Luiz Roberto Couto Pereira – 1942-2015

Participei ontem, sábado, dia 30 de Maio de 2015, de um encontro memorável. Agradeço, antes de tudo, ao meu amigo Eliezer Rizzo por ter me informado de sua ocorrência e ter me convidado a participar.

Foi na Faculdade de Teologia Metodista, em Rudge Ramos, no campus da UMESP, e o objetivo foi celebrar a vida de Luiz Roberto Couto Pereira, amigo do Eliezer há muito tempo e meu amigo há pouco tempo (2 ou 3 anos) e só pela Internet. O Luiz Roberto morava na França e faleceu lá, de forma meio inesperada, no dia 8 de Abril deste ano, quase dois meses atrás.

O perfil dele no Facebook ainda está disponível em para quem quiser visitar:

https://www.facebook.com/luizroberto.coutopereira

Eis o que escrevi na sua linha do tempo no mesmo dia em que ele morreu:

“Faleceu esta noite, na França, onde morava, Luiz Roberto Couto Pereira, um amigo querido que encontrei aqui na Internet e nunca face-a-face. Quem nos colocou em contato foi nosso amigo comum Eliezer Rizzo.

O Luiz Roberto era um ano e um pouquinho mais velho do que eu. Nasceu em 5 de Maio de 1942. Tivemos, ele, o Eliezer e eu, um passado semelhante, estudando Teologia nos conturbados anos 60.

Foi um prazer enorme conviver com ele aqui no Facebook e através dos e-mails que ele enviava periodicamente com notícias do Protestantismo na França, onde morava há muito tempo.

Há testemunhos magníficos de parentes e amigos na timeline dele. Vale a pena ler.

Fico irritado quando vejo gente criticar, subestimando, o potencial do Facebook de não só nos permitir reencontrar amigos que já tínhamos, mas também nos ajudar a fazer amizades sinceras e profundas com pessoas em quem nunca pusemos os olhos. Tenho inúmeros exemplos de amigos que ganhei aqui. O Luiz Roberto era um deles.

Que descanse em paz.”

O encontro de ontem, como disse no Facebook, foi uma das coisas mais emocionantes de que já participei.

Primeiro, pela idade dos participantes (exceto no caso de dois filhos do ‪Luiz Roberto Couto Pereira e da organista). Não creio que, exceto por esses, houvesse algum outro participante com menos de 70 anos. Foi a primeira reunião quase que exclusivamente de septuagenários de que já participei.

Contei as cadeiras da capela: havia 70, sete fileiras de dez cadeiras, todas tomadas. E havia gente fora dessas 70 cadeiras e em pé: o oficiante (o Bispo Paulo Ayres Mattos), a organista, e algumas pessoas no fundo. 70 cadeiras vezes uma média de (digamos) 72 anos, dá 5.040… Em outras palavras, havia ali, naquela capela pequena, nada menos do que cinco milênios de vida humana, se somarmos as idades de todos que estavam lá…

Que homenagem, hein, ‪Luiz Roberto Couto Pereira? Vá lá: quando o Consistório se reúne para eleger um Papa talvez haja ali, em termos de anos de vida vivida, algo comparável. Mas é raro — e é para eleger um Papa, não é verdade? Por aí se vê em que nível de companhia se situa o nosso querido amigo.

Segundo, é preciso mencionar o calibre dos participantes. Além do Bispo Paulo Ayres, estavam ali o Prof. Rev. Adahyr Cruz, o Anivaldo Padilha, o Eliezer, e mais umas 65 pessoas. Sobreviventes, todos, de anos muito difíceis — inclusive o Luiz Roberto, que sobrevive agora de outra forma… Todos estudamos Teologia na década de 60 aqui no Brasil. Todos, menos eu, no Seminário Metodista. E todos fomos perseguidos, de alguma forma, dentro e em alguns casos fora da igreja. Vários foram presos. Alguns exilados. Alguns sofreram o que ninguém merece sofrer — pelo “crime” de pensar a serviço de uma Igreja Protestante. Muitos se esparramaram e foram fazer outra coisa depois dos expurgos e dos fechamentos de Seminários. Boa parte saiu da igreja. Alguns conseguiram dar a volta por cima e acharam uma forma de trabalhar na igreja de alguma forma, alcançando grande sucesso. Não por generosidade da igreja, mas por sua competência e pelo seu valor.

