Ilha Bela – 1

Sete horas da manhã.

Estou sentado numa cadeira semi-preguiçosa numa varanda, contemplando uma das mais lindas paisagens que a natureza tem a proporcionar. Do alto do Morro Ponta das Canas, em Ilha Bela, vejo, à esquerda, São Sebastião, bem à frente, o canal que separa Ilha Bela do continente, e, mais à direita, até perder de vista, Caraguatatuba e o que lhe fica ao Norte. O dia está razoavelmente claro, mas como é cedo, e o sol não apareceu ainda, há uma espécie de bruma matinal que me impede de ver além de Caraguá. Em dias claros e de sol, porém, é possível ver até Maresias.

Estou na casa dos sogros de minha filha Tatiana, Mary e Ernesto. O Ernesto faleceu no início deste ano — escrevi um artigo sobre isso aqui no blog. Mas a Mary agora parece estar bem: recobrou o bom ânimo e o excelente humor.

A casa fica quase no cocuruto do morro e tem uma vista de quase 180 graus. A vista da frente e do lado esquerdo ninguém nunca roubará. A do lado direito está sendo roubada em cerca de 30 graus, diria, por uma nova construção. Apesar da altura, consigo ouvir, a esta hora, o mar batendo nas pedras lá embaixo. Há um coral de passarinhos cantando. Acabei de ver um casal de beija-flores piruetando pelas flores, no seu balé matinal.

Não tenho acesso à Internet, aqui. Quando o Ernesto morreu, creio que pressupondo que não viriam aqui com tanta freqüência (ele e a Mary moravam aqui, para eles não era veraneio), cancelaram a linha de telefonia fixa, passando a depender apenas dos celulares. Com isso foi-se a Internet Ilimitada que o Ernesto usava. Hoje vou ter de ir à Vila para ver se encontro algum lugar que me dê acesso à rede. Vou estar aqui até segunda cedo e não agüento ficar desconectado tanto tempo.

Todos dormem ainda. O Gabriel, como de costume, foi dormir comigo e com a Sueli. Estava excitadíssimo com nossa chegada. Primeiro, quis nos mostrar suas recém-adquiridas competências de pescador. Ganhou da vó Mary uma vara de pescar de carretilha e está se aperfeiçoando na arte. Disse que já pescou vários peixes, especialmente a partir do pier da Vila. Ontem, porém, logo depois que chegamos, fomos à prainha privada do condomínio, onde, segundo ele, era possível pescar também. Mas a maré estava enchendo e, assim, quando ele jogava a linha (com isca de lula), a água logo trazia o anzol de volta à praia. A demonstração ficou para hoje. Ficou frustrado na hora, mas logo esqueceu. Afinal de contas, havia tanta coisa a fazer! Férias, para ele, são coisa séria (como deveriam ser para todo mundo).

Depois da prainha, Gabriel e eu ainda ficamos fazendo molecagens na piscina por um bom tempo. A água parecia artificialmente aquecida: estava bem para lá de morna. O Gabriel tem um projeto no momento, que é conseguir que eu aprenda a plantar bananeira na piscina. Nunca consegui e, provavelmente, não vai ser agora, mas ele não desiste. Planta algumas bananeiras para eu ver, me obriga a tentar mais uma vez, e, depois do meu fracasso, me corrige, e, muitas vezes, me imita, mostrando onde errei. Dizem os que estão de fora que a imitação é perfeita. Na realidade, quem olha de fora da piscina deve achar ridículo o meu desempenho (ou, como preferem alguns pseudo-sofisticados, a minha performance). Mas é divertido — e dá ao Gabriel um ar de superioridade totalmente merecido.

Após os exercícios na piscina, tomamos banho, tomamos lanche, e o Gabriel foi me mostrar o seu Livro de Records Guiness. Gosta é dos records mais extravagantes, como o do homem que conseguiu puxar um automóvel enganchado a suas pálpebras.

É interessante como criança se interessa pelo macabro em uma determinada idade. Ontem ele me perguntou se eu conhecia a Praia da Caveira, que fica no outro lado da ilha (que dá para o mar aberto). Disse-lhe que não. Perguntou-me se sabia por que a praia se chamava "da Caveira". Tornei a dizer-lhe que não. Ele me explicou, então, que era porque um navio, há muito tempo, naufragou nas costas da Ilha, e todo mundo se afogou. Depois de algum tempo, começaram a aparecer na praia algumas caveiras, fato que acabou dando a ela o seu nome atual. Perguntei-lhe se ainda hoje seria possível encontrar caveiras por lá, e garantiu-me que não. Fiquei mais tranqüilo… É do outro lado da Ilha, mas nunca se sabe.

Depois da pesquisa no Livro de Records, deitamo-nos numa rede na varanda, ele ficou ouvindo o seu mp3, e eu fiquei fazendo massagem nos pés dele. Estava eu quase dormindo quando ele disse que precisávamos entrar, porque, caso contrário, as muriçocas nos jantariam em caso contrário (apesar do Off que havíamos passado em nossas pernas e braços). Entramos e continuamos o processo no quarto onde eu iria dormir (e de fato dormi). Acabamos dormindo ali.

Hoje não sei o que faremos. Estou por conta dele. O que ele decidir, depois de devidamente aprovado pelos pais dele, eu farei (com o devido consentimento conjugal…). Mais tarde relato.

Em Ilha Bela, 4 de Janeiro de 2008.

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