2007: "L'année à peine a fini sa carrière…"


Escrevo no penúltimo dia de 2007…

O calendário anual, com seus meses e semanas, dá a impressão de que o tempo é cíclico, que depois de cada ano sempre vem um outro… O início de um novo ano permite que, até certo ponto, passemos uma esponja sobre o ano que termina e façamos resoluções que nos permitem acreditar que o novo ano será diferente. “Ano Novo, Vida Nova”, diz o dito (acho que ao dito só cabe, pleonasticamente, dizer). As resoluções em regra duram pouco, os problemas do ano velho não demoram por reaparecer, o ano novo envelhece e a vida, que queríamos nova, continua a mesma de sempre, caminhando para o seu fim inevitável, porque, na realidade, o tempo é inexoravelmente linear – e a nossa vida, embora possa ter alguns recomeços, caminha fatalmente para o fim, e cada dia, cada mês, cada ano que passa nos traz mais perto dele.  

Alguém uma vez disse – teria sido o Rubem Alves? – que deveríamos contar, não os anos já vividos, mas, sim, os anos que ainda falta viver e o que pretendemos fazer neles. Sugestão bonita, mas imprática, porque não sabemos quanto tempo ainda nos resta. Podemos até fazer lindos planos para o futuro – mas nada garante que teremos o tempo suficiente para transformá-los em realidade. No entanto, essa atitude, se levada muito a sério, nos levaria ao imobilismo total: nunca planejaríamos nada, porque não teríamos condições de saber se estaríamos lá para participar da execução do plano… Em sua vertente mais radical, essa visão poderia levar ao dito bíblico: “Comamos e bebamos porque amanhã morreremos…” É melhor adotar uma atitude que não nos paralise a capacidade de sonhar e de agir.

Karl Popper, numa passagem que li, já citei e que, citada, provocou interessante discussão, uma vez disse, não me lembro onde, que é a certeza da morte que dá sentido à vida. Se nos soubéssemos imortais, não daríamos valor (ou, pelo menos, tanto valor) à vida, não teríamos medo de morrer, não faríamos dietas e exercícios, e, quem sabe, não nos privaríamos do cigarro, do álcool e de outras drogas… Talvez até dirigíssemos nosso carro como dirigimos os carros nos jogos de videogame, sem medo de bater e capotar, porque, tal qual no videogame, seríamos indestrutíveis (e com uma vantagem sobre o videogame: nele, cedo ou tarde, chega a mensagem “Game Over”; no caso de nossa imortalidade, “the game would never be over”, cada acidente teria um “restart” automático, embutido no sistema…)

O que torna a vida valiosa, disse Popper, é que sabemos que podemos perdê-la a qualquer momento. Ao sair de casa daqui a pouco podemos sofrer um acidente ou um assalto… Ou, ficando em casa, um avião pode nos cair em cima, como aconteceu há pouco tempo perto do Campo de Marte em São Paulo. No entanto, ficamos em casa, ou saímos dela, sem pensar que, de certo modo estamos sempre, em qualquer hipótese, desafiando a morte.

Fico pensando naqueles que, como os pilotos de corrida, que acham sentido na vida exatamente na justa medida em que arriscam sua sorte. Quando morrem, os parentes e amigos em geral dizem: “Pelo menos morreu fazendo aquilo que amava fazer…” Para mim, isso é pouco consolo. É verdade que, se pudesse escolher se morreria fazendo o de que gosto ou se morreria fazendo o que detesto, a primeira alternativa é preferível. Mas no fundo são alternativas detestáveis. A maioria dos seres humanos, podendo, prefere a vida. (Alguns teorizam abstratamente dizendo que, de todas as formas de morte, a preferível seria morrer dormindo, melhor ainda, sorrindo, durante um sonho bonito…)

