Pessimismo vs Otimismo: O Pecado Original vs a Perfectibilidade Humana

1. Introdução

Minha prima querida, Alison Biggi Sanvido, escreveu hoje, lá de Calgary, no Canadá, em seu Facebook (usando outra tradução da Bíblia):

“Por acaso, um homem preto pode mudar a cor da sua pele ou o leopardo tirar as suas manchas? Se isso fosse possível, vocês, que só sabem fazer o mal, também poderiam aprender a fazer o bem.” (Bíblia, Jeremias 13:23, NTLH; itálico acrescentado).

A tradução usada pela Alison não diz “homem preto”, diz “etíope”. Mas a Nova Tradução em Linguagem de Hoje (NTLH), que eu usei, fez bem em não eufemizar: é preferível dizer as coisas da forma que elas foram ditas, sem tentar suaviza-las. [Meu Word me informa que o verbo “eufemizar” não existe. Mas existe, sim. Ele deriva de “eufemismo”, cujo sentido é “ato de tentar atenuar e abrandar o sentido ou o impacto palavras e ideias consideradas desagradáveis”. Se não existisse, teria passado a existir a partir do momento em que eu o utilizei.]

Enfim, o versículo de Jeremias, um escritor meio pessimista e mimimi (donde o termo “jeremíada”, que quer dizer “diatribe, lamentação, discurso emocionado e revoltado sobre assunto considerado polêmico”), me fez lembrar de duas coisas, que vou relatar e discutir aqui:

Primeira coisa: de uma aula que dei na semana atrasada (dia 29 de fevereiro), na sequência da “condução coercitiva” do Lulla, que, ultimamente, abandonou a persona “Lulinha, paz e amor” para se parecer mais com um cão raivoso e babento. A aula era de História da Igreja, mas eu resolvi relacionar os eventos da semana (a aula era na sexta, dia 4) com certos temas teológicos que aparecem com frequência na história do pensamento cristão.

Segunda coisa: de um livro de Thomas Sowell, A Conflict of Visions: Ideological Origins of Political Conflicts (Basic Books; 1st ed. 1987; 2nd ed. 2006) que li pela primeira vez em 1999, dois anos depois de publicado em primeira edição, e que voltei a ler recentemente, na versão revista, a propósito de um outro livrinho que comprei na semana passada sobre Thomas Sowell, que mencionarei no capítulo 3.

2. Lula, Eventos Recentes e a História do Pensamento Cristão

Abordei na aula de 4 de Março dois temas ou duas doutrinas cristãs: (a) a doutrina do pecado original combinada com a doutrina da total depravação da natureza humana e (b) a doutrina da dupla predestinação.

A. O Pecado Original e a Total Depravação Humana

O primeiro tema que quero discutir é a doutrina combinada do alegado pecado original do homem e da suposta depravação total de sua natureza humana que esse pecado produziu. Em outras palavras: a doutrina de que, em virtude do fato de nossos supostos primeiros pais terem pisado na bola lá no Jardim do Éden, em que presumidamente viviam, desobedecendo a Deus e, assim, cometendo o primeiro pecado, chamado de “pecado original” pelos teólogos, todos os seus descendentes, vale dizer, toda a humanidade, nós inclusos, ficou, por assim dizer, tão contaminada pelo ação do primeiro casal que, como diria Agostinho, non peccare non potest: não pode não pecar, não é capaz de não pecar, isto é, está destinada a, inevitavelmente, ser pecadora.

Agostinho, no século 4-5 e os reformadores protestantes do século 16 (em especial Calvino, mas, em menor grau, também Lutero) aparentemente sentiam prazer especial em dizer, insistentemente, que o pecado original de Adão e Eva – que podiam não pecar, e, por conseguinte, tinham livre arbítrio, em decorrência do qual, podendo não pecar, escolheram pecar – corrompeu de tal maneira a natureza de seus descendentes que a tornou “totalmente depravada”, a ponto de seus oponentes (pelagianos, arminianos, etc. – movimentos devidamente condenados como heréticos pelos donos da verdade, os ortodoxos) os acusarem de negar que, depois da queda dos pais primevos [Word recusa o termo], nós realmente ainda tenhamos livre arbítrio, isto é, ainda sejamos livres.

Se os críticos de Agostinho e os reformadores protestantes estiverem certos em sua alegação (e eu suspeito que estejam), nós, no entender da ortodoxia protestante, não somos (sem a ajuda divina, registre-se) realmente livres para non peccare, para fazer o bem e o certo, para viver uma vida que, ao final, nos aterrize no céu, por toda a eternidade. [“Aterrizar no céu” é uma expressão que parece contraditória, mas vá lá – e o Word, na companhia de alguns outros frescos, refuga o verbo “aterrizar” – mas prefiro ficar com o Houaiss, que diz que “aterrizar” quer dizer a mesma coisa que “aterrissar”, que é o termo que “les bien-parlants” de hoje preferem. Mas estou digressionando de novo – e uso esse verbo horroroso porque o Word e o Houaiss me asseveram que “digredir”, que eu prefiro, não existe… Voltemos ao assunto]. Em outras palavras: só conseguimos non peccare, fazer o bem e o certo, mesmo assim inconsistentemente, se Deus (ou Jesus Cristo) passar a (de alguma forma) viver em nós e, dentro de nós, a agir por nós. Como dizia Paulo, o santo padroeiro de Agostinho e dos reformadores protestantes, “assim, já não sou eu quem vive, mas Cristo é quem vive em mim” (Bíblia, Gálatas 2:20, NTLH). É só pelo mérito de Jesus Cristo que a gente pode ter esperança de um dia aterrizar no céu – nunca por nossas próprias ações, e, portanto, pelo nosso próprio mérito.

B. A Predestinação do Homem para a Salvação e a Perdição Eterna

O segundo tema que eu quero discutir é a chamada doutrina da dupla predestinação – que, de certo modo, me parece ser a consequência lógica da doutrina do pecado original cum corrupção total da natureza humana que acabamos de ver.

Se, após a queda de Adão e Eva, o ser humano (i.e., nós todos) ficou incapaz de não pecar, de fazer o que é bom e certo, nós não podemos nos redimir ou salvar: estamos fatalmente condenados, caso haja alguma forma de vida depois da morte (o que nenhum dos teólogos mencionados duvidava), ao sofrimento eterno. (Essa é a malfadada doutrina das “penas eternas” que tanto sofrimento já causou antes mesmo da eternidade). Mas, segundo Agostinho e os reformadores protestantes, nem tudo são más notícias. Em meio a tantas más, há uma boa nova. Deus decidiu – lá atrás, antes mesmo da criação do mundo, e, portanto, antes de os primeiros pais pecarem pela primeira vez – escolher alguns seres humanos para que fossem poupados do sofrimento eterno. Esses são aqueles que as igrejas reformadas chamam de “os eleitos”. Escolheu-os, não porque, sendo onisciente, ele (Deus) soubesse que eles seriam melhores do que o resto. Escolheu-os, sem que eles tivessem qualquer mérito, por ínfimo que fosse. Escolheu-os, embora eles merecessem, como os demais, sofrer as “penas eternas”. Escolheu-os, em sua soberania, porque assim o quis.

Os demais, ele simplesmente não os escolheu. Isso parece sugerir que, em se tratando de Deus, o fato de não ter escolhido os demais para serem salvos implica que os tenha escolhido para, eternamente sofrer no inferno (que será “uma fornalha de fogo” em que os que lá aterrizarem “vão chorar e ranger os dentes de desespero” – o subtema do choro e ranger de dentes em desespero parece ser muito caro a Mateus, a julgar pela frequência que ele o menciona no Novo Testamento: Mateus 8:12, 13:50, 22:13, 24:51, 25:30). Alguns reformados “machos”, mesmo, admitem que Deus escolheu uns para a salvação eterna e outros para a perdição eterna. Outros preferem abrandar um pouco, afirmando que Deus escolheu apenas alguns para a salvação eterna – os demais, ele não escolheu para a perdição eterna, apenas deixou-os sofrer as consequências de sua própria escolha…

Mas aqui surge um problema: como fazer em escolha deles, se eles não escolheram pecar, pecando simplesmente porque não podiam não pecar? Como diziam Agostinho e os reformadores protestantes, eles eram incapazes (non potest) de não pecar (non peccare). Logo eles não tinham a escolha de não pecar. Como puni-los, ou deixar que sofram as consequências de uma escolha que eles não tiveram e, portanto, não fizeram? É aqui que a teologia reformada clássica enfrenta o que talvez seja seu maior problema.

Não vou resolver esse problema porque não sei como. Vou simplesmente voltar à aula que estava dando no dia 4 de Março.

C. É possível Aplicar Essas Doutrinas Hoje?

Não sabemos quem, na visão da teologia agostiniana e reformada, é eleito e quem não é eleito. A pergunta que coloquei aos meus alunos foi se seria justo, da nossa parte, criticar tanto o Lulla, a Dillma, e a petralhada, diante da possibilidades de que eles (a) simplesmente tivessem adquirido, em decorrência de uma ação, não deles, mas de Adão e Eva, lá nos primórdios do tempo, uma natureza humana defeituosa, total e absolutamente depravada e corrompida, e que eles (b) novamente não por decisão deles, mas, agora, de Deus, não estivessem entre aqueles que Deus escolheu redimir e elegeu para a salvação eterna, e que eles, portanto, (c) não pudessem fazer outra coisa que não pecar, isto é, mentir, enganar, roubar, ativamente corromper os outros, assassinar até os colegas de partido, sustentar amantes e filhos espúrios com o dinheiro dos outros, vindo, ao final, merecidamente sofrer as penas eternas, em uma fornalha de fogo, em que só lhes restaria chorar e ranger seus dentes, no maior desespero…

Garanto que a discussão foi boa – e ficou mais acalorada porque havia vários não presbiterianos na classe e porque muitos presbiterianos relutavam em aceitar essas doutrinas clássicas da tradição reformada…

3. Thomas Sowell e Duas Visões da Natureza Humana

Lá atrás disse que o versículo de Jeremias 13:23, publicado no Facebook pela minha prima Alison, me fez lembrar de duas coisas. A primeira eu acabei de descrever. A segunda eu passo a descrever agora.

A tese do versículo é que é tão impossível que aqueles que “só sabem fazer o mal” consigam “aprender a fazer o bem” como o é para um homem mudar a cor de sua pele ou para um animal que tem manchas no corpo deixar de tê-las.

Comprei, na semana passada, um livrinho, escrito por Francisco Amed, chamado Thomas Sowell: Da Obrigação Moral de ser Cético (Editora É Realizações – nome esquisito para uma editora, eu sei), de São Paulo, que é parte da “Biblioteca Crítica Social” da editora, coordenada pelo grande Luiz Felipe Pondé, meu colega, professor de Filosofia da PUC-SP.

Thomas Sowell é simplesmente, na minha modesta opinião, o maior intelectual “etíope” americano (aproveito o termo usado na tradução da Bíblia que a Alison usou). Tenho quase tudo que ele escreveu. E ele chegou a essa posição tendo nascido de pais paupérrimos, com os quais quase não conviveu: o pai morreu antes de ele nascer e a mãe quando ele tinha cinco anos – mas não fez muita diferença porque ele havia sido dado para uma parente, que o criou por um tempo, e, depois, o “disponibilizou” para adoção – tendo ele sido adotado por pais brancos, mas também muito pobres, que, contudo, moravam em New York, e não no Sul dos Estados Unidos, onde ele havia nascido e vivido até essa adoção. Alfabetizou-se a bem dizer sozinho, aos quatro aos, brincando com a irmã de criação. Tomou gosto pela leitura e pelo estudo e, na escola, se tornou o melhor aluno. Aos 15 anos, porém, deixou a escola por não aguentar mais ouvir a mãe dizer que ele precisava trabalhar e não apenas estudar, porque, como estudante apenas, era um peso morto na família, só consumindo recursos e não trazendo nenhum recurso para casa. Ele resolveu trabalhar em tempo integral, aos 18 anos foi ser “marine” na Marinha dos EUA, depois de alguns anos nas Forças Armadas, pediu baixa, arrumou um emprego simples e voltou a estudar. Logo ficou evidente que era um gênio, foi estudar em Harvard, depois em Columbia, depois em Chicago, obteve graduação (magna cum laude em Harvard), mestrado (em Columbia) e doutorado (em Chicago), trabalhou em várias das mais ilustres universidades americanas (Cornell, Amherst, Brandeis, UCLA), ganhou vários doutorados honorários, escreveu inúmeros livros e hoje trabalha no prestigiado e prestigioso “think tank”, o Hoover Institution, da Stanford University, onde, foi Fellow, de 1977 a 1980, e é, desde 1980, Senior Fellow e detentor de uma fellowship que tem o nome de Milton Friedman, seu professor e orientador de doutorado em Chicago – e mentor, depois. Tudo isso sendo negro e pobre e dependendo apenas de seu esforço e de seu trabalho, sem se beneficiar de cotas e outros bichos, sem se considerar vítima, sem achar que merecia uma “reparação” da sociedade americana por ter esta escravizado seus ancestrais, etc. E é um dos poucos intelectuais negros, nos EUA, que pode ser descrito como liberal clássico e conservador. É considerado um public intellectual, isto é, um intelectual que não é mero acadêmico a escrever livros e artigos para outros acadêmicos, mas alguém que escreve para o público em geral, de forma que o público possa entender, acerca dos grandes e candentes temas que afligem a sociedade (no caso, americana).

