Uma transação econômica tem lugar quando (em princípio) dois agentes decidem se engajar numa operação de troca ou compra-e-venda. Numa sociedade livre, a decisão de se engajar nesse tipo de operação também é livre (não-proibida, não-obrigatória, enfim, não coagida) e decorre da percepção dos agentes de que o resultado da operação é no seu interesse.
Transações econômicas numa sociedade livre são, portanto, a prova viva de que o mercado não funciona como uma instituição de “soma zero”, em que, se um sai ganhando, o outro necessariamente sai perdendo. O mercado numa sociedade livre permite que o resultado de uma transação econômica seja no interesse das partes que nela se engajam: ambas (supondo-se que sejam duas) saem ganhando, nenhuma sai perdendo. Se não fosse esse o caso, não haveria transações econômicas. Se o meu interesse é mais bem atendido se eu permanecer na situação atual, sem fazer qualquer troca, sem comprar ou vender, eu simplesmente não me engajo em uma transação econômica. Por que o faria?
Embora a economia livre preconizada pelo liberalismo seja geralmente denominada, hoje em dia, “de mercado”, é evidente que transações econômicas acontecem também em sociedades não totalmente livres, ou não muito livres, ou até mesmo em sociedades não-livres de todo. Isso significa que não se deve considerar o mercado como equivalente de mercado livre: o mercado é o espaço institucional onde transações econômicas têm lugar – e ele pode ser mais ou menos livre. O liberalismo defende a tese de que o mercado deve ser livre – totalmente livre, sem coações de qualquer tipo. Ou seja, no mercado livre, ninguém deve ser probido de fazer qualquer transação econômica nem obrigado a fazê-la – e os termos da transações econômicas são livremente escolhidos entre as partes, sem qualquer coação.
Numa sociedade democrática a única instituição que tem condições de legalmente coagir os potenciais agentes econômicos, impedindos-os de agir, obrigando-os a agir, ou ditando os termos em que é permissível realizar as transações econômicas, é o governo. Na democracia liberal se defende a tese de que o governo não deve ter esse direito: o governo é impedido (em geral pela Constituição) de interferir na esfera das transações econômicas. Mas há sistemas políticos, como a chamada democracia social, em que esse impedimento não existe e o governo tem, portanto, liberdade de interferir nas transações econômicas de terceiros. Na realidade, a democracia social foi construída em cima da tese de que a intervenção governamental nas transações econômicas pode ser benéfica – não necessariamente para as duas partes envolvidas, mas, em geral, supostamente, para “a parte mais fraca”, ou, como freqüentemente se pretende, para “a sociedade como um todo”.
É evidente que uma intervenção governamental feita com a intenção de beneficiar “a parte mais fraca”, ou “a sociedade como um todo”, pode, no prazo médio ou longo, não produzir os resultados desejados ou até mesmo produzir resultados opostos aos desejados. É por isso que, em economia, é comum se referir às “conseqüências não desejadas” de ações (as chamadas políticas públicas, por exemplo) feitas com boas intenções.
Citemos alguns exemplos, de resto sobejamente conhecidos.
No tempo do nefasto, e indevidamente famoso “Plano Cruzado”, o governo tabelou (entre outras coisas) o preço da carne bovina – com a intenção de beneficiar os consumidores, em especial os mais pobres. A intenção era fazer com que até os mais pobres pudessem ter carne bovina na mesa. Ao fazer isso, o governo evidentemente interferiu nas transações econômicas dos indivíduos. Quem tinha boi no pasto com a intenção de vendê-lo para abate não teve mais a liberdade de cobrar, pelo boi, o preço que considerava justo – porque o preço ficou tabelado. O que aconteceu? A oferta de bois para abate foi reduzida – a ponto de claramente prejudicar o abastecimento. Isso significou que, apesar de o preço na carne nos açougues e supermercados estar tabelado, não havia carne para comprar – e os mais pobres continuaram sem carne.
Pior do que isso, medidas governamentais como essa ajudam a produzir o chamado “mercado negro”, ou o eufemisticamente chamado “mercado paralelo”. Para os clientes de maior poder aquisitivo o açougueiro revela que pode arrumar a carne desejada – mas “com ágio”. O chamado “ágio”, no caso, não é realmente ágio: é a diferença entre o que seria o preço livre e o preço tabelado. Os mais ricos pagavam a diferença e obtinham a carne. Os mais pobres, em benefício dos quais a medida foi tomada, continuavam sem carne. Neste caso, a intenção de beneficiá-los, redundou em fracasso e a medida teve de, oportunamente, ser abandonada.
A mesma coisa aconteceu com o tabelamento de automóveis: o consumidor, para obter seu carro, precisava pagar “ágio”, isto é, pagar “por fora”.
O salário mínimo é outra forma em que o governo intervêm nas transações econômicas dos indivíduos. Qualquer pessoa jurídica ou física que queira contratar um empregado está obrigada a respeitar o salário mínimo. Isso quer dizer que alguém, que poderia pagar, digamos, 250 reais por mês para uma empregada doméstica, pode resolver não contratá-la se o salário mínimo é de 400 reais mensais. Com a diferença de 150 reais mensais compra, em um ano, uma máquina de lavar roupa e um aspirador de pó, por exemplo. Resultado: a potencial empregada doméstica, que poderia obter um emprego por 250 reais por mês, fica desempregada. Neste caso, a intenção de beneficiar os mais pobres acabou por prejudicá-los. Os bastante ricos provavelmente já pagavam, para seus empregados domésticos, mais do que o salário mínimo exige. Mas a classe média baixa, que poderia estar empregando os realmente pobres em suas residências, deixa de fazê-lo – e, com isso, a medida, tomada com boas intenções, contribui para o aumento do desemprego dos mais pobres.
Em Cortland, 17 de Março de 2008
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Valeu me ajudou muito
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