No dia 3 de Março deste ano, há menos de um mês, perdemos Antonio Carlos Gomes da Costa. Na minha opinião, um de nossos maiores educadores. Tive o privilégio de conviver com ele durante vários anos, quando éramos, ambos, consultores do Instituto Ayrton Senna, que o Antonio Carlos ajudou a Viviane Senna a conceber.
No Blog das Editoras Ática e Scipione, do qual agora sou colunista, publiquei ontem uma pequena homenagem ao Antonio Carlos: um artigo sobre o protagonismo juvenil na escola. Transcrevo-o a seguir.
Procurando uma biografia dele, achei um artigo que ele escreveu a pedido do Caderno Sinapse da Folha de S. Paulo, e que foi publicado em 29 de Julho de 2003, sobre a escola protagonista – que não é, necessariamente, a escola que os de tendência mais tecnicista imaginam: um festival pirotécnico. Ele mostra que não é a tecnologia usada que torna uma escola inovadora, mas, sim, o que se aprende ali, como se aprende, e como tudo é organizado e gerido.
Resolvi transcrever aqui esse artigo dele para que o conjunto compreenda “o aluno protagonista na escola protagonista”.
Aqui vão os dois artigos.
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http://blog.aticascipione.com.br/eu-amo-educar/educacao-centrada-no-aluno/
21/03/2011
Educação Centrada no Aluno
Eduardo Chaves
Especial para o Blog das Editoras Ática e Scipione
No início deste mês (Março/2011) perdemos um de nossos maiores educadores: Antonio Carlos Gomes da Costa. A morte nos leva as pessoas, mas felizmente nos deixa as ideias e o exemplo delas.
Uma das mais importantes ideias legadas por Antonio Carlos foi a do Protagonismo Juvenil. Pode ser que ele não tenha inventado o conceito, mas foi ele que o sistematizou e popularizou, com um belo livro e vários artigos e entrevistas sobre o assunto. Vou me valer aqui de um artigo-entrevista, que tem o título de “Protagonismo Juvenil: O que é e como praticá-lo”, que eu publiquei na íntegra, faz já bastante tempo, em um de meus sites:
http://4pilares.net/text-cont/costa-protagonismo.htm
O termo “protagonismo” vem do grego. Etimologicamente, o protagonista é, naturalmente, o lutador principal (protos = primeiro) numa luta (agon). Por derivação, o termo se aplicou ao ator principal de uma peça ou de um filme, ou ao personagem principal de um livro.
Para o nosso propósito aqui, a grande questão que Antonio Carlos levantou foi: e na educação escolar, quem é, e quem deve ser, o protagonista?
Quem é, de facto, não há dúvida: somos nós, os educadores, os professores em lugar de destaque entre os educadores.
Nós, professores, temos uma tendência natural de valorizar nosso trabalho e nossa importância na educação escolar. É por isso que sucumbimos à tentação de nos sentir os protagonistas da educação que tem lugar no contexto escolar. Sem nós, acreditamos, o aluno não aprende o que precisa aprender – e o que precisa aprender é, acima de tudo, o conteúdo das disciplinas em que somos especializados. Se somos professores de língua portuguesa, é o Português; se somos professores de matemática, é a Matemática; se somos professores de filosofia ou sociologia, é a Filosofia ou a Sociologia (por cuja reinserção na grade curricular tanto batalhamos).
Muitos autores acadêmicos e muitas editoras voltadas para educação reforçam esse sentimento, escrevendo e publicando livros que ressaltam a importância dos professores para a educação dos alunos. Muito pouca coisa é publicada sobre o papel do aluno como protagonista de sua própria aprendizagem.
Empresas que investem na educação em regra também reforçam esse sentimento, ao concentrar seus recursos e sua atenção na formação continuada dos professores. O MEC faz o mesmo, ao criar o Portal do Professor (não o Portal do Aluno). Poucas empresas investem diretamente em alunos. A parte de portais educacionais dirigida a alunos raramente contém aquilo que interessa a eles: contém apenas o que os professores esperam que os alunos aprendam.
Mas Antonio Carlos nos lembra de que, apesar de tudo isso, e apesar do importante trabalho que nós, professores, podemos realizar na sua educação, é o aluno o lutador / ator / personagem principal da educação, inclusive da educação escolar. Assim, o foco da educação deve estar na aprendizagem dele, não no ensino do professor.
