Três conceitos de igualdade

Existem, a meu ver, pelo menos três tipos de igualdade a que se pode aspirar – e que parece possível alcançar. 

Com a ressalva “e que parece possível alcançar” excluo, aqui, a igualdade absoluta em todos os aspectos: a igualdade de gêmeos monozigóticos (univitelinos) ou de clones nascidos e criados em condições ambientais, inclusive culturais, absolutamente idênticas. Nessa hipótese todos seríamos absolutamente iguais, tanto geneticamente como nas características desenvolvidas.

Mesmo assim, só se pode imaginar que todos seríamos absolutamente iguais nessa hipótese, até mesmo em termos de resultados (daquilo que cada um fizer com sua vida), se for excluída a possibilidade do livre arbítrio. Se o livre arbítrio for inserido na equação, é possível imaginar até mesmo que indivíduos geneticamente idênticos nascidos e criados em condições idênticas tomem decisões diferentes, e, portanto, alcancem resultados diferentes em suas vidas…

Mas essa hipótese considero inalcançável, pelo menos em condições sócio-políticas que fiquem aquém de absoluto totalitarismo, em que um super-ditador alcançasse poderes de promover engenharia genética. Digo isso a despeito das hipóteses levantadas nas chamadas utopias negativas (ou distopias) Brave New World, de Aldous Huxley (vide http://www.huxley.net/) e Walden Two, de Burrhus Fredric Skinner (vide http://en.wikipedia.org/wiki/Walden_Two).  

Vamos, portanto, aos três tipos de igualdade que me parecem alcançáveis em condições não exatamente totalitárias – mas que podem chegar perto.

1) Um tipo de igualdade é a chamada igualdade formal, diante da lei. Esse tipo de igualdade pressupõe que a lei (e, conseqüentemente, o governo) deve tratar todos de forma igual, sem qualquer discriminação, simplesmente em função de fato de serem humanos – mesmo que sejam totalmente desiguais em quase todos os aspectos particulares de sua vida, sejam eles naturais (biológicos e psicológicos) ou desenvolvidos na vida em sociedade (devidos ao ambiente).

Para um liberal radical como eu, esta é a única igualdade que é possível alcançar sem nenhuma violência à liberdade dos indivíduos que compõem a raça humana.  Esse tipo de igualdade é perfeitamente compatível com a liberdade.

2) Outro tipo de igualdade é a chamada igualdade de resultados. Aqui não se espera simplesmente que a lei (e, conseqüentemente o governo) trate todos de forma igual, mas que todos, a despeito de suas diferenças (genéticas ou desenvolvidas na vida em sociedade), alcancem resultados iguais, do ponto de vista social e econômico, com o que resolverem fazer com sua vida.

Segundo esse ponto de vista, desigualdade sociais e econômicas são inaceitáveis – representam “injustiças sociais” e “iniqüidades” – e devem, portanto, ser removidas pelo governo. Assim, se uma pessoa resolve dedicar sua vida aos estudos, ficando na escola durante mais de vinte anos, para se tornar um professor universitário, e sendo obrigada a continuar estudando para alcançar o seu objetivo de vida, e outra pessoa resolve não estudar nada e viver sem trabalhar, as duas pessoas deveriam não só ter uma renda idêntica, paga pelo governo, como receber, da sociedade, o mesmo reconhecimento (status, prestígio, etc.). Da mesma forma, se alguém é extremamente talentoso na prática do futebol, e se dedica a treinar com afinco, e outro é um perneta, que não faz esforço nenhum para melhorar nesse aspecto, mas os dois querem jogar, digamos, no Milan da Itália, o governo deveria obrigar o Milan a aceitar os dois e a pagar-lhes o mesmo salário, não discriminando contra o perneta. Na verdade, não poderia haver nem mesmo desigualdades entre os times. O Luceliense Futebol Clube de minha terra natal teria de receber da sociedade o mesmo reconhecimento (status, prestígio, etc.) que o Milan e, por causa disso, ser capaz de pagar aos seus jogadores os mesmos salários (através, digamos, de subsídios governamentais).

Para que o governo pudesse tornar possível rendas idênticas para pessoas com qualificações tão diferentes, ou subsidiar times tão diferentes em qualidade, teria de ter recursos inesgotáveis. E para ter recursos inesgotáveis, teria de extrair esses recursos de quem conseguisse obtê-los, por seus próprios meios, através de seu diferencial no mercado. Uns, os mais capazes (por características naturais ou desenvolvidas), estariam, assim, financiando a igualdade dos menos capazes e dos incapazes.

Isso não se consegue sem violar drasticamente a liberdade e os direitos individuais dos mais capazes. E, com raras exceções, as pessoas, ao perceberem que estavam trabalhando em grande medida para sustentar os outros, que pouco ou nada fazem para melhorar sua situação, parariam de trabalhar tanto – levando a economia da sociedade a um colapso (como, de resto, aconteceu em sociedades comunistas).

