Amor Filial, Patriotismo, e Outros Bichos

Não escolhemos nossos pais. Não escolhemos nosso país. Esses dois fatos estão estreitamente relacionados. Nascemos no país em que nossos pais querem que nasçamos (exceto quando fatores circunstanciais façam que nasçamos numa cidade porque não deu tempo, ou outros fatores impediram, que nossa mãe chegasse até outra).

Porque nossos pais, em regra, cuidam de nós por um tempo considerável, tendemos a ter uma afeição quase natural por eles. Isso não impede, porém, que haja pais que reneguem seus filhos, que os deserdem, ou até mesmo que os matem. Também não impede que filhos reneguem seus pais (ou um deles) – ou até mesmo os matem.

Patriotismo é nome que se dá ao sentimento de afeto que a maior parte das pessoas sente em relação ao país em que nasceu. Essa afeição também é quase natural. No entanto, não é raro que pessoas troquem de cidadania, se necessário abandonando a anterior. E países por vezes renegam seus cidadãos: condenam-nos a banimento, condenam-nos à morte e os executam, ou coisas assemelhadas.

Chamei o afeto de filhos para pais e dos indivíduos para com o país em que nascem de “quase natural”. Não os acho naturais, decorrentes de nossa própria natureza como seres humanos. Esses afetos nos foram incutidos desde pequenos – mas podem ser extirpados, se houver uma boa razão que o justifique.

A atual situação política brasileira e os desmandos relativos à preparação para a Copa do Mundo de 2014 ensejaram o aparecimento de um fenômeno atípico: um número considerável de brasileiros que não vão torcer para o Brasil nesta Copa. Eu estou entre eles.

Gosto muito de futebol. Na Copa do Mundo de 2002, que aconteceu poucos meses depois do meu infarto, sempre que o Brasil jogava eu saía andando pelas ruas da cidade ou pelas estradas vicinais de Salto, para não ficar estressado vendo o jogo, tamanho era o meu envolvimento.

Este ano, quando decidi que não iria torcer para o Brasil – mais do que isso, que iria torcer contra o Brasil – eu me perguntei se conseguiria. Ontem, dia 12/6, dia da abertura da Copa, em que o Brasil jogou contra a Croácia, eu tive a comprovação: consegui torcer contra o Brasil. Mas, mais importante, senti-me, em relação ao jogo, como se fosse um jogo entre duas seleções que nada tinham que ver comigo, mas que, como se fosse arbitrariamente, eu havia escolhido torcer para uma, a Croácia, e não o Brasil. Não senti emoção vendo o jogo nem comemorei nenhum gol. Senti um certo nojo moral ao ver a encenação do Fred, mas era semelhante ao que senti quando vi aquele jogador francês fazer um gol com a mão, removendo a Irlanda da última Copa. A coisa era moralmente repugnante, mas não era como se um concidadão meu a estivesse perpetrando. Fred virara um estranho. Senti o mesmo nojo quando o Neymar deu uma cotovelada na cara de um croata. Se eu fosse o juiz o teria expulsado. Mas não era. Tive só uma vontade de cuspir.

Nunca achei que a gente tivesse a obrigação de querer bem um parente só porque era parente. Sempre achei que a gente quer bem pessoas com as quais tem algo em comum, a quem admira e respeita, independentemente de qualquer laço de sangue.

Nunca achei, também, que nós, que nascemos no Brasil, tivéssemos a obrigação de torcer pelo Brasil. Sempre torci porque gostava de torcer. Ver o Brasil ganhar me fazia feliz, ver o Brasil perder me fazia infeliz.

Não mais.

Talvez se, na Copa de 1970, eu estivesse vivendo no Brasil, teria ficado tentado a não torcer pelo Brasil porque uma vitória da seleção brasileira iria ajudar o Governo Militar do General Médici. Como estava longe daqui, e tinha uma cerca nostalgia pelo futebol, torci pelo Brasil. Mas só ouvi o último jogo, contra a Itália – transmitido por uma emissora de rádio italiana, que era a única emissora, ainda assim captável apenas em ondas curtas, que nosso rádio conseguia captar em Pittsburgh.

Desta vez minha decisão é refletida e fria. Vou torcer por Portugal, mas se o Chile ganhar, ou a Holanda, ficarei igualmente feliz. Só não quero que o Brasil ganhe, para que a empada da Dilma fique sem essa azeitona.

Em Salto, 13 de Junho de 2014.

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