David Hume, Filósofo

Escrevi minha tese de doutoramento, nos idos dos anos 1970-72 (já lá vão mais de 35 anos que a defendi, na University of Pittsburgh), sobre David Hume, filósofo escocês do século XVIII (1711-1776).

Quando a concluí, em 1972, eu tinha a mesma idade dele quando publicou A Treatise of Human Nature, sua primeira obra — e seu opus magnum.

Um dia desses um colega indagou, cético, se Hume poderia entender algo de natureza humana nessa idade. Não tenho dúvida alguma de que a resposta é claramente afirmativa. Basta ler esse monumental trabalho para verificar isso. O Tratado veio a ser considerado por muitos críticos a maior obra de filosofia jamais escrita em língua inglesa. Grande em conteúdo e grande em forma.

Não é comum ver filósofos precoces — mas Hume era um gênio.

No entanto, o sucesso do Tratado demorou por vir. A qualidade de uma obra é uma coisa, o seu reconhecimento pelo público é outra. O próprio Hume admitiu, em seus anos mais maduros, que o Tratado foi, inicialmente, um fracasso de público — “nasceu morto”, disse ele. Para tentar melhorar a recepção do livro, o jovem autor escreveu anonimamente uma resenha, mas não adiantou nada. Hume entrou em depressão — e ficou doente durante mais de dois anos.

Convenceu-se, depois dessa crise, que o problema com o livro era de forma, não de conteúdo, e que o culpado era ele mesmo, por ter publicado o livro prematuramente. Decidiu, então, re-escrevê-lo em estilo mais popular. O resultado foi An Inquiry Concerning Human Understanding, publicado em, com o acréscimo de dois ensaios: um sobre milagres e o outro sobre a imortalidade da alma. Esse livro foi um sucesso de público, e levou Hume a publicar um segundo, An Inquiry Concerning the Principles of Morals (em 1752), e, depois, um terceiro, Political Essays. Mais tarde ainda publicou Of the Standard of Taste and Other Essays. Nesses quatro livros Hume encontrou seu estilo vivo, witty, que lhe trouxe enorme sucesso não só como filósofo mas como pensador e ensaísta, e, depois, como historiador (seu History of England, em seis volumes, foi usado como texto padrão de História da Inglaterra durante bem mais de um século e meio). Entrementes escreveu ainda os geniais Dialogues Concerning Natural Religion and A Natural History of Religion – publicando este em 1751 e deixando Dialogues para ser publicado apenas postumamente, dada a sua “explosividade”. O livro foi publicado por seu sobrinho em 1779.

Hume, que nasceu em 1711, morreu em 1776, ano da independência americana — e da publicação de The Wealth of the Nations por seu melhor amigo, o também escocês Adam Smith.

Hume era folgazão, amigo da boa mesa, grande jogador de gamão. Depois de escrever uma de suas passagens mais céticas, em que afirmava não nos ser possível saber se existe um mundo real fora de nossa mente, admitiu, francamente, ao voltar à mesa de trabalho depois de um belo jantar e de algumas rodadas de gamão, que, ao reler o que havia escrito, achava um absurdo que alguém pudesse fazer uma afirmação daquelas — mas que havia revisto as premissas e os argumentos, e não tinha encontrado nenhuma falha… Agradecia antecipadamente aos leitores, entretanto, se algum deles pudesse lhe mostrar onde havia errado, se é que erro havia ali…

Solteirão inveterado, Hume, ao descobrir que seu irmão pretendia se casar, lhe enviou uma carta, tentando dissuadi-lo. A carta é uma obra prima de wit humeano. Casar é fria, advertiu ele, “because women are the only heavenly bodies whose behaviour Newton’s science was unable to predict“… (cito de memória — as palavras exatas podem não ser exatamente essas, mas a ideia é).

Não sou um cético, como era Hume (ele, um “cético mitigado”, para usar suas próprias palavras). Discordo, portanto, e enfaticamente, do “só sei que nada sei” de Sócrates. Acho que sabemos um monte de coisas (como o próprio Hume, em seus momentos não filosóficos sabia). Felizmente. Mas o ceticismo à la Hume sempre foi um freio aos dogmatismos.

Hume tem duas outras frases que considero memoráveis.

A primeira é que devemos reconhecer que, antes de sermos filósofos, devemos procurar ser homens, ser gente.

A segunda é que nunca devemos, no combate ao dogmatismo e ao fanatismo, incorrer nesses mesmos pecados.

Mais uma vez, cito de memória. Mas citados com exatidão ou não, estes são sobering thoughts, dos quais procurei nunca me esquecer.

Em Seoul, 25 de Janeiro de 2008

3 responses

  1. Muito legal, tio. Eu li alguns textos do Hume quando você me indicou alguns livros de filosofia. Gostei muito dele. Gostei desta sua reflexão. "Antes de sermos filósofos, devemos procurar ser homens": isso me lembrou Miguel de Unamuno, um dos meus preferidos: "Primeiro viver, depois filosofar". Abração! -Vitor
     

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