Por isso, nem mesmo a esquerda mais radical tem defendido, hoje em dia, total igualdade social econômica como um objetivo a ser buscado. Fala apenas em reduzir desigualdades, promover “justiça social”, etc. – sem deixar muito claro o que se pretende com isso.

3) Nesse contexto, há vários que defendem a chamada “igualdade de oportunidades”. A igualdade de oportunidades seria um meio termo: iria além da igualdade formal, diante da lei, mas não chegaria ao extremo de uma igualdade total de resultados. O que se espera é que as pessoas tenham todas oportunidades iguais na vida – o que fazem dessas oportunidades, através de suas escolhas e decisões, seria problema delas. O que é preciso, afirma-se, é que “as condições iniciais” da “corrida pela vida” sejam idênticas. O que cada um faz na corrida é problema seu. Que ganhe o melhor. (Acabo de ver e ouvir na CNN Ásia um empregado da Unilever que viveu durante 35 anos na África do Sul dizer que é preciso “level the field”, nivelar o campo de jogo, ou igualizar as condições iniciais, para que haja “verdadeira competição”.

Parece bonito, quando dito assim.

Mas como é que se consegue igualizar as condições iniciais de quem nasce no Morumbi, em São Paulo, e quem nasce no sertão do Piauí? Ou de quem nasce em uma família de milionários na Suíça e quem nasce de uma mãe solteira e aidética numa tribo do deserto do Sahara? De quem tem um QI de 200 e quem tem um QI de 70? Ou de quem nasce com o talento para o futebol que tem o Ronaldinho Gaúcho e quem não consegue chutar uma bola? Ou de quem tem consegue representar como o Anthony Hopkins ou a Fernanda Montenegro e alguém que não consegue declamar uma poesia numa festinha de aniversário? Ou de quem consegue estudar competentemente os grandes mistérios da vida, da mente, ou do universo, como Darwin, Freud e Einstein, e, digamos, alguém que não consegue sequer aprender a ler, escrever e contar na escola, depois de anos de tentativa?

A meu ver, não se consegue – e é vão tentar. Isso não quer dizer que não se deve tentar melhorar a situação de quem enfrenta piores condições iniciais. Mas deve se fazer isso através da iniciativa privada e com realismo. Confiscar recursos, através de taxação, dos que nasceram em condições iniciais melhores para aplicá-los na tentativa de igualizar as condições iniciais, envolve não só interferir indevidamente com a liberdade e os direitos individuais dessas pessoas, mas, pior, fazer isso em nome de um objetivo (igualdade de oportunidades) inalcançável – totalmente utópico.

E não adianta ficar falando que é preciso não abandonar as utopias. Há utopias que são alcançáveis – e temos todo direito de tentar promove-las, com nossos próprios recursos. Mas tentar promover utopias irrealizáveis e, pior, com o dinheiro dos outros, é totalmente injustificável.

É parte da condição humana que não escolhemos o local e a data em que vamos nascer nem as condições sociais, culturais e econômicas do casal que nos gerou. E também não vamos escolher a combinação de genes que vamos herdar de nossos pais.

Só podemos escolher o que vamos fazer com a carga genética que herdamos e com as condições sociais, culturais e econômicas em que nascemos.

A natureza é imparcial no sentido de que não atribui uma carga genética excepcionalmente favorável apenas a pessoas que nascem em condições sociais, culturais e econômicas favoráveis. Nascem gênios entre os pobres e ignorantes e verdadeiras toupeiras entre os ricos e cultos.

É possível, portanto, e totalmente justificável, ajudar cada um a desenvolver ao máximo os seus talentos naturais, dentro das circunstâncias em que nasceu, com o objetivo de possa transcender essas circunstâncias e, assim, permitir que os seus filhos nasçam em condições sociais, culturais e econômicas melhores.

O que não é admissível é tentar manipular a carga genética das pessoas, para igualizá-las, nem violar as liberdades e os direitos individuais de alguns para dar aos demais condições iniciais iguais – a chamada igualdade de oportunidades.

Em Seul, 7 de novembro de 2005

Uma resposta

  1. Hola…. no entiendo portugués pero de lo que logré comprender me interesó tu página y te felicito.Deberías publicar tu pensamiento… tiene valedez, yo también prefiero morir de pie ke vivir de rodillas!!! ok me despido un saludo afectuoso!! Ernesto

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  2. então segundo sua opinião, o real conceito de igualdade consiste em tratar todos do mesmo modo independentemente de suas possiveis desigualdades?

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    • A lei e o estado devem tratar todos de forma igual — independentemente de quão desiguais sejam. Você acha que a lei deve tratar pobre, ou negro, ou homossexual, ou mulher, de forma diferente, simplesmente porque não são iguais aos ricos, brancos, heterossexuais e homens?

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  3. acho que vc presisa compreender melhor que a igualdade “na lei” é mais eficaz que a igualdade “perante a lei”.

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