Três professores da Faculdade de Educação da UNICAMP (o diretor e duas coordenadoras do Curso de Pedagogia) protestaram, na Seção Tendências / Debates da Folha de S. Paulo de hoje, 30/12/2009, contra algumas observações do Secretário Estadual da Educação, Paulo Renato Souza, que os professores consideraram um “ataque” à Faculdade de Educação da UNICAMP (e à da USP).
Cerca de cinqüenta dias antes a própria Congregação da Faculdade de Educação da UNICAMP já havia protestado de forma bastante semelhante. Como a manifestação da Congregação recebeu considerável atenção na mídia (o Luís Nassif a publicou na íntegra – http://colunistas.ig.com.br/luisnassif/2009/11/12/a-unicamp-responde-a-paulo-renato/), o protesto do diretor e das duas coordenadoras da Faculdade de Educação, cerca de cinqüenta dias depois, tem claramente o sabor de comida requentada. Mas como a Folha lhe deu abrigo, sinto-me no direito (talvez até na obrigação) de comentar a discussão.
Protestam os professores da Faculdade de Educação da UNICAMP contra uma entrevista de Paulo Renato nas Páginas Amarelas da revista VEJA, publicada na edição Edição 2136, de 28 de outubro de 2009. O texto completo da entrevista está transcrito adiante.
Como se pode constatar, a entrevista tratou de muitos assuntos (seu título é “Contra o Corporativismo”). O Secretário da Educação mencionou a USP e a UNICAMP apenas de passagem. No entanto, quem lê apenas os protestos dos professores da Faculdade de Educação da UNICAMP fica com a impressão que Paulo Renato deu uma entrevista à VEJA única e exclusivamente para criticá-los. “Fomos neste ano alvo de injustas críticas por parte da cúpula que administra os destinos do ensino público paulista”, lastimam os professores que assinam a matéria publicada na Folha de hoje.
Veremos que, embora Paulo Renato tenha mencionado a USP e a UNICAMP en passant, sua crítica foi qualquer coisa menos injusta.
A passagem que especialmente irritou os professores da UNICAMP e que lhes deu o “gancho” para tentar (com sucesso) publicar seu pobre texto na Folha, foi em resposta à esta pergunta da VEJA:
“As avaliações sempre chamam atenção para o despreparo dos professores brasileiros. A que o senhor atribui isso?”
Eis o que diz o Secretário:
“Às universidades que pretendem formar professores, mas passam ao largo da prática da sala de aula. No lugar de ensinarem didática, as faculdades de pedagogia optam por se dedicar a questões mais teóricas. Acabam se perdendo em debates sobre o sistema capitalista cujo ideário predominante não passa de um marxismo de segunda ou terceira categoria. O que se discute hoje nessas faculdades está muito distante de qualquer ideia que seja cientificamente aceita, mesmo dentro da própria ideologia marxista. É uma situação difícil de mudar. A resistência vem de universidades como USP e UNICAMP, as maiores do país.”
Em outras palavras: Paulo Renato, que é, pela segunda vez, Secretário da Educação do Estado de São Paulo, que foi Ministro da Educação durante oito anos, e que fez sua carreira de professor universitário na própria UNICAMP, atribui o despreparo dos professores de Educação Básica às universidades que os formam.
Talvez por causa do seu vínculo com a UNICAMP e com a educação pública, Paulo Renato em nenhum momento disse que os Cursos de Pedagogia e Licenciatura da UNICAMP são ruins. Poderia ter dito isso, mas optou por não dizê-lo. Nem sequer disse que os cursos de formação de professores das demais universidades públicas são ruins. Poderia ter dito isso também, mas de igual forma escolheu não dizê-lo. Falou simplesmente, de forma genérica, acerca “das universidades que pretendem formar professores, mas passam ao largo da prática da sala de aula".
Se os professores da UNICAMP vestiram a carapuça, foi porque ela lhes serviu bem. Eis o que diz o texto aprovado pela Congregação da Faculdade de Educação da UNICAMP:
“O Sr. Secretário da Educação Paulo Renato Souza atribui grande responsabilidade pelos problemas da escola aos professores e à sua formação, apontando as Faculdades de Educação, e nominalmente a Unicamp e Usp, pelos males da Educação do Estado de São Paulo.”
