A Edição 964 revista Exame, com data de 24/3/2010, traz uma memorável matéria com Jorge Paulo Lemannm Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira – os gênios por detrás do Garantia, da GP Investimentos, das Lojas Americanas, da Ambev e da AbInBev. Desta gigante multinacional, que é agora é dona da Anheuser-Busch, eles são os três maiores acionistas individuais.
Cito uma passagem que me parece antológica de Sicupira, em resposta à pergunta: “Na formação de gente, o que é inato e o que se pode ensinar?”
“Ensinar vontade é muito difícil. É uma característica inata, da mesma forma que você pode nascer com olho verde ou azul. A Endeavor, por exemplo, não tenta transformar ninguém em empreendedor. A idéia é mostrar a um empreendedor que ele pode fazer um negócio muito maior do que estava pensando. A gente tem de alavancar a vontade que a pessoa tem. Disciplina dá para ensinar. O que uma pessoa tem de saber? Não tem de saber nada. As pessoas valem pelo que elas são capazes de fazer, e não por aquilo que elas conhecem. Algumas pessoas sabem de tudo, mas não conseguem transformar isso em nada”.
É isso. Está aqui o princípio básico que, se fosse realmente entendido, revolucionaria nosso sistema escolar. Uma educação centrada no desenvolvimento de competências, ancorada nos interesses, nos talentos, nos pontos fortes dos alunos.
Os saberes que a escola transmite de nada valem. As pessoas precisam ser capazes de fazer, precisam saber-fazer. O que a escola deveria fazer é desenvolver competências. Em cima de interesses e talentos que já existem.
Na página principal deste space, numa seção que tem o título de “Como eu vejo o que eu faço hoje”, cito uma frase de Herbert Spencer (1820-1903), que disse: “O grande objetivo da educação não é conhecimento, mas ação”. É isso. E sabemos disso há muito tempo. Era hora de colocar isso em prática em nosso sistema educacional.
A seguir, o trecho da matéria da Exame que contém a entrevista com Sicupira – que, a meu ver, é o ponto alto da matéria.
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Exame Especial Cultura
“A melhor ideia, sem gente boa, não vai a lugar algum"
O empresário Carlos Alberto Sicupira conta como se dedica atualmente ao que muitas vezes não passa de platitude no jargão corporativo – a formação de pessoas
Sicupira (centro), com a equipe da Endeavor: "Meu papel hoje é mostrar caminhos que já tive"
(Foto de Germano Lüders)
Entrevista de Cristiane Mano
17.03.2010 | 13h05
O empresário Carlos Alberto Sicupira, um dos controladores da ABInBev e presidente do conselho de administração da Lojas Americanas, não tem hoje escritório em nenhuma das duas grandes empresas em que investe. Mas ele ainda faz questão de ocasionalmente circular, em seu traje habitual – tênis, camisa e calça jeans -, entre os funcionários de ambas as empresas. Uma dessas rondas deve acontecer na China, no final de março, num encontro dos 300 principais executivos da cervejaria em todo o mundo. Trata-se de uma chance valiosa, segundo ele, de conhecê-los de uma só vez. Gente é uma de suas obsessões declaradas. Ao lado dos sócios Jorge Paulo Lemann e Marcel Telles, Sicupira deu sentido próprio a algo que muitas vezes não passa de platitude no jargão corporativo. Aos 62 anos, ele dedica boa parte de seu tempo a formar talentos em três ONGs – a Endeavor, que promove o empreendedorismo, a Fundação Brava, que apoia projetos de gestão no setor público, e a Fundação Estudar, que patrocina bolsas de estudo. Cada uma a seu modo, todas servem para o que ele chama de "alavancar gente". Numa rara entrevista, concedida a EXAME em São Paulo, Sicupira conta como faz isso acontecer.
Quanto tempo o senhor dedica hoje a causas fora das companhias que controla?
Como não tenho mais escritório em empresa alguma, tenho de arrumar mais o que fazer. Não consigo parar de me meter em encrenca. Grande parte do meu tempo hoje é dedicada às causas em que acredito – empreendedorismo, governos mais eficientes e educação. Estou sempre disponível para todas elas, por isso minha de dicação fica meio difusa. As coisas aca bam muito interligadas. Se estou no governo, às vezes vejo uma oportunidade para a Endeavor. Na Endeavor, vejo uma oportunidade para a Fundação Estudar. Mas todas elas se baseiam no mesmo princípio de alavancar pessoas. Meu papel é ba sicamente mostrar caminhos que já tive. Na Endeavor, o senhor vem ajudando a formar uma rede de empresários e executivos que se tornam mentores de empreendedores. Como isso funciona? Hoje, temos 300 voluntários dedicados a ajudar os empreendedores. Alguns procuram a Endeavor. Em outros casos, a gente faz o convite. É uma oportunidade única para os empreendedores, já que a hora desses voluntários não está à venda por preço nenhum. O Fabio Barbosa (presidente do banco Santander no Brasil) ou o Pedro Passos (um dos controladores), da Natura, não vão alugar a hora deles para ninguém. Mas eles estão ali disponíveis para atender essas empresas que estão surgindo.