Mas não vou falar tanto da enorme contribuição de Sowell à economia, às ciências sociais, à história, à psicologia, à filosofia, e às humanidades em geral. Vou  apenas levantar um tema que Pondé destaca no Prefácio do livro escrito sobre ele no Brasil, pinçando referências ao tema ao longo do livro.

O tema, que é abordado principalmente no livro Um Conflito de Visões, de Sowell, mas que eu vou descrever aqui com minhas palavras (tentando fazer uma ponte com o que disse de início, falando de minha aula de 4 de Março), é o seguinte.

Na História Intelectual do Ocidente surgiram basicamente duas visões acerca da natureza do ser humano que, em especial nos últimos séculos, têm entrado em combate constante, tanto no refinamento de suas ideias, em busca da verdade, como na obtenção de adeptos e até mesmo na tentativa de conquistar o poder – cultural e político.

A. A Visão Pessimista da Natureza Humana

Uma dessas visões pode ser chamada de pessimista. Ela tem vínculos com a visão cristã clássica do homem, mas não se restringe ao Cristianismo. Dentro do Cristianismo, ela é marcada pela doutrina do pecado original, embora não dependa totalmente dele.

Seu pessimismo decorre do fato de que ela vê a natureza humana como essencialmente limitada, falha mesmo, incapaz de alcançar a perfeição que, entretanto, em alguma de suas modalidades, o ser humano sempre tenta alcançar. Nesta visão, ele não irá alcança-la nunca, por mais que tente, pois suas limitações se expressam tanto na sua capacidade intelectual como em sua dimensão moral.

Seu conhecimento e suas habilidades cognitivas são limitados. Suas habilidades não cognitivas também são limitadas (sua motivação, coragem, paciência, persistência, dedicação, resiliência, etc.). Sua capacidade de discernir o que é bom e o que é certo é restrita. Em seus sentimentos, ele é profundamente egoísta, pouquíssimo solidário (além do círculo restrito da família e das amizades mais chegadas), incapaz de trabalhar de forma consistente e sustentável em benefício do bem comum. Do ponto de vista de suas emoções ele é vitimado por conflitos internos intermináveis e insolúveis, que o levam a abraçar cursos de ação equivocados e que causam enorme sofrimento aos outros, etc. As guerras, muitas vezes bem intencionadas, e os genocídios contra populações impotentes, são apenas a parte mais visível dessas características.

Essa visão não implica na crença na miséria infernal e eterna do homem, mas certamente implica na crença da impossibilidade da construção de um paraíso aqui na terra. Em última instância esta é uma visão trágica da humanidade, que encontra, talvez, sua expressão maior na grande literatura. Foi Tolstói que uma vez disse que a grande literatura nunca existiria se todo mundo fosse feliz – porque a felicidade de uns, quando a alcançam, é muito parecida com a felicidade dos outros, e não há muito sentido em descreve-la e dramatiza-la. A infelicidade, porém, é variada: cada um aparentemente encontra sua própria forma de ser infeliz, sua própria receita, sua própria fórmula, e é por isso que a literatura (e seus filhotes, o teatro, o cinema, a telenovela) continuam a nos fascinar. O ser humano sempre encontra um jeito novo de arruinar sua vida. [Na verdade, Tolstói não disse tudo isso. Disse apenas, na primeira frase de Anna Karenina, que “todas as famílias felizes se parecem umas com as outras, mas cada família infeliz é infeliz do seu próprio jeito”.]

Adam Smith, filósofo e economista do século 18, é o grande secularizador dessa visão, removendo-a de suas raízes cristãs. Ele não nega essas características da natureza humana nem propõe que devemos tentar altera-las, criando, de certo modo, um “homem novo”. Ele propõe, isto sim, que criemos sistemas que, a partir dessas características, para ele inalteráveis da natureza humana, possam gerar incentivos e dissuasores que levem os seres humanos a criar o tipo de sociedade em que as pessoas sejam levadas a conviver pacificamente e a colaborar na promoção dos interesses de todos.

B. A Visão Otimista da Natureza Humana

A outra visão pode ser chamada de otimista. Os que adotam a primeira visão consideram esta segunda, utópica. Os que adotam esta segunda visão, por sua vez, têm vínculos com a visão racionalista do Iluminismo, creem que o homem, sendo racional, é capaz de encontrar soluções para todos os seus problemas. O surgimento da ciência moderna, e suas inegáveis conquistas, fortaleceu essa crença, ensejando o aparecimento da crença no progresso – e a crença de que esse progresso era interminável.

Imaginava-se, no limiar do século 19, que o mundo estava prestes a se tornar um paraíso. Teólogos cristãos que adotaram essa visão – os chamados teólogos liberais – passaram a acreditar que o céu seria esta nossa Terra transformada, e que a implantação do Reino de Deus na Terra estava próxima. Os problemas  humanos e sociais seriam resolvidos pela educação e pela política, esta controlada por seres humanos iluminados que seriam capazes de eliminar as injustiças sociais, de alcançar capacidade plena de produção, de inventar fórmulas distributivas que reduziriam as desigualdades existentes e levariam ao enriquecimento de todos. Em outras áreas, técnicas de terapia seriam inventadas que eliminariam a violência, a maldade e até mesmo o egoísmo, e todos ficariam felizes por viver numa sociedade para a qual cada um contribuiria segundo a sua capacidade e da qual cada um retiraria o que fosse preciso para atender as suas necessidades.

Não vem de Marx, mas de Edward Bellamy em seu livro Looking Backwards 2000-1887, escrito em 1889) a mais detalhada crença nessa visão. Sua mais bem elaborada justificativa teórica é o livro Enquiry Concerning Political Justice, de William Godwin, escrito no final do século 18.

Dentro dessa abordagem, Lulla e a Petralhada talvez sejam apenas um subgrupo que deu errado dentro do grupo maior dos Idealistas que a acreditam que “Um Mundo Diferente, E MELHOR, é Possível!”…

4. Conclusão

O que concluir?

O PT é o mal encarnado, sob o comando do Cão Raivoso em pessoa, incorporado no Lulla? Se a visão otimista do mundo está certa, o que foi que deu errado com Lulla e o PT? Suponho que algo tenha dado errado porque acho impossível que alguém possa em sã consciência acreditar que o que estamos vendo aqui no Brasil durante esses últimos 13 anos seja o que realmente se buscava, o mundo diferente, E MELHOR, que se procurava construir…

Se a visão pessimista da natureza humana é tudo o que temos, como é que conseguimos evitar uma guerra de todos contra todos sem cair no PT (que, convenhamos, longe de evitar uma guerra de todos contra todos a promoveu e acirrou)? Ou será que o Liberalismo Clássico está certo e que devemos procurar criar uma sociedade construída, não nas virtudes sociais de cada um (que não existem), mas, sim, em vícios, em seu egoísmo… Será que é crível a tese de que a melhor sociedade é aquela que dá máximas oportunidades para o egoísmo prosperar? Essa é, de certo modo, a tese de Adam Smith em sua famosa passagem, em que afirma que não é da bondade (ou seja, do altruísmo) do padeiro, do açougueiro, do produtor de vinho que eu obtenho meu pão, minha carne e meu vinho, mas, sim, de seu egoísmo, pois esse egoísmo, iluminado ainda que por apenas um pouco de racionalidade, o leva a concluir que é somente me servindo bem, atendendo bem minhas necessidades, que ele irá prosperar?

Para discussão.

Resolvi encontrar algo para escrever para me distrair e fugir do meu estado borocoxô, como disse hoje cedo no Facebook. Então (3h atrás) escrevi:

“Fui dormir, ontem, e acordei, hoje, meio borocoxô.

Para quem não sabe, ‘borocoxô’ quer dizer, segundo o Dicionário Informal disponível na Web, o seguinte:

Borocoxô (adj)

1) Triste, cansado, acabado, deprê, desanimado, cabisbaixo, mole, adoentado, definhando.

2) Fraquinho, simples, sem graça, paia, péba.

Sei que eu melhoraria muito e rápido se caísse um raio fulminante na cabeça do Lulla e da Dillma num dos abraços deles. Ou, pelo menos, se os dois fossem presos. Ou, pelo menos o Lulla, o Cão Raivoso. Da Dillma tenho mais dó do que raiva.

Quem sabe melhoro se conseguir escrever alguma coisa… Mesmo que não seja sobre o que parece me afligir.”

Em Salto, 16 de Março de 2016 (12h35) – revisado e ampliado em 17 de Março de 2016.

Meu Credo Liberal

[Como pouca gente visita as páginas fixas do blog (links debaixo do título), resolvi republicar a página que contém “Meu Credo Liberal”. EC]

Sou defensor radical da liberdade, e, portanto, inimigo declarado de todas as formas de liberticídio.

I. Convicções Básicas:

01. Defendo o direito de cada um pensar livremente, de escolher suas opiniões e seus pontos de vista, suas crenças e seus valores, e de os abandonar, sempre que achar que deve, e espero que os abandone, quando neles achar falhas ou quando encontrar alternativas mais adequadas à sua maneira de ver o mundo e a vida.

02. Defendo o direito de cada um agir livremente, de buscar a felicidade, como ele a enxerga, e, portanto, o direito de viver sua vida como bem entende, desde que não cause dano à pessoa e aos bens dos outros e respeite, nos outros, igual direito.

03. Por isso, condeno não só os que tentam abertamente impedir as pessoas de pensar e de agir dentro dos seus direitos, e, portanto, de decidir, escolher e buscar, livremente, por si próprias, a vida que querem e pretendem viver, como também, e especialmente, os que tentam, com sutilezas e dissimulações, manipular a mente alheia, em especial a das crianças, alegando agir no interesse dos manipulados.

04. Assim, condeno especialmente, e sem reservas, a doutrinação e o condicionamento, em todas as suas formas.

05. Defendo, enfaticamente, uma educação aberta, liberal (até mesmo libertária) e democrática, mesmo em casa, em que as crianças têm pleno direito de pensar por si próprias e, assim que forem capazes de assumir responsabilidade por suas ações, de agir como houverem por bem.

II. Filosofia de Vida  

01. Não me parece que a vida humana tenha um sentido independente de nossos sonhos, objetivos, e desejos.

02. Estou convicto de que a “programação” genético-biológica do ser humano é razoavelmente aberta, permitindo que construamos a nossa vida em função de nossos sonhos, objetivos, e desejos.

03. Assim, damos sentido à nossa vida quando definimos uma visão coerente daquilo que queremos nos tornar ao longo do tempo que nos é dado viver e lutamos para transformar nossos sonhos em realidade, para tanto tendo permanente motivação e buscando desenvolver as competências necessárias para alcançar sucesso nesse projeto de vida.

04. Felizmente, vivemos, em média, o suficiente para rever nosso projeto de vida mais de uma vez, fazer correções de rumo, e, assim, nos reinventar (algo ao qual devemos estar sempre abertos).

05. A pré-condição individual para essa filosofia de vida é a autonomia e a pré-condição política é a liberdade: por isso, sou radicalmente liberal, no velho sentido do termo (liberdade negativa, laissez faire, estado mínimo construído em cima do reconhecimento de direitos individuais invioláveis).

III. Interesses 

01. Gosto muito do que faço, mas gostaria de poder fazer várias outras coisas também – que não faço porque o tempo é limitado: o tempo de uma dia e o tempo de uma vida.

02. Primariamente, o que faço é refletir sobre a vida e o mundo, compartilhar o que pensei através de artigos, crônicas, ensaios, e outros trabalhos escritos, e discutir com os outros as críticas que fazem ao que escrevi.

03. Secundariamente, compartilho minhas reflexões através de aulas, palestras, conferências, seminários, oficinas, etc.

04. Não creio que tenha talento para a ficção e a poesia, embora nunca tivesse tentado seriamente fazer essas coisas.

05. Se pudesse optar por fazer alguma outra coisa, minhas três primeiras escolhas seriam na área artística: a) ser diretor de cinema; b) ser regente de orquestra; c) ser músico (piano, ou violão, ou violino).

IV. Estilo de Vida      

01. Gosto de sossego e tranqüilidade, não gosto de grandes ajuntamentos nem de locais onde muita gente fala ao mesmo tempo e muito alto.

02. Gosto de ler, ouvir música, ver filmes, e conversar com pessoas inteligentes e interessantes.

03. Gosto de andar sem destino pré-determinado, explorando o local em que me encontro, cidade ou campo, e de viajar, sem planos, agendas e cronogramas muito rígidos – e sem malas muito grandes e pesadas.

04. Embora nunca tenha feito diários de viagens (ou de qualquer outra coisa) até o surgimento dos blogs, hoje sou fã incondicional de blogs e, portanto, registro regularmente o que penso e faço em diversos blogs, que eu levo extremamente a sério.

05. Embora precise dormir, como todo mundo, acho as horas dormidas um enorme desperdício de tempo, e adoraria se alguém inventasse uma pílula que restaurasse as energias de nosso corpo e de nossa mente, sem que precisássemos dormir.

V. Hábitos     

01. Minha comida salgada favorita é arroz, feijão e carne moída, tudo misturado um com o outro e com farinha de mandioca, e meu doce favorito é goiabada cascão com queijo de Minas meia-cura.

