Na educação tradicional, a aprendizagem é conceituada como um processo de aquisição e absorção, e posterior assimilação e retenção, de informações. Aprender, nesse caso, é equivalente a ficar ciente de algo, a tomar conhecimento de algo, a ser informado de algo, a ficar sabendo que algo é o caso, que algo tem essas ou aquelas características, ou que algo aconteceu.
Nossa memória é capaz de feitos fantásticos no tocante à retenção de informações. Lembramo-nos, às vezes com incríveis detalhes, de fatos (até mesmo corriqueiros e insignificantes) que ocorreram dezenas de anos atrás. Mas, por outro lado, esquecemo-nos do número de telefone que nos foi passado há dois minutos.
Mas a prior crítica que se pode fazer a esse tipo de aprendizagem não é que, em muitos casos, esquecemo-nos rapidamente da informação adquirida e absorvida. O pior sobre esse tipo de aprendizagem é que, mesmo quando conseguimos lembrar, anos depois, de algo que nos ocorreu, digamos na infância, NÃO É DE APRENDIZAGEM QUE SE TRATA.
Quando dizemos que uma criança aprendeu a andar, ou a falar, ou a nadar, ou a fazer multiplicação de números com até x algarismos, não queremos dizer que a criança recebeu algumas informações sobre como andar, falar, nadar, ou fazer multiplicações e ainda se lembra delas. O que queremos dizer é que ela SE TORNOU CAPAZ DE FAZER ALGO QUE NÃO CONSEGUIA FAZER ANTES.
A aprendizagem, neste caso, é aquisição ou expansão de CAPACIDADES, é construção de HABILIDADES, é desenvolvimento de COMPETÊNCIAS. Aprender, aqui, não tem que ver com aquisição es absorção de informações ou SABERES, mas, sim, com a aquisição, expansão, construção ou desenvolvimento de SABER-FAZERES.
A aprendizagem à moda antiga – a aquisição ou absorção de informações – se dava de várias maneiras:
-
Em primeira mão, observando algo (vendo, ouvindo, cheirando, apalpando, provando algo);
-
Em segunda mão, recebendo ou acessando relatos orais, escritos, ou audio-visuais de alguém (nada impedindo que o relato seja o que hoje se chama de “multimídia”, envolvendo todas essas formas de absorção de informações).
É evidente que aquilo que se chama de ensino, no contexto da escola tradicional, é algo muito parecido com a segunda dessas duas formas de adquirir ou absorver informações. Ensinar, nesse contexto, é transmitir informações – falando (forma prioritária), escrevendo no quadro negro, entregando material impresso (xerox, mimeografado), etc.
Em contraste, o que aqui se chama de uma nova aprendizagem é a aprendizagem que implica a aquisição, expansão, construção ou desenvolvimento de SABER-FAZERES.
Esse tipo de aprendizagem não se dá através do ensino (como entendido no contexto tradicional e caracterizado no penúltimo parágrafo). Esse tipo de aprendizagem se dá fazendo. Trata-se, aqui, de APRENDER FAZENDO.
A noção de aprender fazendo é atraente, porque se contrapõe, como uma forma de aprender ativa, ao aprender ouvindo (ouvindo, lendo, etc.) da escola, que é uma forma de aprender basicamente passiva. “Na sala de aula você fica quieto e presta atenção”, disse a personagem representada por Cristiane Torloni a seu filho, em uma novela em que ela e a Suzana Vieira eram diretoras de uma escola (supostamente de boa qualidade, posto que atendia a classe alta). Essa ordem “encapsula” a visão do aluno ideal da pedagogia tradicional: ele fica quieto e presta atenção.
A noção de aprender fazendo, porém, é complexa e alguns de seus componentes parecem, à primeira vista, não se encaixar muito bem dentro da noção. Mas, depois de uma reflexão mais cuidadosa, percebe-se que são essenciais para a aplicação do conceito em contextos escolares.