A Congregação da Faculdade de Educação generaliza o que disse Paulo Renato e, numa mal disfarçada tentativa de obter a solidariedade dos professores de educação básica e de colocá-los contra o Secretário, atribui a ele a afirmação de que a “grande responsabilidade pelos problemas da escola” seria dos professores. Paulo Renato não criticou os professores de Educação Básica. Criticou as instituições que os formam (as Faculdades de Educação ou assemelhadas). E citou as Faculdades de Educação da USP e da UNICAMP como exemplos de resistência a mudanças – não como exemplo da má qualidade de seus cursos de formação de professores.
A pergunta da VEJA, que serviu de base para a observação de Paulo Renato, havia se referido ao “despreparo” dos professores de Educação Básica, constatado nas avaliações desse nível da educação. Ora, faz sentido dizer que, se os professores são despreparados, a responsabilidade é de quem os prepara. Ou pretendem os professores da UNICAMP que as universidades que formam professores os preparam muito bem, mas, por razões não esclarecidas, eles acabam ficando misteriosamente despreparados?
O Secretário da Educação vai adiante, sempre dizendo coisas básicas e simples – e verdadeiras. Diz ele em seguida que, nas Universidades que formam professores, vale dizer, nas Faculdades de Eduçação, os professores de Educação Básica são mal preparados porque, em vez de aprenderem o seu ofício, ficam, por iniciativa de seus mestres, os professores universitários dessas faculdades, discutindo “questões mais teóricas”, com o resultado de que “acabam se perdendo em debates sobre o sistema capitalista cujo ideário predominante não passa de um marxismo de segunda ou terceira categoria” . Touché. Verdade. Na realidade, o Secretário bota o dedo no centro da ferida. Só quem nunca colocou o pé numa Faculdade de Educação (em especial nas que o Secretário nomeia) ousaria duvidar da veracidade do que diz o Secretário.
O Secretário continua, dando um exemplo de como, nas Faculdades de Educação públicas “a ideologia pode sobrepor-se à razão”:
“Existe um terrível preconceito nas universidades públicas contra o setor privado. Ali, qualquer contato com as empresas é visto como um ato de ‘venda ao sistema’. Como se as instituições públicas fossem sustentadas por marcianos e não pelo dinheiro do governo, que vem justamente do sistema econômico. O resultado é que, distantes das empresas, as universidades se tornam menos produtivas e inovadoras.”
Mais uma vez o Secretário acerta na mosca. Fui membro da Congregação da Faculdade de Educação da UNICAMP por bem mais de uma década. Ali constatei a veracidade da afirmação do Secretário. Convênio ou contrato com instituição privada era sistematicamente rejeitado pela Congregação, a menos que se tratasse de instituição ligada a sindicatos ou a partidos políticos da preferência da esquerda mais retrógrada. Argumentava-se que aceitar apoio (até mesmo financeiro) de instituição privada para a educação pública era uma forma de desresponsabilizar o estado de sua obrigação com o sistema público de educação, abrindo as portas para a sua privatização… Eu sei, o argumento é ridículo, mas é usado.
O Secretário constata que essa é uma situação difícil de mudar – porque a resistência à mudança vem exatamente das Faculdades de Educação que se imaginam líderes do sistema de formação de professores brasileiro: a USP e a UNICAMP.
A propósito, o Secretário atribui ao espírito corporativista (que dá título à entrevista), encastelado nos sindicatos dos professores e dos demais profissionais da educação, a principal responsabilidade pela resistência às mudanças que são necessárias no sistema educacional, como, por exemplo, o pagamento diferenciado, por mérito – em vez do sistema atual que paga o mesmo salário para todo mundo, independentemente de seu desempenho (só diferenciando o salário um pouco por senioridade, através dos qüinqüênios):
“O movimento sindical politizou-se a um ponto tal que não se acham mais nele pessoas realmente interessadas em educação. Estas debandaram. Hoje, os sindicatos estão tomados por partidos radicais de esquerda sem nenhuma relevância para a sociedade. Para essas agremiações insignificantes, o sindicalismo serve apenas como um palanque, capaz de lhes dar uma visibilidade que jamais teriam de outra maneira. É aí que tais partidos aparecem e fazem circular seu ideário atrasado e contraproducente para o ensino. Repare que esses sindicalistas são poucos – e estão longe de expressar a opinião da maioria. Mas têm voz.”