Tanto nas empresas como nas ONGs, uma das marcas do senhor e de seus sócios é colocar gente muito nova em cargos de chefia. Por quê?
A gente acredita que a pessoa é capaz de dar o próximo pulo com base no que ela fez até então e sobretudo na pessoa que ela é. O Rodrigo (Teles) assumiu a diretoria-geral da Endeavor aos 28 anos. É preciso dar a chance às pessoas que querem fazer. Tem risco? Sim. Mas é muito calculado. Risco muito maior é botar alguém que você tem certeza de que não vai errar mas que também não vai fazer nada porque a forma mais fácil de não errar é não fazer nada.
Em sua trajetória o senhor também aprendeu muita coisa na fogueira?
A vida toda. Trabalho desde os 14 anos de idade. Comecei com compra e venda de carros. Aos 17, pedi a meu pai para me emancipar para comprar uma distribuidora (de títulos e valores) do
Banco Central. Vendi e, mais para a frente, comprei outra. Estudava à noite e trabalhava durante o dia.
Quem mais influenciou as suas decisões como empresário?
O Jorge Paulo (Lemann) e o Sam Walton (fundador do Walmart) são as pessoas que mais me inspiraram.
O senhor ainda busca novas influências?
Sempre. Todo ano a Endeavor mundial monta uma visita, geralmente nos Estados Unidos. A última aconteceu no Vale do Silício. Visito todo ano uma ou duas companhias que eu acho excepcionais em alguma coisa para ver o que dá para aprender. É como a gente fez com o Sam Walton ou com o Goldman Sachs. E com a própria Anheuser-Busch. Em 1991, o Marcel (Telles) foi visitar a empresa e várias coisas que fizemos no Brasil foram totalmente copiadas de lá. Que companhias o senhor colocou em sua lista de visitas recentemente? Hoje existem algumas coisas tão transformacionais no mundo que ninguém pode deixar de acompanhar. Passei um dia no Google para entender como eles funcionam, há uns três anos. Voltei com uma porção de ideias. Tenho interesse também na coreana Hyundai, que tem uma maneira criativa de abordar o consumidor. No meio da crise, eles ofereceram um seguro para garantir que as prestações fossem quitadas caso o comprador perdesse o emprego.
Na formação de gente, o que é inato e o que se pode ensinar?
Ensinar vontade é muito difícil. É uma característica inata, da mesma forma que você pode nascer com olho verde ou azul. A Endeavor, por exemplo, não tenta transformar ninguém em empreendedor. A ideia é mostrar a um empreendedor que ele pode fazer um negócio muito maior do que estava pensando. A gente tem de alavancar a vontade que a pessoa tem. Disciplina dá para ensinar. O que uma pessoa tem de saber? Não tem de saber nada. As pessoas valem pelo que elas são capazes de fazer, e não por aquilo que elas conhecem. Algumas pessoas sabem tudo, mas não conseguem transformar isso em nada.
Quanto tempo o senhor se dedicou a formar gente durante toda a vida?
A vida toda. Só faço isso. Gente é a pedra fundamental de tudo. A melhor ideia, sem gente boa, não vai a lugar algum. A execução não vai ser boa e também vai parar de aparecer ideia boa. O pilar básico de tudo é: gente boa, unida por um sonho comum, reconhecida e com oportunidade de crescer.
A valorização das pessoas é um daqueles discursos corporativos que muitas vezes se perdem entre outras prioridades. Na correria para entregar resultados, dá tempo de realmente se preocupar com as pessoas?
É o contrário. Você se preocupa com as pessoas e as pessoas vão transformar o resultado. Se você se preocupar com o resultado, e não com as pessoas, o resultado vai acontecer uma vez só. Se for diferente, você tem uma perpetuação de resultado. Durante o ano inteiro, eu não pergunto a ninguém sobre o resultado. Minha preocupação é como eu posso ajudá-los a fazer isso acontecer.
