quando os textos eram manuscritos, eles em geral eram compostos, originalmente, por alguém que falava (ou mesmo ditava) e por alguém que transcrevia o que o outro dizia (o chamado escriba ou amanuense – o amanuense é, literalmente, o que empresta a mão para o outro escrever. . .). Se o texto composto era reproduzido (duplicado ou multiplicado), havia necessidade de um copista. Tanto o escriba como o copista, é forçoso reconhecer, frequentemente metiam o nariz onde não deviam e acrescentavam suas próprias palavras ao texto, ou deixavam palavras de fora, ou alteravam o que estavam transcrevendo ou copiando. Quem já trabalhou com crítica literária do Velho ou do Novo Testamento conhece bem o padrão de interpolações, omissões e alterações.

Foi apenas com a invenção da prensa impressora que foram criados mecanismos de composição, impressão e reprodução de textos que submetiam os textos a certo tipo de controle. Foi só aí que foi criada a figura do escritor como o autor, dono ou proprietário do texto impresso, titular, até mesmo, de “direitos autorais” e “direitos de cópia” (copyright).

Em 2011, quando minha “Fan Page” Eduardo Chaves foi criada no Facebook  (por minha mulher, é bom que fique permanentemente registrado), eu, já aposentado da UNICAMP, coloquei minha função ou profissão principal como sendo escritor. Devo mais essa a Gutenberg.

A propósito, minha “Fan Page” se encontra no endereço:

http://www.facebook.com/educhv/

Agradeço a visita e, se for do seu agrado, a “curtição” (like). Este texto está indo para lá, via meu blog Liberal Space, que se encontra no endereço:

http://liberalspace.net/

Em São Paulo, 13 de Março de 2014

50 Anos sem C S Lewis (1898-1963)

Hoje faz 50 anos que morreu C S Lewis (29-11-1898 / 22-11-1963). Escritor, acima de tudo. Especialista em literatura medieval. Escritor de livros para crianças. E teólogo que escreveu para o grande público. Dentro da teologia, foi um apologeta — um defensor do Cristianismo. Mas não foi sempre um defensor da fé cristão. Por um bom tempo foi ateu. Depois se converteu ao Cristianismo.

Trabalhou nas duas grandes universidades inglesas: Oxford e Cambridge. Mais em Oxford, onde trabalhou primeiro.

Durante a maior parte de sua vida foi um solteirão, que morava com seu irmão, historiador, também solteirão. Em 1956 se casou com Joy Davidman, uma escritura americana, divorciada, com dois filhos, dezessete anos mais nova que ele. Ela morreu de câncer quatro anos depois do casamento. A história do amor, da amizade, da admiração mútua, da parceria deles tem sido objeto de vários livros e de mais de um filme. O mais lindo deles, na minha avaliação, é Shadowlands (Terras de Sombra), em que Lewis é representado pelo incomparável Anthony Hopkins e Debra Winger faz o papel de Davidson.

Seu livro mais interessante, do ponto de vista teológico e apologético, é Mere Christianity Cristianismo Puro e Simples, em Português. Foi escrito durante a Segunda Guerra na forma de conversas ao rádio com as tropas ingleses que estavam no campo de batalha. É um bestseller até hoje.

The Chronicles of Narnia (As Crônicas de Narnia) já gerou quatro filmes de cinema, filmes de TV, programas de rádio. Lewis era amigo chegado de J. R. R. Tolkien, que escreveu a série The Lord of the Rings (O Senhor dos Anéis).

Um grande intelectual, um grande autor, um grande cristão, um grande homem.

Em São Paulo, 22 de Novembro de 2013

Memória, Verdade e Autobiografias

Se John Locke está certo, nossa identidade pessoal é inseparavelmente ligada às nossas memórias. Se temos amnésia completa, deixamos de ser quem éramos. Se (por algum milagre, divino ou científico) viermos a possuir um conjunto de memórias diferentes, passamos a ser uma outra pessoa.

Se é assim que a coisa se passa, é preciso levantar uma questão importante: somos, não o que realmente fomos, mas, sim, o que nos lembramos ter sido.