02. Em casa, sempre ando descalço, com um shorts e uma camiseta confortáveis e, de preferência, bem surrados.

03. Tenho dificuldade em dar ou até mesmo emprestar as minhas coisas, mesmo quando não as uso mais ou estou razoavelmente certo de que nunca mais precisarei delas.

04. Das coisas materiais que possuo, meus livros, meus discos (CDs ou discos de vinil), e meus filmes (Blu-rays, DVDs ou vídeos-cassete) são as mais importantes, roupas e sapatos sendo, talvez, as menos importantes (embora nem deles goste de me desfazer).

05. Sou, na superfície, bastante desorganizado com minhas coisas, mas, num segundo plano, tenho princípios de organização que funcionam bastante bem para mim.

VI. Valores    

01. Sou caseiro: não gosto de sair de casa meramente por sair, em geral me sentindo extremamente bem nos lugares em que vivo.

02. Vivo relativamente bem em solidão e, quando não estou sozinho, com o conviver silencioso: no sou um falante compulsivo.

03. Apesar disso, gosto muito de estar junto das pessoas a quem amo ou particularmente admiro e derivo prazer e satisfação de minha interação com elas.

04. Mas não suporto gente que, usando a alegação de amizade, não se manca e acha que tem o direito de ficar se metendo na vida dos amigos…

05. Sou bastante tolerante, lidando bem com diferenças em idéias e estilos de vida, mas detesto a intolerância, o fanatismo, e, naturalmente, a burrice… 

VII. Como eu vejo o que eu faço hoje       

Concordo com Herbert Spencer (1820-1903), que disse:

“O grande objetivo da educação não é conhecimento, mas ação”

O que eu faço, em termos gerais, é:

No presente, repensar a educação, no curto prazo reinventar a escola para que seja verdadeiramente inovadora, no médio e longo prazo, construir uma sociedade em que se aprende anywhat, anywhy, anyfor, anywhen, anywhere, anyhow…

Isso é necessário por causa das mudanças fundamentais que ocorreram, nos últimos 65 anos, no contexto em que vivemos e nos educamos.

1. Repensar a educação envolve principalmente:

  • Listar e integrar as mudanças no contexto de nossa vida
  • Mostrar por que essas mudanças nos forçam a repensar a educação e a reinventar a escola
  • Indicar a direção em que a educação e a aprendizagem devem ser reconceitualizadas

2. Reinventar a escola para que seja verdadeiramente inovadora envolve:

  • Propor nova visão de currículo, metodologia, e avaliação, e formas de implementa-los
  • Redefinir o papel e a forma de preparação dos profissionais que vão implementar essa visão
  • Identificar / criar materiais, recursos e ferramentas

3. Construir uma sociedade em que se aprende anywhat, anywhy, anyfor, anywhen, anywhere, anyhow… envolve:

  • Abandonar totalmente os paradigmas educacionais que nos trouxeram até aqui;
  • Caracterizar a educação como desenvolvimento humano centrado na criança e sua aprendizagem;
  • Enfatizar a necessidade de respeitar as diferenças e os interesses individuais e de uma educação personalizada;
  • Privilegiar todas as interações sociais como ambientes potenciais e naturais de aprendizagem;
  • Estender ao máximo as interações sociais através da tecnologia, focando o seu potencial para a aprendizagem ativa, interativa, comunicativa, colaborativa, significativa.

Revisto e republicado em Salto, 12 de Outubro de 2015

A hora é propícia

 Estes doze anos e meio de desgoverno petista vão servir, para nós, brasileiros, como um período de passagem.

Por muitos anos, desde antes do período da Ditadura Militar, a cultura predominante no Brasil vem se esquerdizando. Nos anos que antecederam ao Contra-Golpe de 1964, o golpe militar que evitou, um golpe de esquerda, comunista ou quase, essa tendência esquerdizante da cultura brasileira se revelou. Não ser de esquerda começou a ser considerado algo retrógrado, de que o não-esquerdista deveria se envergonhar. Depois vieram os vinte anos da ditadura, depois o golpe dentro do golpe, em 1968, a censura, o surgimento da resistência armada, a repressão violenta, as prisões, a tortura. A esquerda lutou contra a Ditadura Militar porque a ditadura que ela queria era outra, do Proletariado. Muita gente que não era de esquerda também lutou contra a Ditadura Militar porque ela pisoteou as liberdades democráticas e os direitos básicos do indivíduo, de pensar livremente, de dizer livremente o que pensa, de se organizar livremente, de se locomover livremente, de ir e de vir livremente, de buscar a sua felicidade como ele acha melhor. A esquerda, ao final da Ditadura Militar, quis nos fazer crer que fora ela, sozinha, que derrubara a ditadura. Não foi. Muita gente que detestava a esquerda — esquerda que queria uma Ditadura do Proletariado — e que a detestava exatamente porque detestava qualquer ditadura, e defendia a liberdade, contribuiu e muito para a queda da ditadura. Mas a esquerda quis nos fazer crer que ela era a única responsável pela redemocratização do país. Depois de duas tragédias não esquerdistas, Sarney e Collor, este foi removido do governo e o Itamar chamou o FHC, esquerdista light, esquerdista cor-de-rosa, para o Ministério da Fazendo. Com o Plano Real ele se elegeu, e essa esquerda light, cor-de-rosa, assumiu o governo com grande apoio da população. Ao longo dos oito anos social-democratas do PSDB, as esquerdas se aglutinaram ao PT e ganharam a eleição de 2002, depois a de 2006 (mesmo com a evidência chocante da roubalheira do Mensalão), depois a de 2010, com essa nulidade que está aí, e, finalmente, pela mentira e pela desfaçatez, a de 2014. Agora, com o Petrolão, a roubalheira generalizada, a crise econômica, a incompetência total na gestão do país, a esquerda tenta se desgrudar do PT.

A coisa ainda vai ficar pior antes de melhorar.

Mas para nós, que não somos esquerda, que nunca fomos PT, o período é propício.

O que esses doze e anos e meio de desgoverno e roubalheira do PT mostraram é a falência das ideias da esquerda, a falência do igualitarismo vindo de cima, do governo, pela força ou pela legislação, a falência das taxações progressivas, a falência das políticas sociais, a falência das políticas preferenciais, da cotas, das bolsas, dos dinheiros, dos serviços, dos bens dados de mão-beijada.

Esses doze anos e meio mostraram também, que a cultura brasileira, herdada em parte de Portugal, tem, além dos seus traços impostos, oriundos do esquerdismo internacional, um ranço oportunista, composto por gente que quer levar vontade em tudo, de gente que, para conseguir um contrato sucumbe à sugestão do ladrão encastelado no governo de que ele precisa pagar propina, porque é assim que as coisas funcionam, e sempre funcionaram, neste infeliz país, desde Pero Vaz de Caminha.

Nós, que não somos de esquerda, que nunca fomos do PT “da boquinha”, mas que nunca fomos também partidários da filosofia do Gerson, precisamos gestar as ideias que podem fazer do nosso um novo, limpo, honesto e grande país — um país que não nos envergonhe diante do mundo.

Termino citando o prefácio de um livro – um livro curioso que é uma biografia simultânea de quatro pessoas – de quatro grandes pessoas. Quatro pessoas que ajudaram os Estados Unidos, nos anos posteriores à Guerra Civil, a se refundar.

Está na hora de surgirem pessoas que se disponham, séria e honestamente, a inventar um conjunto de ideias que nos permita refundar o Brasil em novas bases — deixando para trás, definitivamente, como os EUA deixaram a escravatura, a nefasta combinação de ideias esquerdistas com as ideias dos aproveitadores.

Eis o trecho do prefácio do livro, escrito pelo próprio autor, antecedido de um breve comentário que fiz no Facebook a propósito do Dia do Escritor, celebrado hoje, 25 de Julho:

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Today is the Day of the Writer.

To celebrate those who live to write, and those who write to live, I share with you, as well as with those without whom there would be little sense in writing, the readers, a beautiful quote about ideas — the prime matter we use (even before words) to write:

“What the members of the Metaphysical Club [John Dewey, philosopher and educator; Oliver Well Holmes, Jr., future associate justice of the United States Supreme Court; William James, the father of modern American psychology; and Charles Sanders Peirce, logician, scientist, and the founder of semiotics] had in common was not a group of ideas but a single idea – and idea about ideas.

They all believed that ideas are not things ‘out there’ waiting to be discovered but tools people invent — like knives and forks and microchips — to make their way in the world. They thought that ideas are produced not by individuals, but by groups of individuals — that ideas are social. They do not develop according to some inner logic of their own but are entirely dependent — like germs — on their human carriers and environment.

And they believed that since ideas are provisional responses to particular and unreproducible circumstances, their survival depends not on their immutability but on their adaptability.

The belief that ideas should never become ideologies – either justifying the status quo or dictating some transcendent imperative for renouncing it – was the essence of what they taught.”

[From the preface (by the author himself) of the book “The Metaphysical Club: A Story of Ideas in America”, by Louis Menand. The Metaphysical Club was the winner of the 2002 Pulitzer Prize for History.]

 Em Salto, 25 de Julho de 2015

A Sabedoria de Eclesiastes. . . (Meus versículos favoritos)

[Exceto onde indicado (quatro citações), no restante foi usada a Nova Tradução na Linguagem de Hoje (NTHL).]

“Procurei descobrir qual a melhor maneira de viver e então resolvi me alegrar com vinho e me divertir. Pensei que talvez fosse essa a melhor coisa que uma pessoa pode fazer durante a sua curta vida aqui na terra” (Eclesiastes 2:3).

“Eu me arrependi de ter trabalhado tanto e fiquei desesperado por causa disso. A gente trabalha com toda a sabedoria, conhecimento e inteligência para conseguir alguma coisa e depois tem de deixar tudo para alguém que não fez nada para merecer aquilo. Isso também é ilusão e não está certo!” (Eclesiastes 2:20-22).

“Então entendi que nesta vida tudo o que a pessoa pode fazer é procurar ser feliz e viver o melhor que puder” (Eclesiastes 3:12).

“Todos nós devemos comer e beber e aproveitar bem aquilo que ganhamos com o nosso trabalho. Isso é um presente de Deus”  (Eclesiastes 3:13).

“É melhor ter pouco numa das mãos, com paz de espírito, do que estar com as duas mãos sempre cheias de trabalho, tentando pegar o vento. Descobri que na vida existe mais uma coisa que não vale a pena: é o homem viver sozinho, sem amigos, sem filhos, sem irmãos, sempre trabalhando e nunca satisfeito com a riqueza que tem. Para que é que ele trabalha tanto, deixando de aproveitar as coisas boas da vida? Isso também é ilusão, é uma triste maneira de viver” (Eclesiastes 4:6-8).

“Se faz frio, dois podem dormir juntos e se esquentar; mas um sozinho, como é que vai se esquentar?” (Eclesiastes 4:11).

“Tenha cuidado quando for ao Templo.  . . . Vá pronto para ouvir e obedecer a Deus. Pense bem antes de falar e não faça a Deus nenhuma promessa apressada . . . Fale pouco. Quanto mais você se preocupar, mais pesadelos terá; e quanto mais você falar, mais tolices dirá.  . . . É melhor não prometer nada do que fazer uma promessa e não cumprir” (Eclesiastes 5:1-5).

“Então cheguei a esta conclusão: a melhor coisa que uma pessoa pode fazer durante a curta vida que Deus lhe deu é comer e beber e aproveitar bem o que ganhou com o seu trabalho. Essa é a parte que cabe a cada um” (Eclesiastes 5:18.

“Se Deus der a você riquezas e propriedades e deixar que as aproveite, fique contente com o que recebeu e com o seu trabalho. Isso é um presente de Deus. E você não sentirá o tempo passar, pois Deus encherá o seu coração de alegria” (Eclesiastes 5:19-20).

“Uma coisa é certa: quanto mais falamos, mais tolices dizemos; e não ganhamos nada com isso”.(Eclesiastes 6:11).

“Quem só pensa em se divertir é tolo; quem é sábio pensa também na morte.” (Eclesiastes 7:4).

“É melhor ouvir a repreensão de um sábio do que escutar elogios de um tolo” (Eclesiastes 7:5).

“Não existe no mundo ninguém que faça sempre o que é direito e que nunca erre” (Eclesiastes 7:20).

“Estou convencido de que devemos nos divertir porque o único prazer que temos nesta vida é comer, beber e nos divertir. Podemos fazer pelo menos isso enquanto trabalhamos durante a vida que Deus nos deu nesta terra” (Eclesiastes 8:15).

“Só os vivos têm esperança. É melhor ser um cachorro vivo do que um leão morto!” [Eclesiastes, 9:4; tradução A Bíblia Viva.]

“Enquanto você viver neste mundo de ilusões, aproveite a vida com a mulher que você ama. Pois isso é tudo que você vai receber pelos seus trabalhos nesta vida dura que Deus lhe deu.” (Eclesiastes 9:9).

“Eu descobri mais outra coisa neste mundo: nem sempre são os corredores mais velozes que ganham as corridas; nem sempre são os soldados mais valentes que ganham as batalhas. Notei ainda que as pessoas mais sábias nem sempre têm o que comer e que as mais inteligentes nem sempre ficam ricas. Notei também que as pessoas mais capazes nem sempre alcançam altas posições.Tudo depende da sorte e da ocasião” (Eclesiastes 9:11).

“Se alguém colocar moscas mortas num vídeo de perfume, ele acabará cheirando mal! Assim, um pequeno erro pode destruir muita sabedoria e honra.” [Eclesiastes, 10:1; tradução A Bíblia Viva].

