Brasil pobre

O problema, já disse várias vezes, não é que o Brasil é um país desigual, como alardeia já no título a matéria abaixo publicada na Folha de hoje. O problema é que o Brasil é um país pobre. O problema é que os 10% mais ricos brasileiros são pobres.

Ou vejamos.

Eis um dos pontos focais da matéria abaixo:

Em 1995, 89% da renda dos 10% mais pobres do Brasil vinha do trabalho (e 11% de atividades não relacionadas ao trabalho). Em 2004, essa porcentagem caiu para 48%, ou seja, mais da metade (52%) da renda do trabalhador mais pobre no Brasil não vinha do trabalho. O principal componente da renda que não vem do trabalho entre os mais pobres foram os programas de transferência de renda

Diz a economista Lena Levinas, em passagem citada na própria matéria:

"O mais grave é verificar que a renda dos mais pobres caiu mesmo com a participação dos programas de governo. Se esses dados forem consistentes, eles mostram que não estamos complementando a renda para os mais pobres viverem melhor, mas gerando uma renda para viverem quase que exclusivamente dela. Estão deixando de ser trabalhadores para se tornarem assistidos. Isso é dramático".

É realmente dramático.

Continua Lena Levinas:

"O pior desenho de política de combate à pobreza que a gente pode ter é justamente esse que condiciona o benefício a um nível de rendimento extremamente baixo. O beneficiado não pode ter mobilidade social porque, se aumentar sua renda, terá que abrir mão da bolsa. Como abrir mão de algo que é permanente para trocá-lo por algo instável?"

É isso.

Quanto mais você dá dinheiro nas mãos do pobre, através de programas que o incentivam a se manter fora do mercado de trabalho, menos inclinado ele se sente a trabalhar.

Em todo lugar do mundo é assim. Nos Estados Unidos, quando o governo resolveu premiar as mães solteiras com uma substancial mesada por filho, elas não pararam mais de ter filhos e começaram a tê-los cada vez mais cedo. E nunca mais trabalharam. Nem se casaram, porque ao casar-se, perderiam o benefício. Seu trabalho passou a ser (desculpem a crudeza) deitar e abrir as pernas.

Se aumentarmos as esmolas governamentais, nesse modelo, em pouco tempo 0% da renda dos mais pobres virá do trabalho. Daí os pobres estarão dependendo 100% do governo — que é o que o governo quer!

O resultado (que, surpreendentemente, ninguém tira) será que o candidato que prometer não só continuar mas aumentar as mesadas, ganhará os votos dos mais pobres.

Se isso não é compra de votos, não o sei o que possa ser. Tenta-se punir o candidato que oferece transporte ao eleitor no dia da eleição. Mas o governante, candidato à reeleição, que dá dinheiro de mão beijada ao pobre, esperando o seu voto no dia da eleição, esse é elogiado.

O outro ponto focal da matéria abaixo é o seguinte:

De 1995 a 2004 houve queda na renda média também dos 10% mais ricos, que caiu de R$ 4.230 para R$ 3.305.

Impressionante. Os 10% mais ricos do Brasil têm renda média de 3.305,00 — menos de 10 salários mínimos. Esse dado me preocupa tanto quanto o outro. O Brasil nunca vai ser um país sustentavelmente desenvolvido com esse tipo de renda média dos mais ricos. É ridículo.

Em Salto, 25 de dezembro de 2005

—–

Folha de S. Paulo

25 de dezembro de 2005

BRASIL DESIGUAL

Estudo do Cebrap mostra maior dependência de programas sociais

Pobres se distanciam de ricos e dependem mais do governo

ANTÔNIO GOIS

DA SUCURSAL DO RIO

O processo de exclusão do mercado de trabalho da população extremamente pobre no Brasil se intensificou de 1995 a 2004. Nesse período, o rendimento médio dos trabalhadores que se encontram entre os 10% mais pobres caiu 39,6% ao mesmo tempo em que aumentou a dependência dos programas sociais do governo.

Em 1995, 89% da renda dessa população vinha do trabalho. Em 2004, essa porcentagem caiu para 48%, ou seja, mais da metade da renda do trabalhador mais pobre no Brasil não vinha de sua atividade no mercado de trabalho.