O problema está no fato de que, como todos bem sabemos, nossa memória está longe de ser perfeita. Na realidade, é grandemente falha. Não nos lembramos, freqüentemente, de coisas que acabaram de acontecer. Olhamos um número na lista telefônica e, ao começar discá-lo, já não nos lembramos mais dele inteiro. Não nos lembramos de onde colocamos coisas importantes. Esquecêmo-nos do aniversário e de datas importantes de pessoas que nos são caras. Esquecêmo-nos de compromissos importantes.

Além de falha, no sentido de que não nos lembramos de coisas que de fato aconteceram, nossa memória também é pouco confiável, no sentido de que freqüentemente nos lembramos de coisas que não aconteceram, ou que não foram bem assim como nos lembramos dela. Tanto é que, freqüentemente, juramos que algo aconteceu assim – até sermos convencidos de que estamos errados por evidência contrária. A psicanálise nos relata casos impressionantes de pessoas que, tendo reprimido a memória de um acontecimento traumático, criaram, por assim dizer, uma “memória substituta”, inverídicamas menos desagradável. Voltaire, numa frase célebre, dizia que nunca tinha contado nenhuma mentira, mas que havia inventado muitas verdades… E Mark Twain se orgulhava, na velhice, de ainda ter uma memória tão boa que se lembrava até de coisas que nunca haviam acontecido…

Isso quer dizer que tanto há coisas que de fato aconteceram, das quais não nos lembramos, como há coisas de que imaginamos nos lembrar que realmente não aconteceram, ou não aconteceram do jeito que acreditamos.

Esses fatos nos colocam diante de questões interessantes, em relação a autobiografias.

Primeiro, como é que eu sei que não estou me esquecendo de experiências importantes do meu passado, que, se lembradas, poderiam, de alguma forma redefinir minha identidade?

Doris Lessing, em sua autobiografia, discute o problema:

“Assim que você começa a escrever, a pergunta se interpõe, insistente: Por que motivo você se lembra disso e não daquilo? Por que se lembra mais dos detalhes de uma determinada semana, de um mês transcorrido há muitos anos, e, depois, negrume total, vazio? Como sabe que aquilo de que se lembra é mais importante do que aquilo de que não se lembra?” (Debaixo da Minha Pele: Primeiro Volume da Minha Autobiografia, até 1949, Companhia das Letras, São Paulo, 1997; original: Under My Skin: Volume One of my Autobiography, to 1949, 1994; tradução de Beth Vieira, pp. 21-22.)

Segundo, como é que eu sei que as coisas de que acredito me lembrar realmente ocorreram, ou ocorreram do jeito que eu me lembro? A possibilidade de que haja memórias inverídicas – ou porque honestamente nos lembramos mal ou errado do que aconteceu, ou porque intencionalmente falsificamos a memória, convencendo-nos a nós mesmos de que alguma coisa realmente aconteceu, ou aconteceu de um jeito, quando ela não aconteceu, ou não aconteceu daquele jeito – coloca em xeque nossas lembranças. Assim, a tentativa formal e deliberada de reconstruir o passado, usando as memórias de outras pessoas ou evidências externas, é uma forma de testar a veracidade daquilo de que nos lembramos, de examinar os fundamentos de nossa identidade pessoal. É verdade que, em casos de repressão, nos convencemos de que algo não aconteceu, ou não aconteceu de um determinado jeito, quando realmente aconteceu, ou aconteceu de modo diverso. Se os psicólogos estão certos, a repressão não fica totalmente impune: aquilo que foi reprimido reaparece de outras formas, causando problemas psicológicos de vários tipos.

Doris Lessing, como mencionado, discute o problema em sua autobiografia, e se diz comprometida a dizer a verdade, a apresentar um relato verdadeiro do que foi sua vida –pelo menos tão verdadeiro quanto ela possa aquilatar.

A questão da verdade na reconstrução de nosso passado é essencial, em especial no caso de autobiografias. Mas essa questão se desdobra em duas:

Primeiro, a questão da falsificação intencional do passado (por omissão, distorção, acréscimo). Doris Lessing critica especialmente Simone de Beauvoir, que, ao escrever suas memórias, declara explicitamente não ter a mínima intenção de dizer a verdade sobre alguns episódios. Se não ia nem tentar dizer a verdade, pergunta Lessing, qual o valor do exercício? Sua autobiografia seria ficção – e, portanto, não autobiografia, apenas um romance com alguns elos de ligação com a realidade não fictiva.