“Quem fica esperando que o tempo mude e que o tempo fique bom, nunca plantará, nem colherá nada”. (Eclesiastes 11:4).

“Se você esperar que tudo fique normal, jamais fará qualquer coisa”. (Eclesiastes 11:4; tradução A Bíblia Viva.)

“É maravilhoso viver! Ver a luz, o sol! Se uma pessoa chegar à velhice, deve se alegrar em todos os dias de sua vida. Mas se deve lembrar também que a eternidade é muito mais comprida; quando se compara a vida com a eternidade, o que fazemos aqui não vale nada!” [Eclesiastes, 11:7-8; tradução A Bíblia Viva.]

Em São Paulo, 23 de Setembro de 2013 [Revisto e ampliado em 12 de Junho de 2015] [Transcrito aqui, de meu outro blog LivreMente, em 16/6/2015]

As Pessoas

[Dedicado ao meu sobrinho Vítor Chaves de Souza, filósofo e teólogo, como eu, e, ainda por cima, poeta e fotografo, não como eu]

Adapto aqui um material que, há exatamente três anos, em 12/6/12, o Renato Janine Ribeiro, publicou no seu perfil no Facebook. O ministro ainda mantém e alimenta o seu perfil no endereço https://www.facebook.com/renato.janineribeiro.

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A história é atribuída ao general Kurt Gebhard Adolf Philipp Freiherr von Hammerstein-Equord (September 26, 1878 – April 25, 1943), que (conforme registra a Wikipedia) foi um general alemão que serviu, por um período, como Comandante no Exército alemão — mas que, por ser contra Hitler e o regime nazista, foi escanteado. Segundo consta, ele próprio era, nos termos da história, inteligente e preguiçoso.

A história se aplicaria aos oficiais e soldados que o general comandava. Mas, pensando um pouco, concluí que ela se aplica a qualquer grupo de pessoas engajado em uma atividade profissional (ou, a bem da verdade, em qualquer coisa).

Vou reconta-la em minhas palavras e do meu jeito e aplica-la ao nosso mundo eclesiástico (que é meio distante do militar em alguns aspectos).

É possível dividir as características que definem os seres humanos em dois grupos: características de natureza cognitiva (ou intelectual) e características de natureza disposicional (ou motivacional / atitudinal / emocional).

Do ponto de vista de suas características cognitivas, as pessoas podem ser divididas, grosso modo, em inteligentes e estúpidas.

Do ponto de vista de suas características disposicionais, as pessoas podem ser divididas, também grosso modo, em diligentes e preguiçosas.

Infelizmente, a maioria das pessoas — cerca de 90%, segundo o general — é estúpida e preguiçosa. O melhor lugar para coloca-las é na execução de tarefas de rotina, que exigem pouca inteligência e que, se bem organizadas, não são grandemente prejudicadas pela estupidez e pela preguiça dos que as realizam.

É preciso tomar cuidado, porém, com as pessoas que são estúpidas e diligentes. A elas não deve ser confiada nenhuma — repito: nenhuma — tarefa importante e que exige alguma responsabilidade, porque elas certamente causarão o maior estrago ao realiza-la.

Os dois grupos finais envolvem as pessoas inteligentes — entre os quais estão, estou certo, os leitores deste blog.

Os inteligentes e diligentes em geral alcançam altos postos nas hierarquias. Chegam ao Estado-Maior nas Forças Armadas (na história original), tornam-se cardeais na Igreja Católica, e, nas nossas Igrejas Presbiterianas, certamente chegam aos mais altos cargos da sua administração — e tendem a continuar por lá o tempo todo.

Restam os inteligentes e preguiçosos. Esses, em regra, vão se tornar professores universitários ou, no nosso caso, professores de seminários. Como eu, admito (sem modéstia, no caso da inteligência, sem vergonha, no caso da preguiça). Esses, em regra, possuem clareza intelectual e criatividade para, no devido tempo, chegar a conclusões importantes sobre a vida, a sociedade, as instituições (como a igreja). O tempo que levam para chegar a essas conclusões depende do grau de sua preguiça e dos incentivos institucionais que os motivam a, ocasionalmente, abandona-la.

Alguém já disse que a inteligência não prospera fora de ambientes que favorecem um certo grau de ócio e vagabundagem. E outro alguém já disse que a criatividade não prospera em ambientes muito certinhos: seu desenvolvimento geralmente se dá em ambientes meio desorganizados e bagunçados.

Por isso, os inteligentes e preguiçosos raramente se dão bem em dois tipos de ambientes:

Primeiro, naqueles que não lhes deixam tempo livre para pensar, explorar, refletir sobre o que, pelo menos no início, parece totalmente inútil, despropositado, distante da realidade, removido das rotinas do dia-a-dia — tempo para flanar mentalmente.

Segundo, naqueles muito arrumadinhos (como o exército ou a empresa convencional) que não lhes dão liberdade para tentar e errar, para tentar de novo e errar de novo, para combinar o inusitado, adaptar o que não funciona em uma área para ver se funciona numa outra — liberdade para fazer coisas novas e, aparentemente, inúteis. Brinquedos, na história do Rubem Alves. Coisas que dão prazer

O céu, para esse quarto grupo de pessoas, é um lugar de ócio e liberdade. O inferno (se fôssemos o pássaro encantado de outra história do Rubem Alves) seria uma gaiola em que seríamos obrigados a cantar o tempo todo.

Enquanto o céu não chega, um mosteiro ou convento com um abade ou superior laissez faire, não Caxias (desculpem a mistura de categorias), seria um second best bem decente: tipo um céu aqui na terra.

Que assim seja. Amém.

Em Tempo: Não sou fã do ministro — só colega. Mas morro de pena ao vê-lo onde está. Temo muito que não vá dá muito certo. Mas agradeço a ele a inspiração para esta crônica.

Aproveito para homenagear outra pessoa que, aparentemente, foi concorrente do Janine ao cargo de Ministro da Educação: Mário Sérgio Cortella. Fico contente que o convite não tenha sido feito a ele — ou, mais ainda, que, tendo sido feito, ele o tenha rejeitado. Trata-se de uma entrevista dele ao Danilo Gentili. O link me foi passado pelo Vítor.

Em 12 de Junho de 2015

O Liberalismo e Outros Ismos

Faz 50 anos que me considero basicamente uma pessoa liberal — liberal à moda antiga, liberal clássico, liberal laissez-faire (não liberal no sentido em que os americanos usam o termo).

Foi em 1965, no meu segundo ano no Seminário Presbiteriano de Campinas, uma instituição de ensino orientada (na época — mas, creio, talvez até hoje) pela visão calvinista do mundo, e, portanto, teológica e moralmente conservadora, quiçá fundamentalista, que me senti cerceado em minhas liberdades de pensar, crer, exprimir meus pensamentos e crenças e agir de acordo com elas.

Minha atração para o liberalismo surgiu, não exatamente das aulas de Filosofia do Rev. Francisco Penha Alves, mas nelas e nas leituras que elas propiciaram — entre as quais, On Liberty, de John Stuart Mill. Foi Mill que, por assim dizer, abriu os meus olhos para contemplar e admirar a a importância e a beleza da liberdade. Mais tarde, sob a influência de Ayn Rand, Ludwig von Mises e Friedrich von Hayek, vim a achar Mill não suficientemente radical em seu liberalismo, mas essa é outra história.

Para resumir, os únicos limites à liberdade do indivíduo que o liberal clássico reconhece como legítimos são dois que, em princípio, são fáceis de enunciar (embora, na prática, sejam muitas vezes difíceis de determinar):

  1. a liberdade dos outros, ou seja, a possibilidade de que, ao exercer a minha liberdade, eu viole igual liberdade de outrem;
  2. o dano a outros, ou seja, a possibilidade de que, ao exercer a minha liberdade, eu possa causar dano a outrem (dano real, material ou físico, não mera ofensa à sensibilidade — moral, religiosa ou outra — dos outros).

Sempre achei complicado, desde então, ser qualquer coisa que não liberal, pura e simplesmente, ponto final. Sempre me desgostaram os liberalismos qualificados — os liberalismos hifenados, por assim dizer. Quando alguém me diz “Sou liberal conservador” — ou “liberal cristão”, ou “liberal católico”, ou “liberal feminista”, etc. — fico esperando a ocasião de concluir (nem sempre mostrar) que ele não é realmente liberal, ou o é simplesmente em relação a certas coisas, não a outras, que tocam o outro lado do hífen, por assim dizer (ainda que um hífen não seja gramaticalmente exigido para caracteriza-la).

Muitas pessoas que admiro, hoje, como Reinaldo Azevedo e Rodrigo Constantino, são liberais assim. Reinaldo é católico, Constantino é culturalmente conservador à la Russell Kirk. Aprecio muito o que escrevem quando seu liberalismo é dirigido a questões políticas, relacionadas às atribuições do estado (que, para o liberal clássico, devem ser mínimas, relacionadas à “lei e à ordem”), ou a questões de economia política, relacionadas ao controle da economia pelo estado (que, para o liberal clássico, deve ser nenhum).

Nenhuma área ilustra melhor isso do que a da moralidade, principalmente a da moralidade de inspiração religiosa ou ideológica.

Para o liberal clássico, a liberdade na área de expressão do pensamento deve ser basicamente total (restringida apenas das formas explicitadas acima). Ela incluiu, por exemplo, a expressão de ideias consideradas imorais ou mesmo pornográficas por outras pessoas.

O liberal que pretende ser hifenadamente religioso em geral deixa de ser liberal aqui. A pornografia, numa revista, num livro, num filme ou num programa de televisão, o ofende, e ele em geral tenta controla-la. Evidentemente, ele pode controla-la não lendo ou assistindo, mas ele em geral quer, também, que outros não a leiam ou assistam. Para o bem deles, insiste. Ou para proteger as crianças, acrescenta.

A feminista em geral é mais feminista do que liberal. Argumenta que a pornografia rebaixa a dignidade da mulher, a degrada, a torna um objeto, a desumaniza — e, por isso, deve ser proibida. No argumento pode até vir a citar Kant sobre a importância de não considerar o outro como meio…

O liberal que defende a importância de uma cultura que preserve e sustente princípios morais que ele considera essenciais e perenes, usa argumentos muito semelhantes. Ele, em regra, é até antifeminista, porque o feminismo não é tradicional…

É isso, por enquanto. Quem sabe eu volte à carga.

Em São Paulo, 25 de Abril de 2015

Gracias por la Vida

Gosto muito da canção “Gracias a la Vida”, de Violeta Parra, imortalizada, para nós latinos, na voz de Mercedes Sosa, e, para nós brasileiros, na voz de Elis Regina.

Se estivesse escrevendo em Espanhol teria começado dizendo “A mí me gusta muchísimo la canción…”.

Acho interessante as construções linguísticas, consagradas pela língua ou criadas intencionalmente, porque há sempre algo por detrás dela que não há explicitado.

“A mí me gusta mucho la canción ‘Gracias a la Vida’” a gente expressa, numa ordem mais direta e explícita, dizendo “Gosto muito mesmo da canção Graças à Vida”. Por que será que os hispanofones dizem “A mí me gusta la canción” em vez “gosto da canção”… Por que será que soa mal aos ouvidos dos hermanos dizer “Yo gusto (de) la canción”? Não sou especialista em Espanhol, mas parece-me “Yo tengo mucho gusto en la canción” é aceitável. Não sei…

Preocupa-me mais a letra da canção em si. “Gracias a la vida”. Dou graças à vida? Se estou numa atitude de ação de graças, como, ontem, Dia de Ação de Graças, muitos estiveram, meu primeiro movimento é dizer “Gracias por la vida”. Não dou graças à vida por ter dois olhos. Dou, primeiro, graças por la vida. Mas graças a quem? Já escrevi aqui neste blog e no Facebook, sobre essa questão. Acho possível dizer “Dou graças pela vida” (ou por qualquer outra coisa), sem explicitar a quem. A frase seria equivalente a “Sou muito grato por ter vivido”, ou “Sou muito grato por estar vivo até esta idade” (quando tantos morrem tão mais cedo, por exemplo).

Os cricas — e eles podem ser crentes tentando fustigar um ateu ou podem ser ateus tentando cutucar um crente — sempre irão perguntar: “Mas a quem?” E a resposta mais apropriada me parece: “A quem — ou a que — quer que seja que é responsável por eu ter nascido e estar vivo até agora…”. Mas isso raramente vai ser suficiente. Os cricas sempre querem que a gente explicite.

A gente poderia tentar sair pela tangente e dizer “A Deus — considerando Deus a força ou o poder que nos trouxe à vida e que a sustém, e que, quando deixa de a suster, nós morremos”. Deus, afinal, na tradição cristã, é isso, não é? Pelo menos isso. Essa seria uma concepção minimalista — vale dizer, liberal — de Deus: a força ou o poder responsável por nos trazer à vida, ou nos dar a vida, e por sustê-la, por sustenta-la, por mantê-la (por um tempo limitado). Se nossa vida é boa, damos graças por ela, especialmente se ela nos dura bastante. Se nossa vida é ruim, e, vez de dar graças, esperamos que ela nos seja abreviada. Nossa tendência é hipostatizar e antropomorfizar essa força ou esse poder, humaniza-lo, faze-lo como nós, transforma-lo em nossa imagem e semelhança, para que possamos falar com ele, pedir-lhe que nos faça feliz, dar-lhe graças quando assim nos faz, pedir-lhe saúde quando estamos doentes, rogar-lhe que nos prolongue a felicidade e a vida sem a qual a felicidade desapareceria . .