A referência à USP e à UNICAMP não se deve ao seu tamanho ou ao número de professores que formam, mas ao fato de que são universidades líderes do sistema. Seus professores freqüentemente ocupam cargos no governo e, também, no movimento sindical não só dos professores e assemelhados, como de todo o serviço público.
Trabalhei na Faculdade de Educação da UNICAMP durante trinta e dois anos e meio – de Julho de 1974 a Dezembro de 2006. Ali fui Coordenador do Curso de Pedagogia (o primeiro), Coordenador da Pós-Graduação (o segundo), Diretor Associado e Diretor (tendo permanecido nessas duas funções de direção por oito anos, de 1976 a 1984). Depois trabalhei na Secretaria da Educação e na Secretaria de Ensino Superior do Estado de São Paulo. Conheço bem as universidades – em especial as duas que o Secretário nomeia, a USP e a UNICAMP. E o Secretário da Educação as conhece muito bem, também. Muito melhor do que os signatários dos protestos unicampeiros.
O curso de Pedagogia da UNICAMP já foi muito bom – numa época em que o curso e a faculdade eram dirigidos por pessoas que não tinham nenhum envolvimento no movimento sindical e se preocupavam apenas com a qualidade da educação. As demais Licenciaturas, admito, nunca foram muito boas. Agora, que o curso de Pedagogia, as Licenciaturas e a própria faculdade vêm sendo dirigidos por pessoas envolvidas no movimento sindical dos professores, ou o apóiam, eles estão longe dos melhores. Na verdade, nem mesmo podem ser considerados bons. O próprio Mestrado em Educação da Faculdade de Educação da UNICAMP, outrora um dos melhores do país, foi contagiado pela mediocridade que impera nos cursos de Graduação. Os professores da instituição tentam esconder essa mediocridade atrás de um discurso chocho sobre a necessidade de integrar a teoria e a prática, ou de formar professores, não técnicos…
Nunca ninguém propôs ou desejou uma formação puramente prática, sem teoria, para os professores. Mas isso não é justificativa para uma formação predominante, quando não exclusivamente teórica. E o Secretário identifica claramente o maior problema: não é a presença de teoria, mas a exclusividade da teoria – e, o que é o pior, de uma teoria totalmente retrógrada e ultrapassada, repetida como se fosse texto de catecismo nas Faculdades de Educação.
Ninguém quer um professor puramente técnico, que é programado a fazer uma coisa que não entende. Mas isso não é justificativa para uma formação ideologizada, marxistizada. Quando a formação dos professores das séries iniciais do processo de escolarização era feita nos Cursos Normais, havia discussão de questões teóricas, mas os professores, sem se tornar técnicos burros e automatizados, sabiam alfabetizar, sabiam ajudar as crianças a desenvolver as competências básicas que deveriam dominar para alcançar autonomia na vida. Hoje, isso não acontece nas Faculdades de Educação. Todo mundo sai da Faculdade sabendo quem é Lakan, Vygotsky, Emília Ferreiro, etc. Mas sem saber gerenciar uma sala de aula, manter disciplina (i.e., não deixar que uns, tentando exercer sua liberdade, impeçam os demais de exercer a sua – algo que os sindicalistas fariam bem em aprender), e, portanto, sem condições de ajudar os alunos a aprender o que é preciso que aprendam…
Não sou o maior fã do Secretário da Educação do Estado de São Paulo. Mas sua entrevista é impecável. Dou-lhe os parabéns. Aos professores da Faculdade de Educação da UNICAMP cabe, naturalmente, o jus sperniandi. Melhor fizeram os da USP, que ficaram quietos…
Abaixo, os três textos mencionados:
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http://veja.abril.com.br/281009/contra-corporativismo-p-019.shtml
VEJA
Edição 2136 / 28 de outubro de 2009
Entrevista Paulo Renato Souza
Contra o corporativismo
O secretário da Educação de São Paulo diz que sem meritocracia não haverá avanços na sala de aula – e que os sindicatos são um entrave para o bom ensino
Monica Weinberg
"É preciso premiar o esforço e o talento para tornar a carreira de professor atraente. O bom ensino depende disso"
Criar um sistema capaz de atrair os melhores alunos para a carreira de professor é imperativo para um ensino de alto nível. Daí a relevância da aprovação, na semana passada, de um projeto concebido pelo economista Paulo Renato Souza, 64 anos, secretário estadual da Educação em São Paulo. Trata-se de um plano de carreira para os professores inteiramente baseado na meritocracia, conceito ainda raro nas escolas brasileiras e repudiado pelos sindicatos, seus principais adversários. "Os sindicalistas são um freio de mão para o bom ensino", resume o ex-ministro da Educação no governo Fernando Henrique, que reconhece avanços na implantação dos rankings no Brasil e da cobrança de resultados com base neles, mas adverte: "É preciso discutir a educação com mais objetividade e menos ideologia".