Mais frequentemente, porém, autobiografias misturam fato e ficção. Em sua Introdução à edição das Confissões de Roussau na série “Wordsworth Classics of World Literature”, Derek Matravers coloca o dedo no essencial de uma autobiografia:

“The Confessions is autobiography, not fiction, and as such, it purports to describe what actually happened. In the main, Rousseau’s claim to veracity is supported by modern scholarly opinion. Ocasionally he has lapses of memory, and gets his dates wrong or misjudges the time he spent at some place or another. On other occasions . . . the suspicion is that the facts are deliberately bent in his favour. Overall, however, his reliability as a witness and the range of experiences on which he was able to draw give their own value to the memoirs, as Rousseau himself realised” (Rousseau, The Confessions, with an Introduction by Derek Matravers, Wordsworth Classics of World Literature, London, 1994, pp. vii-viii).

Vale a pena também citar as Confissões de Darcy Ribeiro. Ele, em parte por saber que estava no fim da vida, não se preocupou em fazer scholarship em sua autobiografia — isso é tarefa de biógrafo, disse ele, acrescentando:

”Este livro meu, ao contrário dos outros todos, cheios de datas e precisões, é um relato espontâneo. Recapitulo aqui, como me vem à cabeça, o que me sucedeu pela vida afora, desde o começo, sob o olhar de Fininha [a mãe], até agora, sozinho nesse mundo. Muito relato será, talvez, equivocado em alguma coisa. Acho melhor que seja assim, para que meu retrato do que fui e sou me saia tal como me lembro. Neguei-me, por isso, a castigar o texto com revisões críticas e pesquisa. Isso é tarefa de biógrafo. Se eu vier a ter algum, ele que se vire, sem me querer mal por isso” (Confissões [Companhia das Letras, São Paulo, 1997], p. 11).

Segundo, a questão mais difícil, a da falsificação inconsciente do passado. A psicologia e a experiência nos mostram que, com o passar do tempo vamos, insconscientemente, idealizando nosso passado: incidentes pequenos crescem de importância, porque nos projetam em uma luz mais favorável; outros incidentes, os mais desagradáveis, vão tendo sua importância reduzida, ou começam a ser visto sob outra luz; ainda outros, mais traumáticos, são, às vezes, eliminados inteiramente do quadro. Isso tudo acontece, o mais das vezes, sem que tenhamos a intenção de falsificar o passado, simplesmente porque mecanismos sutis operam em nossas mentes para eliminar dissonâncias (e, até certo ponto, manter nossa saúde mental e nossa sanidade). Não é à toa que existem tantos livros escritos sobre a temática do “autoengano”.

Quem está realmente preocupado com a verdade, há de querer descobrir, mesmo que tenhamos, como Lessing, a intenção de dizer a verdade, se esses mecanismos sutis não estão nos levando a nos enganar a nós mesmos.

Para terminar, e trazer essas elucubrações filosóficas para o presente…

Na entrevista do Roberto Carlos ao Fantástico no último domingo (27/10/2013) deu-me pena ver a inabilidade dele ao lidar com as perguntas (muito bem feitas, por sinal, mas com respeito). Disse que está escrevendo (na verdade, gravando material para) uma autobiografia, em que trata, até mesmo, do acidente que o obrigou a amputar parte da perna quando era criança. Ele disse algo mais ou menos assim (as palavras são minhas): Ninguém sabe o que eu passei e o que eu senti tão bem quanto eu, e eu vou falar sobre o assunto!”… Que ingenuidade. O artigo de Hélio Schwartsman na Folha de S. Paulo de hoje (29/10/2013) toca, a propósito da entrevista de Roberto Carlos, exatamente na questão da inconfiabilidade das autobiografias — nem sempre por maldade, mas porque as pessoas literalmente acabam por acreditar que coisas que não aconteceram de fato aconteceram, que coisas que aconteceram não aconteceram, ou não aconteceram como os outros se lembram delas, etc. Transcrevo abaixo o artigo do Hélio.