Mas a canção de Violeta Parra opta por não enfrentar essas questões difíceis. Nela se dá graças à vida, hipostatizando-a, antropomorfizando-a, personalizando-a, como se fosse ela, a vida, que nos deu dois olhos, dois ouvidos, para não falar no implausível alfabeto (este, claramente, uma criação humana). E a vida? Quem nô-la deu e a sustenta? Eu sou grato a quem ou a o que fez e faz isso.

Em Salto, 28 de Novembro de 2014, dia em que faz quatro anos em que a Paloma e eu nos tornamos membros da Catedral Evangélica, em ambos os casos por arrolamento, a nosso pedido, um dia depois do Dia de Ação de Graças de 2014.

A Feitura de um Liberal

Como disse em meu artigo anterior, ontem meu sobrinho Vitor Chaves de Souza fez alguns testes de entrevista comigo para registrar em vídeo algumas ideias minhas.

A primeira pergunta foi como se deu a minha evolução teológica, por aí. A segunda foi sobre como se deu a evolução de meu pensamento político na direção do Liberalismo. Confira, o seguinte vídeo — especialmente a segunda parte:

Como disse no artigo anterior, a entrevista não foi planejada nem ensaiada. Tive literalmente de improvisar. Este texto foi escrito depois da entrevista, tendo-a como base. Não vice-versa.

1. Estágio Inicial

Assim que cheguei ao Seminário Presbiteriano de Campinas, em Fevereiro de 1964, descobri que havia muita gente interessada em “congelar” ou “refazer” a minha cabeça.

Como disse no artigo anterior, quando cheguei ao Seminário meu pensamento teológico, se é que aquilo que eu então pensava pode receber esse pomposo título, era convencional, tradicional, conservador. Meu pensamento teológico havia sido moldado ouvindo as pregações de meu pai e em conversas com ele. No Seminário essa forma de ver e pensar a teologia era quase que totalmente coerente com a da maioria dos professores. Assim, em sala de aula, tudo era dirigido para a preservação dessa forma de pensar.

Os meus colegas “veteranos”, porém, pensavam diferente. Eram relativamente radicais em sua “metateologia” (sua forma de conceber a teologia) e em sua teologia. E provocavam. Faziam perguntas, inquiriam, questionavam, colocavam em xeque, até mesmo ridicularizavam (piadas teológicas contadas em seminário são doídas para quem é conservador).

Assim, senti-me puxado de um lado e de outro. Parecia que todo mundo queria controlar como eu pensava, ou incentivando-me a continuar em minha ortodoxia, ou tentando me conquistar para a heterodoxia ou mesmo para o que me parecia ser total heresia.

Acabei me rebelando e decidindo que só eu mesmo faria a minha cabeça e decidiria o que era aceitável em um lado e no outro – ou mesmo se havia algo aceitável em um lado e no outro. Liberdade de pensamento – era disso que eu precisava. E liberdade de pensamento, na forma de ser e agir, era, como me ficou evidente nas aulas de Filosofia com o Rev. Francisco Penha Alves, o mais aberto dos mestres, a essência do Liberalismo.

Foi assim que fiquei interessado no Liberalismo – e fui ler On Liberty, de John Stuart Mill. Foi uma experiência libertadora.

Em 1966, quando fui escolhido pelo Centro Acadêmico como Editor do jornal dos alunos (ao qual demos o nome de O CAOS em Revista, porque o nome da entidade era Centro Acadêmico Oito de Setembro, honrando o dia da fundação do Seminário), e me envolvi no primeiro grande choque com as “forças da situação” dentro do Seminário, sentindo o peso da mão da censura, foi a Stuart Mill que recorri.

Eis meu Editorial no segundo número de nosso jornal, depois do “empastelamento” do primeiro número:

“Aqueles que, no seio da Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB), estão preocupados em tirar do seu caminho todos os que não concordarem em gênero, número e caso com os padrões rígidos de sua ‘ortodoxia’ superada estão praticando o mesmo tipo de exclusivismo religioso (senão pior) praticado pelos judeus aos quais foi dirigida a mensagem do livro de Jonas. Estas normas ‘ortodoxas’ têm se tornado limites cerceadores da ação de Deus. Quem delas se afastar — dizem, ou se não dizem assim o entendem, pois suas atitudes o comprovam — afasta-se do próprio Deus, e então não é digno de permanecer na IPB. Precisa ser expurgado (palavra, por eles, estimadíssima!).

. . .

É conscientes desta verdade que levantamos a nossa voz em protesto contra a estreiteza de mente de alguns dentro da IPB para os quais até opinião é delito, para os quais a livre expressão do pensamento é causa suficiente para expurgo! Como é mais fácil lutar para manter as liberdades que já temos do que lutar para reconquistar as liberdades perdidas, “O CAOS em Revista” se dispõe, em suas páginas, a dar livre expressão ao pensamento dos alunos. O número presente é exemplo disto. Não podemos permitir que nos tolham a liberdade de ter os nossos próprios pensamentos e o livre direito de expressá-los. É esta a base da democracia. É esta a base do regime presbiteriano. Em sua obra On Liberty John Stuart Mill faz notar, com toda razão, que silenciar a expressão de uma opinião é roubar a raça humana, tanto a geração presente como a posterior, sendo ainda mais prejudicados os que discordam do que os que mantêm a opinião, pois, se a opinião é correta, aqueles que dela discordam estão perdendo a oportunidade de trocar o erro pela verdade, e, se é errada, os dela discordantes perdem o grande benefício de adquirir uma percepção mais clara e mais viva da verdade, proveniente de sua colisão com o erro. Se as ideias que temos expresso e, esperarmos, continuaremos a expressar através deste jornal não são verdadeiras e são perniciosas, não vingarão, pois a melhor maneira de destruir uma ideia falsa é expô-la! Quem estiver com a verdade não precisa temer ideias, por mais estapafúrdias que sejam, pois terão com que refutá-las, através de um franco diálogo. Aqueles que se creem portadores de ideias verdadeiras, se querem mantê-las, devem torná-las continuamente relevantes, e não impedir que novas ideias apareçam e sejam disseminadas.

Aquilo que tem sido considerado como delito, isto é, a apresentação de ideias que não se harmonizam inteiramente com os padrões oficiais, o delito de opinião, é um crime que devemos praticar diariamente, sob quaisquer riscos. Se deixarmos de ser “criminosos” neste campo, estaremos roubando as gerações passadas que lutaram, até o sangue, para obter as liberdades de que somos herdeiros, a geração presente que estará tendo sua voz sufocada e reprimida, e a geração futura que sentirá que uma geração deixou de realizar o seu papel na história!”

2. Estágio Amadurecido

A passagem que acabei de citar foi escrita em 1966. Não tinha feito 23 anos ainda e já era um liberal. Mas o amadurecimento teórico só veio se dar oito anos depois, em 1974, quando li Ayn Rand pela primeira vez, por recomendação de meu colega no corpo docente do Departamento de Filosofia do Pomona College, e um liberal maduro (que depois veio a ser presidente do Liberty Fund), Charles J. King.

A experiência de ler Atlas Shrugged (A Rebelião de Atlas) e, depois, The Fountainhead (A Nascente), os dois principais romances de Ayn Rand (publicados em 1957 e em 1943, respectivamente) expandiu a minha mente de tal maneira que passei a ver o Liberalismo, não como mera filosofia política, mas como filosofia de vida, que se aplica até mesmo nos relacionamentos mais íntimos. A importância do individualismo, a necessidade de conceber o auto-interesse e o egoísmo como virtudes (e não vícios), os perigos inerentes ao expansão do Estado, o imperativo de defender o que é certo mesmo que seja impopular e vá contra a opinião pública, tudo isso soou como coisa em que eu, no fundo, já acreditava mas nunca tinha tido a capacidade de exprimir em palavras.

Ayn Rand fala muito em “sense of life”, aquela orientação geral para a vida que antecede a nossa capacidade de verbalizar e articular o que pensamos. Crianças pequenas, como minha filha mais velha, Andrea, veio a demonstrar depois, têm um “sentido tácito” daquilo que é certo e justo. Quando confrontada com algo que ela não achava certo ou justo, mesmo quando pequenina, dizia “this isn’t fair!”, isto não é justo. Ayn Rand me deu as palavras para explicar por que certas coisas que eu sentia que não eram certas ou justas de fato não eram certas e justas em um sentido objetivo. Não foi surpresa que, depois de crescer, ela tenha se tornado uma fã de Ayn Rand e tenha escrito um trabalho sobre Ayn Rand quando fazia a universidade (no Grove City College, um “liberal arts college”, no Noroeste da Pensilvânia).

Meu Liberalismo amadureceu e se aprofundou em cima dos fundamentos randianos. Mas rapidamente fui desbravando a literatura liberal e me especializando na área. Fui reler John Locke, Adam Smith, Thomas Jefferson. A leitura de Friedrich von Hayek me mostrou que John Stuart Mill não era tão liberal quanto eu imaginava. Karl Popper, Ludwig von Mises, Milton Friedman complementaram minha formação liberal.

3. A Situação Hoje

Meu Liberalismo só se radicalizou desde então. O Liberal Clássico acredita na necessidade de um Estado para garantir as liberdades e direitos, mas defende a tese de que esse Estado seja mínimo, para que ele não se torne, ele mesmo, o maior perigo para as nossas liberdades e direitos.

O Anarquismo Libertário propõe uma sociedade sem Estado, em que as pessoas se organizem livre e voluntariamente para resolver os seus problemas. Hoje em dia essa filosofia política, representada especialmente por Murray Rothbart, tem me parecido extremamente sedutora.

Em São Paulo, 25 de Maio de 2014

Administrar o Tempo é Planejar a Vida, v.4 (2014)

[Retranscrevo aqui um artigo e duas entrevistas sobre o tema, com pequenas alterações. Fica tudo junto, num só artigo].

I. Administrar o Tempo é Planejar a Vida

Versão de 23/05/2014

1. PREÂMBULO

Quem escreve sobre administração do tempo geralmente o faz, não porque seja especialista na questão, mas, sim, porque tem problemas para administrar o seu tempo e quer aprender a resolve-los. Pelo menos foi esse o meu caso.

Vou tecer três considerações neste preâmbulo.

A. O Tempo que Temos pela Frente

À medida que ficamos mais velhos, e o tempo se torna, para nós, uma “commodity” cada vez mais escassa, nossas decisões mais importantes na vida estão relacionadas a como escolhemos usar o nosso tempo.

Um jovem de 15 anos pode pensar que tem todo o tempo do mundo. Vai estar errado. Pode morrer no dia seguinte. Isso é improvável, e, por isso, seu erro é compreensível: a maior parte da vida dele, muito provavelmente, está pela frente.

Uma pessoa de 70 anos, porém, não pode se dar esse luxo. Cada dia que passa pode, literalmente, ser o último dia de sua vida. A probabilidade de isso acontecer aumenta a cada dia. Para ela, administrar o tempo se torna mais que importante: é vitalmente essencial.

B. O Legado que Deixamos para Trás

A maior parte das pessoas tem ambição de deixar um legado quando se for – algo que possa facilitar, nos outros, a lembrança dela. Deixar um legado, seja ele um livro, uma peça de teatro, uma composição musical, um quadro, uma escultura, um prédio, uma fórmula, uma metodologia, uma filosofia, é algo que exige tempo. Não só tempo, mas também talento, reflexão, habilidade.

Se você ainda não deixou um legado, e sente que o tempo está passando, é absolutamente necessário que você trace uma linha divisória entre a sua ambição, de um lado, e, do outro, as demandas que são feitas sobre o seu tempo que em nada contribuem para que você realize aquilo que quer deixar como legado quando sua hora chegar.

Se você não tomar cuidado, a sua vida inteira será tomada respondendo e-mails, atendendo convocações e convites para participar de reuniões, fazendo uma coisa aqui, outra ali, que os outros lhe pedem mas que não têm nenhuma importância para você – e, talvez, nem para os outros. Ou então saindo para fazer compras, autenticar documentos, levar o carro à oficina, desincumbir-se de obrigações sociais. E o que é importante para você é empurrado para fora de sua vida.

Seja realista: trabalhar no legado que você quer deixar para trás nunca vai lhe parecer tão urgente quanto ir ao supermercado para abastecer sua despensa ou adega. Mas, tenho certeza, é muito mais importante.

Seja realista: da mesma forma que você não gosta de esperar pelo trabalho dos outros, você não gosta de deixar os outros esperando pelo que lhe pediram. Assim, de manhã, a melhor hora do dia para trabalhar no que lhe é importante, nunca caia na tentação de se dizer: “deixe-me responder esses e-mails primeiros, depois dar uma olhada no jornal ou no Facebook, depois limpar a mesa… porque poderei me concentrar muito mais no meu trabalho se não estiver preocupado com pendências nem for atrapalhado por uma mesa cheia de papéis”. . . Se você cair na tentação de fazer isso, o seu trabalho importante (mas não urgente) ficará para outro dia. E você gastará a maior e melhor parte do dia atendendo às prioridades dos outros, trabalhando para executar a agenda deles!

