Reflexões meio fúnebres

Ayrton Senna morreu fazendo aquilo de que gostava: correr de Formula 1. Ainda esta semana (semana de 15 de maio de 2006) um ex-estudante da UNICAMP morreu escalando o Himalaia. Também morreu fazendo aquilo de que gostava.
 
Tenho um pressentimento de que vou morrer em um acidente de avião, enquanto vejo um filme bonito, ou ouço músicas de que gosto, ou escrevo alguma crônica (como estou fazendo no momento) — enquanto bebo um bom vinho e como comida de primeira…
 
Estou escrevendo isso a bordo do vôo United 842, de São Paulo a Chicago. Estou sentado na poltrona 5A da Classe Executiva. O ocupante da poltrona 5B me beneficiou com sua ausência (é incrível a sorte que tenho de não ter companheiro de assento em vôos de longa duração). Ouço música de primeira no meu iPod Nano (4 GB de memória me permitem ouvir nada menos do que mil músicas diferentes, em formato MP3, todas elas de minha escolha). Há pouco, quando levantamos vôo de Guarulhos, pude ver como é linda a cidade de São Paulo, à noite e vista do alto… Assim que o sinal de apertar cintos foi desligado, peguei o meu Dell Latitude X1 e comecei a escrever um artigo sobre a esquerda, a pobreza e a desigualdade. Serviram vinho, castanhas de caju. Agora trazem presunto Parma, camarões, e outros quitutes. Mais tarde virá o filé mignon.
 
Estou no que alguns poderiam chamar de "estado de graça". Não há possibilidade de que o Boeing 767 acerte uma montanha — estamos a cerca de 35 mil pés de altura, ou seja, a quase 12 km de altitude: não há montanha tão alta. Mas é possível (embora improvável) bater contra um outro avião. E é possível (um pouco menos improvável) que o avião tenha algum problema mecânico, hidráulico, eletrônico que o faça cair. Também é possível que algum terrorista esteja a bordo e este vôo termine como os fatídicos vôos do dia 11/9… Mas esses perigos não diminuem o meu "estado de graça". São possibilidades ou probabilidades meio remotas. Mas se acontecerem, o único temor que tenho é de que sofra, de que sinta dor, de que esteja consciente até o último momento… Se morrer subitamente, sem perceber o que está acontecendo, terei morrido feliz: como morrem os que morrem enquanto dormem…
 
Por que estou pensando sobre isso? Por um lado, porque vôo demais… Ainda este mês estive em Taiwan, em Brasília, e agora vou para Redmond, Estado de Washington, Estados Unidos… Metade do mês viajando. Nos últimos quatro anos, desde 2003, quando aceitei o convite para ser membro do International Advisory Council do programa "Partners in Learning" ("Parceiros na Aprendizagem") da Microsoft, tenho voado cerca de 250.000 milhas por ano. Ir e voltar entre São Paulo a Brasília é um pouco mais de mil milhas. Ir e voltar em São Paulo e Chicago é um pouco mais de dez mil milhas. O que voei, em média, nos últimos quatro anos, representa,para cada ano, cerca de 250 viagens de ida e volta entre São Paulo e Brasília — ou cerca de 25 viagens de ida e volta entre São Paulo e Chicago (um pouquinho mais de duas por mês…). Entendido agora por que a United me trata bem???
 
Mas tudo isso quer dizer que as minhas chances de morrer num acidente de automóvel no Brasil são menores do que minhas chancces de morrer num acidente de aviação — apesar de acidentes, aqui em cima, serem bem menos freqüentes do que os lá embaixo…
 
Se levarmos em conta que meu primeiro vôo de avião foi em 1947, quando tinha três anos e meio, em um avião da Aerolíneas Natal, de Londrina a São Paulo, e que, de 1967 pra cá, creio que não houve um ano em que não tenha estado num avião, é algo próximo de um milagre que nem mesmo um "close call" eu tenha tido…
 
Providência, dirão meus amigos religiosos… Sorte, dirão meus amigos ateus… Sorte, digo eu, assistida pela competência humana que produz um pássaro desses, tão mais pesado do que o ar, mas que consegue voar, por quase 20 horas sem abastecimento, carregando toneladas e toneladas de gente e carga…
 
Antes de o vôo sair o Comandante Flores (nascido nos EUA, mas de pais espanhóis e mexicanos) veio cumprimentar os passageiros da primeira classe e da classe executiva. Já é a quarta ou quinta vez que vôo com ele. É uma simpatia — e é competente. É o único piloto que vem conversar com os passageiros antes de sair, dá a mão a todos, joga uma conversinha fora… Classe.
 
