Nós os queremos obedientes ou rebeldes?
Deleito-me quando minha filha Patrícia me conta as estripulias de meu neto Marcelo. Segundo ela (parecendo desanimada), ele anda respondão, desobediente, mal-comportado, só faz o que quer… E apenas acabou de fazer cinco anos.
Pode isso?
Mas ela mesma, enquanto conta as histórias, no fundo sente orgulhosa da rebeldia – vale dizer, da autonomia precoce – da cria. Prefere-o assim a um menino obediente, bem comportado, que só faz o que a mãe deixa, que não revida quando agredido na escola…
É isso? É isso, sim.
Excelente a parte que transcrevo abaixo do artigo de Contardo Calligaris na Folha de hoje. É o dilema da modernidade na criação dos filhos.
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Folha de S. Paulo
6 de Maio de 2010
Você prefere os obedientes ou os rebeldes?
Contardo Calligaris
Todos queremos que filhos ou alunos respeitem nossa autoridade. Agora, todos também consideramos que nossa tarefa de pais ou educadores só será cumprida quando filhos e alunos pensarem por conta própria, ou seja, quando eles sejam capazes de desconsiderar nossos conselhos e desobedecer a nossas ordens.
Seria cômodo se, como nas sociedades tradicionais, a gente dispusesse de ritos de passagem sancionando a entrada na idade adulta: aos 15 anos e um dia, saia sozinho pela savana, armado de uma lança, e só volte tendo matado seu primeiro leão. A partir de então, você será autônomo.
Infelizmente, para nós, o tempo de se tornar adulto se estende sem limites definidos: não sabemos quando ele acaba e, mais problemático ainda, não sabemos quando começa. Consequência: pais e educadores podem sofrer, exasperados pela rebeldia de moleques e meninas incontroláveis e, ao mesmo tempo, deliciar-se ao relatar as travessuras de filhos e alunos. Qualquer terapeuta já atendeu pais "desesperados" com a insubordinação dos filhos, mas que, de repente, abrem um sorriso extasiado na hora de contar "o horror" que é sua vida com esses descendentes que os desrespeitam.
Eis o problema que torna educar quase impossível, em nossa cultura: a autonomia, para nós, é um valor tão importante que ela precisa ser confirmada pela desobediência. Com isso, qualquer pai prefere, no fundo, lidar com um filho revoltado a imaginar que o filho possa ter uma vida servil e, portanto, medíocre.
Os santos mais respeitados são os que foram grandes pecadores e descrentes (Agostinho, Francisco, o próprio Paulo etc.). No imaginário cristão, aliás, uma conversão tem mais valor do que a fé de quem sempre acreditou. A parábola do pastor que deixa o rebanho para procurar a ovelha perdida sugere que, assim como a gente, talvez Deus prefira os rebeldes.
Uma anedota. Em maio de 1969, no átrio da Universidade de Genebra, junto com amigos anarquistas, eu distribuía panfletos criticando a iminente visita do papa à cidade.
Um professor, passando por nós, perguntou-me: "Será que o senhor tem uma autorização para distribuir esses panfletos?". Respondi imediatamente: "Senhor, tenho muito mais do que uma autorização, tenho uma proibição formal".
Fato coerente com o que acabo de argumentar, ele achou engraçada minha impertinência e deixou que continuássemos.
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Em Redmond, 6 de Maio de 2010
ai acho que sou meio dos dois
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acho que sou meio dos dois porque tem na maioria das vezes dou um piripaque
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