Hualien, TW

[De manhã, ainda em Taipei]

Hoje, sábado, vou a Hualien, na costa leste de Taiwan. O dia é livre e o local aparentemente é lindo. Pelo que consta, foi o lugar que os portugueses viram primeiro quando chegaram a esta ilha, e por isso a designaram Formosa. Vou de trem — leva quase três horas, mas optei por esse meio porque o trajeto, segundo dizem, também é bonito. Se for realmente o que dizem, fico lá hoje e volto só domingo à noitinha. Felizmente, tenho um "personal tour guide", anglofalante, que me acompanha.

O dia está quente e chuvoso. Ontem, quando saí do aeroporto onde o ar é climatizado, levei um choque — e eram 21h. O site MSN prevê que a temperatura aqui hoje chegue a 31 graus Celsius. Mas tenho a impressão de que ontem estava acima disso às 9h da noite. Talvez a chuva faça a temperatura cair um pouco.

 [No começo da noite, em Hualien]

Como previsto, vim para cá. A viagem de trem foi agradável. O trem foi pontualíssimo, era confortável, nossos lugares estavam guardados — não embarcamos na estação principal, mas numa estação perto do hotel. Ao logo do percurso, vi a paisagem ir mudando. O trem saiu de Taipei e foi na direção de Keelung City, no norte (Keelung City é o principal porto no norte do país). Antes de chegar à cidade, porém, o trem virou para o leste e começou a passar por túnel atrás de túnel, por causa das montanhas — com picos que ultrapassam os 3.500 metros. Depois de quase uma hora, chegamos à costa. Por um bom tempo não havia praia: só havia rochedos de diferentes tamanhos. Depois começaram aparecer algumas praias, mas feitas, quando comparadas com as nossas. A areia parecia um cascalho e era bastante escura.

Mais interessante do que as praias foi o fato de que o leito de quase todos os rios estava seco: só mostrava um mundaréu de pedra. Como há pedra por aqui!!! A água só vem na estação das chuvas ou quando há um tufão. Houve um violento tufão há 15 dias, mas, segundo o dia, a água que ele trouxe já se esgotou, correndo para o mar, ali do lado.

Além do leito seco dos rios, achei interessante ver os arrozais nos alagados — exatamente como a gente vêm em filmes sobre a China, inclusive com os trabalhadores com aqueles chapéus meios em cone…

Outra coisa interessante. No trem, que é um trem bastante bom, lugares numerados, ninguém em pé, poltronas estofadas, ar condicionado, etc., havia várias famílias jovens, com crianças pequenas, vindo para cá. Prestei atenção às que estavam mais perto de mim. Fiquei chocado com os hábitos alimentícios. Várias pessoas tinham um saco plástico com pés de frango fritos e iam comendo (na realidade, chupando) os pés de frango com uma voracidade incrível. Às vezes deixavam o pé do frango na boca e, com as mãos faziam outra coisa. Conforme limpavam (literalmente) os ossinhos, iam cuspindo os ossos que ficavam na boca num jornal no colo. Não foi um, nem dois, que eu vi. Foram vários. As famílias se conheciam, então um vinha filar um pé de frango do outro. Davam para as crianças, que faziam uma sujeira com os ditos cujos (como se pode facilmente imaginar).

Já que estou falando de comida, fui com o meu personal tour guide almoçar numr restaurante chinês, de bastante boa aparência. Aqui em Hualien, além de um McDonald’s, não parece haver restaurantes que não sejam chineses, mais especificamente cantoneses. Vem aquele monte de pratos, a maior parte dos quais eu detesto. E vêm os bendidos palitinhos para a gente comer. Eu os domino razoavelmente bem, mas quando vi um camarão enorme (quase dez centímetros), com cabeça, casca, rabo, barbichas e tudo, fiquei imaginando como é que iria atacar o bicho com os palitinhos. Observei o meu guia. Ele pegou o camarão inteiro com os palitinhos, levou à boca, deu uma dentada, cortou o camarão com casca em dois, e, em seguida, literalmente chupou cada uma das metades — o que veio para a boca ele traçou. Imagino que até os olhinhos e o cérebro do camarão (supondo que camarão tenha cérebro) ele comeu sem a menor discriminação. Eu pensei comigo mesmo: aqui cheguei ao meu limite. Pedi a ele que solicitasse à garçonete um garfo e uma faca — que ela trouxe. Cuidadosamente retirei a casca, removi a cabeça, o rabo, as barbichas, e comi o resto — que, por sinal, estava delicioso. Acho que foi o maior camarão que comi na minha vida. Quase um almoço em si só (exagero, ma non troppo).

Resolvi ficar aqui hoje à noite. O hotel é simples. Chama-se Marshall. Mas tem Internet. Felizmente. Resolvi não jantar. Não conseguiria gerenciar mais uma lauta refeição de dez a doze pratos de cozinha cantonesa. Assim faço um regiminho. E aproveito para descansar, porque o sono e o cansaço estão chegando fortes.

