Ontem, domingo à noite, saí para jantar com alguns amigos — fui ao Bobby Chinn Restaurant, sobre o qual coloquei uma notinha aqui. Fomos de taxi, eu sentado na frente, junto ao motorista (estávamos em quatro). O trânsito estava animado mas não muito intenso. Mas a bagunça é inacreditável. Nunca vi coisa igual – nem mesmo em Istambul.
Exceto em raríssimos locais, não há farol. Não há sinal de PARE. Não há faixas de rolamento pintadas no chão. O que seriam as faixas de rolamento na direção contrária são aproveitadas para dirigir na contramão, empurrando quem vem na mão certa para a faixa mais da direita ou para cima da calçada. Enfim, todo mundo dirige por todo lugar… Parece uma largada de Fórmula 1, como foi a do Bahrain ontem: carro passando por tudo quanto é lado. Carros brigando com outros carros, todos brigando com as motos. Brigando é modo de dizer. Eles buzinam e dão sinal de luz, mas ninguém parece se importar com isso.
Nas motos, jovens, velhos, senhores, senhoras, senhoritas, casais… Em toda a bagunça, duas senhoras andando de moto lado a lado — e conversando uma com a outra, enquanto dirigiam. Meu amigo Vincent Quah me contou que já viu dois motoqueiros dirigindo tranqüilos no trânsito caótico, carregando uma viga de madeira de mais ou menos oito metros — no ombro de cada um, uma moto na frente, a outra atrás, a viga ligando as duas…
Os cruzamentos em que não há farol — a maioria — são um exercício em aventura. Todo mundo vai entrando. Parece que vão bater mas se desviam um do outro. Gente que está na esquerda querendo virar para a direita, e vice-versa. Houve um cruzamento em que deveria haver um balão: havia pelo menos umas seis ruas chegando no mesmo lugar, mas não havia balão nenhum. Uns queriam passar direto, outros queriam mudar de direção, nunca se sabia exatamente quem ia fazer o quê. Compreendi porque buzinam e dão sinal de luz. Pelo jeito ninguém usa espelhos retrovisores. Eles vão enfiando o carro ou a moto, ou vão deixando o carro ou a moto "escorregar" para onde querem ir, e se ninguém buzina, eles continuam; se buzina, eles param momentaneamente de enfiar ou carro ou a moto e tentam de novo — na expectativa de que o outro vai deixar que passem ou entrem. Uma loucura.
Não é difícil, também, encontrar um carro parado do lado esquerdo de uma rua movimentada de uma mão só. Às vezes estacionado lá — com duas rodas em cima da calçada. Motos estacionadas em lugares em que obviamente deveria ser proibido estacionar também é comum.
Para nos deixar do lado do restaurante, a fim de que não tivéssemos de cruzar a rua, o motorista do taxi foi entrando no lado oposto da pista, na contra mão, devagarinho, buzinando, dando sinal de luz, desviando dos carros e motos que vinham em direção contrária, até que encostou na calçada do lado do restaurante — mas virado para a direção errada do fluxo de trânsito. Como ele, motorista, ficou do lado da calçada, fez sinal para que eu não saísse. Deu a volta, estendeu o braço assim na horizontal, meio que, simbolicamente, empurrando o tráfego para longe, para criar um espaço protetor no qual eu pudesse sair do carro pelo lado do trânsito sem ser atropleado e dar a volta para entrar no restaurante… Fui direto pro bar e pedi uma vodka Finlandia…
Fico pensando no Seymour Papert, atropelado aqui por uma moto, e que nunca mais recobrou sua saúde. A gente fala do trânsito de São Paulo, com os motoqueiros dirigindo entre os carros, mas o trânsito de São Paulo é um modelo de ordem, comparado com o daqui.
Em Hanoi, 7 de Abril de 2008