Bom assunto para começar o mês do Dia dos Namorados e de Santo Antonio, o santo casamenteiro… Bom, mas controverso e complicado.
O corpo da mulher e o seu marido têm papéis semelhantes na vida da mulher brasileira, segundo a tese de Mirian Goldenberg. Ambos funcionam como parte de seu capital: capital corporal e capital marital.
A identidade da mulher brasileira parece inseparavelmente ligada ao seu corpo, à sua aparência; ou, então, especialmente no caso das casadas há muito tempo, ao seu marido. Em regra. Há, naturalmente, exceções. Mas, para a mulher que faz parte da regra, quando ela perde o seu corpo (sua aparência juvenil, a barriga chata, o peito e a bunda firmes), ou, alternativamente, quando perde o marido, sua identidade freqüentemente se desestrutura.
Apesar de o corpo ser diferente do marido no sentido de que o corpo é inegavelmente dela, ambos compartilham a característica da volatilidade: não são permanentes, são perdíveis. O corpo, ao tempo, a doenças, ou a acidentes; o marido, também ao tempo (pela morte), ou a outras/outros (pela separação),
Assim, é arriscado formar uma identidade pessoal na qual o corpo ou o marido foi fundido, como se em bronze, identidade que fica deformada na ausência de um ou de outro. Se ambos se vão, o que sobra?
Vale a pena lembrar aqui, em relação ao primeiro fator, a tese de que temos um corpo, mas não devemos nos confundir com ele (tese questionada por muitos, hoje em dia, nessa época de valorização do corpo). Nossa identidade pessoal, embora não possa ignorar totalmente o corpo, não deve se fundir em bronze com ele. Deve ter uma base mais mental…
Talvez valha a pena lembrar algo análogo em relação ao casamento…
Enfim, vale a pena ler o artigo de Mirian Goldenberg.
Parece que mulheres de outros países lidam melhor com suas perdas: a perda do corpo jovem e viçoso, a perda do marido (por separação ou morte). Seria interessante estudar como formam sua identidade pessoal.
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http://www1.folha.uol.com.br/fsp/equilibrio/eq0106201001.htm
Folha de S. Paulo
1º de Junho de 2010
Outras Idéias
Mirian Goldenberg
O marido como capital
No Brasil, as mulheres experimentam o envelhecimento como um período de perdas ainda maiores
NO BRASIL, o corpo é um capital. Certo padrão estético é visto como uma riqueza, desejada por pessoas de diferentes camadas sociais.
Muitos percebem a aparência como veículo de ascensão social e como capital no mercado de trabalho, de casamento e de sexo. Para aprofundar essa discussão, estou fazendo um estudo comparativo com mulheres brasileiras e alemãs na faixa de 50 a 60 anos.
Já nas primeiras entrevistas, constatei um abismo entre o poder objetivo que as brasileiras conquistaram e a miséria subjetiva que aparece em seus discursos.
Elas conquistaram realização profissional, independência econômica, maior escolaridade e liberdade sexual.
Mas se preocupam com excesso de peso, têm vergonha do corpo, medo da solidão.
As alemãs se revelam muito mais seguras tanto objetiva quanto subjetivamente.
Mais confortáveis com o envelhecimento, enfatizam a riqueza dessa fase em termos de realizações profissionais, intelectuais e afetivas.
A discrepância entre a realidade e a miséria discursiva das brasileiras mostra que aqui a velhice é um problema muito maior, o que explica o sacrifício que muitas fazem para parecer mais jovens.
A decadência do corpo, a falta de homem e a invisibilidade marcam o discurso das brasileiras. De diferentes maneiras, elas dizem: “Aqueles olhares e cantadas tão comuns sumiram. Ninguém mais me chama de gostosa. Sou uma mulher invisível”.
Curiosamente, as brasileiras que se mostram mais satisfeitas não são as mais magras ou bonitas. São aquelas que estão casadas há anos. Elas têm “capital marital”.
Em um mercado em que os homens disponíveis são escassos, principalmente na faixa etária pesquisada, as casadas se sentem poderosas por terem um “produto” raro e valorizado. Aqui, ter marido também é um capital.
No Brasil, onde corpo e marido são considerados capitais, o envelhecimento é experimentado como uma fase de perdas ainda maiores.
Já na cultura alemã, em que diferentes capitais têm mais valor, a velhice pode ser uma fase de realizações e de extrema liberdade.
Como ressaltou Simone de Beauvoir, “a última idade” pode ser uma liberação para as mulheres, que, “submetidas durante toda a vida ao marido e dedicadas aos filhos, podem, enfim preocupar-se consigo mesmas”.
MIRIAN GOLDENBERG, antropóloga e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é autora de “Coroas: Corpo, Envelhecimento, Casamento e Infidelidade” (ed. Record). Seu site é www.miriangoldenberg.com.br e seu e-mail é miriangoldenberg@uol.com.br.
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Em São Paulo, 1º de Junho de 2010
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