Ocorreu-me, enquanto lia o livro Globalização, Sociedade da Informação e Educação Superior, de Alex Fiuza de Mello, uma lembrança curiosa. Em 1987, já lá vão 26 anos, quando assumi a Diretoria do Centro de Informações de Saúde da Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo, descobri que uma de minhas tarefas mais importantes era coordenar o envio, da Secretaria para a Organização Mundial da Saúde (OMS), em Genebra, Suíça, via Ministério da Saúde, em Brasília, um relatório mensal com dados de incidência e prevalência de 26 moléstias de notificação compulsória. Eram 26, então. Talvez hoje sejam mais.
A diferença é que em 1987 não existia ainda a Internet Comercial. Embora criada em 1969, a Internet foi, até 1993, nos Estados Unidos (aqui no Brasil até 1995), um brinquedo da academia e das instituições de pesquisa que tinham convênio com as instituições de defesa. O envio dos dados era feito em papel, por correio e malote. Consegui, com muito custo, junto à Secretaria Especial de Informática (SEI), a autorização para usar uma linha de dados da Embratel para me comunicar com a OMS. O processo, demorado e burocratizado (talvez porque burocratizado), envolvia a necessidade de justificar, pormenorizadamente, a necessidade de comunicação entre os computadores da Secretaria e os da OMS. Que dados seriam transmitidos? Por que era necessário transmiti-los? Os dados não continham informações estratégicas que poderiam prejudicar os interesses nacionais caso caissem em mãos não autorizadas a conhece-los? E assim por diante.
O Brasil da época, recém-saído da Ditadura Militar, com uma política de informática ainda militarizada, sob controle da SEI, tinha uma política rígida de Fluxo de Dados Trans-Fronteiras (Transborder Data Flow). O governo tinha a ilusão de que era capaz de controlar que informações entravam no país e dele saíam através dos canais, estritamente controlados, de transmissão de dados. A ilusão, sabemos hoje, era totalmente vã.
Ocorreu-me essa lembrança quando me dei conta, lendo o livro mencionado, de que o governo tenta, hoje, ainda controlar a educação que os brasileiros recebem através de programas de Pós-Graduação a Distância de instituições com sede no estrangeiro. O governo de hoje sabe que não pode impedir os brasileiros de fazer esses cursos através da Internet. Usa, portanto, o único mecanismo que detém: a obrigatoriedade de registro no MEC dos diplomas envolvidos, algo que não acontece sem que os cursos realizados sejam declarados equivalentes aos ministrados por uma instituição brasileira.
Situação ridícula. Um Ph.D. ou um MBA realizado em Harvard, a melhor universidade do mundo em qualquer ranking que se utilize, precisa, para ser válido no Brasil, ser primeiro declarado equivalente ao de uma universidade brasileira. A melhor universidade brasileira, a Universidade de São Paulo, ocupa mais ou menos o centésimo lugar no principal desses rankings. As demais ficam mais embaixo, quando conseguem figurar no ranking. O governo imagina que vai conseguir para sempre realizar esse controle, da mesma forma que os militares de 1987 achavam que conseguiriam controlar cada byte que entrava no país ou dele saía.
Ninguém impede a Microsoft Informática, subsidiária brasileira da Microsoft Corporation, de aceitar um diploma de Harvard, ou de qualquer outra instituição, sem que o título que ele atesta seja declarado equivalente ao de uma universidade brasileira. Na verdade, o MEC só vai conseguir, se tanto, controlar o que fazem as Universidades Federais. Não controla nem mesmo as universidades estaduais paulistas. Meu diploma de Ph.D. da University of Pittsburgh foi acatado pela UNICAMP, sem necessidade de ser declarada a sua equivalência a algum título nacional, no formato preconizado pelo MEC. Durante 34 anos trabalhei lá sem precisar fazer o dito processo de equivalência de títulos – 26 como Professor Titular. Nessa condição, participei de bancas de doutoramento e de concursos de ingresso ou acesso (até mesmo ao nível de Professor Titular) em universidades federais, que consideravam o fato de eu ser Professor Titular na UNICAMP suficiente.
Devemos ter a coragem de descumprir essas regras bestas que os governos nos impõem. A maior parte das vezes, as instituições não vão exigir que se tire o chapéu à burocracia.
Em São Paulo, 16 de Maio de 2013.