C. O Desafio da Execução

Faz mais de 20 anos que eu sei disso. Já escrevi um livrinho sobre esse assunto (Administração do Tempo, 1992) e, em 2000, o artigo transcrito abaixo, que, dos meus artigos, é o que foi mais republicado (com ou sem autorização): “Administrar o Tempo é Planejar a Vida”. Já dei entrevista sobre esse artigo para revistas importantes, como Você S/A, e para sites muito visitados, como o do Padre Marcelo.

NO ENTANTO, preciso diariamente me compenetrar daquilo que acabei de lhes dizer nas duas seções anteriores.

Saber com a cabeça é uma coisa. Transformar o que se sabe com a cabeça em um planejamento é outra coisa. Mas executar o planejado, e, mais importante, transformar sua execução em rotina, é ainda outra coisa, bem diferente – e bem mais difícil. É triste, mas é assim. Se não fosse assim, não haveria médico fumante.

2. O ARTIGO

Administrar o Tempo é Planejar a Vida

1. Administrar o tempo não é uma questão de ficar contando os minutos dedicados a cada atividade em que nos envolvemos: é uma questão de definir prioridades. Provavelmente (numa sociedade complexa como a nossa), NUNCA vamos ter tempo para fazer tudo o que precisamos e desejamos fazer. Administrar o tempo é ter clareza sobre o que, para nós, é prioritário, dentre as várias coisas que precisamos e desejamos fazer, e tomar providências para que o prioritário seja feito – com plena consciência de que o resto provavelmente nunca vai ser feito (mas tudo bem: as coisas que compõem o resto, neste caso, não são prioritárias.

2. Dentre as coisas que colocamos na categoria de prioritárias, algumas estarão na lista porque são importantes, outras porque são urgentes. Assim, o prioritário é composto do importante e do urgente. É razoável supor que algo que não é NEM importante NEM urgente não estará na lista de prioridades de ninguém. E, também, que a lista de todo mundo conterá coisas que são IMPORTANTES ao lado de coisas que são URGENTES. Não resta a menor dúvida de que as coisas que são ao mesmo tempo importantes E urgentes devem ser feitas imediatamente, ou, pelo menos, na primeira oportunidade. Poucas pessoas questionarão isso. O problema surge com coisas que consideramos importantes, mas que não são tão urgentes, e com coisas que são urgentes, mas não muito importantes.

3. Digamos que você considere importante ficar mais tempo com sua família do que normalmente consegue ficar. Por outro lado, você tem de trabalhar x horas por dia – onde x é um número relativamente flexível, sobre o qual você tem algum nível de controle. Se, para você, trabalhar é mais importante do que ficar com a família, o problema está resolvido: você trabalha, mesmo que isso prejudique a convivência familiar. Mas e se o trabalho não é mais importante para você do que a convivência familiar? Nesse caso, provavelmente o trabalho é urgente, no sentido de que tem de ser feito, pois doutra forma você pode ser demitido (ou perder clientes, se for autônomo ou empresário) e, assim, vir a ter dificuldades para manter sua família (embora, sem trabalho, provavelmente vá poder passar mais tempo com ela…).

4. É nesse conflito entre o importante e o urgente que a maior parte de nós se perde, e por uma razão muito simples: algumas das tarefas que temos de realizar não são selecionadas por nós: elas nos são impostas. Isto significa que não somos donos de todo o nosso tempo. Quando aceitamos um emprego, por exemplo, estamos, na realidade, nos comprometendo a ceder a outrem parte do nosso tempo (e, também, o nosso esforço, a nossa capacidade, o nosso conhecimento, etc.). Este é um problema real e de solução difícil: não temos, em relação ao nosso tempo, toda a autonomia que gostaríamos de ter.

5. Acontece, porém, que geralmente usamos mal o tempo que dedicamos ao trabalho (e, por isso, temos de fazer hora extra ou trazemos trabalho para casa), ou até mesmo o tempo que passamos em casa e que poderia ser considerado tempo de lazer. Usar mal o tempo QUER DIZER o seguinte: usar o nosso tempo para fazer o que, tanto no trabalho como em casa, não é nem importante nem urgente para nós, mas apenas algo que, ou sempre fizemos, pela força do hábito, ou, então, algo que nos foi solicitado e não tivemos coragem de dizer “NÃO”.

6. Alguém me disse, quando eu era criança, que a gente nunca deveria abandonar a leitura de um livro, por pior que ele fosse. Que bobagem! Mas até que descobri que isso era uma bobagem, desperdicei muito tempo terminando de ler coisa intragável e que de nada me serviu — por causa desse malfadado conselho! Por outro lado, uma vez me peguei dizendo a meus filhos que não poderia sair com eles (não me lembro exatamente para fazer o quê) num domingo de manhã porque precisava ler os jornais. Naquela época eu lia, religiosamente, a Folha e o Estadão (principais jornais de São Paulo) nos domingos de manhã – e, no domingo, esses jornais são enormes! Lia por puro hábito. Achava que um professor tem de se manter informado (mesmo sobre as coisas mais remotas e desinteressantes). Mas quando disse que “precisava” ler os jornais me dei conta de que realmente não precisava lê-los. Perguntei-me o que de pior poderia me acontecer se eu não os lesse… e NADA foi a resposta que, honestamente, tive de me dar. Se houver algo importante nos jornais provavelmente ficarei sabendo pelo noticiário da TV ou pela Internet.

7. Daí me perguntei: existe alguma coisa mais importante que eu possa fazer nas manhãs de domingo que ganhei? E a resposta foi simples: claro que sim, muitas coisas, como, por exemplo, sair com os filhos — COISAS PARA AS QUAIS EU ANTES NÃO TINHA TEMPO. Ganhei as horas dos jornais de domingo e, dali em diante, fui ganhando uma horinha aqui outra ali, para outras coisas que eu realmente queria fazer há muito tempo e para as quais não encontrava tempo…

8. Outras vezes não é a força do hábito que nos atrapalha, mas nossa incapacidade de dizer “NÃO”. Recusar um pedido de alguém de quem você gosta, ou a quem admira, e que, portanto, não gostaria de desagradar, é uma das coisas mais difíceis da vida. (Estou pressupondo aqui que não se trata de seu chefe, que não pede, manda…). Mas nunca vamos conseguir administrar bem o nosso tempo, i.e., as nossas prioridades, se rotineiramente dermos aos outros (que não o nosso chefe no trabalho) o poder de determinar a nossa agenda. Admiro os que, mesmo diante de um pedido cativante de alguém a quem amam ou respeitam, são capazes de dizer: “Sinto muito, não posso. No momento estou dando atenção às minhas prioridades para o dia de hoje” – e as prioridades, no caso, podem até envolver ficar descansando, sem fazer mais nada, ou terminar de ler um romance cuja leitura nos é importante.

9. Administrar o tempo é ganhar autonomia sobre sua vida, não é ficar escravo do relógio. Administrar o tempo é uma batalha constante, que tem de ser ganha todo dia. Se você quer ter a autonomia de decidir passar mais tempo com a família, ou sem fazer nada, ou nas leituras há tempo postergadas, você tem de ganhar esse tempo deixando de fazer outras coisas que são menos importantes para você. Em última instância pode ser que você tenha até de, eventualmente, arrumar outro emprego ou outra ocupação – ou de reduzir suas horas de sono.

10. O tempo é distribuído entre as pessoas de forma bem mais democrática do que muitos dos outros recursos de que nós dependemos (como, por exemplo, a inteligência, a motivação, a capacidade de trabalho, o dinheiro). A menos que se trate do último dia de nossas vidas, todos os dias cada um de nós recebe exatamente 24 horas: nem mais, nem menos. O rico não recebe mais horas no dia do que o pobre, o professor universitário recebe o mesmo número de horas que o apedeuta; o executivo e o operário recebem quantidades de tempo exatamente idênticas a cada dia. Entretanto, apesar desse igualitarismo (que, convenhamos, não existe em relação à inteligência, à motivação, à capacidade de trabalho, ao dinheiro), uns conseguem realizar uma grande quantidade de coisas num dia e outros, ao final do mesmo dia, têm o sentimento de que o dia se esvaiu e não fizeram nada.

11. A diferença é que os primeiros percebem que o tempo, apesar de democraticamente distribuído, é um recurso altamente perecível. Uma hora perdida hoje (perdida no sentido de que não realizamos nela o que precisaríamos ou desejaríamos realizar) não é recuperada depois: é perdida para sempre. O mesmo vale, com muito maior razão, para um dia, uma semana, um mês, um ano. (Ou uma década: em economia fala-se frequentemente em “décadas perdidas”).

12. Há os que afirmam, hoje, que o recurso mais escasso na nossa sociedade não é dinheiro, não são matérias primas, não é energia, não é nem mesmo inteligência: é tempo. O tempo é o luxo do século XXI. Mas tempo se ganha, ou se faz, fundamentalmente de duas maneiras:

a) deixando de fazer as coisas que não são nem importantes nem urgentes;

b) delegando a terceiros as coisas que são urgentes mas importantes;

c) concentrando nossa energia nas coisas que são importantes – ou, que sendo urgentes, não é possível delegar.

13. A questão da delegação aponta para o fato de que, apesar de o rico ter a mesma cota diária de tempo que o pobre, ele tem uma enorme vantagem sobre o pobre: ele pode, mediante pagamento, contratar o tempo de terceiros. O assistente, a secretária, o motorista do carro ou o piloto do helicóptero, o mordomo, os empregados domésticos, todos eles são contratados (em regra para cuidar das urgências) a fim de que os que os contratam possam ter mais tempo para dedicar ao importante (importante, naturalmente, para eles). Mas mesmo os mais pobres delegam – como, por exemplo, quando a mãe manda a menina limpar a casa ou o pai manda o menino ir comprar alguma coisa que o pai precisa para fazer o seu trabalho.

14. Quem tem tempo não é quem não faz nada: é quem consegue administrar o tempo que tem de modo a poder fazer aquilo que precisa e que deseja fazer. Por outro lado, ser produtivo não é equivalente a estar ocupado. Há muitas pessoas que ficam ocupadas o dia inteiro exatamente porque são improdutivas – não sabem onde concentrar seus esforços e, por isso, ciscam aqui, ciscam ali, mas nunca produzem nada. Ser produtivo é, acima de tudo, saber administrar o tempo, ter sentido de direção, saber aonde se vai.

15. Administrar o tempo, em última instância, é planejar estrategicamente a vida. Para isso, precisamos de várias coisas:

a) Definir Objetivos: saber aonde queremos chegar: onde quero estar, o que quero ser, daqui a 5, 10, 25, 50 anos?

b) Estabelecer Estratégias: transformar objetivos em metas (com prazos e quantificações) e decidir, em linhas gerais, como as metas serão alcançadas.

c) Criar Planos Táticos: explorar as alternativas específicas disponíveis para chegar aonde queremos chegar, escolher fontes de financiamento (emprego, em geral, é fonte de financiamento), etc.

d) Executar: fazer o que tem de ser feito: agir.

e) Monitorar e Avaliar: verificar constantemente se estamos nos movendo na direção desejada e avaliar os meios que estamos usando, para aferir se estão nos levando mais perto de onde vamos querer estar ao final do processo; se não, façamos correção de rumo e/ou troquemos de meios (procuremos outro emprego, por exemplo).

16. Mas tudo começa com uma verdade tão simples que parece uma platitude: se você não sabe aonde quer chegar, provavelmente nunca vai chegar lá – por mais tempo que tenha e por melhores que sejam os recursos que use.

17. Quando o nosso tempo termina, acaba a nossa vida. Não há maneira de obter mais tempo. A morte é o fim absoluto do nosso tempo. Por isso, tempo é vida. Quem administra o tempo ganha vida, mesmo vivendo o mesmo tempo. Prolongar a duração de nossa vida não é algo sobre o qual tenhamos muito controle. Aumentar a nossa vida ganhando tempo dentro da duração que ela tem é algo, porém, que está ao alcance de todos. Basta um pouco de esforço e determinação.

18. Nossa morte pode chegar a qualquer hora, através de um acidente, um atentado, ou uma doença grave. Se nada disso acontecer, provavelmente viveremos mais de setenta ou mesmo de oitenta anos. Isso significa que, mesmo desconhecendo a hora de nossa morte, há um momento na vida, na maior parte dos casos antes de completarmos cinquenta anos (viver mais de cem anos é ainda exceção), em que teremos vivido mais anos do que ainda vamos viver. Mesmo reconhecendo que a definição desse momento é imprecisa, é importante defini-lo – e é importante redefinir nossas prioridades para a metade mais curta de nossa vida.

19. Eventos que colocam nossa vida em sério risco, como um infarto ou um acidente grave, em geral nos fazem agudamente conscientes da precariedade da nossa vida: num minuto estamos vivos, no seguinte, talvez não. Mas é o fato de que a vida é altamente precária que imprime valor a ela e torna extremamente importante administrar o tempo (no sentido aqui visto). Se fôssemos imortais, se nada que fizéssemos ou deixássemos de fazer pudesse causar ou apressar o fim de nossa vida, ela não teria tanto valor (porque, então, não viveríamos sob a égide do tempo, mas, sim, sob a égide da eternidade).

20) Em última instância, é o fato de que algumas de nossas decisões podem encurtar nossa vida, apressar o seu fim, ou mesmo encerrá-la, que imprime valor a cada uma de nossas decisões e que torna a definição e hierarquização de prioridades, que é a essência da administração do tempo, tão importante. Precisamos viver cada dia de nossa vida como se fosse o último. Um dia isso será verdade e não apenas filosofia de vida.

