Matéria simples mas bem posicionada da Folha de S. Paulo em relação à “pretensão construtivista” das escolas brasileiras de hoje.
Criticar o construtivismo aqui no Brasil virou politicamente incorreto – pega tão mal quanto criticar a maternidade, a democracia, o igualitarismo. (Acho irônico que criticar o igualitarismo seja politicamente incorreto – mas criticar a liberdade, não… Os críticos da liberdade abundam. Abundam ainda mais os inimigos da liberdade que professam ser seus defensores… Mas esse é outro assunto….).
O consenso construtivista, porém, como a maior parte dos consensos, é obtido através da vagueza, da imprecisão, da ambigüidade do conceito.
Para mim a gênese do construtivismo está em Sócrates, não em Piaget. A pedagogia de Sócrates era a “pedagogia da pergunta”, não a “pedagogia da resposta” das abordagens não-construtivistas. Tanto quanto eu saiba é de Paulo Freire o uso original dessas duas expressões. Sócrates não dava resposta a nenhuma pergunta – o ofício dele era fazer perguntas. A resposta sacia a curiosidade. A pergunta a alimenta a curiosidade. As perguntas de Sócrates desequilibravam (para usar um conceito piagetiano), faziam o interlocutor se questionar, levavam-no a duvidar das próprias certezas (a Léa Fagundes gosta de usar essa expressão). Elas faziam o seu interlocutor pensar, refletir por si próprio, chegar às suas próprias conclusões…
Construtivismo, para mim, é basicamente isso: o processo mediante o qual construímos para nós mesmos um jeito de olhar o mundo, uma forma de agir no mundo, uma maneira de ser no mundo (desculpem o mal-cheiro existencialista da última expressão).
Informação se encontra virtualmente em qualquer lugar. Informação se transmite. Informação se acumula. Uma educação que privilegia a entrega e a transmissão de informações ao aluno por parte do professor, e o recebimento, a assimilação a retenção e a reprodução de informações por parte do aluno, é uma “educação bancária”, como dizia Paulo Freire, feita com base na analogia da transferência de fundos. Informações, como fundos, são transferíveis, é bom que se diga.
E pensar que há gente – e escola – que fala em “ensino construtivista”…
Essa chamada educação bancária, como bem ressaltou Rubem Alves, não educa ninguém. Ela simplesmente nos deixa cheios de informação – produzindo “obesidade mental”. A solução para uma “mente estufada” de informações, segundo ele, é de vez em quando esvaziar a mente, pois uma mente obesa, cheia de informações, prejudica a agilidade mental, torna o pensar difícil, às vezes impossível… A educação deveria ser vista, nesse contexto, muito mais como um processo de esvaziamento da mente do lixo que se acumula nela do que o contrário… Um bom laxativo mental, mais do que uma macarronada informacional… Uma boa evacuada mental, mais do que um açaí-na-tijela informacional…
Na época de Sócrates conhecimento era informação verdadeira, bem fundamentada na evidência. Por isso, ele defendia a busca da sabedoria… A busca da sabedoria, em vez de requerer que nos locupletemos de informações, pressupõe que “desaprendamos” o que nos foi ensinado… A educação, disse alguém, é aquilo que permanece quando nos esquecemos daquilo que nos foi ensinado… Quando fazemos um “enema mental”, uma “lavagem da mente”… (Infelizmente a expressão “lavagem mental” ou “lavagem cerebral” se tornou sinômina do processo de tirar as informações que estão na mente de uma pessoa para imediatamente colocar outras lá…. O processo de conversão religiosa ou política é mais ou menos desse tipo: retiram-se da mente algumas crenças para ali colocar outras… O que estou propondo aqui é mais como a limpeza de um terreno cheio de mato e lixo para que possamos construir um lindo edifício ali… Trocar um mato e lixo por outro mato e lixo não resolve…)
Aquilo que, na era pós-piagetiana, chamamos de “construção do conhecimento” é equivalente à busca da sabedoria de Sócrates. A sabedoria não se encontra em qualquer lugar, não se entrega de um para outro, não se transmite, não se recebe, não se assimila, não se retém, não se reproduz num exame ou numa prova. Sabedoria se constrói. Ela inclui jeitos de ver as coisas, modelos mentais, esquemas de análise…
Pode-se falar em uma informação – e uma informação pode ser verdadeira ou falsa. Mas não se pode falar em “uma sabedoria”, nem em sabedoria verdadeira e sabedoria falsa… À sabedoria aplicam-se outros critérios – não o critério da veracidade…
Uma pessoa jovem pode ser muito bem informada. Dificilmente será sábia. A sabedoria, em geral, vem com a experiência, e esta, em geral, com a idade. Mas a sabedoria é fruto mais da qualidade do que da quantidade dos momentos vividos. Infelizmente a idade muitas vezes chega desacompanhada da experiência (como disse alguém) – e, por isso, por si só não é nenhum indicador confiável de sabedoria. A posse de informações se demonstra num exame, num trabalho escrito, numa apresentação oral.
