Verdades absolutas e conhecimento relativo: uma réplica

Wanderley Navarro, que, como eu, é fascinado por esse assunto, escreveu o seguinte comentário ao meu post “Verdades absolutas e conhecimento relativo”.

“Se a verdade para Popper é a consonância entre o enunciado e a realidade e, ao mesmo tempo, afirma que nunca podemos estar certos desta consonância então como concluir que a verdade absoluta existe? Entendo que Popper ’acredita’ na verdade absoluta, apenas acredita. Existe alguma verdade que não é absoluta? Existe, por oposição, a verdade provisória? Parece-me que o enunciado e a realidade que ele pretende expressar são de naturezas diferentes. Por mais que sejam gêmeos continuarão sendo duas realidades. Mas, acima disso tudo, será que isso que chamamos de realidade existe independente de mim, ou seja, do sujeito que intermedia essa relação. Popper, parece, acredita que sim. Acredita.”

Vou tecer algumas considerações sobre essa réplica do Navarro.

1) Sem dúvida Popper é um realista filosófico. Para ele a tese de que a realidade existe independente de mim, ou de minha apreensão dela através da percepção, é uma conjetura filosófica que, embora submetida a uma bateria incomparável de críticas (tentativas de refutação) por parte dos empiristas ingleses, do próprio Kant, e, mais recentemente, dos chamados fenomenalistas e de muitos outros, tem sobrevivido galhardamente a essas críticas.

2) Para Popper, os méritos epistêmicos dessa tese são algo objetivo que independe do fato de ele, Popper, ou de qualquer outra pessoa, acreditar na tese (que é algo subjetivo). Os méritos epistêmicos de uma tese são avaliados mediante uma análise e avaliação objetiva e rigorosa de possíveis contra-exemplos a ela, análise e avaliação essas que independem de haver alguém que acredite nessa tese.

3) Sem dúvida Popper também entende a verdade, apud Alfred Tarski, como a correspondência (ou consonância, como prefere o Navarro) entre um determinado enunciado, ou conjunto de enunciados, e a realidade. Assim, ele considera que a tese de que nossos enunciados podem descrever ou explicar verdadeiramente a realidade também é uma conjetura filosófica que, embora submetida a uma bateria incomparável de críticas (de idealistas e pragmatistas, entre outros), tem sobrevivido a essas críticas.

4) O mesmo que se disse em “2” sobre “1” pode-se dizer aqui, agora, sobre “3”.

5) Dado o seu entendimento de verdade, e sua avaliação da tese descrita em “3”, Popper considera verdadeiro, no meu entendimento, o enunciado condicional “Se p (onde p é um enunciado) é verdadeiro, então p é verdadeiro de forma absoluta”. (Esse enunciado se aplica inclusive a si próprio). Isso quer dizer que, para Popper, não há verdades que não sejam absolutas.

6) Evidentemente, um enunciado e a realidade que ele pretende descrever ou explicar são de naturezas diferentes. Popper exprime isso dizendo que a realidade é parte do Mundo 1 e o enunciado é parte do Mundo 3 – mundos esses que são relacionados ou intermediados pelos objetos constantes do Mundo 2: a nossa mente.

Acho que é isso que me ocorre no momento, Navarro… Volte à carga.

Em São Paulo, 30 de Março de 2009

3 responses

  1. Caro Eduardo, o seu incentivo me fez voltar à carga. Antes, porém, esclareço que não sou alguém ilustrado e culto e admiravelmente acessível como você. Sou um pensador amador, com pouco suporte teórico. Basicamente, minha biblioteca é o pensamento. Sou adepto da folha em branco, ao menos de saída. Gosto de pensar pela primeira vez questões a respeito das quais a humanidade já produziu incontáveis tratados.Concordo que a realidade até pode existir independente de mim. O que não me parece lógico é afirmar, como quer Popper, que ela existe mesmo que eu não a alcance e, ao mesmo tempo, admitir que nunca estaremos certos de tê-la devidamente apreendido. Isso me parece elementarmente ilógico.O ponto de vista de Popper me parece tão inaceitável quanto o dos fenomenalistas que, me parece, reduzem a verdade a um fenômeno, não admitindo a possibilidade de a realidade existir independente de nós. Mas há um ponto que me chama ainda mais a atenção. Quando se fala em verdade pensa-se em duas partes. A realidade ( ou objeto) de um lado e o sujeito do outro. Assim, a realidade é entendida como tudo aquilo que não é o sujeito. Esquecemos que o sujeito é parte da realidade.Como a verdade pode ser a adequação da coisa em si com seu enunciado se nós, que intermediamos esta relação, somos parte desta mesma realidade que estamos querendo definir? Somos parte da verdade ( realidade) que buscamos. Somos gotas querendo explicar o oceano?Grande abraço e parabéns pelo seu espaço.

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