Primeiro, a noção de aprender fazendo parte do pressuposto de que aquilo que se faz, e em meio a que se aprende, é algo livre e autonomamente escolhido. Certamente um escravo aprendia muita coisa fazendo aquilo que lhe mandava seu senhor. Mas ele não aprendia fazendo algo que houvesse livre e autonomamente escolhido fazer.
Segundo, a noção de aprender fazendo assume, portanto, que o aluno deve ter liberdade de aprender aquilo que lhe interessa, aquilo que desperta a sua curiosidade, aquilo que (para usar uma metáfora do Rubem Alves) faz coceguinhas nas sua mente – e, por conseguinte, que a escola deve ser um ambiente de aprendizagem focado na liberdade de aprender.
Terceiro, a noção de aprender fazendo também pressupõe que o fazer em meio a que se aprende é um fazer provocador: resolver um problema interessante, responder a pergunta que sobremaneira nos intriga, enfrentar um desafio que nos parece instigante, etc.
Quarto, a noção de aprender fazendo também assume que há muitas formas de aprender a fazer alguma coisa, e que, portanto, há que se distinguir entre aquilo que se aprende ao fazer alguma coisa e o que-fazer que, naquele caso, serviu de ambiente e contexto (ou Sitz im Leben, como diziam alguns teólogos suíços e alemães) para o aprender.
Quinto, a noção de aprender fazendo também assume que aquilo que se aprende quando se está resolvendo um problema, respondendo a uma pergunta, enfrentando um desafio, é um conjunto de habilidades e competências básicas e genéricas que frequentemente transcendem a atividade em pauta.
Sexto, a noção de aprender fazendo pressupõe ainda que as habilidades e competências desenvolvidas enquanto se faz alguma coisa desafiadora, por serem básicas e genéricas, são altamente versáteis e plenamente transferíveis para outros ambientes e contextos.
Sétimo, a noção de aprender fazendo assume, por fim, que as competências e habilidades assim desenvolvidas dificilmente se perdem, em condições normais, passando a ser um “asset” permanente do indivíduo, que vai lhe valer durante a vida inteira.
Oitavo, a noção de aprender fazendo propõe que a melhor maneira de aprender é através de projetos de aprendizagem (não de ensino) livremente escolhidos pelos alunos.
Nono, a noção de aprender fazendo define o papel do professor como sendo basicamente o da parteira socrática: aquele que ajuda o aluno a dar à luz suas idéias, parir seus projetos, resolver seus problemas, responder suas perguntas, enfrentar seus desafios – mediando e, assim, facilitando a sua aprendizagem.
Décimo, a noção de aprender fazendo postula que a forma de avaliar a aprendizagem é através do acompanhamento constante do aluno, da observação das coisas que lhe interessam, de seus pontos fortes e fracos, e da interação com ele.
Basicamente é isso. Em outros artigos procurarei elucidar cada um desses princípios.
Em Salto, 13 de Novembro de 2010 (modificado em 15 de Novembro de 2010 e em 2 de Junho de 2021)
Olá Prof. Eduardo,
Muito bom esse artigo.
Um abraço;
Willians
CurtirCurtir
Ótimo post! Essas ideias associadas à questão dos computadores na educação encontra uma perspectiva próxima à defendida por Seymour Papert. Ele preconizava que os computadores podiam e deviam ser utilizados “como instrumentos para trabalhar e pensar, como meios de realizar projetos, como fonte de conceitos para pensar novas idéias” . Destaca-se aqui que o pensamento de Papert – ainda em meados do século passado – já convergia com a tendência agora praticada na pesquisa em cibercultura e educação: uma dinâmica educacional que rompe com o paradigma da instrução direta ou ainda, a mera divulgação de conteúdos para serem estudados e, posteriormente, validados por intermédio de instrumentos avaliativos.
Um Abraço, parabéns.
Marcinho Lima
http://cibereducacao.wordpress.com
htpp://www.marcinholima.com.br
CurtirCurtir
Pingback: Os Views dos Meus Artigos Aqui, « Liberal Space: Blog de Eduardo Chaves
Pingback: Top Posts of this Blog for all time ending 2014-04-14 with number of views « * * * In Defense of Freedom * * * Liberal Space