Como já mencionei, Simone de Beauvoir, disse, em seus relatos autobiográficos, que não tinha nenhum compromisso com a verdade. Poucos são tão francos e transparentes como ela (transparentes no sentido de admitirem ao público leitor que o que estão tentando passar por autobiografia não passa de ficção).

O Roberto certamente acredita que vai revelar a verdade sobre sua vida “como ela de fato ocorreu, sem interpretações, sem distorções, sem omissões, sem acréscimos”. “Wie es eigentlich gewesen ist“.

Em São Paulo, 29 de Outubro de 2013

o O o

Hélio Schwartsman, “Memórias” – http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/136226-memorias.shtml

“Roberto Carlos, o rei, que bloqueou na Justiça a circulação de um livro sobre a sua vida, agora diz que é a favor de biografias não autorizadas e informa que está escrevendo suas memórias. Qual das duas obras é mais confiável?

Obviamente, essa não é uma questão que possa ser respondida “a priori”, mas temos boas razões para desconfiar das autobiografias. E não porque candidatos a ídolo sejam todos mentirosos compulsivos. O problema é que nossas memórias, embora nos pareçam vívidas a ponto de as julgarmos uma espécie de fotografia do passado, são mais bem descritas como uma fantasia de nossas psiques.

O que o cérebro guarda são registros hipertaquigráficos a partir dos quais nossa mente reconstrói o episódio cada vez que nos lembramos dele. Esse processo é distorcido pelo que estamos sentindo ou pensando quando acionamos a memória. Algumas lembranças ficam estáveis por décadas, outras são sutilmente modificadas e há as que sofrem transformações profundas. Elas são indistinguíveis em nossas cabeças.

Essas mudanças não ocorrem ao sabor do acaso. A memória não evoluiu para promover a verdade, mas para nos fazer viver vidas melhores. Ela não deve ser uma alucinação tão tresloucada que nos leve a cometer erros fatais, mas, se as distorções forem no sentido de nos tornar mais seguros e confiantes, são mais do que bem-vindas. Nós nos lembramos muito mais daquilo com o que podemos viver do que daquilo que efetivamente vivemos.

A notável exceção são as pessoas clinicamente deprimidas, que fazem uma avaliação surpreendentemente realistas de si mesmas. Não se sabe se é a depressão que leva à percepção mais acurada ou se é a visão mais realista que provoca os pensamentos deprimentes. De todo modo, o excesso de realismo não é muito saudável.

Se você é um leitor em busca de verdades, só compre autobiografias de depressivos notórios.”

Heróis Discretos

El Héroe Discreto

Excelente e delicioso novo livro de Mario Vargas Llosa: El Héroe Discreto (O Herói Discreto, em Português [Editora Alfaguara, Rio de Janeiro, 2013], com magnífica tradução de Paulina Wacht e Ari Roitman).

Vargas, Prêmio Nobel de Literatura de 2010 (o tempo passa rápido!), e aproximando-se dos 80 (nasceu em 1936), como é o caso de seus principais heróis no livro, continua a surpreender com uma prosa leve, um estilo narrativo gostoso, que faz uso fiel e generoso, nos diálogos, da linguagem do povo, inclusive com belíssimos palavrões (oportunamente ditos e aptamente traduzidos, é bom que se registre). . .

O principal herói discreto, Felícito Yanaqué, é um homem já de certa idade, magro, baixo, que veio de ambiente muito pobre, mas herdou do pai um exemplo valente: o do homem que trabalha o tempo todo e nunca se curva diante dos outros: o homem que não se deixa pisar. . . Ele construiu, com seu esforço, e com enorme retidão de conduta (na esfera pública — na esfera privada certamente haverá quem critique seu comportamento), uma pequena empresa de transportes (cargas e passageiros), que é seu orgulho — e que ele acha que deve unicamente ao exemplo e ao conselho do pai, a quem literalmente venera.

Por isso tudo, quando recebe uma carta anônima, aparentemente da máfia local, pedindo que ele pague 500 dólares por mês para obter proteção, ele se recusa a pagar e denuncia o caso à polícia. Continua a recusar, mesmo quando as ameaças aumentam e, em duas instâncias, se concretizam: primeiro, com um incêndio que destrói parte da sede de sua transportadora; segundo, com o sequestro de sua amante, Mabel, a quem verdadeiramente amava (“amada amante”). [A história obscura de seu casamento, forçado, e as suspeitas de que o filho mais velho não era de fato seu fazem com que o leitor tenha simpatia pelo caso do velho Felícito com a jovem e atraente Mabelita, mais de 30 anos mais jovem].