VEJA: Um relatório recente da OCDE mostra que o Brasil foi o país que mais aumentou o investimento na educação em proporção ao total dos gastos públicos – mas muitos se queixam de falta de dinheiro nas escolas. Estão certos?
PAULO RENATO: O maior problema no Brasil não é a falta de dinheiro, mas como esses recursos são empregados – em geral, de maneira bastante ineficaz. Daria para obter resultados infinitamente superiores apenas fazendo melhor uso das verbas já existentes. Prova disso é que, com orçamento idêntico, algumas escolas públicas oferecem ensino de ótima qualidade e outras, de péssimo nível.
VEJA: O que explica isso?
PAULO RENATO: As boas são comandadas por diretores com uma visão moderna de gestão, coisa raríssima no país. Não existe no Brasil nada como um bom curso voltado para treinar esses profissionais a liderar equipes ou cobrar resultados, o básico para qualquer um que se pretenda gestor. Quem se sai bem na função de diretor, em geral, é porque tem algo cogmo um dom inato para a chefia. A coisa funciona no improviso.
VEJA: As avaliações sempre chamam atenção para o despreparo dos professores brasileiros. A que o senhor atribui isso?
PAULO RENATO: Às universidades que pretendem formar professores, mas passam ao largo da prática da sala de aula. No lugar de ensinarem didática, as faculdades de pedagogia optam por se dedicar a questões mais teóricas. Acabam se perdendo em debates sobre o sistema capitalista cujo ideário predominante não passa de um marxismo de segunda ou terceira categoria. O que se discute hoje nessas faculdades está muito distante de qualquer ideia que seja cientificamente aceita, mesmo dentro da própria ideologia marxista. É uma situação difícil de mudar. A resistência vem de universidades como USP e Unicamp, as maiores do país.
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"Uma ideia bastante difundida no Brasil é que o professor deve ter liberdade total para construir o conhecimento junto com seus alunos. Essa apologia da ausência de método só atrapalha"
VEJA: Como isso se reflete nas escolas?
PAULO RENATO: Muitos professores propagam em sala de aula uma visão pouco objetiva e ideológica do mundo. Alguns não dominam sequer o básico das matérias e outros, ainda que saibam o necessário, ignoram as técnicas para passar o conhecimento adiante. Vê-se nas escolas, inclusive, certa apologia da ausência de métodos de ensino. Uma ideia bastante difundida no Brasil é que o professor deve ter liberdade total para construir o conhecimento junto com seus alunos. É improdutivo e irracional. Qualquer ciência pressupõe um método. No ensino superior, há também inúmeras mostras de como a ideologia pode sobrepor-se à razão.
VEJA: O senhor daria um exemplo?
PAULO RENATO: Existe um terrível preconceito nas universidades públicas contra o setor privado. Ali, qualquer contato com as empresas é visto como um ato de "venda ao sistema". Como se as instituições públicas fossem sustentadas por marcianos e não pelo dinheiro do governo, que vem justamente do sistema econômico. O resultado é que, distantes das empresas, as universidades se tornam menos produtivas e inovadoras.
VEJA: Em muitos países, as universidades públicas cobram mensalidade dos estudantes que têm condições de pagar. Seria bom também para o Brasil?
PAULO RENATO: Sem dúvida. Só que esse é um tabu antigo no país. Se você defende essa bandeira, logo o identificam como alguém que quer privatizar o sistema. Preservar a universidade gratuita virou uma questão de honra nacional. Bobagem. É preciso, de uma vez por todas, começar a enxergar as questões da educação no Brasil com mais pragmatismo e menos ideologia.
VEJA: Na semana passada, foi aprovado em São Paulo um novo plano de carreira para professores e diretores. Esse tipo de medida tem potencial para revolucionar o ensino nas redes públicas?