(*) Este artiguete é resumo, feito em 1998, de um livreto, Administração do Tempo, que escrevi em 1992. O texto do resumo vem sendo levemente revisado nos últimos quinze anos.

 Em São Paulo, 23 de Maio de 2014

II. Administração do Tempo – Entrevista para a revista É Domingo (de Sorocaba)

 [Entrevista dada por e-mail em 25/02/2007para Vanessa Olivier, da revista É Domingo, de Sorocaba.]

É Domingo:

Como organizar o tempo na vida pessoal, conseguindo um equilíbrio entre trabalho, família, lazer?

Eduardo Chaves:

Interessei-me pelo tema porque, há uns 15 ou 16 anos, andava assoberbado pelas demandas do  trabalho – era professor da UNICAMP, consultor de empresas, consultor de escolas, tinha filhos para criar, etc. Lazer, nem se pensava. Muitas vezes a família ia para a praia e eu ficava trabalhando. Trazia trabalho para casa à noite. A maior parte das pessoas conhece bem o problema. Mas, por outro lado, li, naquela ocasião, que o presidente de uma grande empresa multinacional havia saído de férias por 30 dias, indo para a Terra do Fogo, e que esquecia do trabalho durante aqueles dias e queria ser esquecido: nem deixava o telefone de onde estava. Perguntei-me: como ele consegue?

Fui estudar a questão e percebi, primeiro, que não há solução fácil ou mágica. A vida contemporânea é complexa mesmo e faz inúmeras demandas sobre o nosso tempo. Mas, embora nem fáceis nem mágicas, há medidas que podem nos ajudar a assumir controle de nossa vida – porque é disso, em última instância, que se trata.

A primeira medida é ganhar clareza sobre como gastamos o nosso tempo – fazendo um acompanhamento detalhado dos nossos dias durante um certo período.

A segunda medida é analisar cuidadosamente esses dados, classificando-os entre “Importantes e Urgentes”, “Importantes mas não Urgentes”, “Não-Importantes mas Urgentes” e “Não-Importantes e Não-Urgentes”.

A terceira medida é imediatamente deixar de fazer o que não é nem importante nem urgente. Ler jornais e revistas semanais de cabo a rabo, navegar sem rumo pela Internet, checar os e-mails duzentas vezes por dia, arranjar os ícones de aplicativos no desktop, brigar com a operadora de telefone por causa de um erro de cinco reais na conta, etc. – nada disso é importante ou urgente. Ganham-se preciosos minutos por dia e por semana deixando de fazer isso.

A quarta medida é tentar lidar com o que é urgente mas não importante. Como as coisas aqui são urgentes, não é possível simplesmente deixar de fazê-las. A solução é delega-las. Uma secretária, um assistente, um estagiário, um office boy, uma empregada doméstica – ou mesmo o cônjuge ou os filhos – podem assumir muitas dessas tarefas. O problema é que muita gente não consegue delegar. Conheço um grande advogado que não delega a estagiários nem mesmo a tarefa de ir ao fórum para acompanhar o andamento de processos. Segundo alega, uma vez fez isso e perdeu um prazo importante porque o estagiário bobeou. Mas nunca iremos conseguir administrar o tempo se não soubermos delegar – e lidar com eventuais problemas à medida que aconteçam.

Isso resolvido, temos de lidar com o que realmente vale a pena: as coisas importantes.

Algumas delas são também urgentes: se não pudermos delegá-las a quem possa realizá-las bem, temos de nos dedicar a elas imediatamente e fazê-las o mais rápido possível. Sem relaxo, mas, também, sem perfeccionismo. A incapacidade de delegar e o perfeccionismo são, talvez, os dois maiores inimigos da boa administração do tempo. A pressa, dizem, é inimiga da perfeição. Mas a busca da perfeição, embora necessária nas artes e no esporte, é inimiga da gestão eficaz do tempo. O artista e o esportista só conseguem chegar perto da perfeição porque são focados exclusivamente numa coisa – e deixam tudo o mais de lado. Nós, pobres mortais, que não podemos fazer isso, tempos de abrir mão da busca da perfeição  – sem, porém, abrir mão de certos padrões de qualidade.

Outras coisas importantes não são tão urgentes, ou assim parece. A nossa tendência aqui é procrastinar – empurrá-las com a barriga. A procrastinação é o terceiro grande inimigo da boa administração do tempo. Ter tempo de qualidade com a família é importante para você? Priorize isso. Abra mão, se necessário, de outras coisas menos importantes. Cuidar de sua saúde, exercitar-se, ter lazer, é importante para você? Priorize isso. Nada faz com que algo importante se torne também urgente como um grande susto com a saúde: um infarto, por exemplo. Sei do que falo nesta questão – embora às vezes me pegue me comportando como se não soubesse…

É Domingo:

Qual são as consequências para quem não consegue tempo para a saúde, para o lazer, para a família?

Eduardo Chaves:

Um infarto, por exemplo, como acabo de mencionar… Ou o cônjuge encontrar alguém que lhe dê mais tempo e atenção… Ou perceber que os filhos cresceram e você não notou, e, hoje, são quase estranhos em suas vidas… Ninguém conscientemente deseja essas coisas. Mas, frequentemente, nos comportamos como se as desejássemos.

É Domingo:

No que isso pode prejudicar no mundo dos negócios?

Eduardo Chaves:

Uma pessoa de negócio com problemas de saúde ou com problemas familiares não tem condições de apresentar o mesmo desempenho que apresentaria se a saúde estivesse 100% e tudo estivesse bem com o cônjuge e os filhos.

É Domingo:

Quais são as principais barreiras encontradas pelas pessoas que não conseguem administrar sua agenda? E como elas podem rompê-las?

Eduardo Chaves:

Já as listei: incapacidade de delegar, perfeccionismo, procrastinação. É possível adquirir novos hábitos nessas áreas – mas não é fácil: exige determinação, paciência e persistência. Sempre vai haver recaídas – mas não podemos usá-las como justificativa para voltar aos velhos hábitos.

É Domingo:

O que é preciso saber para conseguir sucesso na vida profissional e pessoal?

Eduardo Chaves:

Gosto de listar os Seis P’s: Pensamento, Propósito, Paixão, Plano, Produção, Persistência.

O sucesso só vem para quem sabe o que busca, para quem sabe aonde quer chegar. Essa a função do Pensamento: uma ideia norteadora que vai nos servir de bússola.

Mas o Pensamento só não basta: é preciso que ele se transforme em um Propósito.

É preciso que esse Propósito seja perseguido com Paixão.

Mas a Paixão não é substituto para a elaboração de um Plano racional para realizar o Propósito.

Um Plano certamente não pode ficar no papel: precisa ser posto em prática, transformado em ação. Essa é a função do que chamo de Produção.

Por fim, Persistência. Vai haver problemas e dificuldades, haverá horas em que ficaremos tentados a desistir… Mas os que são bem sucedidos são aqueles que, mesmo quando caem, “levantam-se, sacodem a poeira e dão a volta por cima”.

É Domingo:

Por fim, sua formação profissional e especialidades.

Eduardo Chaves:

Fiz curso de Graduação e Mestrado em Teologia e Doutorado em Filosofia. Fui professor universitário durante 35 anos – 32 dos quais na UNICAMP, da qual me aposentei no final do ano passado. Há cerca de 25 anos me enveredei pela área do uso da tecnologia na eficiência pessoal, no treinamento, na educação. Isso é hoje uma de minhas áreas de atuação profissional, como consultor. A Microsoft é minha principal cliente aqui. Desde janeiro deste ano sou Secretário Adjunto de Ensino Superior do Governo do Estado de São Paulo.

Em Campinas, 25 de fevereiro de 2007

III. Administração do Tempo – Entrevista para o Site do Padre Marcelo Rossi

1. A que se deve o surgimento (ou mesmo o crescimento) da necessidade de se controlar o tempo das atividades? Será que o relógio dominou o homem?

Importante que esta seja a primeira pergunta, porque ela me permite combater, desde o início, o maior mito que já se disseminou sobre a administração do tempo: a ideia de que administrar o tempo é “controlar o tempo das atividades”, ficar escravo do relógio.

Administrar o tempo não é equivalente a cronometrar nossas atividades, para ver se conseguimos reduzir o tempo dedicado a cada uma delas (assim fazendo mais ao final do dia — do mês, do ano, da vida).  Administrar o tempo envolve, acima de tudo, analisar séria e cuidadosamente nossas atividades, para determinar sua importância e urgência, ou seja, sua prioridade – e, depois, agir de conformidade com essa prioridade.

As atividades que desenvolvemos ao longo do dia, do mês, do ano, da vida, podem ser classificadas em quatro grandes categorias:

Atividades importantes e urgentes

Atividades importantes mas não urgentes

Atividades urgentes mas não importantes

Atividades nem importantes nem urgentes

A simples elaboração dessa lista já nos faz pensar.

A primeira categoria (coisas importantes e urgentes) certamente deve incluir nossas atividades prioritárias: aquelas a que devemos dedicar a maior parte do nosso tempo e do nosso esforço.

A quarta categoria (coisas nem importantes nem urgentes) é tão pouco prioritária que podemos simplesmente ignorar as atividades que porventura se incluam nelas. Se algo não é nem importante nem urgente, por que fazer?

O problema é definir a prioridade relativa entre as atividades da segunda e da terceira categorias: coisas importantes mas não urgentes e coisas urgentes mas não importantes.

O resultado mais significativo desse exercício, entretanto, não é uma lista priorizada de atividades às quais você se compromete dedicar o seu tempo e a sua energia — embora isso seja o que você está buscando. O resultado mais significativo é que você começa administrar a própria vida — afinal, tempo é vida, não é mesmo? Quando acaba o nosso tempo, acaba a nossa vida. Administrar o tempo, portanto, é administrar a própria vida. Esse o título de um artiguete que escrevi há vários anos.

Administrar a própria vida é se perguntar o que é realmente importante para a gente — e, se a gente não está fazendo o que realmente é importante, investigar por quê.

Como se vê, administrar o tempo não é ficar, cronômetro na mão, controlando o tempo que levamos para fazer o que de fato fazemos: é determinar se o que de fato fazemos vale a pena, se não existe algo mais importante a que deveríamos estar dedicando nosso tempo.

Se estou ouvindo uma música de que gosto muito, ou se estou assistindo a um de meus filmes favoritos, ou se estou brincando com meu neto pequeno — o importante não é tentar fazer essas coisas no menor tempo possível: o importante é prolongar o gozo de estar envolvido nelas, desfruta-las, degusta-las, como se degusta a um bom vinho (i.e., devagar…).  Se consigo fazer isso, estou administrando bem o meu tempo.

Se, por outro lado, passo o meu dia correndo atrás de coisas que não são importantes, e, às vezes, nem tão urgentes, ou, pior, se fico perdido, sem saber o que fazer, seja porque tenho coisas demais que parecem requerer minha atenção, seja porque tenho tão poucos interesses que nada parece valer a pena fazer, então estou administrando mal o meu tempo (i.e., a minha vida).

2. As pessoas estão correndo demais e olhando de menos para as coisas que fazem, isto é, há um desperdício do tempo utilizado?

Certamente a vida de hoje numa grande cidade brasileira é muito mais agitada do que costumava ser — e é muito mais agitada do que a vida numa pequena e pacata cidade do interior (Lucélia, por exemplo, onde nasci).  Até crianças pequenas têm agendas, hoje, que indicam que a maior parte do seu tempo está planejado e programado para elas: têm horas marcadas para se levantarem, ir à escola, almoçar, ir ao curso de Inglês, ir à escolinha de futebol (ou ao balé), tomar banho, jantar, fazer deveres escolares, quem sabe assistir a um pouco de TV e ir dormir.

Numa situação assim, que aflige a maior parte das pessoas e famílias das grandes cidades hoje em dia, o problema não é que o tempo das pessoas esteja sendo desperdiçado, que elas estejam gastando mais tempo para fazer as coisas do que é necessário. O problema é que as pessoas não estão refletindo o suficiente sobre o que estão fazendo, não estão se perguntando se essa agitação toda é necessária, se não há coisas mais importantes, no longo prazo, ou que trazem mais satisfação, no curto prazo, que poderiam estar fazendo.

A agitação da vida moderna não é um fatalismo que temos de aceitar. Se, ao refletirmos sobre tudo que fazemos, e que torna a nossa vida agitada (às vezes nos levando à morte por uma dessas doenças relacionadas ao estilo de vida, morte essa que decreta o fim do nosso tempo), concluímos que é isso que de fato queremos da vida, então o nosso estilo de vida passa a ser fruto de uma decisão consciente e não teremos por que reclamar, nem mesmo quando estivermos na UTI de um hospital em decorrência de estresse decorrente de nosso estilo de vida. Mas se, no processo de refletir, concluímos que essa agitação toda, além de tudo, não nos permite fazer o que realmente é importante para nós, como passar tempo com quem amamos, curtir as coisas boas e em geral simples da vida, então é hora de mudar — e teremos sorte se conseguirmos mudar enquanto é (há) tempo.

Tempo desperdiçado não é aquele em que ficamos sem fazer nada: é aquele em que fazemos aquilo que não nos é importante. Ficar sem fazer nada (do ponto de vista exterior) talvez seja, de vez em quando, a coisa mais importante que podemos fazer.