Mesmo diante desses desafios todos, Yanaqué não se curva. Torna-se um herói na cidade de Piúra, no Peru (onde Vargas Llosa morou quando criança). Mas se mantém sempre discreto. Quando todo o seu universo desaba, ele tem sua “dark night of the soul”, passa pelo seu “vale da sombra da morte”, mas reúne forças para, no dia seguinte, ir trabalhar como de costume (“comme d’habitude”), enfrentando os jornalistas e outros curiosos com um simples “nada a declarar”.

O segundo herói, Ismael Carrera, também é velho — mais velho que Felícito: passa dos 80 anos. Este é rico — dono de uma seguradora. Mora em Lima, não em Piúra. Tem dois filhos gêmeos — dois playboyzinhos vagabundos — e ficou viúvo há pouco tempo.

Quando enviuvou, cansado das estripulias dos filhos, retirou-os da empresa e, adiantadamente, “deu a eles a parte da herança que lhes cabia” (como na parábola do Filho Pródigo, com a diferença, porém, de que, no caso de Carrera, por iniciativa própria). Estes pegaram a bolada, certos de que o pai, com mais de 80 anos, logo morreria e lhes deixaria todo o resto.

Quanto a Carrera, e como às vezes acontece quando você acha que finalmente arrumou todas as suas coisas e vai começar a viver, teve um enfarte que o deixou entre a vida e a morte no por vários dias no hospital. Enquanto agonizava, porém, ouviu uma conversa dos filhos, que pensavam que estivesse desacordado, que deixava claro que eles não viam a hora de o pai ir para debaixo da terra para poderem pegar o resto da herança. “Eles me salvaram da morte”, conta ele depois, porque, ao ouvir a conversa dos filhos, imbuiu-se de uma vontade enorme de viver para se vingar deles. Essa vontade de viver e se vingar fez com que ele se recuperasse — e se tornasse um dos heróis discretos de Vargas Llosa. Como Yanaqué e seu pai, alguém que não se deixa pisar.

Sua vingança é relativamente simples, mas improvável. Sem que ninguém soubesse (a não ser seu advogado, seu motorista e seu mão direita na empresa, don Rigoberto, personagem que aparece em outros livros de Vargas Llosa, e que acaba também sendo um terceiro herói discreto, mas em posição mais baixa na hierarquia), casa-se com sua empregada-arrumadeira-governanta, cerca de 50 anos mais nova, linda, mas nem de longe “una blanquita”, e se manda para a Europa – deixando os filhos a estrebuchar de raiva — para desfrutar a mulher recente e jovem com a ajuda da fortuna amealhada ao longo de várias décadas .

A vingança ao final dá certo – bem, em termos. Mas não vou fornecer “spoilers”.

Don Rigoberto, o terceiro herói, este mais discreto ainda, é o principal assessor de Ismael Carrera – e, com o motorista, sua testemunha de casamento. Está para se aposentar quando o patrão faz o que lhe parece a loucura de se casar de novo — e justo com quem… Don Rigoberto vê o casamento do patrão, e o seu envolvimento inevitável nos processos judiciais que se seguem, atrapalharem seus planos de se aposentar e curtir a vida, com seus livros de arte, seus CDs de música clássica, sua paixão pela quietude e pelo sossego – ao lado de sua fogosa mulher e de seu filho bem-dotado (intelectual e espiritualmente — nem tudo é sexo nos romances de Vargas Llosa…).

No final da história, os heróis cruzam caminho, e, a despeito das porradas levadas da vida, e que inevitavelmente deixaram suas marcas, todos – bem, quase todos – sobrevivem e se põem a caminho da Itália, para uma celebração. Não diria que Felícito tenha se esquecido de Mabel — mas decidiu se contentar com Gertrudis, sua mulher, que, é bom que se diga, foi garota de programa, tendo como cafetina a própria mãe.

