Natal e Ano Novo

É apropriado que o Natal esteja próximo do Ano Novo. Uma semana apenas separa as duas ocasiões no calendário cristão ocidental.

A razão porque é apropriado que as duas festas estejam quase juntas é que ambas têm que ver com nascimento: o nascimento de Jesus, no dia 25 de Dezembro, o nascimento de um novo ano, no dia 1º de Janeiro. Nascimento é começo, é início, é princípio…

Gosto das duas festas assim juntinhas, porque na ocasião celebramos nossos recomeços. Não é por outra razão que as pessoas nessa época fazem resoluções que decidem cumprir a partir do ano novo. Ano novo, vida nova.

Nossa vida é uma sucessão de recomeços. A primeira escola, uma nova escola, o começo da vida pós-escolar. O primeiro emprego, um novo emprego, o começo da vida na aposentadoria. O primeiro amor. Um novo amor. O primeiro casamento. Um novo casamento. O primeiro filho. Um novo filho.

Recomeços são sinais de que somos seres em construção, de que não estamos acabados, de que ainda não chegamos ao fim, de que acreditamos que temos ainda vida para viver… E de que somos arquitetos e construtores de nós mesmos. E dessa tarefa devemos contas em primeiro lugar a nós mesmos. Talvez apenas a nós mesmos.

E a morte: o fim de tudo ou ainda outro recomeço?

A motivação maior por trás das crenças na imortalidade da alma, na transmigração de almas (reincarnação), na ressurreição do corpo está em nossa inconformidade ou pelo menos relutância em aceitar que a morte é o fim.

Neste Natal e Ano Novo desejo a você um bom recomeço. Bons recomeços, quem sabe, assim no plural… E que os recomeços façam você feliz – ou ainda mais feliz.

Em São Paulo, 14 de Dezembro de 2009

4 responses

  1. Muito lindo!Eu sempre tenho esperança nos recomeços, e sou grata a Deus por estar finalizando mais um ano com a sensação de que ele foi melhor do que o anterior…Também acho muito boa a sensação de sermos construtores de nós mesmos. Só não acho que sejamos os arquitetos. Acho que Deus, o Pai, nos projetou, e construiu nossa versão 1.0. Depois, de forma única, nos fez capazes de continuarmos o processo de construção, desconstrução e reconstrução.Depois de adultos, sem dúvida devemos contas disso, em primeiro lugar, a nós mesmos. Mas enquanto crianças, devemos àqueles que foram os instrumentos de Deus na construção da nossa versão 1.0. Nossos pais.Depois de adultos, a maioria acaba prestando contas apenas a sí próprio. Mas como é bom poder dividir com alguém esse processo de contrução, desconstrução e reconstrução da vida. A possibilidade de troca não apenas ajuda, mas interfere nesse processo, nos misturando, nos transformando em alguém que, sozinhos, não seríamos capazes de nos transformar.Obrigada por ser meu parceiro nesse processo…

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  2. Obrigado, amor, pelo seu comentário — sempre refletido, sensato, sóbrio, coerente. Discordo um pouco de você, como você bem sabe. Não creio que sejamos meros construtores de um projeto elaborado por um arquiteto diferente de nós mesmos. Na minha maneira de entender, somos arquitetos e construtores do nosso destino. Quando falamos, no contexto da educação, na necessidade de cada um definir o seu projeto de vida, é da atividade criadora do arquiteto que estamos falando. Quando falamos, ainda no contexto da educação, na necessidade de cada um transformar o seu projeto de vida em realidade, em vida concretamente vivida, aí sim estamos falando da atividade executora do construtor. Se fôssemos meros construtores de um projeto elaborado por outro arquiteto, ainda que fosse pelo Grande Arquiteto, não teríamos a liberdade de escolher o que queremos fazer de nós mesmos. O livre arbítrio é a autonomia de definir um projeto de vida, de escolher uma vida para nós mesmos, ainda que seja arbitrariamente (a palavra "arbítrio", usada em "livre arbítrio", tem a mesma raiz de "arbitrário"). A vida projetada por terceiros não é a vida livremente escolhida. E quando se afirma que a nossa vida é projetada por um arquiteto que tudo sabe, tudo pode, e nunca erra, então temos a predestinação, no seu aspecto mais objetável. Tendo a preferir a corrente teológica que afirma que Deus, ao criar o homem livre, optou por restringir ou limitar a sua própria liberdade, em benefício da nossa. Deus livremente decidiu que era preferível nos fazer livres, ainda que tomássemos decisões erradas e fizéssemos escolhas desastrosas, a nos fazer meros cumpridores da vontade dele, robozinhos que apenas seguem um programa predeterminado…Mas, segundo a boa teologia, Deus não nos deixou sozinhos… Pela sua providência, ele age como um pai deve agir — um pai que ama o seu filho e, por isso, valoriza a autonomia dele, mesmo quando ele erra. A doutrina da providência me parece bem mais interessante do que a doutrina da predestinação… Segundo o relato bíblico, a maior parte do tempo a providência divina age apenas mantendo as coisas em ordem, no nível macro… Mas de vez em quando, a providência se torna especial, até mesmo especialíssima, diante da necessidade de micro-gerenciar confusões que aprontamos com a nossa liberdade… Obrigado pela provocação… Vou continuar a pensar sobre o assunto. Você bem lembrou quão importante é compatilhar com alguém esse processo criativo (termo que vem de "criar"), que tem por objeto a criação e recriação de nossas vidas, misturando ideais, valores, experiências, crenças… Obrigado, também, por ser minha parceira nesse processo. Valorizo muito esse fato. Sou um privilegiado de poder contar com a sua parceria. Um beijo.

