Tenho tido, recentemente, a bem-aventurança de fazer alguns amigos que, apesar de eu os ter encontrado há pouco, parece que eu conheço há muito tempo…
Um deles é Volney Faustini.
Conheço, de nome, a família Faustini desde que me mudei do Paraná para Santo André, em 1952. Ouvia então, em disco (78 rpm), os magníficos duetos de Martha Faustini e Carlos René Egg. Adorava (e ainda adoro) o “Jesus o Bom Pastor”. Em 1961 fiquei conhecendo João Faustini, um dos irmãos da Martha, e não foi só de nome, pois me tornei aluno dele, no Instituto José Manuel da Conceição, em Jandira – onde o meu pai já havia sido colega da Martha na década de 30. Também lá fiquei conhecendo o Çláudio Marcos, irmão mais novo, que foi estudar lá. Depois fiquei conhecendo a Loyde, o Zwinglio, o Sérgio e o Valter. Mas o Volney, filho do Valter, só conheci agora.
Recebi do Volney, hoje, a indicação de um livro, com o título acima – escrito por Elienai Cabral Júnior (publicado pela Editora Ultimato). Vejam o link do livro:
http://ultimato.com.br/blogs/salvos_perfeicao/o-livro/
Já comprei o livro com base apenasmente (como diria Odorico Paraguaçu) no título, pois o título se casou perfeitamente com algo que venho pensando – e dizendo, em privado — por algum tempo.
No meu entender, a tradição judaico-cristã coloca a perfeição apenas em Deus. Assim, perfeito há apenas um: Deus. A despeito da existência de alguns textos que pareçam indicar o contrário, não faz parte da tradição judaico-cristã a perfectibilidade do homem – a busca de sua, gradual ou repentina, perfeição.
Segundo a Bíblia, nossos primeiros pais, Adão e Eva, não foram criados perfeitos. Na verdade, foram criados imperfeitos e foram até proibidos de tentar ganhar a perfeição – algo que supostamente conseguiriam se comessem do fruto da árvore do bem e do mal. Deus os proibiu de comer desse fruto… (O Deus do Velho Testamento é um Deus que não admite concorrentes…)
A chamada queda, portanto, se deu porque nossos primeiros pais foram seduzidos pelas palavras da Serpente, que dizia que, se eles desobedecessem a Deus e comessem do fruto da árvore do bem e do mal, se tornariam iguais a Deus – vale dizer, perfeitos como ele.
O chamado pecado original, portanto, foi a busca humana da perfeição, alicerçada na crença de que ela era alcançável pelo homem. Essa crença na perfectibilidade humana é descrita como problemática porque ela gera uma série de pecados secundários: a soberba, o orgulho, a presunção, a arrogância. A presunção, porque ela nos faz imaginar que podemos nos tornar perfeitos, como Deus. A arrogância, porque ela inevitavelmente nos faz acreditar que estamos chegando perto… Tudo isso gera a soberba e o orgulho, pecados maiores e originais. E a soberba e o orgulho geram, por sua vez, o desprezo e a intolerância porque aqueles que se revelam ser humanos demais, pecadores demais, imperfeitos demais.
Saltando do Velho para o Novo Testamento, temos a parábola do Fariseu e do Publicano, em que esses pecados ficam claramente revelados e denunciados por Jesus – sempre descrito como “o Homem”, ou “o Filho do Homem”.
Aproveitando aqui, com a devida autorização dela, algumas coisas que a Paloma escreveu (em privado) recentemente, analisando a parábola do Fariseu e Publicano, relatada em Lucas 18:9-14. temos o seguinte quadro…
O texto da parábola começa assim:
"Propôs Jesus também esta parábola a alguns que confiavam em si mesmos, por se considerarem justos, e desprezavam os outros" (Lucas 18:9).
Na época de Jesus a sociedade judaica estava dividida. Jesus escolheu como objeto de sua parábola representantes de dois dos grupos em que se dividia a sociedade judaica: um fariseu e um publicano.
Os fariseus eram a elite religiosa daquele tempo. Os bons. Em suma: os perfeitos. Os publicanos, por outro lado, eram a “casta desprezada”, algo como os dalits, os intocáveis da Índia. Em suma: os símbolos da imperfeição.
Como esclarece Lucas, a parábola não foi contada para os publicanos, imperfeitos, cheios de pecados, mas, sim, para os fariseus, “que confiavam em si mesmos por se considerarem justos, e desprezavam os outros”.
Na parábola de Jesus o fariseu faz uma oração, atribuindo aos “demais homens” uma série de pecados que ele se vangloria de não cometer. Diz ele, em sua oração: “Oh Deus, graças te dou porque não sou como os demais homens, roubadores, injustos e adúlteros”. Não satisfeito de falar de seus méritos em relação “ao demais homens”, ele se compara diretamente com o publicano que orava mais embaixo, buscando mostrar a sua superioridade (dele próprio, fariseu, naturalmente): “Graças te dou porque não sou . . . como este publicano”. Ainda não satisfeito, ele acrescenta méritos adicionais seus: “Jejuo duas vezes por semana e dou o dízimo de tudo quanto ganho” (Lucas, 18:11).