3. As pessoas têm acumulado coisas a mais que sua capacidade para fazer, daí estaria a causa do problema?

Essa é certamente uma parte do problema. É interessante se perguntar por que estamos assumindo tantas coisas – mais do que conseguimos fazer sem prejudicar nossa saúde física ou mental, ou sem ter de deixar de lado outras coisas que nos são realmente importantes (como passar mais tempo com a família — tempo de qualidade, “reservado”, não tempo “sobrado”).

Se temos coisas demais para fazer, é hora de nos perguntar se não podemos delegar algumas delas a terceiros, ou se não estamos, por causa, às vezes, de um perfeccionismo abstrato, gastando tempo demais com coisas que não merecem tanto tempo, por não serem tão importantes e prioritárias.

A causa principal do problema, parece-me, está no fato de que, entre essas coisas todas cuja realização assumimos, há inúmeras que não são realmente importantes para nós — importantes em termos de nossos próprios valores, não dos valores de terceiros! É aí que devemos atacar a questão do chamado desperdício de tempo.

4. Qual a importância de administrar seu tempo na realização de tarefas?

Resumindo o que já disse anteriormente, administrar o tempo não é tanto uma questão “de varejo”: é administrar estrategicamente a própria vida, definindo prioridades — e, em seguida, concentrar nosso tempo e energia no que é prioritário (importante ou urgente), deixando de lado aquilo que não é importante e gerenciando o melhor possível aquilo que é urgente sem ser importante.

Aqui talvez seja o melhor lugar de lidar com uma questão central na vida da maior parte de nós.

Muitos de nós trabalhamos como empregados em uma empresa, ou em uma organização não-governamental, ou em um órgão do governo. Quem trabalha como empregado está, na realidade, vendendo ao empregador parte de seu tempo (e do uso de sua inteligência, de suas competências, de seu esforço) em troca de um salário (dinheiro). Isso quer dizer que o uso de nosso tempo durante o horário de trabalho é, em parte, determinado pelo nosso empregador, não por nós mesmos. Isso, naturalmente, não quer dizer que não possamos, até certo ponto, administrar nosso tempo no trabalho (vamos discutir essa questão na resposta à pergunta seguinte) — mas quer dizer que a nossa flexibilidade na administração do nosso tempo enquanto no trabalho é mais limitada.

Se olharmos a questão do trabalho assalariado (venda de nosso tempo e do uso de outras qualidades nossas) numa perspectiva mais abrangente, vamos constatar que da mesma forma que vendemos nosso tempo, nós também compramos tempo dos outros ao contratarmos o trabalho alheio – ou o fruto desse trabalho. Se contratamos uma empregada doméstica, estamos comprando o tempo dela (e, naturalmente, o uso de algumas de suas qualidades) — ela vai fazer para nós coisas que, se nós fôssemos fazer, gastariam parte de nosso tempo. Como preferimos fazer algumas outras coisas com o nosso tempo (como vendê-lo ao nosso empregador em troca de um salário melhor do que o que pagamos à nossa empregada) compramos o tempo dela (em troca de um salário menor do que o nosso).

Na verdade, eu conheço mulheres que trabalham fora (i.e., vendem o seu tempo a um empregador) em troca de um salário que não é muito maior do que o que pagam à empregada doméstica que precisam contratar para cuidar de sua casa enquanto trabalham fora. Por que fazem isso? Porque preferem trabalhar fora (isto lhes traz mais satisfação ou realização pessoal) do que ficar trabalhando em casa fazendo um trabalho que acham chato e sem encontrar pessoas interessantes — uma questão de prioridade.

Eu, por exemplo, poderia fazer o jardim da minha casa. Mas como há um bom jardineiro que faz isso a cada quinze dias para mim por um preço relativamente barato, prefiro pagar-lhe esse preço para cuidar de meu jardim enquanto eu fico lendo ou escrevendo (e vendo o jardineiro trabalhar no jardim lá fora). Novamente, questão de prioridade.

Se não somos ricos por herança, e temos de trabalhar para sobreviver, o nosso trabalho se torna algo não só urgente mas (pelo menos indiretamente) importante — importante pelo menos por aquilo que ele nos permite realizar com o salário que recebemos: nos manter a nós mesmos e à nossa família. O horário dedicado ao trabalho, assim, assume importância e deve ter prioridade — mesmo que aquilo que fazemos dentro desse horário não nos pareça importante ou sequer urgente.

Se temos de trabalhar como assalariados, e a maioria de nós tem, não resta a menor dúvida de que a melhor opção, se é que temos escolha, é por um trabalho que é, em si, interessante (“gratificante” é o termo da moda) — não por um trabalho chato e maçante.  O problema é que a maioria de nós não tem muita escolha — e, por isso, muitas vezes somos levados a trabalhar com algo que não traz satisfação e realização pessoal. Mesmo quando isso acontece, porém, é preciso encarar o trabalho da perspectiva daquilo que o seu fruto (o salário) nos permite realizar — e isso em geral nos obriga  a colocar o trabalho entre as coisas que são importantes (além de, sem dúvida, urgentes).

Rubem Alves nos diz, em vários de seus livros, que a educação é o processo pelo qual criamos e equipamos duas caixinhas: uma caixinha de ferramentas e uma caixinha de brinquedos. A primeira contém aquelas competências e habilidades que são necessárias para nos manter vivos; a segunda contém aquelas competências e habilidades que nos fazem querer continuar vivos, isto é, que dão razão e sentido à nossa vida. O ideal sem dúvida é que consigamos nos manter vivos fazendo coisas que nos dão prazer e satisfação, que nos fazem felizes. Se isso não é possível, porém, devemos encarar o nosso trabalho da perspectiva daquilo que ele nos permite fazer, fora do horário de trabalho, com nossa caixinha de brinquedos.

5. Administrar o tempo reduz gastos nas empresas? Por quê?

As empresas, como as pessoas, acabam por desenvolver rotinas, que se incorporam em sua cultura organizacional, que são ineficientes.

Uma atividade é ineficiente quando a sua execução não otimiza — vale dizer, desperdiça — recursos, isto é, consome mais recursos para promover um determinado fim do que é necessário — ou do que uma atividade alternativa consome para chegar aos mesmos resultados. Os recursos em pauta podem ser financeiros, materiais ou humanos (o tempo das pessoas, por exemplo). Certamente a administração do tempo pode levar as empresas a descobrir quais atividades dentro dela estão sendo ineficientes pelo menos no uso do recurso tempo – e a tomar as medidas necessárias para corrigir a ineficiência (tornando as rotinas de trabalho mais eficientes no uso desse recurso ou até mesmo substituindo-as por outras mais eficientes).

Mas as empresas, muitas vezes, desenvolvem atividades que são ineficazes.

Uma atividade é ineficaz quando ela é não produz os resultados desejados (dado um determinado contexto), nem mesmo ineficientemente. Ser eficaz, portanto, é fazer a coisa certa (aquilo que deve ser feito para produzir os resultados que desejamos) — ainda que essa coisa seja feita do jeito errado (isto é, de forma ineficiente).

O ideal é ser eficiente e eficaz: fazer certo a coisa certa.

O problema de muitas empresas é que elas fazem um número enorme de coisas ineficazes, isto é, que realmente não produzem os resultados desejados. Essas atividades devem ser abandonadas, porque, ainda que realizadas eficientemente (sem que haja desperdício de recursos na sua realização) elas são, em si, um desperdício de recursos, pois não produzem os resultados desejados (ainda que sejam realizadas com a maior eficiência). Em outras palavras: não vale a pena fazer bem o que não deve ser feito: o que não deve ser feito simplesmente não deve ser feito.

Esse conjunto de considerações tem levado muitas empresas a analisar com cuidado suas “competências básicas” (o seu “core business”) e, em alguns casos, a adotar a chamada “terceirização”.

Uma empresa de alta tecnologia como a Microsoft tem suas “competências básicas” (seu “core business”) na área de desenvolvimento de software. Ela não é especializada, digamos, na realização de serviços de limpeza e de fornecimento de refeições. No entanto, em suas enormes instalações em Redmond, WA, nos Estados Unidos, atividades como a limpeza dos prédios e o fornecimento de refeições aos empregados têm de ser realizadas. Qualquer ação que as realizar é, assim, eficaz — produz resultados que são desejados. A Microsoft tem alternativas sobre a melhor maneira de produzir esses resultados. Ela pode contratar empregados que façam essas coisas ou pode terceirizar esses serviços para empresas especializadas — que, provavelmente, por serem especializadas, vão conseguir prestar esses serviços para a Microsoft com melhor qualidade e com menor custo (i.e., maior eficiência) do que se a Microsoft, ela mesma, contratasse as pessoas para realizar os serviços. Dentro das prioridades da Microsoft, ela prefere focar o tempo de seus empregados e a sua energia organizacional na realização daquilo que lhe é, acima de tudo, importante. Isso lhe permite ser eficaz (conseguindo que algo que precisa ser feito seja feito) e mais eficiente (reduzindo os custos e melhorando a qualidade dos serviços que estão fora de suas competências básicas).

Num desenvolvimento interessante, algumas empresas, como a Nike, acabaram definindo seu “core business” de forma que lhes permite terceirizar a maior parte de suas atividades. A Nike, como se sabe, só cria os seus produtos e cuida do marketing necessário para vendê-los. A manufatura, em si, de toda a sua linha de produtos é terceirizada.

6. Saber administrar o tempo é uma saída para se destacar dentro da empresa, ou seja, a pausa para o café é mal vista pelo chefe?

A maior parte das grandes empresas, que, em geral, são mais bem administradas, não enfoca a questão desse ângulo  de “micro-gestão”: de ficar fiscalizando se seus empregados estão gastando muito tempo na pausa para o café, ou se estão conversando demais durante o expediente, ou mesmo se estão usando a Internet para realizar atividades pessoais (pagar contas, por exemplo), não relacionadas ao trabalho.

A maior parte das grandes empresas hoje em dia encara a administração do tempo em termos dos resultados obtidos. Em geral elas dão razoável flexibilidade aos empregados sobre a forma de alcançar esses resultados. Se posso citar novamente a Microsoft, os empregados, lá, têm a possibilidade de adotar um horário de trabalho relativamente flexível (flextime). Ou podem sair, durante o expediente, para relaxar (nadar, fazer exercícios, receber uma massagem). Ou podem até mesmo, querendo, cochilar um tempo em seu escritório. O importante é que não percam de foco suas metas, como empregados da empresa, colocando em risco os resultados que a empresa está determinada a alcançar. Se uns empregados gastam mais tempo no café ou no almoço, ou chegam mais tarde, ou saem mais cedo, isso, em si, não é problema — desde que as coisas importantes e urgentes estejam sendo feitas dentro dos prazos combinados e no nível de qualidade desejado.

7. Que tipo de dica o senhor poderia dar para as pessoas prestarem mais a atenção durante seu trabalho e regularem melhor o tempo com suas obrigações?

A melhor sugestão de certo modo já foi dada meio que en passant. As pessoas em geral têm um desempenho muito melhor no trabalho quando o seu trabalho lhes permite unir o útil ao agradável: ganhar a vida e fruí-la, ou gozá-la, ao mesmo tempo, fazer convergir os objetivos organizacionais e os objetivos pessoais, tornar o urgente importante, fazer da caixinha de ferramentas ao mesmo tempo uma caixinha de brinquedos. Para a pessoa que gosta de fazer aquilo que o seu trabalho exige que ela faça o trabalho não vai ser penoso e, por isso, não vai parecer trabalho: vai parecer mais como um lazer escolhido para dar prazer — e, por isso, ela não terá problemas em lhe dar a devida importância e prioridade. Os melhores profissionais são aqueles que têm prazer no que fazem — que estariam fazendo aquilo com gosto mesmo que não fossem pagos para fazê-lo.

Isso nem sempre é possível. Mas nossa educação deveria nos preparar para isso. O ideal é não separar trabalho e lazer / prazer – e trabalhar, meio que contra a vontade, apenas porque o trabalho torna possível fazer o que dá prazer quando a gente está fora do trabalho, ou no fim de semana, ou em férias, ou aposentado. O ideal é definir com clareza aquilo que nos dá prazer, aquilo que gostamos de fazer — e, daí, encontrar uma forma de ganhar dinheiro fazendo aquilo… Se conseguirmos, não teremos problema algum em administrar o nosso tempo no trabalho.

Em Campinas, 24 de agosto de 2005

As três peças retranscritas aqui em 23 de Maio de 2014

A vergonha, a criança e o adulto (e os que a este e àquela se assemelham)

Segundo Neil Postman (The Disapperance of Childhood) uma das características que demarcam a idade adulta da infância é a vergonha (shame). O infante (criança até sete anos, por aí, não tem vergonha de trocar de roupa ou mesmo andar nu na frente dos outros, não tem vergonha de falar errado ou de dizer besteira, não tem vergonha de revelar os sentimentos, por mais embaraçosos que possam ser. . .  O adulto, por sua vez, tem.

Quando o adulto não sente vergonha daquilo que deveria envergonha-lo, demonstra imaturidade infantil – sem compartilhar a inocência da criança, porque já a perdeu.

O Genoíno me parece uma criança bobona. O Zé Dirceu, um simples malandro desavergonhado. Imaturo, mas não bobo.

Em São Paulo, em 17 de Março de 2014