No meu artigo anterior relatei que, durante a cerimônia do “Batismo Tricolor” do meu neto Gabriel, o oficiante conclamou os que estavam sendo batizados não só a permanecerem são-paulinos para sempre mas, também, a converter torcedores dos times rivais, para que também eles venham a sentir a enorme satisfação que é torcer para um verdadeiro time, três vezes Campeão Mundial, cinco vezes Campeão Brasileiro…
À noite — a noite teve uma hora a mais, por causa do fim do Horário de Verão — fiquei pensando cá com os meus botões: há muito menos conversões no futebol do que há na religião e na política…
Quando dois se casam, se a mulher é realmente torcedora de um time, quase nunca se converte para o time do marido.
Meu irmão, palmeirense doente, casou-se, longos anos atrás (já tem um neto, ele, também, Gabriel), com uma corintiana. Não só ela não se tornou palmeirense como conseguiu que meus dois sobrinhos, filhos deles, contraíssem essa doença que é ser corintiano.
Meu amigo Roberto Carvalho, são-paulino de quatro costados, casou-se com a também minha amiga, Adriana Martinelli — palmeirense. Ela se converteu para o SPFC? Nem pensando. Neste caso, porém, ela perdeu a custódia futebolística dos dois filhos, ambos são-paulinos desde a maternidade.
Ontem, no batismo, havia mulheres que os maridos não haviam conseguido converter.
Enfim: pelo jeito, a mulher se converte — em geral quando ainda é namorada — apenas quando não liga muito para o futebol e realmente não torce — quero dizer T-O-R-C-E — para um time. Converte-se porque, não torcendo para nenhum time, não custa nada fazer um agradozinho para o (em regra futuro) marido. Se trocarem de marido um dia, provavelmente trocarão também de time…
Aqui entre nós, nunca vi um caso de homem se converter para o time da mulher nem antes nem muito menos depois do casamento.
No entanto, no caso de religião, conversões são freqüentes — e, mais interessante, homens, neste caso, parecem não ter grandes dificuldades em adotar a religião da mulher. As conversões, aqui, não são só de uma denominação protestante para outra (Presbiteriana para Batista, Metodista para Pentecostal, etc.). Há conversões do Catolicismo para o Protestantismo e vice-versa (embora mais raramente neste caso), entre o Cristianismo e o Judaísmo, entre o Cristianismo e o Islamismo, etc.. Imagino que haja conversões até mesmo entre Judeus e Muçulmanos (embora isso hoje pareça difícil).
Em suma: o amor parece ser mais capaz de derrubar barreiras religiosas do que barreiras futebolísticas…
O mesmo se dá no caso da política. É raro ver um casal votar diametricamente oposto um do outro: em geral votam juntos — mesmo que não votassem juntos antes de se casar.
Aqui também, o amor parece derrubar mais facilmente as barreiras do que no caso do futebol…
Vou me tornar autobiográfico. Embora tenha nascido em Lucélia, no Estado de São Paulo, em 1943, meus pais se mudaram para o Paraná (Itati, Marialva e Maringá) quando eu tinha menos de um ano. Lá a gente vivia numa alienação total — eu nem acompanhava campeonatos de futebol. Para vocês terem uma idéia, eu, em 1950, que à época tinha quase sete anos, e morava na nascente Maringá (fundada em 1947), nem fiquei sabendo que estava havendo uma Copa do Mundo de Futebol no Brasil — nem que o Brasil a havia perdido vergonhosamente para o Uruguai. Só vim tomar conhecimento de coisas futebolísticas quando me mudei para Santo André, em Março de 1952. Mesmo assim, embora tivesse tomado ciência imediatamente de que havia São Paulo, Palmeiras, Corinthians e Portuguesa (o Santos ainda não contava), levei quase dois anos para me decidir. Durante 1952, ainda estava me aclimatando a uma grande cidade e suas preferências futebolísticas. Não tínhamos televisão. Tínhamos apenas um rádio, mas era meu pai quem o monopolizava (em geral para notícias e músicas antigas — antigas para aquela época já: valsas e dobrados, especialmente). Ler jornal, não lia. Durante 1953 me vi pressionado pelos colegas da escola (Grupo Escolar “Prof. José Augusto de Azevedo Antunes) e da igreja (Igreja Presbiteriana de Santo André) a torcer por um dos três grandes (a pressão para torcer pela Portuguesa era mínima: só a Dona Maria, portuguesa, vizinha, torcia para a Portuguesa, dentre as pessoas que eu conhecia — e eu não gostava dela, porque era chatésima, não gostava de devolver as bolas para passavam por cima do muro e caíam no quintal dela…). Firmei uma decisão, durante 1953, de que o time que fosse campeão paulista aquele ano seria o meu time do coração. Não deu outra: o São Paulo Futebol Clube bateu o Santos na Vila, por 3×1, para se tornar campeão (já em 1954, no dia do aniversário de São Paulo — o Quarto Centenário! O SPFC é o verdadeiro Campeão do Quarto Centenário, não o Corinthians). Desde então, quase 55 anos atrás, nunca tive uma dúvida de que a escolha foi certa, nunca tive “second thoughts”, nunca nem flertei com outro time… Quando me mudei aqui para Campinas adotei o Guarani como segundo time e a Ponte Preta como terceiro. Se o SPFC não está envolvido, torço para o Guarani e para a Ponte Preta. Se o SPFC está jogando contra um dos dois, torço para o SPFC — torço para que vença de goleada: não tem dessas de torcer para empate. Se Guarani e Ponte Preta estão jogando, torço para o Bugre. Minhas preferências são bem hierarquizadas.
Durante esses 55 anos em que tenho sido são-paulino ferrenho, eu evoluí (sic) de protestante bem fiel, temente a Deus, para ateu — e evoluí (sic) de leve simpatizante de algumas idéias de esquerda para liberal clássico sem modulações, anti-esquerdista radical. Mudei de opinião. Não chamo essas mudanças de opinião de “conversões”, porque foram bem-pensadas, refletidas, resultado de um processo lento de desenvolvimento filosófico. O que chamamos de “conversão”, no sentido comum, em geral não tem essa carga (embora haja casos famosos de conversão, em regra para o Catolicismo, que se equiparam à minha mudança bem arrazoada de ponto de vista na religião e na política.
Ou seja, mudei de opinião em religião e em política, mas não em futebol…
Costuma-se dizer que futebol, política e religião não se discute — em geral porque parece que as perspectivas de convencer os outros são mínimas. No entanto, se minha análise é correta, a virtual impossibilidade de convencer os outros a mudar de opinião está no futebol: nas outras duas áreas, embora difícil, é possível fazer conquistas.
Por incrível que pareça há questões interessantes por detrás desses problemas aparentemente pequenos.
Em Campinas, 17 de Fevereiro de 2008
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