O nome de família dele é Mr. Hsu — pronunciado Mr. Shu. Descobri há algum tempo que o "h" antes do "s" em Chinês transliterado para caracteres latinos tem o mesmo som que teria se estivesse depois do "s". Mr. Shu, portanto, é como soa o seu nome — mas se escreve Mr. Hsu. Chung-Hsiang é o seu primeiro nome, ou nome dado. O segundo componente desse nome, mais uma vez, se pronuncia "Shiang". Ele foi, ontem e hoje (continuará sendo até daqui umas três horas), meu Personal Tour Guide.
Sujeito simpático. O Inglês dele é razoável — a pronúncia, bem ruim. Mas tem bom vocabulário e entende bem o que lhe digo. Pessoalmente, é um cara legal. Bom, legal entre termos: para Personal Tour Guide está mais do que bom (da mesma forma que a Mônica Veloso, segundo o Zé Simão, depois que ele a viu pelada na Playboy, para o Renan, está mais do que boa).
Explico-me. Ele é, afinal de contas, um Tour Guide. Incorporou isso em sua essência humana. Trabalha para uma companhia de turismo, faz cinco anos. E leva a sério o seu trabalho. Tem 59 anos e é aposentado de um trabalho industrial como engenheiro de computação". Começou a trabalhar com turismo depois de se aposentar.
Quando foi me apanhar no hotel ontem às 6h50 da manhã, carregava duas mochilas. Numa tinha coisas pessoas (afinal de contas, poderia ter de dormir em Hualien, se eu optasse por ficar mais um dia, como optei) e na outra tinha mapas e mais mapas e informações sobre pontos de interesse em Hualien e redondezas que ele compilou para mim, usando a Internet. Carregava também quatro garrafas de água, duas para ele e duas para mim. Já tinha as passagens do trem nas mãos e, como descobri depois, já tinha feito as reservas nos restaurantes onde comeríamos e no hotel em que eventualmente ficaríamos. Profissional ao extremo.
Ontem, cansei-me um pouco, com o roteiro e o calor — e a experiência do almoço não foi muito positiva, como já relatei (a comida, na verdade, estava, para o meu gosto, perto do insuportável). Assim quando, antes de rumar para o hotel, por volta das 18h30, ele queria ir direto para o restaurante, disse a ele que não estava com fome, estava cansado, e preferiria ir direto para o hotel. Ele não se conformou. A reserva no restaurante, segundo ele, já estava feita e paga por sua companhia: como poderia eu não ir? Disse a ele que havia viajado durante 45 horas nos dois dias anteriores, estava cansado, e preferiria ir para o hotel e ficar sem jantar. Só concordou porque não havia outro jeito. Afinal de contas, eu era o cliente a quem ele tinha de atender bem — caso contrário eu poderia reclamar para a Microsoft, que era a contratante, e ele estaria mal. Comprometeu-se, no entanto, a me levar a comida numa quentinha. Disse que não era preciso — mas ele insistiu e eu concordei. Felizmente, quem não concordou, fiquei sabendo mais tarde, foi o restaurante… Livrei-me de ter de jogar fora comida que, para os outros, seria muito boa.
Finalmente, fiquei livre dele para o dia, tirei uma soneca, acordei, escrevi meus blogs, dormi, acordei hoje cedo, tomei café e fui para o lobby trabalhar no computador, porque a Internet, no quarto, ainda estava kaput.
Hoje cedo, estava chovendo — relativamente forte. Às 9h nos encontramos no lobby. Ele havia comprado dois guarda-chuvas. Descobri que iríamos à praia (para ver e fotografar, não para entrar na água, felizmente). Eu indaguei se a praia seria um bom programa para uma manhã de chuva… Ele me respondeu, de uma forma inapelável: dia de chuva é que é melhor, pois há menos gente. Dito e feito: havia bem menos gente do que nós dois, simplesmente não havia ninguém mais. A praia era do mesmo tipo das outras que mencionei: em vez de areia branca e fina tem uma espécie de cascalho cinza meio grosseiro. Mas era bonita. O duro foi tirar fotografia com uma mão, segurando o guarda-chuva com a outra. Fiquei aliviado que não havia nenhum turista e, especialmente, nenhum nativo da cidade ali na praia. Se houvesse, iria pensar que éramos doidos de andar pela praia na chuva, totalmente vestidos, e com o guarda-chuva aberto…
Depois fomos para o Taroko State Park, o parque nacional mais famoso de Taiwan, pelo jeito, e que fica na cordilheira central que corta Taiwan de norte a sul. Felizmente a chuva parou e o tempo limpou rápido, porque o lugar é realmente lindo. Saindo do nível do mar, em pouco tempo se chega a picos muito altos. Os mais altos da cordilheira têm perto de 4 mil metros — mil metros mais altos do que o nosso Pico da Neblina, escondido lá perto da Venezuela.