E o que as empresas podem fazer para motivar as pessoas?
Não acho que se deva motivar ninguém. A pessoa tem de ser automotivada. Senão, será preciso ter o Silvio Santos o dia todo ao lado dela. As pessoas se sentem motivadas a trabalhar se existe um ambiente em que possam se dar bem pessoal e financeiramente. A vida é um pacote. Não adianta acreditar que basta alguém se rea lizar no trabalho fazendo coi sas importan tes mas sem ganhar nada. Também não adianta dar dinheiro e a pessoa não fazer algo que lhe interesse. É preciso ter certeza de que ela vai se realizar ao fa zer coisas grandes e reconhecê-la por isso.
Numa estrutura grande, como garantir que isso aconteça?
O grande desafio é manter a chama acesa numa companhia muito grande. Tenho hor ror a companhias grandes. A chance de uma companhia grande virar medíocre é enorme. Meu grande desafio é impedir que isso aconteça. Para isso, tenho de conhecer as pessoas, estabelecer os desafios. É preciso fomentar uma cultura que aceite esse tipo de profissional. Se prevalecer uma cultura em que não se pode arriscar, as pessoas com esse perfil não ficam. E então alguém do seu ramo vai acabar te passando.
Como o senhor faz isso na prática?
Primeira coisa: conhecendo as pessoas. Nos encontros de conselho, sempre busco jovens para fazer as apresentações. Senão você fica vendo as mesmas caras a vida inteira. No fim de março vou à China para uma reunião com todas as lideranças da ABI, durante quatro dias, para trabalhar juntos em diversos temas. Para mim é o momento mais importante. Vou ver as 300 principais pessoas da companhia. Alguém me diz: "Dá uma olhada naquele cara ali". Ou: "Aquele outro é interessante". Chamo um deles para almoçar. É muito bom para ter certeza de que a cultura está no lugar e para ter contato com todo mundo.
O senhor diz que não dá para ensinar vontade a um profissional nem motivá-lo. Mas como é possível inspirar?
Exemplo é tudo. Você tem de fazer o que você fala. Todo mundo está olhando o tempo todo para o líder de uma organização. Não dá para falar uma coisa e fazer outra. Senão todo mundo vê logo que se trata de um discurso de mentira. A gente, por exemplo, acredita que uma vantagem é ter custos mais baixos. Nas viagens da companhia, todos ficam nos mesmos hotéis. Todos os conselheiros seguem as mesmas regras que os demais funcionários. Não tem essa de ficar num hotel melhor e viajar em primeira classe. Se eu quero fazer isso, viajo no meu avião ou pago a passagem eu mesmo. Isso é dar o exemplo.
É muito comum a associação da capacidade de inspirar a um líder carismático. O que o senhor acha sobre a importância do carisma?
Na minha definição de boa liderança, a palavra carismático não aparece. Boa liderança é atingir o resultado proposto com as pessoas certas fazendo as coisas certas. Prefiro o líder que entrega ao líder que tem carisma. Ter um carisma louco pode ser muito bom para você ter um programa de televisão ou ser político. Nas companhias, você tem de procurar gente que vai entregar. Carisma num sentido messiânico, de alguém com grande poder de convencimento, não garante nada. O desafio de qualquer empresa é fazer tudo dar certo sem a necessidade de uma pessoa específica estar lá, é institucionalizar as coisas.
O que pode ser mais nocivo numa empresa?
Não ter cultura. Qualquer agrupamento de pessoas gera uma cultura, um protocolo de comportamento. Você sempre vai ter uma cultura, o problema é quando você não tem controle sobre ela. O que você tem de fazer é desenhar uma de acordo com seus objetivos e valores. Várias empresas têm valores escritos em algum lugar mas não têm cultura, porque não associaram uma coisa a outra. Às vezes
o empresário acha que a companhia segue os mesmos valores que ele, mas aquilo ali nunca foi dito para ninguém.
O que move o senhor hoje?
Construir coisas duradouras de excelência. Construir e institucionalizar. Fico feliz de saber que a Endeavor, por exemplo, não depende de mim.
O senhor e seus sócios sempre pregaram a máxima de que sonhar grande ou sonhar pequeno dá o mesmo trabalho. Hoje vocês estão à frente da maior cervejaria do mundo. Vocês esperavam chegar até aqui?
Muito mais (risos). O sonho é grande mesmo.
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Em São Paulo, 20 de Março de 2010
Está entrevista com certeza me fez abrir a mente, para creditar mais no outro e também dicas de como ser um bom lider. Muito boa, amei!
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