PAULO RENATO: Planos de carreira são essenciais para tornar essas profissões novamente atraentes, de modo que os melhores alunos saídos das universidades optem por elas. Sem isso, é difícil pensar em bom ensino. O plano de São Paulo não apenas eleva os salários, o que é um chamariz por si só, mas faz isso reconhecendo, por meio de avaliações, o mérito dos melhores profissionais. Ou seja: esforço e talento serão premiados, um estímulo que a carreira não tinha. A meritocracia consta de qualquer cartilha de gestão moderna, mas é algo ainda bem novo nas escolas brasileiras.
VEJA: Os principais adversários do projeto foram os sindicatos desses profissionais. Que lógica há nisso?
PAULO RENATO: É uma manifestação de puro corporativismo. Pela nova lei, só poderão pleitear aumento de salário aqueles professores assíduos ao trabalho – um pré-requisito mais do que razoável. É o mínimo esperar que, para alguém almejar ascender na carreira, ao menos compareça ao serviço. Apenas o sindicato não vê desse jeito. Ele encara as "faltas justificadas" como um direito adquirido. E ponto. Não quer perdê-lo. Mas repare que eu não estou dizendo que os professores ficarão sem esse direito. Só estou tentando fornecer um estímulo adicional para que eles deem suas aulas. O último levantamento que fizemos mostra que a média de ausências na rede estadual de São Paulo é altíssima: foram trinta faltas por docente apenas em 2008. Ao resistir a uma medida que premia a presença na escola, o sindicato dá mais uma mostra de como o espírito corporativista pode sobrepor-se a qualquer preocupação com o ensino propriamente dito.
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"No lugar de ensinarem didática, as faculdades de pedagogia optam por perder tempo com discussões teóricas que, não raro, se baseiam em conceitos sem nenhuma comprovação científica"
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VEJA: O movimento sindical passa ao largo da preocupação com o bom ensino?
PAULO RENATO: É exatamente isso. Está claro que os sindicatos estão focados cada vez mais no próprio umbigo e menos nas questões relativas à educação. Entendo, evidentemente, que lutem pelos interesses da categoria, propósito de qualquer organização do gênero. Mas a qualidade do ensino, que é de responsabilidade social deles, deveria vir em primeiro lugar. Em 1984, quando fui secretário da Educação em São Paulo pela primeira vez, já se via essa forte tendência nos sindicatos. Em reuniões com os professores, palavras como aluno ou ensino jamais eram mencionadas por eles. Apenas se discutiam ali os interesses da categoria. E esse problema só piora.
VEJA: O que causa a piora?
PAULO RENATO: O movimento sindical politizou-se a um ponto tal que não se acham mais nele pessoas realmente interessadas em educação. Estas debandaram. Hoje, os sindicatos estão tomados por partidos radicais de esquerda sem nenhuma relevância para a sociedade. Para essas agremiações insignificantes, o sindicalismo serve apenas como um palanque, capaz de lhes dar uma visibilidade que jamais teriam de outra maneira. É aí que tais partidos aparecem e fazem circular seu ideário atrasado e contraproducente para o ensino. Repare que esses sindicalistas são poucos – e estão longe de expressar a opinião da maioria. Mas têm voz.
VEJA: Com a nova lei fica determinado que, para pular de nível na carreira, o professor seja submetido a uma prova. Por que os sindicatos rejeitaram a ideia?
PAULO RENATO: É lamentável que um grupo de professores critique a existência de uma prova. Veja o absurdo. Eles alegam que um exame os obrigaria a estudar mais e que não têm tempo para isso. A crítica expressa também uma resistência à avaliação, que até hoje se vê arraigada em certos setores da sociedade brasileira.
VEJA: Nisso o Brasil destoa de outros países?
PAULO RENATO: Em culturas mais individualistas e competitivas, como a anglo-saxã, as aferições do nível dos professores e do próprio ensino não são apenas bem-aceitas como têm ajudado a melhorar as escolas, na medida em que fornecem um diagnóstico dos problemas. Os professores brasileiros que agora resistem a passar pela avaliação certamente não estão atentos a isso. Sua maior preocupação é lutar por direitos iguais para todos – velha bandeira que ignora qualquer noção de meritocracia. Por isso, eles se posicionaram contra uma regra do projeto que limita o número de promoções por ano: não mais do que 20% dos profissionais poderão subir de nível. É um teto razoá-vel: evita um rombo no orçamento e, ao mesmo tempo, promove uma bem-vinda competição. Demandará mais empenho e estudo dos professores – o que não lhes fará mal.