Embora o termo “fariseu” tenha assumido, provavelmente desde que essa parábola entrou para a literatura mundial, um sentido relacionado à falsidade e à hipocrisia, Jesus não questiona que o fariseu era uma pessoa boa. Provavelmente, o fariseu não fazia mesmo nada do que ele alegava não fazer, e fazia tudo aquilo que afirmava fazer. O problema dele não era que ele dizia uma coisa e fazia outra.
Também na parábola, Jesus não nega que os publicanos eram pecadores. Na realidade, nem o próprio publicano nega isso – pelo contrário: ele o admite e confessa com todas as letras. Sua oração foi apenas: “Oh Deus, tem misericórdia de mim, pecador” (Lucas, 18:13).
É interessante que o publicano da parábola não se comparou com ninguém. Poderia ter dito: “Graças te dou, oh Deus, porque não sou soberbo, orgulhoso, presunçoso e arrogante como esse fariseu…” Mas não o fez. Apenas demonstrou que tinha consciência de que pecador e, portanto, imperfeito – e pediu a misericórdia de Deus.
O final da parábola é curto e grosso. Jesus concluiu: “Digo-vos que este [o publicano] desceu justificado para sua casa, e não aquele [o fariseu]; porque todo o que se exalta será humilhado; mas o que se humilha será exaltado” (Lucas, 18:14).
Conclui a Paloma: Deus nos ama, não por causa do que somos, ou do que fazemos, ou do que deixamos de fazer, ou de quão perfeitos somos, ou de quão perto da perfeição chegamos. Deus nos ama em função do que ele é.
Fim da citação da Paloma…
A sentença final de Jesus resume, de maneira incomparável, a mensagem evangélica da justificação pela graça, mediante a fé – não pelas obras. A justificação vem, não em função do que fazemos ou deixamos de fazer, ou em função de quão perfeito somos, ou de quão perto da perfeição chegamos. A justificação é um ato de graça, unilateral, gratuito e sempre imerecido.
O Jesus descrito nos Evangelhos como o Filho do Homem não buscou a companhia de gente que se julgava perfeita. Pelo contrário. Condenou os soberbos, orgulhosos, presunçosos e arrogantes, que se achavam perfeitos, ou pertos da perfeição. Jesus buscou a companhia dos admitidamente imperfeitos, Disse que os últimos seriam os primeiros, e os que tentavam ser primeiros seriam os últimos… Recusou-se a condenar uma adúltera que os que se presumiam perfeitos tentavam apedrejar, dizendo uma frase lapidar: “Aquele que estiver sem pecado, atire a primeira pedra!”… Moral da história: ninguém é sem pecado, ninguém é perfeito…
A doutrina que Jesus prega e a vida que ele vive mostram que, pela graça e pelo perdão divinos, estamos salvos da necessidade de tentar nos tornar perfeitos…
Salvos da perfeição… O título do livro de Elienai Cabral Júnior é um primor. Ironizando, é um título perfeito. Espero que não me decepcione lendo o livro…
(Vítor: essa discussão é mais uma contribuição para o nosso Centro de Teologia Alternativa…)
Em Salto, 1º de Outubro de 2009
Queridíssimo…,Assino embaixo de seus comentários, bem como nos da nossa Queridíssima Teóloga Alternativa… Acho que vou-me candidatar a ingressar nesse pequeno, porém seleto grupo… Tem vaga para Engenheiros aí nessa Maçonaria…??? hehehehe… Querido Vitone…, como bom brasileiro que você é…, vê se dá um jeitinho e me encaixa nesse grupo de Teólogos Alternativos…, nem que seja meio por baixo do pano ou como "café com leite"… Depois eu te pago um cafezinho…O nosso Amigo…, que não conheço…, da "Bacia das Almas", também faz um comentário sobre esse mesmo livro "Salvos da Perfeição"… Como você bem diz…, mesmo que o livro tivesse apenas páginas em branco…, a Autora já mereceria um grande crédito apenas pela escolha do título do livro…Um grande abraço de seu irmão e Admirador,flávio.
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Ôi pessoal, esse tema me interessa muito. Peço sua licença para participar dessa conversa. Concordo plenamente com as considerações feitas. Quando o ser humano começa a acreditar que alcançou a perfeição ou algo parecido com isto ele repete o mesmo erro de Adão e Eva, novamente separando-se do Criador e procurando uma espiritualidade baseada nos atributos humanos, os quais, se pudessem levar ao aperfeiçoamento não requereriam o ato de misericórdia e bondade de Deus, esvaziando-se da glória da Deidade para se tornar um humilde carpinteiro e andar entre nós. E, como se não bastasse isto, ainda sofrendo uma penalidade enorme e de extrema crueldade como foi sua morte na cruz.Sou grata pela oportunidade de conhecer vocês e, agora, de saber da existência desse livro. Espero ter também a oportunidade de lê-lo, pois – como parece ser consenso – o seu título é realmente esclarecedor. Abraços fraternos.
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Para os que gostaram deste post, acrescentei um "follow up": Salvos da Perfeição – 2 (ou: No limite entre a teologia e a poesia está o “Reino da Delicadeza”…), em 18 de Outubro de 2009.
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