O que mais me impressinou na montanha do parque foram as formações rochosas. A montanha é toda de rocha. E, dentre as rochas, a mais impressionante é o mármore. Fomos por uma estrada que segue ao longo de um rio, e o leito do rio parece ser totalmente de mármore, de várias cores. Uma coisa impressionante. A montanha está tombada: ninguém pode explorar mais o mármore que está ali, mas fico imaginando a riqueza que está ali à vista de todos. O canyon pelo que corre o rio parece ter sido cavado, como se fosse a golpes de picareta, por um terremoto em tempos imemoriais.
O parque é muito bem infra-estruturado. Há museus, lojas, banheiros muito bons, local para explicações às crianças acerca das rochas, da vegetação, do meio-ambiente, brincadeiras, etc. Mr. Hsu me comprou três DVDs: um sobre Taiwan, outro sobre Taipei e, finalmente, um sobre o Taroko State Park. Ele realmente leva o seu trabalho a sério.
Quando chegou cerca de quatro horas, ele ainda queria me mostrar mais algumas coisas (vilas aborígenes, etc.), mas eu disse a ele que "enough was enough". Ele custou a se conformar: ele ganha para ser tour guide e quer mostrar tudo o que conhece. Agora, aqui na estação de trem (lotadíssima), veio me dizer que iria comprar um lanche para eu comer no trem, porque iríamos chegar a Taipei só às 19h30. Disse a ele que era totalmente desnecessário, porque havia comido bem no almoço (o que foi verdade — falo disso já-já). Ele insistiu. Que tal um snack? Disse a ele que uma barra de chocolate seria OK. Saiu para procurar. Vi que comprou uma caixa de chocolate.
Mas preciso falar do almoço. Almoçamos num restaurante, na entrada do parque, administrado por aborígines e com comida mais no estilo dos aborígines do que dos aqui chamados "chineses étnicos" (os taiwaneses, eles próprios). Gostei bem mais do que da comida de ontem. Havia arroz, lula (calamare) frita, bambu cozido, "soy sauce", para tempero, e a infalível sopa (hoje de ostras — que não comi). Só, mas (tirante a sopa, que não provei, apesar de ter insistido três vezes) bom. A lula estava deliciosa, especialmente com o molho de soja, e os brotos de bambu estavam muito bons mesmos. Será que a gente acha pra comprar no Brasil e sabe como preparar?
Agora já estou no trem e ele está abrindo a caixa de chocolate. Quando saímos da van em que nos movimentamos ontem e hoje o dia inteiro, ele me observou que seria de bom tom dar uma gorjeta ao motorista, que dirigiu tão bem e foi tão cortês (e que era aborígine). Perguntei quanto seria razoável e ele me sugeriu 200 dólares taiwaneses (algo equivalente mais ou menos 6,50 dólares americanos). Dei o que ele sugeriu e o motorista pareceu ficar muito agradecido.
Bom, encerro aqui este capítulo sobre Hualien. Foi uma experiência interessante. Hoje tirei inúmeras fotos. Não me conformo que hoje cedo, ao tr
ansferir para o computador as fotos tiradas ontem, eu, destraídamente, as apaguei todas e, depois, dei um Undo que não funcionou. Perdi todas. Quase duzentas. Lamento principalmente as fotos do templo budista da Mestre Cheng Yen e as do festival aborígine (sobre o qual não cheguei a comentar, mas foi bonito). É isso. Fazer as coisas distraídamente dá nisso.
Em Hualien (o finzinho no trem de volta a Taipei), 26 de Agosto de 2007