Terceiro, o ponto alto do encontro: as manifestações de vários dos participantes — todas elas comoventes. Não sei quantos falaram. Creio que não chegou a dez o número. Mas todos falaram por todos. Abriram seu coração. Falaram não só do Luiz Roberto (como disse, havia pessoas da família dele presentes). Falaram da igreja (a de então e a de hoje), falaram dos anos 60, falaram da Ditadura Militar. Nada piegas, nada que nem de longe soasse como autocomiseração. Fala de gente que tem brio, que sente, que sente raiva… mas que consegue, de um momento para outro, deixar o que foi triste de lado e falar de coisas mais alegres.

Quarto, porque encontrei lá pessoas interessantes – e, depois, vim a descobrir fatos interessantes sobre algumas dessas pessoas. O ‪Anivaldo Padilha, entre eles. Fiquei conhecendo o Anivaldo pela Internet, já faz algum tempo, vendo um conjunto de três blocos de entrevista que ele deu para o também recém-falecido Antonio Abujamra. A entrevista me deixou extremamente tocado pelo drama pessoal que ele viveu. O fato de ele ser pai do Alexandre Padilha, então Ministro da Saúde, e, depois, candidato ao Governo de São Paulo pelo ora quase-finado PT, não diminuiu um iota da minha admiração por ele. Em Outubro do ano passado tive a oportunidade de vê-lo face-a-face, mas não cheguei a conversar com ele. Foi na Semana Teológica da Faculdade de Teologia em que trabalho, que foi dedicada à atitude dos protestantes para com a Ditadura Militar, que fez 50 anos no ano passado. Ontem, ao chegar ao estacionamento da Igreja Metodista de Rudge Ramos, onde deveríamos estacionar, eis que chego ao mesmo tempo que ele. Apresentei-me, disse que o conhecia, e ele disse que me conhecia de nome. Subimos juntos para as dependências em que seria tomado o café da manhã. Hoje descobri que uma tia de minha mulher, Josira Arruda Machado, que é metodista, é muito amiga do Anivaldo, tendo ele sido padrinho de seu casamento com o Moysés Rocha. Mundo pequeno esse nosso mundo protestante… Especialmente quando a gente já passou da casa dos 70…

Vi com o Prof. Rev. Adahyr Cruz uma foto de 1967 de meu grande amigo Aharon Sapsezian. Conheci o Aharon naquele ano, quando ele era Diretor Executivo da Associação de Seminários Teológicos Evangélicos (ASTE) e eu fui lá, na Rua Rego Freitas, pedir uma bolsa de viagem para poder viajar para Pittsburgh, PA, para fazer Pós-Graduação, pois havia recebido uma bolsa completa (exceto passagem) para estudar lá… Passei vinte anos sem contato com o Aharon. Vinte anos depois, em 1987, eu o encontrei em Genebra, quando fui lá prestar serviços junto à Organização Mundial da Saúde que eram de interesse da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, onde eu era Diretor de Informações. De 1987 a 1992 voltei lá uma sete vezes, passando mais de um ano em Genebra. Nessas ocasiões, via o Aharon e sua mulher, a Zabel, pelo menos umas duas ou três vezes por semana. Ele era uns doze anos mais velho do que eu, mas ficamos melhores amigos. Descobri, em momentos em que jogávamos conversa fora, que ele havia sido aluno de Caligrafia de meu pai em Patrocínio, MG, no início da década de 30… Coincidências. Ou, como eu as chamo, provincidências — coisas que a gente não sabe se foi coincidência ou providência. Fiz uma cópia da foto e a coloquei no Facebook.