[Perto da meia-noite]

Acordei há questão de minutos, tomei os meus remédios da hora do almoço (aqui é tudo invertido: os remédios do café da manhã tomo no jantar; os do almoço, tomo na hora de ir dormir; e os da hora do jantar tomo no café da manhã).

A Internet foi-se. Ao acordar de minha soneca, às 23h (leva tempo para a gente conseguir dormir uma noite inteira de uma vez só), a Internet tinha sumido. Gone. Eu ainda tinha acesso à rede local, mas esta não estava conectada à Internet. Ficava aparecendo aquele maldito computadorzinho com um triângulo com um ponto de exclamação amarelo, indicando "conexão limitada" — que é uma expressão errada: com a Internet não tinha conexão nenhuma: de que me interessa estar ligado à rede local do hotel, se esta não está conectada à Internet???  

Liguei para a recepção, quem atendeu falava bem Inglês, disse que mandaria um técnico. Este veio ao quarto, não falava nada de Inglês, e só tentou abrir o Internet Explorer. Não conseguiu, fez um gesto de quem não sabia o que fazer, e saiu. Pior de tudo: fedia. Ficou o cheiro dele no ar. Dali a pouco voltaram o recepcionista de plantão (que foi quem atendeu o meu telefonema) com o fedorento técnico. Eu disse ao recepcionista o que estava acontecendo e ele me disse que então o problema talvez fosse no modem (estava usando conexão com fio) ou no roteador. Pelo menos parecia saber isso. Disse a ele para ligar e desligar o modem e o roteador. Disse que não podia, porque a gerência tranca a sala a chave à noite… Disse-me, também, que havia havido uma tempestade (eu não vi nem ouvi) e que um raio devia ter alcançado o modem ou o roteador. Disse-me, por fim, que achava que a Internet Sem Fio estava funcionando no lobby. Vim para cá, com camiseta de dormir, etc., e de fato está funcionando. por isso complemento este artigo aqui no lobby, depois da meia-noite. Estou sem sono. Vou ver se compro uma cerveja no bar para matar a fome e dar um pouco de sono…

Hoje visitei uma fundação impressionante. Tzu-Chi Foundation, criada por uma monja budista há uns 45 anos. Fiquei de queixo caído. Têm subsidiárias em 39 países e atuam com voluntários em quase todo o globo, inclusive no Brasil. Vejam o site dela em http://www.tzuchi.org.tw/ — o site está disponível em Inglês e Espanhol, além de Chinês. Aqui em Hualien, que é a sede da fundação, há um mega-hospital e uma universidade (com ênfase nas áreas da saúde e da educação). Mas eles atuam muito em "disaster relief", atendendo a vítimas de furacões (aqui chamados de tuf
es), terremotos, tsunamis e outros desastres naturais. A sede da fundação, um edifício magnífico, é também um templo budista. É preciso tirar os sapatos para entrar lá (a gente os coloca num saquinho e carrega com a gente). Apesar de sábado, recebi um tratamento VIP, porque o pessoal da Microsoft Taiwan havia acertado para que eles me recebessem. É interessante o quanto se pode fazer para melhorar a qualidade de vida das pessoas, especialmente das mais pobres, através a iniciativa privada — inicialmente de um indivíduo (que hoje coordena um exército de pessoas, quase todas voluntárias, pagando suas passagens para ir ao local de desastres naturais com dinheiro do próprio bolso).

O Budismo, segundo me disseram, trabalha com o princípio de que todo mundo tem um potencial em princípio ilimitado, que é preciso desenvolver. Donde o trabalho com a educação. O trabalho com a saúde (hospitais) e com o atendimento de vítimas de desastres naturais é urgente, porque quem morre não tem como ser educado (ou, mesmo que já fosse, deixa de fazer uso da educação que teve). Curioso que essa idéia de potencial ilimitado é trabalhada pelas Nações Unidas, especialmente através do seu programa de Desenvolvimento Humano (UNDP/PNUD), idéia essa que foi apropriada pelo Instituto Ayrton Senna. A Microsoft (WorldWide) também tem um programa chamado Unlimited Potential, voltado para ajudar ONGs.

Volto a insistir: a filantropia privada (aí incluída a de fundo religioso) é um caminho muito mais efetivo para alivar os problemas das pessoas e ajudá-las a melhorar a condição de sua vida do que os programas sociais de nosso governo, eivados de todo tipo de corrupção no nível central, local e nos intermediários.

Um hurra ao Budismo da Mestre Cheng Yen — que vive num mosteiro aqui perto, na maior simplicidade, com a cabeça raspada, junto de outras monjas.  

Em Hualien, TW, 25 de Agosto de 2007

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