Consenso, paz e verdade

Li um dia desses em algum lugar uma frase que me pareceu lapidar: consensos podem contribuir para a paz, mas raramente nos levam mais próximos da verdade. A busca da verdade em geral leva a cotejos e confrontos, a análises e críticas impiedosas, que raramente contribuem para uma convivência pacífica.

Essa constatação simples pressupõe, de certo modo, uma série de questões importantes da filosofia da ciência do século XX.

Karl Popper, cuja obra Logik der Forschung, publicada originalmente em 1934 (e subseqüentemente traduzida para o Inglês como The Logic of Scientific Discovery, e para o Português como A Lógica da Pesquisa), mostrou que a busca da verdade se alicerça num racionalismo crítico — que é definido como uma tentativa séria e sistemática de refutar ou falsificar nossas próprias idéias e, naturalmente, as dos outros. Tentar refutar ou falsificar idéias é tentar encontros erros ou falhas nas pressuposições, nas premissas, nas evidências, e nos argumentos aduzidos em favor de uma tese (hipótese, teoria, ponto de vista, etc.).

Como a vida do próprio Popper atesta, "this is better said than done". Popper era extremamente zeloso de suas convicções, brigava até com amigos quando estes o criticavam, alienou seus melhores alunos por não admitir que realmente questionassem seus pontos de vista… Eu sei. Meu orientador de doutorado, William Warren Bartley III, foi orientadando dele, e, por algum tempo, seu discípulo amado – apenas para se tornar um inimigo quando publicou um artigo ousando criticar alguns aspectos da obra do mestre. (Depois se reconciliaram). Ou seja, a história de Popper atesta que sua receita para a busca da verdade (que eu considero a melhor receita que jamais se sugeriu) trouxe tudo menos paz em seu círculo acadêmico e de amigos.

Mas o fato de que sua receita trouxe conflito em vez de paz não a desmerece como tese sobre como se deve dar a busca da verdade. Pelo contrário, fortalece essa tese.

Há, na vida, aqueles que sacrificam a busca da verdade em favor da convivência, das amizades duradouras, das alianças políticas — ou seja, da paz. E há aqueles que privilegiam a busca da verdade, ainda que ela perturbe a paz, prejudique amizades históricas, os impeça de fazer alianças com aqueles de quem seriamente discordam.

A política, com "p" minúsculo me enoja. Não consigo engulir as alianças feitas só para produzir convivência pacífica. Hilary Clinton, que acabou com Barack Obama durante as primárias, agora o apóia e elogia. Mas não é preciso ir para outro país para encontrar exemplos dessa tendência. Basta olhar os aliados do PT, hoje – ou a aliança Serra – Quércia. Essas alianças mostram que a busca da verdade não tem lugar na política (com "p" minúsculo). Se era verdade (como Clinton dizia há dias) que Obama era incapaz e inexperiente para presidir os EUA, como é que ela agora recomenda que o seu eleitorado vote nele?

Uma boa parte do eleitorado de Clinton provavelmente não seguirá a sua sugestão. Pesquisa hoje revelada nos jornais brasileiros mostra que pelo menos 25% dos que votaram em Clinton nas primárias não vão transferir seus votos para Obama: ou vão votar em McCain, ou em algum candidato independente, ou simplesmente não vão comparecer às urnas (o voto nos EUA não é obrigatório). Fazem bem eles. Votando em McCain, ou simplesmente deixando de votar em Obama, estarão contribuindo mais para a sanidade política do país do que virando bandeira do dia para a noite.

Em Campinas, 8 de Junho de 2008

Uma resposta

  1. Nem sempre a discussão de pontos de vista diferentes, e até opostos, significa ausência de paz. Há outros fatores em jogo, como o respeito, por exemplo. (Talvez nós mesmos sejamos um exemplo disso).
     
    Além disso, a busca pelo consenso, às vezes, traz à tona uma verdade que não havia sido considerada pelas partes, e que não teria vindo à tona, não fosse pelo consenso.
     
    Beijinhos…

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