Em seu livro The Disappearance of Childhood Neil Postman observa que a invenção da prensa impressora, com a consequente popularização do livro impresso, afetou a sociedade mais profundamente, e em mais aspectos, do que normalmente imaginamos.
Uma das mudanças que ele assinala é aquela produzida pela invenção de gêneros literários individualistas, intimistas mesmo, como o relato de experiências pessoais (viagens e outros tipos de vivência), ou o relato de histórias totalmente fictivas, inventadas apenas para entreter o leitor…
O ato de escrever esse tipo de relato, de um lado, e o ato de le-lo, de outro, são, como sublinha Postman, extremamente anti-sociais. O autor em geral escreve sozinho. Para faze-lo, requer de seu ambiente social, em geral, apenas solidão e sossego. O leitor, por seu lado, também em geral lê sozinho. Dispensa, ao ler, a companhia de outras pessoas, ou, se obrigado a ler em companhia, prefere que a companhia fique, tanto quanto possível, calada… Cria-se, assim, uma espécie de conspiração entre autor e leitor, que faz com que ambos mergulhem em sua interioridade gerando ali um espaço psicológico em que a vida mental do indivíduo é tudo que interessa. Há gente que, quando imersa nesse exercício, se esquece de comer ou mesmo de dormir: literalmente não vê o tempo passar na realidade, propriamente dita.
Mesmo quando não baseada em fatos totalmente inventados (pouca ficção o é), a literatura gera uma realidade virtual, um mundo habitado pelo autor e seus leitores, que acaba se tornando tão importante quanto, quando não mais importante que, a realidade propriamente dita em que eles são obrigados a viver. Se esta realidade “real” tem aspectos desagradáveis, a literatura permite que autor e leitores mergulhem na realidade virtual, fugindo daquela… Quando bem sucedida a iniciativa, a realidade virtual criada pela literatura invade a realidade “real” e acaba por, até certo ponto, se confundir com ela. Cartas são recebidas até hoje em 21-B Baker Streeet, a residência de Sherlock Holmes em Londres. Harry Potter e Narnia são tão reais para muito adolescente quanto Justin Bieber e a Disneylândia o são para outros — e a Disneylândia, embora criada num certo lugar físico (Pasadena, CA, EUA), é habitada por réplicas de gente virtual como Mickey, Minie, Donald, seu Tio Patinhas, seus sobrinhos, etc.
Por que nos preocupar com os aspectos mais recalcitrantes da realidade propriamente dita se a gente pode mergulhar num mundo virtual mais hospitaleiro ou mesmo criar a própria realidade virtual com apenas imaginação e talento — a partir de um espaço isolado?
Hoje a tecnologia amplifica assustadoramente a realidade virtual.
Como usar esses mundos virtuais para que as novas gerações aprendam o que precisam saber para viver vidas bem sucedidas no século 21 — no plano virtual e não virtual? Como podem os espaços virtuais individualizados se tornar ambientes eficazes para a aprendizagem colaborativa? Como podem os espaços das redes virtuais se tornar educativos, mesmo quando os espaços da realidade “dura” em que vivemos em regra não o são?
Em São Paulo, 15 de Março de 2014.