Voltando de Cape Town, ontem, assisti mais uma vez no avião o filme que dá o título deste post, com Jack Nicholson (http://www.imdb.com/title/tt0257360/). Os demais atores são coadjuvantes. Jack Nicholson é um dos melhores atores dos últimos 30 anos. Se já não tivesse certeza disso, o desempenho dele neste filme (que em Português teve o título de As Confissões de Schmidt), bem como em As Good as It Gets (Melhor é Impossível, com Helen Hunt) e Something’s Gotta Give (Alguém tem que Ceder, com Diane Keaton), teria eliminado qualquer dúvida.
Trata-se de um grande filme. Já escrevi sobre ele aqui neste blog (vide, por exemplo, http://liberalspace.net/2006/08/30/mais-uma-cronica-antiga-meus-60-anos/). Vou repetir algumas das coisas que já disse, visto que faz tanto tempo que comentei o filme… mais de sete anos.
Warren Schmidt é um funcionário competente e responsável de uma companhia de seguros. Ele tem 66 anos quando o filme começa e está sentato à sua mesa, no seu último dia de trabalho, esperando o relógio dar cinco horas da tarde. Além de competente e responsável, é um funcionário consciente, que não rouba a empresa de nenhum minuto do tempo que deve lhe dar, mesmo no último dia de trabalho, depois de 35 anos e tanto de dedicação. (Quando escrevi sobre esse filme anteriormente, eu celebrava 60 anos – tinha mais ou menos 90% da idade dele… e não estava aposentado. Hoje tenho 67 e, como ele, estou aposentado – embora não tenha parado de trabalhar).
Schimidt é estatístico. Sua especialidade na empresa é fazer cálculo de risco. Se lhe derem a data de nascimento de alguém, sua ficha médica, informações adicionais sobre seus hábitos, se é casado, solteiro, divorciado ou viúvo, que tipo de trabalho faz, que tipo de carro dirige, se (e quanto) bebe, se (e quanto) fuma, etc., ele é capaz de calcular, com razoável precisão, qual o risco, para sua empresa, de fazer um seguro de vida para esse indivíduo… Em outras palavras: a empresa seguradora quer saber por quanto tempo é provável que o segurado ainda pague seu prêmio antes de morrer…
Como Schmidt (diferentemente de mim) parou de trabalhar ao se aposentar, ele fica procurando sarna para se coçar… Seu maior problema é encontrar o que fazer… Ficando em casa, o inevitável acontece: irrita-se cada vez mais com sua mulher de 42 anos. Conclui, num momento de realismo e transparência, que não a tolera. Não aguenta o jeito dela, a voz dela, as manias dela, o cheiro dela… Que isso é triste, mas acontece, não há dúvida. 42 anos talvez seja tempo demais para qualquer um viver com outra pessoa.
Felizmente, para ele, sua mulher morre subitamente de um aneurisma, enquanto passava o aspirador de pó no tapete…
Alguns problemas acabam de ser solucionados. Mas outros aparecem… É sempre assim, não é?
Ele, que até aquele momento, não tinha o que fazer, tem agora de cuidar da casa – e fazer as vezes de mãe junto à filha que está para casar com um babaca que ele detesta…
Com a morte da mulher, Schmidt começa aplicar a sua especialidade a si próprio. Dada a sua idade e os seus hábitos, levado em conta o fato de que ele nunca teve uma doença séria como câncer ou enfarto, e, agora, o fato de sua viuvez, ele conclui que (desde que não se case de novo) deve ter por volta de nove anos mais de vida. (Não fica claro se, casando-se de novo, essa estimativa aumentaria ou diminuiria… Alguém arrisca um prognóstico?).
O que fazer com esses nove anos???
Ele tem consciência de que o que fez até ali com sua vida não vai fazer com que ninguém se lembre dele, depois de ele morrer e aqueles que hoje o conhecem também morrerem. Quando isso acontecer, as coisas se passarão como se ele nunca tivesse existido: não haverá nada que fará com que alguém se lembre de que ele um dia viveu… Nem um livro escrito… Nem um filme feito… Nem uma poesia escrita ou uma canção composta…
E Schmidt tem consciência de que cuidar da casa e da filha (esta claramente rejeitando os seus cuidados) não vai alterar esses fatos…
No contexto, ele arruma um menino de seis anos na África, ao qual, através de uma ONG chamada ChildReach, envia 22 dólares por mês. Quem sabe esse menino, novinho, vá perpetuar sua memória por um pouco mais de tempo… Quem sabe um dia se case, tenha filhos, e diga aos seus filhos que alguém chamado Warren Schmidt um dia o ajudou…
Crise. Crise de identidade. Crise de importância – mais precisamente, crise de desimportância…
Nunca tive coragem de perguntar ao meu cardiologista, depois do meu enfarto, quanto tempo de vida ele achava que eu ainda teria. Médico experiente que ele é, ele me disse, em minha primeira consulta depois da alta no hospital, que eu poderia viver até os 90 anos — SE… um monte de ses se seguiram: se eu tomasse religiosamente os meus remédios, se eu me alimentasse de forma sensata, se eu caminhasse regularmente, se eu não me excedesse em atividades físicas ou em emoções extraordinárias, se eu visitasse o cardiologista periodicamente… Venho tentando fazer algumas dessas coisas. Em outras, tenho falhado miseravelmente…
Tempos atrás encontrei um site na Internet — infelizmente me esqueci da URL — que fazia aos visitantes uma longa série de perguntas sobre sua história de vida, sobre seus antecendentes familiares, sobre seus hábitos, etc., para lhes fazer uma previsão acerca do dia de sua morte. Lembro-me de que, no meu caso, minha morte foi prevista para o dia 23 de agosto de 2023 — uns dias antes de eu completar 81 anos. Mas isso foi antes do enfarto… Provavelmente a data, hoje, seria antecipada um pouco… Ou será que o site previu o me enfarto e, com tato, omitiu a informação? Quem sabe seriam 81 anos (ou quase) com o enfarto, 100 anos sem ele… 🙂
Quem não viu o filme e já passou dos 60 deve vê-lo. A história faz a gente pensar sobre o sentido de nossa própria vida, sobre o que fazer do tempo que nos resta…
Quem tem idade menor não sente essa pressão: pensa que tem todo o tempo do mundo – não tem urgências…
Que bom que assisti a About Schimidt de novo ontem. Revivi, seis anos depois, muitas das coisas que senti ao ver o filme pela primeira vez. E senti várias coisas novas. É por isso que a gente deve assistir de novo (várias vezes, se necessário) o mesmo filme – se ele é bom. O filme é o mesmo, mas a gente não é o mesmo nas diversas vezes que o assiste.
Em São Paulo, 31 de Outubro de 2010
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