VEJA: No campo salarial, premiar o mérito significa romper com o conceito da isonomia de ganhos para todos os funcionários. Esse não é um valor que deveria ser preservado?
PAULO RENATO: Não. Já é consenso entre especialistas do mundo todo que aumentos concedidos a uma categoria inteira, desprezando as diferenças de desempenho entre os profissionais, não têm impacto relevante no ensino. O que faz diferença, isso sim, é conseguir premiar os que se saem melhor em sala de aula. A isonomia é uma bandeira velha.
VEJA: Há experiências no Brasil com a concessão de bônus aos melhores professores. Isso funciona?
PAULO RENATO: Sem dúvida. Quando há um sistema feito para reconhecer e premiar os talentos individuais, a eficácia das políticas públicas para a educação aumenta. Coisa de quinze anos atrás, o Brasil estava a anos-luz disso. Não havia informação sobre nada – nem mesmo se sabia o número de escolas no país. O dado variava entre 190 000 e 230 000 colégios, dependendo da fonte. Hoje, já dá até para comparar o ensino de Capão Redondo, na periferia de São Paulo, com o das escolas da Finlândia. Desse modo, é possível traçar metas bem concretas para a educação e cobrar por elas – alicerces para uma boa gestão em qualquer setor.
VEJA: Já se formou um consenso no Brasil de que esse é o caminho acertado?
PAULO RENATO: Acho que sim. Nos primeiros anos de governo Lula, os petistas chegaram a pôr em xeque a ideia de que a qualidade do ensino precisa ser aferida com base em dados objetivos. Foi um retrocesso. Mas hoje o MEC norteia suas políticas com base em avaliações, metas e cobrança de resultados. Diria que eles chegam até a exagerar na dose, divulgando rankings que, como ministro, eu mesmo preferia não trazer a público. É o caso do Enem.
VEJA: O Enem não é um bom indicador da qualidade do ensino em escolas públicas e particulares?
PAULO RENATO: O problema é que, como só faz o exame quem quer, ele não necessariamente traduz a qualidade de ensino na escola como um todo. E se apenas os bons alunos de determinado colégio se submeterem à prova? O retrato sairá distorcido. Grosso modo, o Enem até espelha bem a realidade. Mas, como a amostra de alunos de cada escola é aleatória, há espaço para que se cometam injustiças. Em tese, qualquer colégio particular que se sentisse prejudicado pelo ranking poderia processar o MEC. De modo geral, porém, sou absolutamente favorável a que se lance luz sobre os resultados. O monitoramento deve ser constante.
VEJA: No começo do ano, flagraram-se em material que seria distribuído às escolas pela Secretaria Estadual da Educação erros crassos, tais como a inclusão de dois Paraguais num mapa da América do Sul. Faltou fiscalização por parte do governo?
PAULO RENATO: Sem dúvida. Ainda que o material não seja produzido pela secretaria, é de responsabilidade dela que não passem erros. Não há o que argumentar aí. Depois do episódio, os cuidados foram redobrados. Cada livro é revisado de três a quatro vezes. Apostila com erro é um desserviço à educação – e desperdício de dinheiro público.
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Texto da manifestação da Congregação da Faculdade de Educação, publicado, em 12 de Novembro de 2009, no site do jornalista Luís Nassif (http://colunistas.ig.com.br/luisnassif/2009/11/12/a-unicamp-responde-a-paulo-renato/)
Ao tentar defender a política meritocrática repaginada pela Secretaria de Estado de Educação de São Paulo, o Sr. Secretário da Educação Paulo Renato Souza atribui grande responsabilidade pelos problemas da escola aos professores e à sua formação, apontando as Faculdades de Educação, e nominalmente a Unicamp e Usp, pelos males da Educação do Estado de São Paulo.
Afirma o Sr. Secretário que a formação nesses cursos é muito teórica e ideológica, em que se defende a ausência de método e não se provê o professor de técnicas adequadas de ensino.
Não ingenuamente, o Sr. Secretário de Educação faz parecer que universidades públicas e privadas funcionam a partir dos mesmos princípios e condições, com os mesmos propósitos e a mesma qualidade, o que nem de longe corresponde à realidade.
Induz também a pensarmos que são as instituições públicas que formam a maioria dos professores do Estado, o que também não corresponde à realidade. No Estado de São Paulo, infelizmente, as universidades públicas paulistas são responsáveis por apenas 25% das vagas universitárias, contra 75% das privadas.