A verdade é um atributo de enunciados, de proposições. A sabedoria é um atributo de pessoas. A posse da sabedoria se demonstra no viver.
Para mim, construtivismo, em educação, é mais ou menos isso: a busca da sabedoria… A busca dos princípios e valores que tornam possível o bem viver. E o desenvolvimento das competências e habilidades que nos permitem viver bem.
A boa vida, como disse Sócrates, é a vida constantemente examinada, permanentemente questionada, diariamente reconstruída. A outra não vale a pena viver.
Amém.
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Folha de S. Paulo
30 de Novembro de 2009
“Construtivistas, mas nem tanto”
Muitas escolas dizem seguir o construtivismo -que defende que o aluno deve construir por si só o conhecimento-, mas, na prática, continuam tradicionais
Quando estão escolhendo um colégio, os pais não devem se prender a rótulos, mas perguntar como são as práticas em sala de aula
ANGELA PINHO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
FABIANA REWALD
DA REPORTAGEM LOCAL
Se você perguntar a um professor brasileiro se ele é construtivista, é quase certo que ele dirá que sim. No entanto, ao acompanhá-lo em aula, é possível que você não veja os princípios da teoria sendo aplicados.
O construtivismo se desenvolveu a partir de estudos do suíço Jean Piaget (1896-1980) e, em linhas gerais, parte do princípio de que o aluno aprende melhor quando constrói o conhecimento por si só -com a mediação do professor- do que quando recebe o conteúdo apenas de forma passiva.
A partir da teoria, surgiram p
ráticas pedagógicas que não são exclusivas do construtivismo, mas acabaram sendo associadas a ele: atividades de pesquisas, trabalhos em grupo e priorização do raciocínio em detrimento da memorização.
No Brasil, onde as diretrizes curriculares nacionais têm inspiração construtivista, a maioria dos professores diz seguir essa teoria, segundo pesquisa feita neste ano pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) com 23 países.
Assim como quase todos os seus pares -a exceção são os italianos-, os professores brasileiros dizem concordar com afirmações relacionadas ao construtivismo, como: "Estudantes aprendem melhor quando encontram sozinhos a solução para problemas."
A pesquisa também perguntou a posição dos professores em relação a afirmações como "bons professores demonstram a maneira correta de resolver um problema" -mais ligada a outro modo de ensinar, em que o conhecimento é transmitido diretamente pelo professor.
Em países como Áustria e Islândia, os adeptos dos conceitos construtivistas rechaçavam as afirmações relacionadas à transferência do conhecimento pelo professor. Já em outros, como o Brasil, os professores aceitavam as duas abordagens.
"Os professores brasileiros têm práticas tradicionais, porque a escola é tradicional, mas abrem parênteses construtivistas", diz Bernard Charlot, professor emérito da Universidade Paris 8 e atualmente docente na Universidade Federal de Sergipe. Na prática, propõem trabalhos em grupo, mas não abandonam a lousa e o giz.
Essa mescla de métodos, no entanto, não é necessariamente negativa, segundo Charlot, desde que o aluno seja motivado a pensar em vez de só ouvir e anotar. "Há métodos melhores para alguns alunos e outros melhores para outros. Quando se mesclam, cresce a possibilidade de que mais alunos aprendam." Nélio Bizzo, professor da Faculdade de Educação da USP, concorda. "Não se pode pensar que você vai alfabetizar uma classe inteira com uma teoria pedagógica."
O Albert Sabin, por exemplo, é socioconstrutivista (privilegia o debate de ideias e a interação entre alunos e o professor), mas se permite usar o chamado material dourado.
De inspiração montessoriana, ele facilita o entendimento dos números. "O mesmo material didático pode ser trabalhado de forma construtivista ou tradicional", diz Giselle Magnossão, diretora pedagógica.
O importante, para Silvio Barini Pinto, diretor do colégio São Domingos, é não ter receitas para o aprendizado, mas sim jogo de cintura para misturar diferentes linhas.
Por isso educadores dizem que, ao escolher um colégio, os pais não devem se prender a rótulos, mas analisar as práticas em sala de aula e se os objetivos da escola combinam com o que eles querem para seus filhos.
Foi o que Jaqueline Maria Rapoza Cruz fez ao escolher o colégio de sua filha Maria Clara, 8. Ela conta que se decidiu pelo Sion quando ouviu que a filha aprenderia por meio de brincadeiras. Satisfeita, matriculou na escola a caçula Isabella, 5, e ainda se tornou professora de inglês do colégio.
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Em São Paulo, 30 de Novembro de 2009
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