Na Europa, porque, afinal de contas, ninguém é de ferro… Não só de Peru vive o homem.

Em Tempo: Acho que Vargas Llosa qualifica de discretos os seus heróis neste livro porque eles não buscam notoriedade: ela lhes vem em decorrência de sua conduta fora da curva.

Em São Paulo, 21 de Outubro de 2013

Ayn Rand e Graham Greene

Meus dois autores favoritos de ficção são Ayn Rand e Graham Greene.

Dificilmente poderia haver dois indivíduos mais diferentes em quase todos os aspectos. Só menciono um. De um lado, uma atéia, do outro um católico fervoroso (embora tenha sido um dos grandes pecadores da história que se penitenciou narrando seus pecados, não a um confessor, mas a seus leitores).

Rand descreve seres humanos, como eles deveriam ser, interagindo com seres humanos, como efetivamente o são os da pior espécie — isto, dentro da sociedade que temos, mas na qual, ainda que pelas margens, vai sendo construída uma nova sociedade (Atlantis), agora como ela deveria ser, que, aos poucos, consegue fazer com que aquela se dobre à sua superioridade.

Greene descreve seres humanos vivendo vidas reais, agoniadas por conflitos pessoais, alguns de natureza amorosa, outros de natureza ética e religiosa, às vezes política, mas que se misturam uns com os outros e transforman a vida dos que os exibem muitas vezes num inferno.

Talvez, de todos os heróis de Rand, Hank Rearden, um dos principais personagens de Atlas Shrugged (A Rebelião de Atlas), é o que mais se parece com os anti-heróis de Greene. Dilacerado pela lealdade que ele sentia que devia ter para com uma mulher que ele não amava e a paixão que ele sentia por uma mulher que ele acreditava que não poderia ser sua, ele sofre tanto quanto os mais sofridos personagens de Greene. Mas Rearden, no decorrer do romance, vê a luz, descobre a verdade, e transcende, ou “overcomes”, o seu conflito. Os personagens de Greene em geral não têm igual sorte. Maurice Bendrix, em The End of the Affair, sofre o tempo todo, por se apaixonar por Sarah Miles, mulher de seu amigo, e, depois, por achar que ela o está traindo com um personagem misterioso, e, ainda depois, por perde-la, em uma sequência de fatos que absolutamente não parecem fazer sentido. Quando descobre o segredo que explica os fatos, esse segredo é pior do que a presumida traição, porque ele vai rouba-la dele — e do mundo — para sempre. Ninguém ganha quando luta contra Deus, é o que aparentemente conclui o romance, que termina com um Bendrix emocionalmente destruído vivendo com o amigo, agora viúvo, que ele traía. Parece um dramalhão, mas Greene sabe descrever a história com maestria e incomparável suspense de modo a prender o leitor. E o filme, na versão de 1999 (não tanto na versão de 1955) transfere a beleza da história, o sofrimento dos personagens, e o suspense da narrativa, que mantém a atenção, de forma inigualável na cinematografia recente.

Em São Paulo, 25 de Maio de 2013.

All Nobel Prizes in Literature

The Nobel Prize in Literature has been awarded 102 times to 106 Nobel Laureates between 1901 and 2009.

2010

Mario Vargas Llosa (announced today, Oct 7, 2010)