Mas os vôos aéreos estão progredindo… Minha querida amiga, Márcia Teixeira, atualmente gerente de Educação para a América Latina da Microsoft, me chamou pelo MSN Messenger, no dia 15 último, dia do aniversário dela, de dentro de um avião da Lufthansa que ia de Miami para a Europa — destino final, Atenas, Grécia… Conversamos durante vários minutos. Ela a milhares de quilômetros de distância, no nível do mar, e a cerca de 12 mil metros de altura… E nós, conversando. Fiquei lisonjeado de ela haver me chamado para compartilhar a alegria de estar podendo usar a Internet no céu — @ Sky…
 
No momento meu iPod Nano toca Amazing Grace, com Anne Murray… Dá vontade de chorar, de tão bonito…
Ontem à noite, ainda em Campinas, assisti na TV The Notebook (Diário de uma Paixão). Chorei mais uma vez. Filme que alguns qualificam de "água com açúcar" — mas que eu acho lindo de morrer. Atores lindos e competentes, história comovente — e a música, ah a música, é I’ll be seeing you"… (cantada por Billie Holiday): "I’ll be seeing you in all the old, familiar places, that this heart of mine embraces, all day through"…
 
Se morresse agora, não me importaria. (Possivelmente, nem notaria…) Mas vai ser bom chegar em Chicago, de lá ir para Seattle, de lá ir para Redmond, ficar hospedado no delicioso Bellevue Club Hotel, parte da cadeia Small Luxury Hotels, em Bellevue, perto de Redmond… Lá vou me encontrar com meu amigo de mais de 25 anos, Fernando José de Almeida, da PUC-SP, com a Mônica Guazelli Franco, também da PUC-SP, que deveria ser proibida para diabéticos, tão doce que é, com a Ana Teresa Ralston, gerente de Educação da Microsoft Brasil — e com Les Folton, americano meio típico, tentando virar brasileiro, amigo querido, namorado da Ana… E mais a Lauren Woodman, a Kristen Weatherby, a Liz Butowicz, todas elas pessoas muito legais, da equipe de educação da Microsoft Corp (worldwide)…
 
De Redmond vou até Cortland, Ohio, ver minha filha e minhas duas netas. A Andrea, minha filha que nasceu nos Estados Unidos e sempre viveu lá, e que, portanto, cresceu e virou mulher longe de mim, é a filha que mais se parece comigo em idéias, em temperamento, em gênio, em reações emocionais. Ela se casou com o Rick, talvez o mais americano dos americanos, e desse casamento me vieram me duas netas loiríssimas, de olhos azuais: Olivia e Madeline (na verdade, Olivia Grace e Madeline Kay…). Espero vê-las na quarta-feira. A Andrea e as meninas vão me pegar no aeroporto Logan de Cleveland e, juntos, iremos para a casa delas — onde ficarei por quatro dias. Sairemos, iremos fazer compras, ficaremos em casa brincando no "family room", vendo TV, batendo papo, curtindo uns aos outros.
 
Agora vou parar de escrever um pouco e ver se durmo… 
 
No espaço aéreo entre São Paulo e Chicago, em 20 de maio de 2006

Uma resposta

  1. Meu querido irmão.
    Voce enriquece minha vida  de muitas maneiras e uma delas são os textos que voce escreve.
    Fique sabendo que eu te amo. Voce é muito especial para mim. É meu irmão querido e eu te adoro.
    beijos
    Ane

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