Acho incrível quão difícil é, para a maioria das pessoas, pensar a educação de forma diferente da convencional.
Em geral, as pessoas conscientemente adotam ou tacitamente pressupõem um conceito de educação segundo o qual:
* Educar é entregar ("deliver") aos alunos um pacote de informações (às vezes honorificamente chamadas de conhecimentos ou saberes);
* Ensinar é o processo (método?) pelo qual quem está de posse desse pacote (o professor) o transfere a quem supostamente teria necessidade dele (o aluno);
* Aprender é ação mediante a qual o aluno se apossa desse pacote de informações;
* Avaliar a aprendizagem é o processo pelo qual se afere se o aluno de fato se apossou do pacote de informações.
Faz bem mais de cem anos que um monte de gente importante — Dewey, Tolstoi, mais recentemente Paulo Freire, Piaget — vem questionando esse conceito de educação e os modelos e paradigmas embutidos nele. Educar, dizem esses críticos, não é entregar informações, não é transferir conhecimentos…
Aquilo que esse modelo chama de conhecimentos ou saberes (o conteúdo a ser entregue ou transferido) nada mais é do que conjuntos de informações, organizados convencionalmente em disciplinas acadêmicas. O currículo escolar é, assim, um conjunto de disciplinas: língua materna, matemática, ciências (biologia, física, química), estudos sociais (história, geografia, etc.), artes, etc. O professor é especialista em uma área disciplinar e sua identidade profissional é a de ensinante: ele apresenta aos seus alunos as informações de sua disciplina de forma segmentada e organizada, dosada segundo o que se pressupõe ser o nível de desenvolvimento intelectual dos alunos. Os alunos prestam atenção ao que o professor diz, fazem anotações e complementam as informações a eles entregues com outras que se encontram em livros didáticos. Fazem isso, não porque considerem as informações que lhes são passadas interessantes ou úteis, mas porque vão ter de fazer testes, provas, exames que têm como objetivo determinar se, e em que medida, absorveram aquilo que lhes foi passado.
Um outro modelo, entretanto, é possível, e vem sendo proposto de forma contínua e coerente nos últimos cento e cinqüenta anos.
Segundo esse paradigma (chamado de novo, mas já centenário), a educação é um processo de desenvolvimento humano, que tem lugar de dentro para fora mais do que de fora para dentro… Nascemos sem saber fazer nada (incompetentes) e, por isso, dependentes e incapazes de assumir responsabilidade pela nossa vida. Mas nascemos com uma incrível capacidade de aprender. E aprender não é assimilar informações: é tornar-se capaz de fazer o que antes não conseguíamos fazer: aprender é construir / expandir capacidades, desenvolver competências e habilidades.
O foco do aprender, nesse caso, são fazeres, mais do que saberes (conhecimentos, informações, propriamente ditos) — ou, se se preferir, saber-fazeres. E a gente aprende a fazer (fica sabendo como fazer) vendo os outros fazer e tentando fazer nós mesmos. Aprender é algo prático e ativo.
A melhor forma de aprender, dentro desse paradigma, é resolvendo problemas. A metodologia de projetos, na realidade, é uma metodologia que nos permite aprender coisas importantes no processo de resolver problemas que nos interessam, que são importantes para nós.
O currículo, neste caso, é uma matriz de competências: listas organizadas e coerentes daquilo que se espera que as pessoas saibam fazer no tipo de sociedade em que a educação está acontecendo. Na Idade Média não era necessário saber ler e escrever — hoje é indispensável; há trinta anos não era necessário saber lidar com tecnologia sofisticada — hoje é indispensável. E assim vai.
Os nossos aprenderes mais significativos não acontecem porque alguém nos ensinou da forma que normalmente se ensina alguma coisa na sala de aula convencional. Aprendemos a reconhecer fisionomias, a entender a fala, a falar, a andar, a correr, a nadar, etc. sem que ninguém nos ensine. Aprendemos uns com os outros, em colaboração. Como dizia Paulo Freire, ninguém educa ninguém — mas ninguém se educa sozinho. Aprendemos, dizia ele, "em comunhão, mediatizados pelo mundo". Ou seja, aprendemos uns com os outros no contexto da vida.
Se a escola quer ser um ambiente de aprendizagem significativo, ela tem de se parecer cada vez mais com a vida — em vez de ser o gueto em que ela se tornou. Nesse gueto, o que se aprende tem pouca relação com a vida, só sendo útil dentro do próprio contexto escolar.
O professor, dentro desse novo paradigma, não é ensinante: é facilitador da aprendizagem, orientador, mentor, coach, tutor…
A avaliação, dentro desse modelo, não se faz por testes, provas, exames, mas sim com base em observações, interações, diálogos com os múltiplos agentes envolvidos no processo — inclusive com o próprio aprendente.
Por que é que, mais de cem anos depois de todas essas idéias terem emergido e sido difundidas, o paradigma tradicional da educação ainda está tão enraizado nas pessoas — a ponto de palestras inteiras serem feitas sem que se dê a menor indicação de que um outro paradigma é possível, existe, e, na realidade, parece bem mais promissor do que o convencional?
Em São Paulo, 27 de Novembro de 2008
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