2009
Herta Müller

2008
Jean-Marie Gustave Le Clézio

2007
Doris Lessing

2006
Orhan Pamuk

2005
Harold Pinter

2004
Elfriede Jelinek

2003
John M. Coetzee

2002
Imre Kertész

2001
Sir Vidiadhar Surajprasad Naipaul

2000
Gao Xingjian

1999
Günter Grass

1998
José Saramago (Portuguese)

1997
Dario Fo

1996
Wislawa Szymborska

1995
Seamus Heaney

1994
Kenzaburo Oe

1993
Toni Morrison

1992
Derek Walcott

1991
Nadine Gordimer

1990
Octavio Paz (Mexican)

1989 
Camilo José Cela (Spanish)

1988
Naguib Mahfouz

1987
Joseph Brodsky

1986
Wole Soyinka

1985
Claude Simon

1984
Jaroslav Seifert

1983
William Golding

1982
Gabriel García Márquez (Colombian)

1981
Elias Canetti

1980
Czeslaw Milosz

1979
Odysseus Elytis

1978
Isaac Bashevis Singer

1977
Vicente Aleixandre (Spanish)

1976
Saul Bellow

1975
Eugenio Montale

1974
Eyvind Johnson, Harry Martinson

1973
Patrick White

1972
Heinrich Böll

1971
Pablo Neruda (Chilean)

1970
Aleksandr Isayevich Solzhenitsyn

1969
Samuel Beckett

1968
Yasunari Kawabata

1967
Miguel Angel Asturias (Guatemalan)

1966
Shmuel Yosef Agnon, Nelly Sachs

1965
Mikhail Aleksandrovich Sholokhov

1964
Jean-Paul Sartre

1963
Giorgos Seferis

1962
John Steinbeck

1961
Ivo Andric

1960
Saint-John Perse

1959
Salvatore Quasimodo

1958
Boris Leonidovich Pasternak

1957
Albert Camus

1956
Juan Ramón Jiménez

1955
Halldór Kiljan Laxness

1954
Ernest Miller Hemingway

1953
Sir Winston Leonard Spencer Churchill

1952
François Mauriac

1951
Pär Fabian Lagerkvist

1950
Earl (Bertrand Arthur William) Russell

1949
William Faulkner

1948
Thomas Stearns Eliot

1947
André Paul Guillaume Gide

1946
Hermann Hesse

1945
Gabriela Mistral (Chilean)

1944
Johannes Vilhelm Jensen

1943
No Nobel Prize was awarded this year. The prize money was with 1/3 allocated to the Main Fund and with 2/3 to the Special Fund of this prize section.

1942
No Nobel Prize was awarded this year. The prize money was with 1/3 allocated to the Main Fund and with 2/3 to the Special Fund of this prize section.

1941
No Nobel Prize was awarded this year. The prize money was with 1/3 allocated to the Main Fund and with 2/3 to the Special Fund of this prize section.

1940
No Nobel Prize was awarded this year. The prize money was with 1/3 allocated to the Main Fund and with 2/3 to the Special Fund of this prize section.

1939
Frans Eemil Sillanpää

1938
Pearl Buck

1937
Roger Martin du Gard

1936
Eugene Gladstone O’Neill

1935
No Nobel Prize was awarded this year. The prize money was with 1/3 allocated to the Main Fund and with 2/3 to the Special Fund of this prize section.

1934
Luigi Pirandello

1933
Ivan Alekseyevich Bunin

1932
John Galsworthy

1931
Erik Axel Karlfeldt

1930
Sinclair Lewis

1929
Thomas Mann

1928
Sigrid Undset

1927
Henri Bergson

1926
Grazia Deledda

1925
George Bernard Shaw

1924
Wladyslaw Stanislaw Reymont

1923
William Butler Yeats

1922
Jacinto Benavente

1921
Anatole France

1920
Knut Pedersen Hamsun

1919
Carl Friedrich Georg Spitteler

1918
No Nobel Prize was awarded this year. The prize money was allocated to the Special Fund of this prize section.

1917
Karl Adolph Gjellerup, Henrik Pontoppidan

1916
Carl Gustaf Verner von Heidenstam

1915
Romain Rolland

1914
No Nobel Prize was awarded this year. The prize money was allocated to the Special Fund of this prize section.

1913
Rabindranath Tagore

1912
Gerhart Johann Robert Hauptmann

1911
Count Maurice (Mooris) Polidore Marie Bernhard Maeterlinck

1910
Paul Johann Ludwig Heyse

1909
Selma Ottilia Lovisa Lagerlöf

1908
Rudolf Christoph Eucken

1907
Rudyard Kipling

1906
Giosuè Carducci

1905
Henryk Sienkiewicz

1904
Frédéric Mistral, José Echegaray y Eizaguirre

1903
Bjørnstjerne Martinus Bjørnson

1902
Christian Matthias Theodor Mommsen

1901
Sully Prudhomme

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MLA style: "All Nobel Prizes in Literature". Nobelprize.org. 7 Oct 2010 http://nobelprize.org/nobel_prizes/literature/laureates/

Em São Paulo, 7 de Outubro de 2010