Ontem se comemorou mais um aniversário da morte de Getúlio Vargas. Na madrugada de 24 de agosto de 1954, ele se suicidou com um tiro no coração. Lembro-me data ainda hoje. Estava a duas semanas de fazer onze anos. Morava em Santo André, com meus pais, numa casinha geminada na Av. Santos Dumont, 256. A casa tinha um quarto só, onde ficavam a cama de meus pais e o beliche em que eu e meu irmão mais novo dormíamos. Como moradia, era melhor do que a dos cubanos hoje — mas não tanto… Pastor protestante ganhava pouco naquela época. Meu pai tinha o hábito de ligar o rádio às 7 horas da manhã, na Tupi, para ouvir o "jornal falado" de Corifeu de Azevedo Marques. Quando ouviu que Getúlio estava morto, que havia se suicidado, desandou a chorar. Meu pai tinha 42 anos na época. Nunca o havia visto chorar antes — nem nunca vi depois, até a sua morte, em 1991. Mais do que o suicídio do presidente, cuja importância não conseguia compreender muito bem, ficou marcada na minha memória a experiência de ver o meu pai, pego com a guarda-baixa, na primeira hora da manhã, chorar.
Transcrevo abaixo a carta em que Getúlio apresentava os motivos de sua atitude. É uma bela peça de retórica política. Foi retirada da Wikipedia: http://pt.wikipedia.org/wiki/Carta_Testamento_de_Getúlio_Vargas.
"Mais uma vez, as forças e os interesses contra o povo coordenaram-se novamente e se desencadeiam sobre mim.
Não me acusam, insultam; não me combatem, caluniam e não me dão o direito de defesa. Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não continue a defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes. Sigo o destino que me é imposto. Depois de decênios de domínio e espoliação dos grupos econômicos e financeiros internacionais, fiz-me chefe de uma revolução e venci. Iniciei o trabalho de libertação e instaurei o regime de liberdade social. Tive de renunciar. Voltei ao governo nos braços do povo. A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se às dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho. A lei de lucros extraordinários foi detida no Congresso. Contra a Justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios. Quis criar liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás; mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre. Não querem que o povo seja independente.
Assumi o Governo dentro da espiral inflacionária que destruía os valores do trabalho. Os lucros das empresas estrangeiras alcançavam até 500% ao ano. Nas declarações de valores do que importávamos existiam fraudes constatadas de mais de 100 milhões de dólares por ano. Veio a crise do café, valorizou-se o nosso produto. Tentamos defender seu preço e a resposta foi uma violenta pressão sobre a nossa economia, a ponto de sermos obrigados a ceder.
Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma pressão constante, incessante, tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo, renunciando a mim mesmo, para defender o povo que agora se queda desamparado. Nada mais vos posso dar a não ser meu sangue. Se as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida. Escolho este meio de estar sempre ao vosso lado. Quando a fome bater à vossa porta, sentireis em vosso peito a energia para a luta por vós e vossos filhos. Quando vos vilipendiarem, sentireis no meu pensamento a força para a reação. Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta. Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência. Ao ódio respondo com o perdão. E aos que pensam que me derrotaram, respondo com a minha vitória. Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse povo de quem fui escravo não mais será escravo de ninguém. Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu sangue terá o preço do seu resgate.
Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia, não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na História."
Em Salto, 25 de agosto de 2006
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