Dá pra viver o mesmo dia duas vezes? Ou pra pular um dia, sem vivê-lo?

Estou na Austrália. Na verdade, estou escrevendo de um café no aeroporto de Sydney, enquanto aguardo meu vôo da Qantas para Perth.

O vôo (non-stop) da United de San Francisco a Sydney levou 14 horas num Boeing 747. Tempo suficiente para jantar, ver um filme, dormir bastante e ficar tentando entender os fusos horários — questão que sempre me fascinou. Na época da transição do segundo para o terceiro milênio da era cristã, estava na casa de minha filha, nos Estados Unidos, e acompanhei na televisão a cobertura da entrada no milênio de países de todos os fusos horários: a Austrália foi um dos primeiros países, mas não o primeiro: Sydney está em GMT +10; Perth em GMT +8. Adelaide, no meio das outras duas cidades, num curioso GMT +9.5. Fiquei olhando o mapa do mundo impresso na revista Hemispheres, da United, que tem todas as linhas que separam os fusos horários… O mapa é uma obra de arte. Arranquei as duas folhas em que ele aparece e trouxe comigo. Bem no centro do mapa, no plano horizontal (Leste-Oeste) e vertical (Norte-Sul) está Chicago — que, por coincidência, é a cidade em que ficam o World Headquarters e o hub principal da United Airlines… Chicago é GMT -6. Nós, no Brasil, temos quatro fusos horários: o de São Paulo é GMT -3. Isso quer dizer que Chicago normalmente está três horas atrás de São Paulo. Isso não vale agora, porque os Estados Unidos (e também a Europa e vários outros países) estão no Horário de Verão e, portanto, fizeram avançar seus relógios em uma hora. Hoje a diferença entre Chicago e São Paulo é de apenas duas horas. Quando nós estamos no Horário de Verão e eles, nos Estados Unidos, não, a diferença é de quatro horas…

(A propósito, acho um despropósito no Brasil se dizer “Horário de Brasília”. Bestagem de brasileiro. Nos Estados Unidos nunca se diz “Horário de Washington”. Diz-se “Eastern Standard Time” — Tempo Padrão do Leste (do país). Deveríamos fazer a mesma coisa no Brasil. Eu fico revoltado quando tenho de selecionar “Horário de Brasília” para configurar um computador, um PDA, um telefone celular meu… Não moro em Brasília! Na verdade, detesto a cidade… Fim do parêntese.)

Mas é importante notar que a expressãozinha que venho usando, GMT, quer dizer: Greenwich Meridian Time. Greenwich é uma localidade perto de Londres. Por ali, algum dia no passado, foi definido que passava o Meridiano 0 — o Meridiano de Greenwich (da mesma forma que o Trópico de Capricórnio passa um pouco ao norte da cidade de São Paulo). Todo o sistema de fusos horários foi definido tomando como base a Hora do Meridiano de Greenwich, que é GMT, simplesmente. Todos os outros fusos horários são definidos como um número, de 1 a 12, positivo ou negativo, que representa a distância, em meridianos, do Meridiano de Greenwich. De Greenwich para o Oeste, o número é negativo, até chegar -12. De Greenwich para o Leste, é positivo, também até chegar 12. São Paulo, sendo GMT -3, está três horas atrás do horário de Greenwich (também chamado de “Universal Time”…). Deveria estar três horas atrás de Londres, também. Só que hoje Londres está em horário de verão e, por isso, São Paulo está quatro horas atrás de Londres (mas só três atrás do “Universal Time”).

(Na Copa, os horários dos jogos na Alemanha estavam cinco horas na frente dos horários no Brasil — isto é, no Leste Brasileiro. Isso porque o fuso horário da Alemanha é GMT +1, o que a colocaria quatro horas na frente do Leste do Brasil. Mas estando a Alemanha, como toda a Europa, em horário de verão, a diferença passa a ser de cinco horas.

Por que o meridiano que passa perto de Greenwich foi definido como o Meridiano 0 e usado como base para definir todo esse complexo sistema? Pela mesma razão que o mapa da United coloca Chicago no centro. Para os Ingleses, o país e, dentro do país, a capital dele, Londres, era nada menos do que o centro do mundo. Nada demais, portanto, definir o meridiano que passava ali como o Meridiano 0 e o horário de Greenwich como “Universal Time” – o horário padrão de referência.

Sydney, disse eu, está em GMT +10. São Paulo, em GMT -3. Nem Sydney nem São Paulo estão em horário de verão. Logo, a diferença entre Sydney e São Paulo hoje é de treze horas. A diferença entre -3 e +10 dá 13 — não é uma soma essa operação. Sydney está 13 horas na frente de São Paulo. Agora são 10h00 aqui, no domingo, dia 6 de agosto. Em São Paulo são 21h00, do sábado, dia 5 de agosto. Entre 21 horas de sábado e 10 horas do dia seguinte, há uma diferença de treze horas. QED.

Há outro jeito de fazer a operação. O dia tem 24 horas. Como Sydney está treze horas na frente de São Paulo, se diminuirmos 13 de 24, teremos 11. São 21h em São Paulo, no sábado dia 5 de agosto. Se tirarmos esses 11 (24-13) de 21h, teremos 10 — que é exatamente a hora de Sydney — só que seriam as 10h de ontem… Por isso, se tomarmos as 21h do sábado, dia 5/8, e diminuirmos onze, teremos de acrescentar 24 para ter a hora de Sydney agora, 10h do domingo dia 6 de agosto. Complicadinho…

Em algum lugar do Pacífico, a leste da Nova Zelândia, passa a chamada “International Date Line”. Se você estiver cruzando essa linha, você ganha ou perde um dia. Se você estiver indo na direção Leste-Oeste, e cruzar essa linha à meia noite de domingo, ao cruzar a linha você estará à meia-noite de segunda: perdeu um dia (nunca vai viver essa segunda-feira). Se, por outro lado, você estiver indo na direção Oeste-Leste, e cruzar a linha à meia-noite da segunda-feira, voltará para a meia-noite de domingo: ganhou um dia, pois poderá viver a segunda-feira duas vezes. A “International Date Line, não há surpresa ao descobrir, está na posição exatamente oposta à de Greenwich… [no plano horizontal representado pelos mapas]. A “International Date Line” é o espelho do “Universal Time”.

Tem gente que acha que essas coisas apontam para algo transcendental… Complicado esse negócio de voltar no tempo, viver o mesmo dia duas vezes… Parece sugerir que podemos regredir no tempo, reviver vidas passadas… Quem sabe? Back to the Future — or Forward into the Past.

[Devo ter cometido alguma gafe geográfica neste artigo. Estou escrevendo sem verificar nada, a não ser o mapa da United Airlines… Se você achar algum erro, me escreva para eduardo@chaves.com.br] [PS: Não uso mais esse e-mail: escreva para eduardo@chaves.pro – Nota de 14.04.2020].

Em Sydney, 6 de agosto de 2006 (na data do Spaces vai aparecer dia 5 de agosto…)

3 responses

  1. Lindamente você descreve tudo, adorei a reportagem e as informações sobre o GTM. E que engraçado não viver um dia ou viver duas vezes o mesmo dia….beijosAne – Floripa – SC

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