Vale dizer que essa discrepância não parte de uma opção das universidades públicas, mas foi produzida, nos últimos 15 anos, pela própria política de encolhimento do setor público e ampliação do setor privado que ele, então Ministro da Educação, ajudou a implementar.
Soa estranho, então, que a responsabilização pela suposta má formação dos professores recaia exatamente no setor minoritário, em termos numéricos, quanto à formação de professores.
Pior fica perceber que o ex-Ministro e atual Secretário de Educação do Estado desconhece os projetos e currículos dos cursos de pedagogia da Unicamp e Usp, pelos quais o Estado é responsável.
No caso do curso de Pedagogia da Unicamp, há mais de uma década temos defendido e trabalhado, como princípios norteadores de nosso currículo, a formação teórica sólida (da qual certamente não abrimos mão, já que formamos educadores e não técnicos), a pesquisa como eixo de formação, a unidade teoria-prática, sendo o nosso compromisso, como universidade pública, com a educação pública de qualidade para todos. Em nossa última reforma curricular, foi exatamente nas atividades de pesquisa e prática, e no estágio supervisionado, que logramos ampliar nossa carga horária e nossas experiências de formação.
Nada na nossa organização curricular e nos nossos planos de ensino aponta para a defesa do espontaneísmo e ausência de pesquisa sobre a prática, como afirma nosso secretário. Equivoca-se o Sr. Secretário ao confundir autonomia do professor, como intelectual que reflete sobre a própria prática e toma decisões, com ausência de método. Nossa ênfase na formação continuada a partir dos projetos pedagógicos das escolas, como trabalho coletivo, reforçam essa diferença.
Se pensar criticamente a realidade, conhecer os problemas do nosso país, dos nossos alunos concretos, dos nossos professores concretos, é visto pelo Sr. Secretário como “viés ideológico”, o que dizer da assunção de uma meritocracia cruel e desumana, que se assenta de forma alienada sobre as profundas desigualdades que marcam o nosso Estado e o nosso país, escamoteando e ocultando suas verdadeiras causas por meio do discurso falacioso da meritocracia? Não haverá também aí viés ideológico, e a questão não estaria na opção que fazermos, de nossa parte, por defender uma educação de qualidade para todos, e da parte do Governo do Estado, em manter a desigualdade entre a educação para o povo e a educação para as elites? Ou pretende o Sr. Secretário zombar da inteligência do leitor, querendo fazer crer que a política por ele desenvolvida é neutra, imparcial, desprovida de ideologia?
Apenas para ilustrar nosso compromisso e vínculo com a realidade e o cotidiano escolar, e a relevância do trabalho que realizamos, segundo dados fornecidos pela Assessoria de Imprensa da Unicamp, a pesquisa realizada nesta Universidade mais consultada neste ano de 2009 é da Faculdade de Educação e, talvez para surpresa do Sr. Secretário, trata de uma questão pungente da sala de aula: o ensino de matemática. Esse é apenas um exemplo dos estudos que realizamos e nossa produção aponta a intensidade do vínculo que estabelecemos com a escola pública, nas nossas atividades de ensino, pesquisa e extensão. Além disso, o Sr. Secretário desconhece que o curso de Pedagogia da Unicamp foi reconhecido, durante os últimos anos, como um dos melhores do país.
Quanto à forma como encaramos a relação público-privado, vale salientar que, em muitos países em que dizemos nos espelhar, a educação pública de qualidade é um direito da população, as condições de trabalho e salário docente são garantidas sem a necessidade do apelo à alegoria do discurso meritocrático, e a maioria das vagas universitárias são públicas (como nos Estados Unidos e na nossa vizinha Argentina). E, para informação do Sr. Secretário, a verba pública não é do governo nem do setor econômico; provém dos muitos impostos que nós, trabalhadores paulistas, brasileiros, pagamos, com o suor de nosso trabalho. A educação de qualidade, portanto, é nosso direito e obrigação do Estado.
Congregação dos professores da Faculdade de Educação da UNICAMP
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Folha de S. Paulo
30 de Dezembro de 2009
TENDÊNCIAS/DEBATES
Em defesa do curso de pedagogia da Unicamp
ÂNGELA FÁTIMA SOLIGO, MARIA MÁRCIA SIGRIST MALAVASI e SÉRGIO ANTONIO DA SILVA LEITE
Fomos neste ano alvo de injustas críticas por parte da cúpula que administra os destinos do ensino público paulista
OS CURSOS de pedagogia das faculdades de educação da Unicamp e da USP foram neste ano alvos de injustas críticas por parte da cúpula que administra os destinos do ensino público paulista.