Antonio Carlos não propõe, nem de longe, uma educação negativa, hands off, laissez faire, em que os alunos são deixados a se virar por si próprios. Para ele, o Protagonismo Juvenil é uma modalidade de ação educativa. Ele consiste na “criação de espaços e condições capazes de possibilitar aos jovens envolver-se em atividades direcionadas à solução de problemas reais, atuando como fonte de iniciativa, liberdade e compromisso. . . . O cerne do protagonismo, portanto, é a participação ativa e construtiva do jovem na vida da escola, da comunidade ou da sociedade mais ampla”.
Mas, é bom que se diga, nem toda forma de participação do jovem na vida da escola, da comunidade ou da sociedade é protagônica (para usar o jargão que foi criado a partir da expressão “Protagonismo Juvenil”). Existem, segundo Antonio Carlos, formas de participação que são a própria negação do Protagonismo Juvenil, como, por exemplo, as seguintes:
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A participação conduzida, ou, ainda pior, manipulada
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A participação meramente simbólica (“para não dizer que não falei das flores”…)
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A participação apenas decorativa, em posição puramente ornamental
A participação genuína, ou protagônica, tem características próprias, que é imperativo repeitar.
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Em primeiro lugar, ela tem por propósito o desenvolvimento pessoal e social do jovem, a sua formação como “jovem autônomo, solidário e competente”, e é, portanto, uma participação aprendente, que faz parte do processo de construção de sua identidade pessoal, social e profissional, no bojo de um projeto de vida livremente escolhido.
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Em segundo lugar, ela tem como princípios metodológicos norteadores um clima de liberdade que não só permite, mas procura e incentiva a iniciativa, o envolvimento e o comprometimento dos jovens, e a experimentação na busca da solução de problemas reais.
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Em terceiro lugar, esse tipo de participação só pode acontecer em ambientes verdadeiramente democráticos, em que os jovens são respeitados e vistos como fonte de solução de problemas (e não como fonte de problemas), e em que eles têm condições formais e materiais de se expressar, de se organizar e de agir, tanto na definição dos problemas que desejam enfrentar como na busca e exploração das melhores maneiras de solucioná-los.
A participação do jovem na vida da escola, da comunidade e da sociedade que leva a sério a sua condição de protagonista representa a mais importante forma de aprendizagem para o jovem que frequenta a escola. Mas representa, também, um ganho significativo para a sociedade, pois é enquanto o jovem realmente vive a liberdade e a democracia que ele aprende a praticá-las e a respeitá-las.
Com essa participação “a sociedade ganha em democracia e em capacidade de enfrentar e resolver problemas que a desafiam”, pois “a energia, a generosidade, a força empreendedora e o potencial criativo dos jovens é uma imensa riqueza, um imenso patrimônio que o Brasil ainda não aprendeu utilizar da maneira devida”.
Uma escola que leva a sério o protagonismo juvenil exige um novo tipo de professor – um professor que exerce uma ou mais de várias funções não-protagônicas: que elabora roteiros, ou constrói cenários, ou escreve trilhas sonoras, ou elabora figurinos, ou fotografa as cenas, ou edita as partes e compõe o conjunto, ou divulga o resultado… ou orienta os atores de modo a obter deles o seu melhor desempenho.
Enfim, um professor não-protagonista, que esteja disposto a dizer em relação a seus alunos aquilo que João Batista disse acerca de Jesus: “Importa que eles cresçam e que eu diminua” (João 3:30).
Será que essa visão do papel do aluno e do professor explica por que Antonio Carlos nunca teve grande aceitação na Academia?
Obrigado, Antonio Carlos, por ter sido quem você foi, por ter feito o que fez, por ter dito o que disse.
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http://www1.folha.uol.com.br/folha/sinapse/ult1063u508.shtml
29/07/2003
Mudar o conteúdo, o método e a gestão
Antonio Carlos Gomes da Costa
especial para a Folha de S.Paulo
Certa vez, visitei uma escola que se pretendia moderna e arrojada. O prédio era todo cabeado. Em vez de livros, cadernos, lápis, caneta e borracha, os alunos portavam laptops. Na sala de aula, o professor, em sua mesa, também dispunha de um computador. E, à medida que falava em tom coloquial, sua voz ecoava pelo ambiente. Na sua lapela, um minúsculo e poderoso microfone permitia-lhe atingir mais de cem alunos sem forçar as cordas vocais. Atrás e um pouco acima de sua mesa, num telão azulado, frases e imagens iam se sobrepondo na sequência de sua exposição.
