Uma companhia que tem orgulho de ser brasileira

A primeira companhia aérea brasileira com a qual voei se chamava Aerolíneas Natal. Foi nos idos de 1947 que vim de Londrina a São Paulo num de seus vôos. Tinha três anos e meio. Sei da data porque meu irmão, Flávio, que veio junto, era nenê de colo. Lembro-me de que vomitei as tripas. Mas as comissárias de vôo foram extremamente gentis. Levaram-me até mesmo para dizer "oi" para os pilotos no cockpit. Mais tarde a Natal foi absorvida pela PanAir. E mais tarde ainda a PanAir foi crucificada pelos militares para deixar a VARIG reinar suprema.

Por isso, nunca gostei da VARIG. A VARIG para mim foi sempre chapa branca. Sempre que pude voar por uma outra companhia, preferi. Pela mesma razão que, podendo, não abro conta em banco estatal.

Por isso, quando a TAM do Comandante Rolim começou a se mostrar uma concorrente viável para a VARIG, adotei a TAM. Fui fiel até agora. Tive implicâncias com a Gol, quando ela surgiu. Agora que ela incorporou a VARIG, então, a implicância cresceu.

Mas nunca usei a TAM para voar para o exterior. Aqui minha fidelidade à United é a toda prova. E não usava a TAM porque havia uma coisa que me implicava nela: o bordão "Uma empresa que se orgulha de ser brasileira". Lembro-me de ter pensado, mais uma vez, que a brasileirice da TAM poderia, um dia, custar-lhe caro.

Acho que chegou a hora em que está ficando evidente que a TAM é, sem duvida, uma empresa brasileira — mas que isso está longe de ser motivo de orgulho. Afinal de contas, são dois aviões caídos em Congonhas, com mais de 300 mortos, em menos de dez anos. No interim, houve assentos que foram ejetados em vôo e outros probleminhas mais: se bem me lembro, houve até um avião que aterrisou no pasto e matou uma vaca. Para não falar no acidente esquisito de helicóptero que matou o Comandante Rolim.

Confesso que até o acidente da última terça-feira, dia 17/7, ainda tinha certa lealdade para com a TAM. Mas a estou perdendo rapidamente. Explico as razões.

1) A questão do reverso da turbina direita que não estava funcionando.

Pode ser que o reverso não seja necessário para frear o avião em condições normais. Pode até ser que os manuais da AirBus (empresa da qual eu também não gosto) digam que é possível voar até dez dias com o reverso "pinado" (no jargão deles). Mas isso dito, acho que uma companhia realmente consciente da segurança de seus passageiros, teria levado o avião para manutenção logo que o reverso deu problema, sem esperar os dez dias, porque ainda que o reverso não seja necessário para frear o avião em condições normais, em condições excepcionais, para as quais toda companhia de aviação deve estar preparada, ele poderia significar a diferença entre um "near miss" e um acidente.

Além disso, a TAM só admitiu que o reverso da turbina direita não estava funcionando depois de o Jornal Nacional ter descoberto o fato. Uma empresa transparente deveria revelar até mesmo aos passageiros que o avião tinha um problema, mesmo que as normas de segurança não considerassem o problema impeditivo de um vôo normal (normal, isto é, em condições normais). Os passageiros deveriam ter o direito de, sabendo do problema, decidir se voavam ou não. A TAM tomou essa decisão por eles — com resultados desastrosos.

2) A questão dos evidentes problemas que a pista principal de Congonhas vinha apresentando na chuva desde o dia anterior

Além do incidente com o avião da Pantanal, um dia antes, vários aviões da TAM enfrentaram dificuldades para aterrisar na pista principal se Congonhas no dia anterior e no dia do acidente — isto é, desde que começou a chover na pista cuja reforma estava ainda inacabada. Além disso, os controladorers de vôo estavam advertindo os pilotos de que a condição da pista era escorregadia.

Uma empresa realmente consciente da segurança de seus passageiros teria imediatamente determinado aos seus pilotos, desde o primeiro incidente ou relato de dificuldade para pousar, que, em chuva, não pousassem na pista principal sem ranhuras. 

O fato de que, depois do acidente, a TAM fez essa determinação aos seus pilotos, mostra que a o procedimento cautelar deveria ter sido adotada antes.

3) 1+2

Se juntarmos as duas razões, é forçoso concluir que o risco de um avião sem um reverso pousar, na chuva, numa pista escorregadia, sem ranhuras, especialmente quando essa pista é relativamente curta e o avião relativamente grande e pesado, é muito alto — na verdade, inadmissível.

4) Gato escaldado

Exatamente a TAM, que já havia tido um lamentável acidente em Congonhas, deveria ser, nesse aeroporto, "mais realista do que o rei". Não importa o que diz o manual da AirBus ou o que digam os políticos da Infraero sobre a qualidade da pista, a TAM não poderia ter se permitido o risco de pousar em Congonhas nessas circunstâncias. Duvido que, mesmo num país de memória curta como o nosso, sua imagem se recupere.

5) Os pilotos

Até evidência em contrário, considero os dois pilotos duas vítimas que não só perderam a vida mas correm o risco de ver suas reputações profissionais arranhadas pelas insinuações irresponsáveis dos verdadeiros culpados pelo acidente.

É isso, no que diz respeito à TAM.

O fato de eu considerar que a TAM tem responsabilidade no acidente não significa que eu pense que o governo federal não tem. Creio que tem, e muita. A incompetência generalizada que caracteriza o governo Lulla, que já colocava nossa vida em risco ao andar de carro ou ônibus nas estradas federais, tem colocado em risco as vidas daqueles que têm necessidade de viajar pelo ar, até porque não há outra alternativa (dado o estado lamentável das rodovias federais e a inexistência de transporte ferroviário de passageiros). Diretoria da ANAC, Diretoria da Infraero, Comando da Aeronáutica, Ministro da Defesa e Presidente da República deveriam ir todos para o olho da rua. Vaia é pouco para eles. Faz des meses que caiu o avião da Gol (acidente cuja culpa eles tentam jogar sobre os pilotos americanos) e tudo continua como está. Caiu agora o avião da TAM, e se algo se alterar vai ser pouco.

Top-top-top neles.

Se a TAM tem orgulho de ser brasileira e se esse governo é a cara do Brasil, então não dá pra se orgulhar de ser brasileiro.

Em São Paulo, 24 de Julho de 2007

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