O sr. secretário da Educação, economista Paulo Renato Souza, ao defender a política meritocrática proposta pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, tem atribuído grande responsabilidade pelo despreparo dos professores à sua formação na graduação, apontando nominalmente as duas faculdades citadas.
Afirma o sr. secretário: "No lugar de ensinarem didática, as faculdades de educação optam por se dedicar a questões mais teóricas. Acabam se perdendo em debates (…) cujo ideário predominante não passa de um marxismo de segunda ou terceira categoria… A resistência vem de universidades como USP e Unicamp, as maiores do país".
Estranhamente, o sr. secretário da Educação faz parecer que universidades públicas e privadas funcionam a partir dos mesmos princípios e condições, com os mesmos propósitos e a mesma qualidade, o que não corresponde à realidade. Induz também a pensarmos que são as instituições públicas que formam a maioria dos professores do Estado, o que também não corresponde à realidade.
No Estado de São Paulo, infelizmente, as universidades públicas paulistas são responsáveis por apenas 25% das vagas universitárias, contra 75% das privadas. Vale dizer que essa discrepância não parte de uma opção das universidades públicas, mas foi produzida, nos últimos anos, pela própria política de encolhimento do setor público e ampliação do setor privado que ele, quando ministro da Educação, ajudou a implementar.
Também fica óbvio que o atual secretário da Educação desconhece os projetos e currículos dos cursos de pedagogia da Unicamp e da USP. No caso da Unicamp, temos desenvolvido e aprimorado um projeto pedagógico que tem, como princípios, uma sólida formação teórica (já que formamos educadores, e não técnicos), a pesquisa como eixo de formação e a unidade teoria-prática, e o nosso compromisso é com a educação de qualidade para todos. Em nossa última reforma curricular, foi exatamente nas atividades de pesquisa e nos estágios supervisionados que logramos ampliar a carga horária.
Igualmente, equivoca-se o sr. secretário ao confundir autonomia do professor, como intelectual que reflete sobre a própria prática, com ausência de método. Nossa ênfase na formação continuada, a partir dos projetos pedagógicos desenvolvidos nas escolas com foco no trabalho coletivo, reforça essa diferença.
Se pensar criticamente a realidade, conhecer os problemas do país, dos nossos alunos e dos nossos professores como sujeitos concretos é visto pelo sr. secretário como "ideário de um marxismo de segunda ou terceira categoria", o que dizer da assunção de uma proposta que se assenta sobre as profundas desigualdades que marcam o nosso Estado e o nosso país, escamoteando e ocultando suas verdadeiras causas, por meio do discurso falacioso da meritocracia? Não haverá também aí viés ideológico? Ou pretende o sr. secretário fazer crer que a política por ele desenvolvida é neutra, imparcial, desprovida de ideologia? Apenas para ilustrar a relevância do trabalho que realizamos, segundo dados fornecidos pela assessoria de imprensa da Unicamp, a pesquisa dessa universidade mais consultada, em 2009, é da Faculdade de Educação e, para surpresa do sr. secretário, trata de uma questão pungente da sala de aula: o ensino de matemática.
A análise de nossa produção aponta a intensidade do vínculo que estabelecemos com a escola pública -aliás, marca do trabalho de toda a Faculdade de Educação da Unicamp, por meio das atividades de ensino, pesquisa e extensão. Além disso, o sr. secretário desconhece que o curso de pedagogia da Unicamp tem sido reconhecido, nos últimos anos, como um dos melhores do país. Quanto à forma como encaramos a relação público-privado, salientamos que temos defendido que a educação pública de qualidade é um direito da população, que as condições de trabalho devem ser garantidos a todos os profissionais da área e que as universidades públicas devem ter todas as condições necessárias para a ampliação dos cursos de pedagogia visando à formação de professores. Vale relembrar que a verba pública provém dos muitos impostos que nós, trabalhadores brasileiros, pagamos, com o suor de nosso trabalho.
A educação de qualidade, portanto, é nosso direito e obrigação do Estado.
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Em Ubatuba, 30 de Dezembro de 2009
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