A pessoa que me pôs em contato com essa cena “futurista” observava, atenta, a minha reação. E seu espanto foi grande com meu pouco entusiasmo diante de tantas maravilhas pós-industriais. De pronto, observei que estávamos diante de um cenário onde o avanço tecnológico se colocava a serviço do atraso pedagógico. Aquilo era uma aula expositiva no sentido mais puro do termo.
Penso que essa observação não agradou muito, pois nunca mais fui chamado para retornar àquele enclave de “modernidade” na paisagem costumeira de nossa educação, tão defasada em relação àquela praticada nos países que já deram certo.
“Qual seria, então, a escola do futuro?”, passei a indagar-me. Em minha visão, seria uma escola inteiramente renovada em conteúdo, método e gestão. Uma escola e três revoluções.
A revolução de conteúdo responderia por profundas mudanças no que se ensina e no que se aprende. A revolução de método reinventaria inteiramente o como aprender e ensinar. E, finalmente, a revolução de gestão subverteria o uso do espaço, do tempo, das relações entre as pessoas e do uso dos recursos físicos, técnicos e materiais disponíveis.
Em termos de conteúdo, essa escola, muito mais do que interdisciplinar, seria interdimensional. As diversas dimensões co-constitutivas do ser humano: o logos (razão), o pathos (sentimento), o eros (corporeidade) e o mythos (espiritualidade) nela seriam trabalhados de forma equilibrada e harmônica. O esporte, as artes e o ensino religioso teriam peso idêntico ao das ciências, das línguas e da matemática.
No que diz respeito ao método, essa escola praticaria, no dia-a-dia, uma nova visão de homem, de mundo e de conhecimento. Uma visão de homem capaz de fazer do educando não um mero receptáculo, mas uma fonte de iniciativa, compromisso e liberdade. Uma visão de mundo que o impulsionasse a relacionar-se com a família, com a comunidade, com a cidade e, virtualmente, com o país e com o mundo. Em termos de conhecimento, teríamos uma escola em que todos estariam voltados a aprender o aprender (autodidatismo), ensinar o ensinar (didatismo) e conhecer o conhecer (construção de conhecimentos).
Porém, a maior das revoluções dessa escola do futuro se daria em termos de gestão. Sua marca registrada: uma ruptura total com a sala de aula (como espaço) e a turma (como escala). O novo espaço, um grande salão sem paredes internas com mesas redondas de doze lugares. Onze para os alunos (um time) e um para o docente (um técnico). O time, e não a turma, seria a unidade básica da organização escolar. Os alunos, em vez de livros didáticos predeterminados, teriam em mãos guias de aprendizagem e recorreriam a terminais de computador, bibliotecas, videotecas e hemerotecas para percorrer com êxito o itinerário formativo traçado no guia de aprendizagem. Os professores/consultores orientariam e apoiariam, acompanhando o trabalho do grupo e introduzindo os ajustes necessários ao alcance pleno dos objetivos.
Nessa escola, os jovens seriam protagonistas, mas o protagonismo não se limitaria a eles. Eles estariam cercados de professores, pais, gestores escolares e lideranças comunitárias, cada um assumindo seu próprio papel de ator protagônico nessa escola, que participa da vida da comunidade, e dessa comunidade, que participa da vida da escola.
A escola protagonista é a escola necessária para que cada jovem possa desenvolver, em sua trajetória biográfica, as promessas que trouxe consigo ao vir a este mundo e, igualmente, a escola que o Brasil necessita e requer para responder pró-ativamente aos imensos desafios que a história nos coloca.
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O mineiro Antonio Carlos Gomes da Costa, 54, é pedagogo, passou pela administração da Febem, de Ouro Preto e do Estado de Minas Gerais, foi oficial de projetos do Unicef e da OIT (Organização Internacional do Trabalho). Trabalhou como perito no Comitê dos Direitos da Criança da ONU, em Genebra (Suíça) e participou, no Brasil, do grupo de redação do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente).
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Em São Paulo, 22 de Março de 2011
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Antônio Carlos Gomes da Costa foi minha grande inspiração e motivação para a pessoa que me tornei hoje. Homem humano e de um coração imenso que sabia como lidar com qualquer ser.
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Obrigado pelo seu belo depoimento sobre ACGC. Abraço. EC.
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