Elizabeth Cady Stanton: “The Making of a Feminist”

(Mais um post dedicado à minha filha Priscilla Epprecht Machado França.)

Este post é, em certo sentido, uma continuação do anterior, embora ele lide com a vida de Cady Stanton antes de ela se tornar importante e famosa — antes de ela ser considerada a “Mãe do Feminismo Americano”.

Ela nasceu em 1815 em uma família razoavelmente abastada, que morava no Estado de New York, a noroeste da capital, Albany, uns 65 km. Seu pai era advogado e se tornou juiz. Os pais dela tiveram onze filhos — mas cinco morreram novinhos. Sobreviveram a infância seis deles: um menino e cinco meninas. Cady foi a oitava dos filhos. O irmão era mais velho, assim como duas das irmãs. Outras duas eram, naturalmente, mais nova do que ela.

Quando Cady tinha onze anos (em 1826) o único homem dos filhos morreu, aos vinte anos. Foi um tsunami emocional para a família — especialmente para o pai, que esperava que Eleazar, o filho que morreu, o substituísse na prática da advocacia e, quem sabe, também se tornasse um juiz.

Não passou despercebido a Cady que aos pais não ocorria que uma das cinco meninas poderia vir a substituir o pai no lugar do irmão morto. Ela começou a pensar por quê.

Lembrou-se de que, quando tinha quatro anos, sua irmã Margareth nasceu — e a reação de todo mundo na casa, mesmo ainda estando vivo o irmão, foi: “Ah que pena que é mais uma menina!”

Inteligente e precoce, Cady achou que mulheres normalmente exerciam funções dentro de casa, e não fora, na rua, no escritório, na fábrica, porque, para trabalhar fora, você precisa estudar bastante e ser ambicioso, ousado, corajoso. Ao alcançar essa conclusão ela resolveu que ela iria estudar bastante, ser uma excelente aluna, e iria exibir aquelas características que faziam os homens ser bem sucedidos fora de casa, no mundo do trabalho.

Ela se tornou uma excelente aluna, a única mulher na academia de Johnstown, que ela frequentou, optou por praticar esportes, entre os quais cavalaria, e se tornou ativa na vida da escola.

Um dia ela ganhou um prêmio pelo seu desempenho em Grego. Chegando em casa, foi correndo contar para seu pai, na certeza de que ele, agora, iria considera-la igual ao filho perdido, permitindo que ela seguisse a mesma carreira e o sucedesse…  O pai ouviu a história e lhe disse, meio desapontado: “Ah… você deveria ter nascido menino!”

Ela ficou desapontada, mas não esmoreceu. Resolveu estudar a fundo, por conta própria, o que era que impedia as mulheres de seguirem carreiras como a do pai. O escritório do pai era anexo à casa e ela começou passar seu tempo livre por lá, ouvindo histórias dos clientes, lendo, refletindo…

Logo descobriu que, na sociedade em que ela vivia, uma mulher casada se tornava basicamente uma mulher morta, depois de casada, aos olhos da lei. Descobriu que, se ela tivesse alguma propriedade antes de casar, ao se casar a propriedade passava a ser do marido, que podia dispor dela sem autorização da mulher. Descobriu que, se ela viesse a trabalhar fora de casa, recebendo salário, ao se casar o seu salário pertenceria ao marido, que, basicamente sendo dono dela, era dono de tudo que lhe pertencia.

Até dos filhos. A mulher casada não tinha a guarda dos próprios filhos. Se o marido perdesse sua confiança de que a mulher era capaz de criar bem os filhos, podia, contra a vontade dela, ou mesmo sem informa-la de sua decisão, optar por dar seus filhos para adoção por parte de terceiros — e estes poderiam optar por nunca mais deixa-los ver sua mãe biológica.

Cady começou a se enveredar pelo Direito, para entender como essas coisas absurdas podiam acontecer. Os estagiários de seu pai, todos estudantes de Direito, faziam brincadeiras com ela por causa das leis que negavam à mulher direitos básicos que os homens possuíam e assumiam com naturalidade. Um dia ela mostrou a um deles um colar e um bracelete de coral que havia ganho no Natal. O colega lhe disse que, se ela se casasse com ele, o colar e o bracelete passariam a ser dele e ela só poderia usa-los com sua permissão… E acrescentou que, se ele desejasse, poderia trocar o colar e o bracelete por uma caixa de charutos e Cady então assistiria a transformação em fumaça do presente que tanto a orgulhava…

“The making of a feminist” estava em pleno andamento…

Quando terminou de cursar a academia de Johnstown, pensou em fazer a faculdade na mesma escola em que seu irmão estava estudando quando morreu, o Union College de Schenectady, NY. Logo descobriu que não poderia: a escola não aceitava mulheres!

“Novamente”, disse ela, “eu senti mais agudamente do que em qualquer momento anterior, a injustiça e a humilhação de não poder fazer algo que eu queria fazer, não por incapacidade, mas por causa do meu sexo”.

A construção de uma feminista ganhou mais um punhado de tijolos…

Ela teve de se contentar em ir estudar em uma escola para moças — com o nome esquisito de Troy Female Seminary — que oferecia, para mulheres, uma educação parecida com aquela que era oferecida para os homens.

Na escola, teve experiência direta do que era um Reavivamento Espiritual — daqueles promovidos por Charles Grandison Finney. Ela havia sido criada na Igreja Presbiteriana, uma igreja que ela considerava meio triste, tétrica até, porque ali se pregava que Deus, em sua soberania, já havia decidido quem iria para o céu e quem iria para o inferno… Independentemente de como as pessoas vivessem, do que fizessem… Tudo que uma pessoa podia fazer era ter esperança de estar entre os eleitos que seriam salvos do inferno!

A pregação de Finney mexia com as emoções das pessoas — e mexeu com as de Cady. Ela ficou muito impressionada: achou que ele era um terrorista da alma, a manipular as emoções das pessoas. Quando voltou para casa, ao final do ano letivo, conversou seriamente com seu pai e com seu cunhado, marido de sua irmã mais velha, que era um indivíduo interessante, cético, racionalista, bom argumentador, culto, com quem Cady gostava de conversar. Seu pai resolveu fazer uma viagem com ela e convidou sua irmã e o cunhado para irem juntos.

A viagem foi um marco para ela, que, ao longo da viagem, começou a abandonar aquilo que ela chamou de suas superstições religiosas e a aceitar uma visão mais racionalista e científica da vida. Aos poucos o medo foi dando lugar a um sentimento mais positivo, de confiança no futuro e em sua capacidade de enfrenta-lo. Sentiu-se feliz. Parece que a vida poderia ter perspectivas interessantes, afinal das contas…

A frustração de ver tantas portas fechadas para as mulheres e o medo de enfrentar um futuro que já estaria decidido de antemão foram, aos poucos, sendo substituídos pela confiança de que ela poderia ter um papel importante em mudar esse estado de coisas.

Estava formada, no plano mais básico, uma feminista.

(Dados retirados do livro Elizabeth Cady Stanton and Susan B. Anthony: A Friendship that Changed the World, de Penny Colman, e da autobiografia de Elizabeth Cady Stanton, com o título Eighty Years and More; Reminiscences 1815-1897. Ambos os livros disponíveis como e-books em formato Kindle na Amazon.)

Em Salto, 23 de Fevereiro de 2016.

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