A grande e significativa exceção à regra de que viver (mesmo mal) é preferível a morrer são os suicidas. Vi ontem um triste filme, com Gwyneth Paltrow, sobre a vida – e a morte – da poetisa americana Sylvia Plath. Mulher bonita e inteligente, publicou seu primeiro poema em órgão de circulação nacional ao terminar o curso colegial nos Estados Unidos. Foi fazer o curso superior em escola de renome, formou-se Summa cum Laude e ganhou a Fullbright Scholarship para estudar em Cambridge, na Inglaterra. Mas, apesar da beleza, da inteligência e do sucesso precoce, tentou matar-se já durante o curso universitário (o que não a impediu de se formar em primeiro lugar na classe). Em Cambridge conheceu um poeta, Edward Hughes, que se tornou seu marido. Intensa, em todos os sentidos, a vida conjugal não lhe trouxe felicidade. Tentou matar-se várias vezes, até que, finalmente, conseguiu. Nascida em 1932, onze anos antes de mim, ela se suicidou em 1963, quando eu tinha apenas vinte anos – e quando John Kennedy morreu. Em 2008 fará 45 anos que ela está morta. Por que não quis viver? Tinha uma carreira promissora pela frente, era bela, era inteligente. Tinha um casal de filhos lindos… É verdade que adquiriu um marido meio pilantra – mas isso não explica a tendência ao suicídio, já manifesta durante o curso universitário.

Se quem planeja o suicídio (“the would-be suicide“) tivesse condições de pensar friamente sobre todo processo, ele seria a única categoria de gente capaz de dizer, quando lhe perguntassem a idade: “Tenho seis meses de vida pela frente – depois, fim, nihil. Prefiro roubar ao destino o direito de me ditar o fim…”

Apesar de amar a vida, consigo facilmente imaginar condições em que (falando in abstracto) seria preferível pôr fim a ela. Uma doença que me tornasse totalmente dependente dos outros e incapaz de fruir as coisas boas da vida (ler, por exemplo) parece-me ser uma delas.

Lembro-me de que, quando começou a moda de descobrir o sexo do bebê antes do nascimento, através da ultrassonografia, muita gente dizia: “Ah, prefiro não saber, para ter a surpresa de descobrir na hora do nascimento…” Hoje em dia parece que todo mundo prefere saber antecipadamente o sexo do bebê para poder tranqüilamente escolher o nome, a cor do quarto, as roupas…

Se descobrissem um método equivalente de descobrir, de antemão, a hora de nossa morte, quantas pessoas iriam se valer do método?

Digamos que eu consultasse esse oráculo moderno e recebesse a resposta de que ainda tenho, digamos, 21 anos para viver – que só morreria aos 85. Será que o meu futuro seria diferente, nesse caso, do que de fato é, no caso presente, em que não sei o dia, nem a hora e só sei que pode ser qualquer dia, qualquer hora… Nessa situação de desconhecimento, pode dar-se o caso de que não venha a viver um dia sequer de 2008 – ou de que venha a viver mais do que o velho Niemeyer (embora isso seja pouco provável – apesar de que para o fumante inveterado que é Niemeyer, passar dos cem poderia ter parecido improvável quarenta anos atrás).

Quantos anos ainda me resta viver? É possível que, se descobrisse que tenho apenas, digamos, três meses de vida, correria para colocar em ordem alguns de meus negócios, fazer um relato de pendências, transformar todas as minhas contas correntes em conjuntas (quase todas já o são), etc. Mas, pensando bem, será que faria isso? Ou será que venderia a casa, o sítio, os carros e iria passear pela Europa, revisitar Paris, Praga, Cesky Krumlov, visitar pela primeira vez Varsóvia, Sofia, Belgrado, São Petersburgo? É difícil decidir isso assim in abstracto, sem estar realmente confrontado com a questão. Mas, de outro lado, será que não estou confrontado com essa questão? Será que não deveria estar partindo já para a Europa em vez de ficar aqui dando palestras e escrevendo textos para uns e para outros, e para mim mesmo? 

Como saber?

What if…?

Em Salto, 30 de Dezembro de 2007

Uma resposta

  1. Para muitos, o que dá sentido à vida não é exatamente o medo de perdê-la, mas sim a perspectiva de uma nova vida após essa… E não me refiro à reencarnação, que tantos outros acreditam, mas sim à vida eterna difundida por Jesus Cristo durante sua breve passagem por aqui…
     
    "Para mim, viver é Cristo e morrer é lucro". (Filipenses 1:21)
     
    Sob essa perspectiva, a morte soa como uma recompensa, e não como um fim. Recompensa para os que escolheram recebê-la.
     
    Beijinhos…

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