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  3. PS: Não quero que você concorde comigo… Quero que você brigue, continue a me provocar… Só assim o meu e o seu pensamento se desenvolverão de forma criativa e inovadora. (Mas creio que a minha teologia é mais compatível do que a sua com a teologia do autor do livro que você está lendo e do qual está gostando tanto…). Eis o que diz o Elienai num artigo do blog dele que eu citei aqui no meu (sob o título "Salvos da Perfeição – 2 (ou: No limite entre a teologia e a poesia está o \’O Reino da Delicadeza\’. . . "). Nesse texto o Elienai fala que, segundo os Evangelhos, o Jesus ressurreto, presença física magnífica que poderia convencer o mais incrédulos dos Tomés, optou por se ausentar… por se fazer substituir por um vento, por um sopro, pelo espírito… Diz ele: "Jesus afirma que nesta exata hora o melhor será sumir. Substituir a presença irresistível, visível e poderosa pela sutileza de uma brisa: o outro paráclito tem o nome de vento, o Espírito de Cristo ao invés do Cristo ressurreto. Ele diz que sumirá nesta hora para o bem de seus discípulos.Uma presença delicada e discreta invoca e sensibilidade e cuidados como \’não apaguem o Espírito.\’ \’Não entristeçam o Espírito.\’ \’Não resistam ao Espírito.\’ Uma presença que não nos substitui no enfrentamento da vida. Que não nos infantiliza em proteções excepcionais. Que não manipula comportamentos. Sem regras. Que faz da liberdade o ambiente próprio para a nova humanidade esboçada em Jesus. \’Onde está o Espírito do Senhor, aí há liberdade.\’Somente um Deus com presença discreta, uma quase ausência, é capaz de lembrar-nos de que não somos escravos, mas filhos e não nos esmagar com sua absurda e insustentável grandeza. Daí compreendermos a imagem de Deus permitindo a Moisés ver a sua glória escondendo-o com a mão em uma fenda na rocha. Vê as suas costas, desfilam sua bondade e misericórdia. Tudo de Deus que podemos ter sem sermos desintegrados. Suas costas. Sua ausência de poder e força.A presença discreta de Deus é a nossa única chance de integridade.Um Deus discreto é um Deus quase ausente. Uma religião que continua a substituir seus processos de infantilização é uma religião com pouquíssima religião. A vida proposta por Jesus a Nicodemos, nascida do Espírito, como o vento que ninguém sabe de onde vem e nem para onde vai.Uma religião com pouco pastoreio e muita tolerância. Com dogmas frágeis e ritos sutis. Que deixa morrer suas instituições para sobreviver sua gente. Que desiste da hierarquia e esconde-se nos santos anônimos. Que ri dos jogos de poder e reverencia os gestos de amor. Que abre os braços, em cruz, para os riscos para não deixar de abraçar os vivos. Acolhimento das angústias e inseguranças das liberdades. Fermentação de humanos."É isso, por enquanto… Apesar do PS grandão, ainda não disse tudo. A bola voltou para o seu lado da quadra…

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