Ainda sobre a riqueza e a densidade da informação vs imaginação

Coloquei aqui há dias uma entrevista de Juergen Boos que alegava que a riqueza e a densidade da informação presentes em materiais multimídia inibe a imaginação. Vide:

http://ec.spaces.live.com/default.aspx?_c01_BlogPart=blogentry&_c=BlogPart&handle=cns!511A711AD3EE09AA!3445 

Mauricio Ernica comentou no Facebook:

“Riqueza e densidade negam o imaginário? Essa afirmação me parece baseada numa visão ao mesmo tempo pobre e ingênua no que diz respeito à construção do imaginário e preconceituosa no que diz respeito à integração de mídias.”

Viviane Camozzato contestou, também no Facebook:

“Fiquei pensando que as imagens e outros recursos visuais tem o poder, sim, de preencher muitos dos vazios tão importantes para a imaginação. No caso dos contos de fadas, por exemplo, a imagem de determinado tipo de princesas (louras, altas, magras…) tem sido fecunda para limitar a imaginação a partir destas formas. Por muito tempo certas imagens eram praticamente as únicas, e acho que tudo isto tem a ver mais com a força e recorrência de certas formas de representação do que com a representação em si. Atualmente tem ocorrido um movimento crescente (mas ainda muito insuficiente, creio) para pluralizar mais as imagens e as possibilidades de contar as histórias. Entretanto, acho que tudo isto seria melhor se a prática de contar e construir histórias com as crianças e  representá-las de formas variadas (sem insistir, por exemplo, em fixar as coisas em consonância com uma suposta correspondência na "realidade") fosse uma atividade primeira ao invés de fazer dos livros multimídia uma nova babá eletrônica como a TV. Abs!”

Tendo a concordar com a Viviane.

Tomemos uma história contada em livro. Neste caso, temos apenas a história, narrada pelo texto. Dom Casmurro, de Machado de Assis, por exemplo, livro que provavelmente todos nós lemos na adolescência. Cada leitor precisava usar a sua imaginação para atribuir a Bentinho e Capitu as suas vozes e a sua aparência, para construir os cenários… Para aqueles de imaginação rica, a história ficava muito mais rica do que para aqueles de imaginação mais pobre…

Compare-se o livro com as rádionovelas, que continham apenas áudio (sim, sou desse tempo). Agora a gente tinha uma história representada por diálogos e uma voz que narrava… Ainda podíamos imaginar a aparência dos personagens. Mas os personagens agora tinham voz (e os efeitos especiais sonoros eram criados por aquela figura especial, o “sonoplasta” [Lima Duarte foi sonoplasta, pelo que consta]). Nossa imaginação, nesse caso, preenchia os detalhes visuais: como era a aparência dos atores, como era o cenário, como se desenvolviam as cenas. Mas nossa imaginação não conseguia mais imaginar, para os personagens, uma voz diferente daquela provida pelo rádio. As vozes de Albertinho Limonta e Isabel Cristina na primeira edição de O Direito de Nascer no rádio ficaram para sempre cristalizadas na mente de quem as ouviu. Edições subseqüentes da novela na rádio não pareciam críveis, porque as vozes eram diferentes. Tal é o poder da mídia para inibir a imaginação!

Entra o vídeo – e a nossa imaginação da aparência dos personagens é afetada… Quando a gente lia (digamos) Gabriela, Cravo e Canela antes de haver uma novela e um filme sobre o livro, cada um podia imaginar a aparência de Gabriela e de Mundinho… Depois da novela da Globo, não é fácil imaginar uma Gabriela que não tenha a cara, o corpo e o jeito da Sonia Braga… Ou um Mundinho muito diferente de José Wilker. No filme, em que Mascelo Mastroianni representa Mundinho, algo parece estar fora de lugar… E assim vai… Nosso imaginário ficou circunscrito por a gente já ter cristalizado uma imagem da Gabriela, do Mundinho, não ficou?

Continuando: Para quem assistiu a Os Dez Mandamentos de Cecil B de Mille, é possível imaginar um Moisés que não tenha a cara de Charlton Heston??? Para várias gerações que assistiram a O Vento Levou, Rhett Butler é Clark Gable.

E assim vai.

Meus dois romances favoritos são, nesta ordem, Atlas Schrugged (Quem é John Galt?) e The Fountainhead (A Nascente), ambos de Ayn Rand, escritos em 1957 e 1943, respectivamente. De The Fountainhead foi feito um filme em 1949, com Gary Cooper e Patricia Neal nos papéis principais de Howard Roark e Dominique Francon. Um desastre, na minha opinião. Ayn Rand era fã de Cooper e quis que ele tivesse o papel. Mas ele era totalmente inadequado para representar Roark. Bem mais velho, com uma voz rouca, rápida e meio em staccato, seco, sem nenhum charme… Neal, então, na minha imaginação, é a anti-Francon: baixinha, agitada, com um rosto que deixa muito a desejar. Quando vi o filme, custei agüentar até o fim. O livro, entretanto, já li uma dezena de vezes. Dizem que está sendo planejada uma série sobre Atlas Shrugged (que dificilmente caberá em um filme – o livro tem mais de mil páginas de história densa e complicada). Duvido que achem atores que consigam corporificar as imagens de John Galt, Dagny Taggart, Francisco D’Anconia, Ragnar Danneskjöld, Hank Rearden. (Para a imagem de James Taggart, o vilão e anti-herói, consigo imaginar vários!). Dizem que Angelina Jolie pleiteia a parte de Dagny. Mas, na minha imaginação, não há como Angelina possa se transmutar em Dagny. Por outro lado, se eu não tivesse lido o livro, e viesse a ver a série, com Angelina Jolie no papel de Dagny Taggart, provavelmente, quando fosse ler o livro, Dagny seria Angelina…

É isso.

A pergunta interessante é a levantada por Viviane, em seu comentário. Na escola, ambiente em que desejamos (entre outras coisas) estimular ainda mais a já rica imaginação das crianças, devemos usar histórias em vídeos e histórias em multimídia? Será que, se o fizermos, a imaginação das crianças não ficará compremetida e se tornará menos rica?

Maurício, em seu comentário, disse que esse receio “me parece basead[o] numa visão ao mesmo tempo pobre e ingênua no que diz respeito à construção do imaginário e preconceituosa no que diz respeito à integração de mídias.” Por que, Maurício? Você apenas alegou, não argumentou… Vamos argumentar um pouco?

Em São Paulo, 11 de Abril de 2010

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