Devo ir para Hanoi no dia 2 de Abril. Estou meio apavorado — com a história das motos…
Em 7 de Dezembro de 2006 Seymour Papert, o inventor de LOGO, e o pai da informática na educação, foi atropelado por uma moto em Hanói, ao sair de um hotel. Ficou em coma vários dias, sofreu cirurgia no cérebro. Embora tenha sobrevivido, nunca mais voltou à normalidade.
A notícia do atropelamento pode ser encontrada em:
http://www.boston.com/news/local/articles/2006/12/08/top_mit_scientist_injured_in_vietnam/
Julguei que o atropelamento de Papert, que eu tive (na verdade, tenho) o prazer de conhecer, fosse um desses acidentes imprevisíveis. Mas, pelo jeito, não foi.
Na Folha de hoje, 1 de Março de 2008, o médico Drauzio Varela, que está em Hanói, publica um artigo apavorante sobre as motos da cidade. O artigo, que tem o título "Atravessar a rua em Hanói", pode ser lido em:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq0103200821.htm
A seguir, alguns trechos do artigodo Drauzio Varela.
Sobre a quantidade de motos: "JURO QUE nunca vi tantas motos ao mesmo tempo. Contadas as que trafegam um mês inteiro pela 23 de Maio, Radial Leste e marginais, a soma não chega aos pés das motinhos e lambretas que circulam pelas ruas centrais de Hanói, a qualquer hora do dia."
Sobre a quase inexistência de semáforos e a forma de dirigir dos motoqueiros: "Não há assaltantes nas ruas, no máximo, um batedor de carteira à moda antiga, avisou o porteiro do hotel. No entanto, acrescentou, atravessar as ruas é um perigo, porque as motos trafegam em ambos os sentidos e os semáforos são raros."
Como atravessar a rua: "No final da preleção, o conselho mais relevante [do porteiro do hotel]: ‘Os acidentes só acontecem quando o transeunte, assustado com o movimento, corre ao fazer a travessia. É preciso cruzar em passos lentos. Sangue frio.’"
A realidade: "Parei no meio-fio do cruzamento. Então, percebi a dificuldade da empreitada. As motos vinham às centenas em ambos os sentidos, num movimento ininterrupto embaralhado por ultrapassagens e conversões inesperadas à direita e à esquerda. O ronco dos motores era entrecortado por um buzinaço frenético, capaz de ensurdecer o mais barulhento de nossos motoqueiros. . . . Três vezes ensaiei descer da calçada. Numa delas consegui dar dois passos, para recuar de um salto assim que a primeira máquina infernal se aproximou ameaçadoramente, com um camicase com a mulher e o filho na garupa. . . . Quando o desânimo estava prestes a me dominar, divisei duas escolares do lado oposto, perfiladas como bonecas chinesas. Em câmera lenta, a passos miúdos, elas desceram da calçada e vieram em minha direção sem mover a cabeça. Não pude crer no que assisti. Assim como as águas do Mar Vermelho se afastaram para o povo judaico passar, as motos desviavam das meninas. Parecia um número de circo: quando a colisão se tornava iminente, o motoqueiro manobrava com habilidade para evitá-la. . . . Então, decidi fazer igualzinho às meninas: ir em frente bem devagar sem olhar para os lados; transferir para os motoqueiros a responsabilidade de preservar minha integridade física. Por que não entregar a sorte em mãos alheias? Não agimos assim nos aviões? Deu certo, fui parar na outra calçada com o coração na boca, porém incólume."
Será que consigo passar cerca de uma semana em Hanói sem atravessar uma rua? Não tenho sangue frio suficiente para atravessar uma rua desse jeito…
Em Campinas, 1 de Março de 2008