Ainda neste quesito, encontrei lá minha colega da primeira série de Ginásio (quinta série do Fundamental) Zuleica de Castro Coimbra (hoje também Mesquita, pois se casou com Jorge Mesquita). Estudamos juntos em 1956, no Colégio Estadual e Escola Normal Dr. Américo Brasiliense, em Santo André. No ano que vem fará 60 anos que isso se deu. Eu tinha 12-13 anos. Ela, possivelmente, um ou dois anos menos. Fazia nada menos do que 59 anos que não nos víamos! Nós éramos os dois únicos protestantes numa classe de 40 ou 42 alunos: ela Metodista, eu Presbiteriano. Na chamada da classe, ela era a última, por ter o nome começado por “Z”, seguido de “u”…

Por fim, uma nota dissonante — pequena e insignificante. Apareceu lá, durante o almoço que seguiu ao culto, Josias Dias França, pai do ex-marido de minha mulher. Ele foi estudante de Teologia lá em Rudge Ramos nos 60. Cumprimentei-o discretamente com a minha cabeça e ele virou a cabeça como quem não viu — como sói fazer.

Voltemos a assuntos mais edificantes.

Fiquei comovido ontem ao ouvir o Bispo Paulo Ayres dizer algo assim:

“Tenho certeza de que vocês todos aqui tiveram um dia a ideia de servir a Igreja Metodista como pastores e pastores, ou em alguma outra capacidade”.

Eu não era nem nunca fui Metodista. Sou presbiteriano “de nascença”… Mas pensei nos 83 alunos que o Seminário Presbiteriano de Campinas tinha no início de 1966, o ano em que ele implodiu. Sessenta e oitos daqueles alunos não terminaram o ano, eu entre eles. Fomos expulsos. Só ficaram 15 alunos, todos eles do primeiro e do segundo ano, que hipotecaram solidariedade à administração do seminário que fazia aquele expurgo — aquilo que ela chamava de “limpeza”. O Seminário ficou basicamente três anos sem formatura. A Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB) achou que podia abrir mão de 68 pessoas decididas a serem pastores dela (isso só no Seminário de Campinas — fez algo semelhante em outros seminários), jogou-as fora, perseguiu-as, em alguns casos (como o meu), tentando impedir que voltassem a estudar teologia em seminários de outras igrejas. Querem algo mais absurdo do que isso? O principal culpado de tudo isso foi o Rev. Boanerges Ribeiro, colega de seminário de meu pai. Mas os demais, de sua época e depois, são culpados também, pela sua conivência, pelo seu silêncio, pelo seu medo de falar mesmo quase 50 anos depois. A Igreja Presbiteriana do Brasil nunca pediu perdão pelo que fez aos 68 alunos do Seminário, e, aos poucos, nos anos seguintes, a todos os seus professores. A Igreja Metodista, para seu crédito, celebrou, alguns anos atrás, um Culto do Perdão, em que, como instituição, pediu desculpas pelo que fez nos anos 60 e 70. Para a Igreja Presbiteriana no Brasil, porém, é como se nós, aqueles 68 de 1966, tivéssemos sido obliterados, pulverizados, deixado de existir a não ser como moléculas jogadas ao vento às quais nem sequer se dirige a palavra. Ela prefere, ainda hoje, fazer de conta que não existimos.

Apesar de tudo, muitos de nós conseguimos continuar a estudar teologia em outros lugares. Eu fui para a Faculdade de Teologia Luterana em São Leopoldo, depois para o Seminário Presbiteriano de Pittsburgh. O Eliezer foi para o Seminário Metodista. Alguns ainda acreditavam o suficiente, depois disso, para se disporem a ser pastores — mas nenhum, que eu saiba, na Igreja Presbiteriana do Brasil, a impenitente. Para crédito deles.

Em São Paulo, 31 de Maio de 2015

3 responses

  1. Tendo participado do encontro dos “septuagenários”, li seu texto com muito gosto. É impossível manifestar toda a nossa gratidão aos organizadores e a esse grupo maravilhoso. Tantas recordações! Rever as pessoas queridas foi algo muito, muito especial para mim e para meus filhos.
    – Helena Bonito Couto Pereira

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