Essas são conclusões de um estudo do sociólogo Álvaro Comin, do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), a partir da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), do IBGE. O trabalho mostra que no extremo oposto, o dos 10% mais ricos, a queda no percentual de renda do trabalho não foi tão intensa: passou de 83% para 77%.

O estudo mostra também que, analisada a partir de seus extremos de riqueza e pobreza, a economia brasileira não parou de produzir desigualdade e a distância entre os 10% mais ricos e os 10% mais pobres aumentou.

De 1995 a 2004 houve queda na renda tanto dos 10% mais ricos quanto na dos 10% mais pobres. No extremo da riqueza, o rendimento médio total dos trabalhadores caiu 21,9%, de R$ 4.230 para R$ 3.305. No outro extremo, a queda foi ainda maior: de R$ 96 para R$ 58, variação de -39,6%.

Por causa da queda maior entre os mais pobres, a distância entre os dois segmentos aumentou. Em 1995, era necessário somar a renda de 44 brasileiros entre os mais pobres para igualar a renda de um mais rico. Em 2004, essa proporção aumentou para 57.

Essa análise da desigualdade nos extremos contrasta com a divulgada no mês passado pelo IBGE, que mostrou que o índice de Gini (que mede a concentração de renda) vêm caindo desde 1993.

Não se trata, porém, de erro de uma ou outra pesquisa. A explicação é que o Gini trabalha com uma média de rendimentos onde há um peso grande no seu cálculo dos estratos intermediários, ou seja, aqueles que não estão nos extremos mais pobres ou mais ricos da população. Foram esses extremos o foco da leitura do Cebrap.

Para Comin, o principal componente da renda que não vem do trabalho entre os mais pobres foram os programas de transferência de renda. Ele afirma que eles desempenharam um papel importante de não deixar que a renda dos mais pobres caísse ainda mais. No entanto, foram insuficientes para alterar de forma estrutural a dinâmica de produção de desigualdade da economia.


Dramático

A economista Lena Lavinas, da UFRJ, ressalvando que não teve acesso ao estudo, afirma que o que os dados do Cebrap revelam de "dramático" é o fato de a inserção mais plena dos mais pobres no mercado de trabalho estar praticamente desaparecendo.

"O mais grave é verificar que a renda dos mais pobres caiu mesmo com a participação dos programas de governo. Se esses dados forem consistentes, eles mostram que não estamos complementando a renda para os mais pobres viverem melhor, mas gerando uma renda para viverem quase que exclusivamente dela. Estão deixando de ser trabalhadores para se tornarem assistidos. Isso é dramático", diz.

A economista defende que, diante desse quadro, é necessário repensar a estrutura do Bolsa-Família: "O pior desenho de política de combate à pobreza que a gente pode ter é justamente essa que condiciona o benefício a um nível de rendimento extremamente baixo. O beneficiado não pode ter mobilidade social porque, se aumentar sua renda, terá que abrir mão da bolsa. Como abrir mão de algo que é permanente para trocá-lo por algo instável?".

O economista Marcio Pochmann, da Unicamp, vê nos dados do Cebrap a confirmação de que a economia passa por um quadro que ele chama de "polarização social", ou seja, de distanciamento da renda dos mais ricos em relação aos mais pobres. "Os programas de transferência de renda são o que é possível fazer numa economia que não cresce de forma sustentada e são compatíveis com os programas de ajuste fiscal. Gasta-se relativamente pouco do PIB com o Bolsa Família, mas faltam recursos para investir em escolas, hospitais e outros serviços públicos que ajudariam de forma mais eficiente essa população a vencer a pobreza e ingressar no mercado de trabalho", diz Pochmann.

Para a economista Sonia Rocha, a tendência de redução de desigualdade (medida pelo IBGE pelo índice de Gini) ainda não é robusta. "Essa redução depende do tipo de crescimento econômico e da oferta e demanda por mão-de-obra qualificada. Com crescimento rápido e insuficiência de oferta de mão-de-obra qualificada, a desigualdade de rendimentos de trabalho tende a aumentar."

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